Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 406/2024-T
Data da decisão: 2025-02-03  IRS  
Valor do pedido: € 9.181,06
Tema: IRS – residência fiscal – ónus da prova de residência fiscal noutro Estado
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Sumário:

  1. A residência fiscal é um elemento de conexão essencial para determinar a sujeição a tributação em sede de IRS de acordo com o rendimento mundial.
  2. Os conceitos de “residência fiscal” e de “domicílio fiscal” são distintos, na medida em que o conceito de residência fiscal é relevante para determinação da sujeição a tributação pelo rendimento auferido quer em território nacional, quer no estrangeiro. Já o conceito de domicílio fiscal reporta-se a consequências processuais para o exercício de direitos ou cumprimento de obrigações, configurando-se como o local onde o sujeito passivo é notificado para tal.
  3. No Código do IRS não há qualquer norma que venha limitar os meios de prova a que o contribuinte pode recorrer para comprovar a sua residência fiscal, nomeadamente exigindo a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra, Sónia Martins Reis, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 4 de junho de 2024, acorda no seguinte:

 

 

  1. Relatório

 

  1. A..., contribuinte n.º..., com residência em ... (app. ...) ... ..., Bélgica (doravante designada por Requerente), apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 1, 6.º, n.º 1, e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), (de ora em diante designada por Requerida).

 

  1. No pedido de pronúncia arbitral (ppa), apresentado em 22.03.2024, a Requerente solicita a pronúncia arbitral sobre a (i)legalidade do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa n.º ...2022..., relativo ao ato de liquidação adicional de IRS n.º 2021... relativo ao ano de 2017.

 

  1. Mais peticiona a restituição do valor de € 9.181,06 de IRS e o inerente pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

  1. A Requerente optou pela não nomeação de árbitro. Como tal, e de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 14 de maio de 2024, as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo arguido qualquer impedimento. Em 4 de junho de 2024, foi constituído o Tribunal Arbitral em obediência ao disposto na alínea c) do n.º 11 do RJAT. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

  1. A Requerente alega, sumariamente, o seguinte:

           

  1. É nacional portuguesa, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sendo que desde 2005 que a Requerente reside fora de Portugal, regressando ao país somente em ocasião de gozo de férias.
  2.  Que nunca foi proprietária, arrendatária, usufrutuária ou comodatária de qualquer habitação em Portugal, situação que mantém à data, sendo que no ano de 2017 trabalhou para a organização não-governamental (ONG) humanitária, B... (vulgarmente denominada C...), com sede em ..., França, e onde se encontrava desde abril de 2013.
  3. Que foi destacada para a Guiné-Bissau de 1 de abril de 2016 até 31 de agosto de 2017, tendo posteriormente, sido prorrogado o seu destacamento por duas ocasiões, a primeira, pelo período de 1 de setembro de 2017 até 31 de março de 2018, a segunda, pelo período de 31 de março de 2018 até 30 de junho de 2018, tendo residido na Guiné-Bissau de 1 de abril de 2016 até 30 de junho de 2018 (cf. Documentos 5 e 6).
  4. A Requerente instalou-se, pois, de forma permanente na Guiné-Bissau, aí observando os formalismos necessários, junto das autoridades competentes, para a sua residência, nomeadamente, obtendo uma autorização de residência por parte do Ministério da Administração Interna da Guiné-Bissau, a qual foi emitida em 13 de abril de 2016, sendo válida até 13 de abril de 2021 (cfr. Documento 7), bem como procedendo ao seu registo junto da Embaixada de Portugal na Guiné-Bissau.
  5. Alega a Requerente que como na Guiné-Bissau, os serviços postais são de deficiente organização e eficácia, indicou como domicílio fiscal a casa de morada de seus pais quando atualizou o seu cartão de cidadão em 2017.
  6. Em novembro de 2021, a Requerente foi notificada do ato tributário de liquidação de IRS n.º 2021 ..., relativo ao exercício fiscal de 2017, com data-limite para pagamento voluntário de 29 de dezembro de 2021, do qual resultou um imposto a pagar no valor de 9.181,06€ que foi atempadamente pago pela Requerente.
  7. Por não concordar com o ato de liquidação de IRS supra referido, a Requerente deduziu em 22 de abril de 2022, reclamação graciosa contra a referida liquidação.
  8. Em 5 de janeiro de 2024, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa.
  9. A Requerente não se conforma com a decisão da AT, pois defende que não foi residente fiscal em Portugal no ano de 2017, na medida em que não permaneceu em Portugal por nenhum período seguido ou interpolado de 183 dias, pelo que não se mostra preenchido o critério de permanência de mais de 183 dias em território português estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS.
  10. A Requerente entende que também não preenche o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS para se qualificar como residente fiscal em Portugal, na medida em que não foi proprietária, arrendatária, usufrutuária ou comodatária de qualquer casa em Portugal, sendo que sempre que se desloca a Portugal, fica instalada na casa de seus pais, sendo que inexistem condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual, como exigido ao abrigo desta disposição legal para qualificar um sujeito passivo como residente fiscal em Portugal.
  11. Acrescenta a Requerente que o legislador não densifica como deve ser aferida a intenção do indivíduo, não fornecendo, igualmente, critérios a partir dos quais o aplicador do direito deva formar a sua convicção quanto ao que se entende por residência habitual. Na falta de uma definição legal será necessário efetuar uma análise casuística, devendo o elemento volitivo (a intenção de manter e ocupar um determinado local como residência habitual) ser aferido através de manifestações externas de vontade. A intenção de manter e ocupar uma dada habitação enquanto residência habitual deve, desta feita, ser reconstituída a partir de elementos objetivos que façam supor, com clareza, a vontade do indivíduo.
  12. Este requisito da intenção de manter a habitação como residência habitual não se encontra preenchido de acordo com a Requerente, na medida em que apenas utilizava a casa dos pais em estadias de curta duração, exercendo a sua atividade profissional na Guiné-Bissau, o que aí exigia a sua presença física.
  13. Como tal, conclui a Requerente pela inexistência do animus em manter e ocupar uma habitação para residir habitualmente em Portugal.
  14. A Requerente menciona ainda que a AT a qualifica como residente fiscal em Portugal não apenas por via da morada que consta do cadastro, bem como pela ausência de apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades da Guiné-Bissau.
  15. Para este efeito, advoga a Requerente que apresentou outros elementos de prova idóneos da sua residência na Guiné-Bissau, como sejam o contrato de trabalho e sucessivas prorrogações, ou a autorização de residência na Guiné-Bissau, indicando para tal prova testemunhal.
  16. A Requerente, por entender não ser devido o IRS do ano de 2017, peticiona ainda pelo reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

  1. Por Despacho Arbitral, de 14 de junho de 2024, nos termos do previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, notificou-se a AT para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando dever ser remetido ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da Resposta, aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no n.º 5 do artigo 110.º do CPPT.

 

  1. A Requerida ofereceu Resposta em 9 de setembro de 2024, acompanhada do Processo Administrativo, alegando, em síntese:

 

  1. Não assiste razão à Requerente em considerar que a declaração oficiosa de IRS que deu lugar à liquidação objeto dos presentes autos não se mostra correta e conforme com a realidade e verdade material ao ter sido sujeito a tributação o rendimento disponibilizado pela entidade –D..., pelo trabalho realizado na Guiné-Bissau, como se fosse residente em Portugal;
  2. A Requerida considera que como é consabido, o conhecimento da situação pessoal dos contribuintes por parte da AT depende, em grande medida, da concretização do princípio da colaboração, previsto no artigo 59.º da Lei Geral Tributária (LGT), que abarca a comunicação atualizada pelos próprios da sua real e efetiva situação, sendo certo que se presumem verdadeiras e de boa fé as informações inscritas na declaração de rendimentos, mas também nas diversas interações que se estabeleçam com a AT, nomeadamente no cumprimento das diversas obrigações declarativas previstas na lei;
  3. No caso da matéria controvertida, o artigo 19.º da LGT explicita ser obrigatória a comunicação do domicílio aos serviços tributários, sob pena de ineficácia enquanto esta comunicação não for atualizada (n.º 3 e 4 do art.º 19.º da LGT), sendo que se presume corresponder o domicílio fiscal ao da residência habitual;
  4. De outra parte, igualmente se encontra expresso neste mesmo normativo o dever de atualização do estatuto de residência, a concretizar no prazo de 60 dias a partir da alteração verificada;
  5. O artigo 16.º do CIRS determina quando deve um contribuinte ser considerado residente em Portugal, delimitando-se critérios específicos para qualificar como residente ou não residente em território português, sendo que nos termos do art.º 15.º CIRS, o IRS incidirá sobre a totalidade dos rendimentos auferidos, incluindo os obtidos no exterior, no caso dos residentes (art.º 15.º, nº 1 CIRS);
  6. Na situação concreta, entende a Requerida que se mostra evidente que o pressuposto de permanência em território português por mais de 183 dias não terá sido cumprido;
  7. No entanto, argumenta a Requerida que tal evidência não será assim tão linear quando se tem presente o teor da alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, ademais quando este tem por base a noção de residência como aquela onde os contribuintes implantam o seu centro organizacional e pessoal, onde psicológica e sentimentalmente seja entendido como o centro de vida, para lá de ausências que sejam realizadas, muitas vezes por razões profissionais;
  8. Um dos critérios específicos da previsão do CIRS, no seu art.º 16º, para qualificar as pessoas e outras entidades como residentes, no caso de pessoas singulares cuja permanência em território português seja por menos tempo que o período mínimo de tempo fixado na alínea a) do nº 1, é a de que esta mostre-se acompanhada pela disponibilidade a 31 de dezembro, de uma habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual, sendo claro que no caso da ora Requerente, a Requerida considera que esta sempre manteve o seu domicilio fiscal, que entende corresponder em princípio ao da residência habitual, sito em território nacional, concretamente em Macedo de Cavaleiros e, depois em Lisboa / S.Vicente em final do ano de 2020, tendo procedido à declaração do seu estatuto como não residente apenas em setembro de 2021;
  9. Portanto, entende a Requerida que se a ora Requerente não deu cumprimento à atualização do seu estatuto junto das autoridades tributárias nacionais de acordo com o estatuto que alega ser de não residente, antes pelo contrário, declarando-se domiciliada fiscalmente em Portugal e não detendo a AT qualquer poder omnisciente, então sendo conhecido, pela troca de informação internacional com outras administrações fiscais, ter a contribuinte auferido rendimentos não declarados, entende a Requerida que a sua sujeição a tributação far-se-á em conformidade, oficiosamente, uma vez que a obrigação declarativa também aqui não foi cumprida;
  10. A Requerida argumentou ainda que se residência fiscal e domicílio fiscal são conceitos distintos e que apontam para realidades também distintas, embora uma permita indiciar a sua correspondência, passível de elisão;
  11. Pelo que, entende a Requerida que a Requerente no caso apenas comprova que esteve transitoriamente, embora por um período alargado, a trabalhar na Guiné-Bissau, tal como outros contribuintes que trabalham no estrangeiro, razão pela qual necessitou da autorização das entidades desse país - Autorização de Residência emitido pelo Ministério da Administração Interna da Guiné-Bissau, e terá informado a embaixada portuguesa, mas em momento algum apresenta o documento de residência fiscal emitido pelas autoridades competentes, isto é, o Certificado de residência fiscal que provaria a sua residência fiscal na Guiné-Bissau;
  12. Portanto, defende a Requerida que a ora Requerente no exercício em questão não permaneceu em Portugal, como decorre dos elementos passiveis de serem conhecidos, mas também não era residente para efeitos tributários em qualquer outro país e, dos elementos aos dispor da AT, comunicados pela própria Requerente que igualmente não veio comprovar em sentido distinto, os rendimento da Cat. A auferidos no estrangeiro são sujeitos nos termos do CIRS no país de residência fiscal, que no caso coincide com o do domicílio fiscal – Portugal, não se colocando qualquer questão em sede de convenção para evitar a dupla tributação porquanto os mesmos não foram tributados noutro país;
  13. Nada há, pois, defende a Requerida, a censurar ao ato objeto de impugnação, pelo que o mesmo deve manter-se na ordem jurídica;
  14. A Requerida entendeu ainda que nunca poderia ser condenada no pagamento dos juros indemnizatórios peticionados, na medida em que face ao entendimento de que o pedido não deverá ser deferido, a atuação da Requerida não merecerá qualquer juízo de censura, não havendo qualquer erro imputável aos serviços.

 

  1. Por despacho de 27.12.2024, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi agendada para o dia 10.01.2025, determinando-se a inquirição das testemunhas indicadas.
  2. As partes compareceram no dia agendado, tendo sido ouvidas as testemunhas indicadas.
  3. As partes ficaram ainda notificadas para, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, as quais foram regularmente apresentadas.
  4. Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral até ao termo do prazo legal.

 

 

 

  1. Saneamento

 

  1. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

  1. Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito, para além da questão da alegada incompetência material do Tribunal invocada pela AT que se apreciará no segmento decisório.

 

 

  1. Fundamentação

 

  1. Matéria de Facto

 

  1. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:

 

  1. A Requerente é nacional portuguesa, nunca tendo sido proprietária, arrendatária, usufrutuária ou comodatária de qualquer habitação em Portugal até à presente data.
  2. No ano de 2017, a Requerente trabalhou para a organização não-governamental (ONG) humanitária, B..., com sede em ..., em França.
  3.    Em abril de 2016, a Requerente foi destacada pela B... para a Guiné-Bissau para exercer funções nesse país na qualidade de representante país no programa da Associação na África do Cabo Ocidental.
  4. Este destacamento foi inicialmente feito pelo período de 1 de abril de 2016 até 31 de agosto de 2017, tendo sido prorrogado por duas vezes, ou seja, de 1 de setembro de 2017 até 31 de março de 2018 e de 31 de março de 2018 até 30 de junho de 2018.
  5. A Requerente obteve uma autorização de residência por parte do Ministério da Administração Interna da Guiné-Bissau que foi emitida em 13 de abril de 2016 com validade até 13 de abril de 2021.
  6. Em 2017, a Requerente renovou o seu cartão de cidadão e indicou como morada a residência dos seus pais em Macedo de Cavaleiros.
  7. Em novembro de 2021, a Requerente foi notificada do ato de liquidação de IRS n.º 2021 ... relativo ao exercício fiscal de 2017, do qual resultou imposto a pagar no montante de 9.181,06€ (cf. Doc. 1).
  8. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto em 29 de dezembro de 2021, data-limite para o exercício do pagamento voluntário.
  9. Em 22.04.2022, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRS n.º 2021... do qual resultou imposto a pagar no montante de 9.181,06€ (cf. Doc. 1).
  10. A Requerente foi notificada do indeferimento expresso da reclamação graciosa em 5 de janeiro de 2024.
  11. Na sequência do indeferimento expresso da reclamação graciosa, a Requerente deduziu o presente pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral.
  12. Não existem outros factos com relevo para a decisão da causa que não se tenham provado.
  13. Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

 

  1. Matéria de Direito

 

  1. Declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de IRS

 

No essencial, no dissídio em causa, cumpre apreciar da legalidade do ato de liquidação de IRS relativo ao ano de 2017 que tem como base a controvérsia acerca da qualificação da Requerente como residente fiscal em Portugal no referido ano. Pelo que, a questão que este Tribunal deve verificar é a do enquadramento do conceito de residência fiscal e, consequentemente, determinar se a Requerente cumpre, ou não, os requisitos legalmente exigíveis ao abrigo do artigo 16.º do Código do IRS para se qualificar como residente fiscal em Portugal no ano de 2017.

De acordo com o disposto no artigo 16.º, n.º 1  do Código do IRS, “ São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.”

Nesta sede, e quanto ao conceito de residência fiscal e aos critérios que permitem a qualificação de um sujeito passivo como residente fiscal ao abrigo do disposto no artigo 16.º do Código do IRS seguimos o entendimento plasmado na decisão arbitral relativa ao processo n.º 846/2021-T do CAAD, no qual se determina que “O conceito de residência assume no Direito Fiscal e, em particular, na tributação do rendimento, uma particular importância. Desde logo, (a) agora restringindo a análise ao CIRS, a residência é o critério adoptado para estabelecer o âmbito de aplicação do IRS, sendo os residentes sujeitos a um princípio de tributação de base mundial por contraposição com os não residentes, que apenas são sujeitos a tributação relativamente aos rendimentos obtidos em Portugal (cf. art. 15.º do CIRS). Se o critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes os indivíduos que “permaneçam mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa”, já a alínea b), exigindo uma ligação física menos qualificada, uma permanência inferior, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva relevante com o território português. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado numa perspetiva objetiva, isto é, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.”

É esta a disposição legal aplicável, à luz da qual a questão dos autos deve ser apreciada. Determinar se a Requerente preencheu os requisitos estabelecidos no artigo 16.º do Código do IRS, de modo a verificar se se poderia qualificar, ou não, como residente fiscal em Portugal no ano de 2017.

Atendendo ao disposto na alínea a) [do artigo 16.º, n.º 1 do Código do IRS], a Requerente argumenta que não permaneceu em território nacional mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em 2017, logrou fazer prova de que no período temporal em questão residia e trabalhava na Guiné-Bissau, deslocando-se a Portugal apenas em períodos de férias sem que tal suscitasse o preenchimento do período temporal exigido pela norma legal em referência. Ainda, quanto a este critério de permanência estabelecido na respetiva alínea a) a AT refere expressamente que na situação concreta, se mostrou que o pressuposto de permanência em território português por mais de 183 dias não terá sido cumprido. Pelo que, a Requerente não preenchia o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS para se qualificar como residente fiscal em Portugal.

Já quanto ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, a AT considerou que a Requerente preenchia este requisito para se qualificar como residente fiscal em Portugal, na medida em que mesmo permanecendo em território nacional menos de 183 dias, a Requerente dispunha a 31 de dezembro, de uma habitação em condições que fazia supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual, sendo claro que no caso da ora Requerente, defendeu a AT esta sempre manteve o seu domicílio fiscal, que entende corresponder em princípio à residência habitual, sito em território nacional, concretamente em Macedo de Cavaleiros e, depois em Lisboa / S.Vicente em final do ano de 2020, tendo procedido à declaração do seu estatuto como não residente apenas em setembro de 2021.

            Antes de mais, e para determinar se a Requerente preenche, ou não, o requisito previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS para se qualificar como residente fiscal em Portugal, deve este Tribunal fazer a destrinça entre o conceito de residência fiscal e o conceito de domicílio fiscal. Tal como já referido, o conceito de residência é um critério para determinar a sujeição a tributação de um sujeito passivo. Pelo que, quando um sujeito passivo se qualifica como residente fiscal em Portugal é tributado neste território pelo seu rendimento mundial, ou seja, pelo rendimento que obtém, quer em Portugal, quer fora de Portugal. Já o conceito de domicílio fiscal que se encontra plasmado no artigo 19.º da LGT determina no seu n.º 1 que “1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário: a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual; (…)”. O artigo não desenvolve a noção de residência habitual, concretizando as regras associadas ao domicílio fiscal. Neste sentido, determina que “O domicílio fiscal integra ainda o domicílio fiscal eletrónico, que inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica”. (n.º 2). Por razões atendíveis de organização administrativa necessárias ao exercício de direitos processuais, prevê-se ainda que “3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária (…)” sendo “(…) ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.” Assim, “Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional”. (n.º 6).

            Decorre, reitera-se, desta disposição legal e do artigo 16.º do Código do IRS que a residência fiscal é um elemento de conexão para determinar a forma como um sujeito passivo é tributado, sendo que através da qualificação de uma pessoa como residente fiscal num Estado determina-se a jurisdição tributária de um Estado, bem como a obrigação de imposto. Neste sentido, o Estado arroga-se o direito de tributar os rendimentos dos seus residentes associado a um princípio de tributação universal.

 

 

Já o conceito de domicílio fiscal prende-se com o cumprimento de obrigações tributárias, o que neste último caso permite que um não residente se tenha por domiciliado em Portugal no domicílio do seu representante fiscal. Ademais, o artigo 19.º, n.º 1 da LGT não densifica o que se deve entender por residência habitual, como aliás também não o faz o artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS. O artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS espelha o conceito clássico subjectivista em que apesar de haver uma permanência inferior a 183 dias em território nacional, essa permanência é acompanhada de uma vontade de permanência espelhada pela existência de uma habitação que se pretende que seja a habitação permanente.

            Recorrendo à jurisprudência arbitral já firmada no processo n.º 155/2022-T “ A aplicação do disposto na alínea b) [do artigo 16.º, n.º 1 do Código do IRS], no qual se estabelece como residente quem “(…) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual; (…)” depende da verificação cumulativa de três requisitos, no ano a que respeitam os rendimentos (no caso, 2017): (i) a permanência em Portugal por um período inferior a 183 dias, com referência ao disposto na alínea a) acima referida; (ii) a disposição de uma habitação; e (iii) a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual. A presente alínea exige assim uma ligação física menos qualificada, impondo uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados”. E tal como é referido na decisão arbitral sobre o Processo n.º 457/202-T do CAAD “Se a qualidade de residente, nos termos da al. a) resulta, automaticamente, de um critério fáctico, meramente numérico, a presença em Portugal, a al. b) exige, pela falta de maior presença no território, um elemento adicional de intenção. O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação. A residência habitual é, assim, igualmente um critério fáctico determinado pela permanência regular (habitual) numa determinada habitação e, onde, como tal se presume ter organizada a sua vida”.

Consequentemente, seguimos o disposto na decisão arbitral no processo n.º 332/2022-T do CAAD em que se considera que “Importa, então, analisar a verificação do terceiro requisito, a existência de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual. A este respeito verificamos, contudo, que o legislador não densifica como deve ser aferida a intenção do indivíduo, não fornecendo, igualmente, critérios a partir dos quais o aplicador do direito deva formar a sua convicção quanto ao que se entende por residência habitual. Na falta de uma definição legal será necessário efetuar uma análise casuística, devendo o elemento volitivo (a intenção de manter e ocupar um determinado local como residência habitual) ser aferido através de manifestações externas de vontade. A intenção de manter e ocupar uma dada habitação enquanto residência habitual deve, desta feita, ser reconstituída a partir de elementos objetivos que façam supor, com clareza, a vontade do indivíduo. Nas palavras de ALBERTO XAVIER “[a] intenção de manter e ocupar a habitação como residência habitual, não é objecto de prova directa, antes resulta de condições objectivas que a façam supor.” (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2.ª Edição Actualizada, Coimbra: Almedina, 2007, p. 286). O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação. Assim sendo e para exista uma habitação Para que exista uma residência habitual deverá resultar claro que a habitação mantida em Portugal, pelas suas características, se destina a uma permanência duradoura e não a uma mera passagem de curta duração (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário…op. cit. 286).”

Tal como já abordado, a AT qualifica a Requerente como residente fiscal em Portugal com base no critério previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS porque a Requerente se declarou domiciliada fiscalmente em Portugal.

            De facto, a Requerente aquando da renovação do cartão de cidadão indicou como morada a casa de seus pais, o que implicou a sua imediata inscrição no cadastro como residente fiscal no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes. Contudo, a Requerente fez prova documental de que residia materialmente na Guiné-Bissau, com a apresentação da autorização de residência emitida pelo Ministério da Administração Interna da Guiné-Bissau e o documento de prorrogação do seu destacamento para a Guiné-Bissau (cfr. Doc. 5 e 6), sendo que o exercício das suas funções implicava a sua presença física na Guiné-Bissau. Também por via de prova testemunhal, a Requerente demonstrou que residia na Guiné-Bissau no ano de 2017. 

            Acresce que ficou também demonstrado, por prova testemunhal, que na Guiné-Bissau o sistema de funcionamento dos correios é muito limitado, senão mesmo inexistente o que terá justificado que a Requerente tivesse aquando da renovação do seu cartão de cidadão dado como morada a casa de seus pais para efeitos de receção de correspondência e não porque existisse uma intenção atual de ocupar a casa de seus pais como a sua residência habitual / permanente.

A este respeito, veja-se o Acórdão do STA de 24.02.2011, processo n.º 0876/10, cujo entendimento seguimos e  que estabelece que “(…) resulta evidente que apenas o critério da alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS – tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência actual – deve ser equacionado no caso dos autos como podendo determinar a atribuição ao recorrido da qualidade de residente em Portugal para efeitos de IRS.
Sucede, contudo, que, como explica MANUEL FAUSTINO em «Os Residentes no Imposto sobre o Rendimento Pessoal (IRS) Português» (CTF, n.º 424, p. 124), o referido critério legal «exige a reunião do “corpus” e do “animus”. (…) um “corpus”, constituído por um local de residência, associado a um “animus”, que consiste na “intenção” de a manter e ocupar como residência habitual (…)», pelo que, prossegue o citado autor (op. cit.. p. 125) «(…) ao integrar-se na previsão a manutenção e ocupação dessa casa como residência habitual desde logo se excluem da condição de residentes os que dispõem em Portugal de uma simples habitação secundária (desde que nela não permaneçam mais de 183 dias por ano) ou de férias, bem como aqueles que, nomeadamente os emigrantes, dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como sua residência habitual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas. Não parece, pois, lícito considerar que um emigrante é residente em território português pelo simples facto de ele, em 31 de Dezembro de cada ano, dispor em Portugal de uma casa de habitação, retirando daí, e da sua condição de emigrante – a intenção “de a vir a ocupar” como sua residência habitual. A intenção que a lei exige não é uma intenção para o futuro, é, desde logo, uma intenção imediatista, para o presente (…)». (sublinhados nossos)”.

            No caso da Requerente nem sequer é a mesma proprietária de qualquer imóvel que pudesse indicar a intenção de o vir a ocupar como sua residência habitual, sendo que o imóvel do qual deu a morada é o domicílio de seus pais ao qual regressava a título de férias ocasionalmente e não com o intuito de o fazer de sua habitação permanente.  

Acresce ainda que no concerne à não comunicação do domicílio à administração tributária, nos termos do art.º 19.º, n.º 3 da LGT, acompanhamos o entendimento exposto na decisão arbitral n.º 155/2022-T que remete para a Decisão arbitral prolatada no Processo n.º 36/2022-T do CAAD, na qual se entende que: “(…) a circunstância de o Requerente não ter comunicado à AT nem a mudança do seu domicílio fiscal, nem a alteração do seu estatuto de residência – no ano de 2017, o Requerente estava registado no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT como residente em Portimão, Portugal (cf. facto provado f))–, não pode fundar qualquer tributação, nem pode substituir-se às regras que definem a residência fiscal. A “ineficácia” da mudança de domicílio – repare-se que se diz “domicílio” e não “residência” – referida no artigo 19.º, n.º 4, da LGT não tem, por si só, o alcance de converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, se o mesmo fizer prova em sentido contrário; (…).” O que se mostra aplicável na análise do presente caso.

E continua aquele Tribunal concluindo que “Não tem assim razão a Requerida quando afirma que a prova da residência fiscal do Requerente, no ano de 2017, teria de ser feita através de um “certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais do Reino Unido nos termos do art. 4.º da CDT celebrada entre Portugal e aquele país”, sendo que, ainda na perspetiva da Requerida, o “documento denominado Letter of confirmation of residence (…) não pode ser qualificado como um certificado de residência fiscal para efeitos do artigo 4.º da Convenção”; trata-se de um argumento absolutamente formalista e carecido de respaldo legal, pois inexiste qualquer norma legal, nomeadamente no Código do IRS, que condicione/limite os meios de prova de que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal, designadamente exigindo a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país. Mais refere que, “Por outro lado, também entendemos que não tem qualquer relevância para a determinação da residência fiscal do Requerente o facto de este ter declarado ser residente em território nacional nas declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS, respeitantes ao ano de 2017 (…). Acresce que, apenas o preenchimento dos pressupostos de cada um dos critérios de residência fiscal decorrentes do artigo 16.º do Código do IRS, maxime das alíneas a) e b) do seu n.º 1, permite que uma pessoa seja considerada residente fiscal em Portugal; ou seja, a mera declaração do sujeito passivo não tem a virtualidade de determinar, seja em que sentido for, a sua residência fiscal ou, visto doutra perspetiva, um erro declarativo como o existente no caso concreto não é suscetível de transformar/alterar, seja em que sentido for, uma situação factual subjacente que resulte comprovada”.

Pelo que, entende este Tribunal, como aliás já resulta de jurisprudência do CAAD, que existem outros meios ao dispor do contribuinte que não o certificado de residência fiscal para demonstrar a sua residência fiscal num determinado território.

Com base nos factos apresentados e provados e considerando os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS para qualificar um sujeito passivo como residente fiscal em Portugal, é entendimento deste Tribunal que a Requerente não pode ser considerada fiscalmente residente em Portugal, no ano de 2017, o que impede que seja tributada em Portugal pelos rendimentos auferidos no estrangeiro em 2017.

Assim, e por todo o exposto, deverá o pedido arbitral proceder integralmente.

Termos em que se dá como procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação, por erro de direito, da liquidação de IRS relativa ao ano de 2017 e, bem assim, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, com a consequente restituição do imposto pago.

 

  1. Do direito da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT

 

A Requerente para além da anulação da liquidação oficiosa de IRS relativa ao ano de 2017, e o consequente reembolso do imposto indevidamente pago em Portugal no montante total de 9.181,06€, vem ainda requerer o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

 

De acordo com o artigo 43.º, n.º 1 da LGT há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios quando “(…) se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

Acresce que o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT determina que o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral. Como tal, o Tribunal Arbitral tem competência para conhecer do pedido de juros indemnizatórios submetido pelo Requerente.

 

Para que haja direito a juros indemnizatórios, o imposto deve ser indevido ou deve ter sido pago imposto em montante superior ao devido e tal deve derivar de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

Resulta claro que a decisão da AT de exigir o pagamento do IRS à Requerente assenta num erro de direito que se consubstancia na qualificação da Requerente como residente fiscal em Portugal no ano de 2017.

 

Nestes termos, deve ser reconhecido à Requerente o direito ao recebimento de juros indemnizatórios, contados a partir da data em que o erro imputável aos serviços se materializou, ou seja, do dia seguinte ao da notificação, dentro do prazo legal, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (v. artigo 43.º, n.º 1 da LGT).

 

 

  1. Decisão

 

De harmonia com o supra exposto, determina este Tribunal Arbitral:

  1. Julgar totalmente procedente o pedido de anulação do ato tributário de liquidação oficiosa de IRS relativa ao ano de 2017, com o consequente reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia paga de 9.181,06€;
  2. Reconhecer à Requerente o direito a juros indemnizatórios, a liquidar nos termos legais.
  3. Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.

 

  1. Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de 9.181,06 €, indicado pela Requerente, respeitante ao valor indicado pela Requerente e que corresponde ao ato de liquidação oficiosa de IRS impugnado, e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Custas

 

            Custas no montante de 918 €, a suportar pela Requerida, por decaimento integral, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

 

 

 

Notifique-se,

 

Lisboa, 3 de fevereiro de 2025

 

A árbitra,

 

 

Sónia Martins Reis