Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 950/2024-T
Data da decisão: 2025-01-29  IRC  
Valor do pedido: € 296.771,64
Tema: Derrama municipal – rendimentos oriundos do estrangeiro
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SUMÁRIO:

  • A parte do lucro, tributável em IRC, oriunda de uma atividade empresarial realizada no estrangeiro através de um estabelecimento estável ou similar, não está sujeita ao pagamento da derrama municipal por falta de legitimidade de um qualquer município português para a tributar.
  • Nos demais casos (vg. rendimentos passivos oriundos do estrangeiro), a tributação em derrama municipal deve ter lugar por, dada a ausência de uma estrutura empresarial no estrangeiro, tais rendimentos serem, legalmente, localizados no município da sede do sujeito passivo

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A..., S.A., NIPC..., com sede no..., ...– ..., n.º ..., ..., ...-... ..., Algés, veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

I -RELATÓRIO

 

  1. O pedido

 

A Requerente impugna parcialmente a autoliquidação que fez da derrama municipal relativa ao exercício de 2022, a qual se encontra incluída na liquidação de IRC n.º 2023..., bem como na liquidação de juros com o n.º 2024... .

Em concreto, entende que liquidou e pagou mais € 296.771,64 do que o legalmente devido.

Consequentemente, pede a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

Peticiona, ainda, a condenação da requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

  1. O litígio

 

A Requerente, depois de expor a evolução do regime legal da derrama municipal, conclui acentuando o seguinte:

- Em suma, e do que acima se expôs, resulta claro que a derrama municipal, constituindo uma receita dos municípios (nos termos do artigo 14.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais), tem como base relevante para o seu apuramento o lucro tributável sujeito e não isento de IRC que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica.

- A contrário, não deverá ser considerado para efeitos do apuramento da derrama municipal devida em cada município o lucro tributável sujeito e não isento de IRC que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica.

- Nesta medida, do princípio acima enunciado resulta que a proporção do rendimento que não seja gerado na circunscrição de nenhum dos municípios existentes em território português deverá ficar fora do âmbito de incidência da derrama municipal.

 

Adiante-se que, segundo a Requerente, o excesso de derrama municipal por ela liquidado e pago decorre da inclusão na base tributável do imposto de rendimentos oriundos do estrangeiro.

 

Por sua vez, a AT indeferiu a reclamação graciosa (necessária) apresentada pela Requerente pelos seguintes fundamentos:

- nos termos do Regime Financeiro das Autarquias Locais, a derrama municipal, que é um imposto acessório ao IRC, tem como base de tributação, tal como este último, o lucro tributável de entidades residentes que exerçam, a um título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável que estão situadas em território português.

- o Regime Financeiro das Autarquias Locais não possui regras específicas para a determinação da derrama municipal, pelo que, na ausência de outra legislação sobre o tema, terão de ser tomadas em consideração as regras consagradas no Código do IRC, como o seu artigo 3.º – “Base de imposto”, o artigo 4.º – “Extensão da territorialidade” e ainda o artigo 17.º - “Determinação do lucro tributável”, incluindo, desta forma, a base tributável da derrama os rendimentos provenientes de fonte estrangeira, conforme defendido pela Direção de Serviços do IRC.

- na legislação em vigor que disciplina a figura da derrama municipal não existe qualquer norma que exclua da base tributável rendimentos provenientes do estrangeiro, pelo que não se pode inferir um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei correspondência verbal.

- do Regime Financeiro das Autarquias Locais não consta qualquer exclusão de tributação relativamente à parte do lucro tributável obtido fora do território nacional, sendo que o Código do IRC estabelece a extensão da obrigação do imposto relativamente às pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português, havendo assim, o englobamento da totalidade dos rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

 

 

  1. Tramitação processual

 

O pedido foi aceite em 09/08/2024.

Os árbitros foram nomeados pelo Conselho Deontológico do CAAD, aceitaram as nomeações, as quais não foram objeto de oposição.

O tribunal arbitral ficou constituído em 15/10/2024.

A Requerida apresentou resposta e juntou o PA.

Por despacho de 19/01/2025, foi prescindida a realização da reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT bem como a produção de alegações. Nenhuma das partes se opôs.

 

  1. Saneamento

O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.

Não foram alegadas nem detetadas questões suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito.

 

 

II- FACTOS

 

II.1 – Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).
  2. Com referência ao período de tributação de 2022, liquidou derrama municipal no montante de € 768.399,97, tomando por base a totalidade do seu lucro tributável individual.
  3. A Requerente não poderia autoliquidar a derrama municipal de forma diversa atentas as limitações inerentes ao sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira, o qual, no cálculo da derrama municipal, impõe a consideração do lucro tributável total apurado.
  4. O lucro tributável apurado pela Requerente, no montante de € 54.885.712,32, inclui um rendimento correspondente a uma mais-valia fiscal, no montante de € 21.197.974,06, decorrente da alienação das ações detidas no Fundo luxemburguês B...-SIF, S.C.A. (“B...”)
  5. Tais mais-valias decorreram da alienação de três ativos hoteleiros e das unidades de participação detidas nos fundos B...-SIF, S.C.A e Fundo Recuperação Turismo.
  6. A Requerente deduziu reclamação graciosa tendo por objeto a autoliquidação de IRC, reclamação restrita à parte da autoliquidação da derrama municipal que ora impugna, a qual foi expressamente indeferida em 9 de maio de 2024, pelos fundamentos que já acima se deixaram sumariados.

 

Os factos dados como provados decorrem da documentação junta aos autos, não tendo sido objeto de qualquer divergência entre as partes.

Não se deu por provado o quantitativo da derrama municipal a cuja devolução, em caso de procedência do pedido, a Requerente terá direito a reaver, uma vez que é competência própria da AT proceder à respetiva quantificação em sede de execução de sentença.

 

II.2 – Factos não provados

 

Não existem factos dados como “não provados” relevantes para a decisão da causa.

 

 

III- O DIREITO

 

  1. A causa de pedir

 

A Requerente funda o seu pedido na invocação da ilegitimidade de um qualquer município português para exigir o pagamento da parte da liquidação da derrama que impugna por “falta de conexão territorial”, uma vez que estão em causa rendimentos oriundos do estrangeiro.

Ou seja, a Requerente põe em causa o direito à tributação do município onde se situa a sua sede (e a de qualquer outro município português) relativamente aos rendimentos oriundos do estrangeiro.

A posição da AT louva-se nas normas de incidência real da derrama municipal, as quais remetem para as normas de incidência do IRC, as quais, por sua vez, estabelecem um âmbito mundial dessa tributação (worlwide income) relativamente aos sujeitos passivos residentes em Portugal.

 

É bom de ver que a aplicação das regras de incidência está condicionada à existência de legitimidade para tributar. Não existindo tal legitimidade, ainda que apenas parcialmente – relativamente a rendimentos oriundos do estrangeiro – fica, sem mais, excluída a aplicação das regras de incidência, seja elas quais forem.

Portanto, a validade da posição sustentada pela AT– a qual, em abstrato, se nos afigura correta – depende, in casu, de um pressuposto, o da improcedência da causa de pedir invocada pela Requerente.

  1. A jurisprudência

 

Desde sempre foi pacífica a ideia de que, coincidindo a incidência real da derrama municipal com a do IRC, os rendimentos obtidos fora do território português estariam sujeitos, também, a tributação pelo primeiro dos referidos impostos.

 

A dissonância surge, ao que cremos pela primeira vez ao nível do STA, no processo n.º 03652/15.3BESNT 0924/17, de 13 de janeiro de 2021.

Pela sua importância, transcrevemos o respetivo sumário


I - O reporte e ligação da incidência, específica, da derrama municipal, à “proporção”, à parte de um total, do rendimento gerado num determinado município, só pode significar que o cálculo, o apuramento da derrama, quando ocorrer e na medida do possível (permitida pela contabilidade), tem de implicar as operações aritméticas necessárias ao isolamento, relativamente a outros auferidos, do rendimento gerado no município beneficiário e, posterior, aplicação da percentagem (até ao máximo de 1,5%) pelos seus órgãos deliberada.


II - As derramas municipais têm, para legitimação, de se ligar à atividade que o sujeito passivo desenvolve na área geográfica/território do município recetor, objetivando a respetiva autoliquidação, em primeira linha, contribuir para colmatar as necessidades financeiras deste, na medida, proporcional, da pegada deixada, por aquele, nas suas infraestruturas, serviços, imobilizado corpóreo…


III - Em situações de, isoláveis, parcelas de rendimentos auferidos no estrangeiro, só esta forma de entender e operar, permite alcançar um resultado equitativo e materialmente justo.


IV - O lançamento de derrama devendo, por regra, imperativa, incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, tem de, quando possível a destrinça, comprovada, por não se tratarem de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, retirar, da competente base de incidência, aqueles que, num determinado exercício, forem obtidos fora do território nacional (e, consequentemente, dos municípios portugueses, os beneficiários, exclusivos, daquela).

 

Importará salientar o seguinte:

O que estava em causa nesse aresto era (citamos): Do resultado do GRUPO A…………….., no valor total de € 65.181.876,87, resultou provado que € 52.079.027,80 resultam de rendimentos gerados exclusivamente pelas Sucursais e Estabelecimento Estável da Sociedade ora RECORRENTE (individualmente considerada), constituídos em Angola, Moçambique e Argélia (sublinhado nosso).

 

Portanto, mesmo perfilhando a posição de princípio assumida em tal acórdão, há que saber se a conclusão por ele sufragada é transponível para uma situação factual diferente, que é a dos presentes autos – a de rendimentos oriundos do estrangeiro obtidos sem intermediação de um estabelecimento estável ou realidade económica equivalente sita noutro país.

E, adiantamos desde já, a conclusão pode ser diferente sem qualquer contradição com o decidido pelo STA, dada evidente falta de identidade factual.

Adiantamos desde lá: pensamos que parte da jurisprudência arbitral citada pela Requerente se limitou a louvar-se no sumário de tal acórdão do STA, sem cuidar da relevância da realidade factual sub judice em cada um desses casos.

 

 

  1. A derrama municipal como imposto acessório do IRC

 

A derrama municipal era tradicionalmente havida como um imposto acessório, dependente do IRC (anteriormente, da Contribuição Industrial), com caraterísticas de excecionalidade[1], revestindo a natureza de um adicional. A relação de dependência da derrama relativamente ao IRC era evidente na medida em que, incidindo sobre a coleta do imposto principal, a sua exigência apenas tinha lugar quando e na medida em que houvesse tributação naquele imposto. Ou seja, na prática, a derrama era como que uma sobretaxa do IRC, revertendo o seu produto a favor do município da sede do sujeito passivo.

A partir de 2007 a situação alterou-se: a derrama municipal passou a revestir a natureza de adicionamento, a ser calculada com base no lucro tributável, apurado segundo as regras do IRC (e não com base na coleta deste imposto). O mesmo é dizer que pode haver lugar a tributação em derrama sem haver lugar ao pagamento de IRC.

O que tem levado a jurisprudência (e alguma doutrina) a concluir que “É certo que, de acordo com a actual redacção da LFL de 2007, se trata (a derrama municipal) claramente de um imposto autónomo em relação ao IRC, pois todos os seus elementos estruturantes ora resultam da lei (sujeito activo, margem de taxas) ou obedecem à intervenção da autarquia local (tributação ou não, taxas concretas) (…) (Ac. STA de 2 de fevereiro de 2011, proc. n.º 0909/10)

 

 

  1. O princípio da autotributação

 

Outro ponto que entendemos frisar: a derrama municipal é expressão principal do princípio de autotributação ao nível local.

A Lei prevê que os municípios, através do decisão do respetivos órgãos deliberativos podem deliberar lançar uma derrama, de duração anual e que vigora até nova deliberação, até ao limite máximo de 1,5 /prct., sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território (art.º 18º, nº 1, da Lei 73/2013, que estabelece o regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais).

 

Importa salientar este ponto: a legitimidade para a criação deste imposto pertence aos municípios, uma vez que é seu o poder essencial de decidir, em cada ano, se a tributação neste imposto vai ou não acontecer relativamente aos sujeitos passivos residentes /estabelecidos na respetiva área tributária.

Estamos perante um poder tributário relativo à própria existência prática do imposto (à correspondente ablação tributária) que pertence aos municípios, ao arrepio do que resultaria de em entendimento estrito do princípio da legalidade fiscal, na sua dimensão formal de reserva de Lei da Assembleia da República.

Segundo alguns autores, estamos mesmo perante um verdadeiro costume constitucional, que se imporia ao dizer expresso do art.º 103, nº 2, da CRP: o exercício da soberania fiscal não pertence em exclusivo à Assembleia da República, as assembleias municipais exercem-na também, ainda que de forma limitada, relativamente a impostos municipais, no caso a derrama municipal.

Situação que, a nosso ver, não belisca o fundamento da atribuição à Assembleia da República do poder originário de criar impostos, pois o princípio da autotributação também é respeitado quando as assembleias municipais (também elas, tal qual a AR, eleitas por sufrágio direto) exercem soberania fiscal relativamente a impostos estritamente conexos com o seu território.

Sublinhar, por fim, que é a “conexão” da manifestação de capacidade contributiva que a derrama municipal visa tributar com a área geográfica do município sede do sujeito passivo que determina a legitimidade (da respetiva assembleia municipal) para tal tributação.

 

 

  1. O princípio do benefício

 

Importará, também, relevar que o fundamento da derrama municipal é o princípio de benefício

Muito embora, constitucionalmente, todos os impostos tenham de incidir sobre manifestações de capacidade contributiva (no caso, a existência de lucro tributável), aos impostos municipais é apontada uma (outra) razão de ser. No caso da derrama municipal, ser uma contrapartida das condições para exercício de uma atividade empresarial a que cada município oferece às empresas aí localizadas.[2]A derrama visa assim financiar os Municípios, pelos custos que estes têm de assumir face à presença, nos respetivos municípios de sociedades comerciais (infraestruturas públicas, e manutenção destas, prestação de serviços públicos, etc.

O que, como veremos, assume particular relevância no caso em apreciação.

 

 

  1. A legitimidade para tributar

 

Em concreto, a questão coloca-se relativamente a rendimentos oriundos do estrangeiro obtidos por uma entidade sediada em Portugal (necessariamente, num município português).

A pergunta que se coloca é saber se tal município tem ou não legitimidade para os tributar.

A questão não se coloca, nos mesmos termos, relativamente a rendimentos gerados em Portugal: neste caso, a tributação em derrama municipal é legítima, por existência do elemento de conexão relevante. O tema será então o da repartição do lucro que serve de base à incidência deste imposto quando a atividade empresarial do sujeito passivo se reparta por vários municípios.

 

Como vimos, resulta da “lógica” da derrama municipal, tendo expressão literal no nº 1 do art.º 18.º da Lei do Regime Financeiro das Autarquias Locais), que a legitimidade da tributação se refere aos rendimentos gerados na área do município.

O que bem se compreende, porquanto só relativamente a empresas presentes no espaço municipal é que se pode falar da prestação de serviços e outros bens pelo ente públicos, geradores do benefício que, materialmente, legitima esta tributação local.

É também o grau de presença em cada município que legitima a intervenção autónoma da respetiva assembleia municipal, o exercício dos poderes de autotributação atrás referidos.

 

Importará clarificar o significado de rendimentos gerados.

Está em causa – cremos que incontestavelmente - a localização da fonte económica do rendimento, o lugar onde efetivamente é levada a cabo a atividade dele geradora.

Não está em causa, portanto, a fonte financeira de tais rendimentos, o local onde são pagos, onde se situa a entidade devedora ou a pagadora.

O mesmo é dizer que, no nosso entendimento, não basta o facto de o a entidade devedora estar situada no estrangeiro, aí exercer a sua atividade, (de se tratar de rendimentos oriundos do estrangeiro) para os excluir da tributação em derrama municipal. Para tal tributação não ter lugar, tais rendimentos têm de provir de uma atividade empresarial realizada no estrangeiro pelo sujeito passivo, ser gerados fora de Portugal.

O mesmo é dizer que entendemos que apenas nos casos em que seja possível localizar no estrangeiro a atividade geradora do rendimento é que este ficará excluído de tributação em Derrama Municipal.

Um rendimento, integrando o lucro tributável e IRC, será imputável à atividade no estrangeiro de um residente em Portugal quando decorrer da atividade de um estabelecimento estável situado no estrangeiro.

Existindo no estrangeiro um estabelecimento estável, uma qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, nenhuma dúvida existirá quanto à localização da fonte económica dos rendimentos assim obtidos. E nenhuma dúvida existirá, também, quanto à não existência de um qualquer benefício (disponibilização de infraestruturas, prestação de serviços, etc.) resultante da atividade do município português que se arroga do direito à tributação.

 

Esta linha de pensamento, que pensamos estar em consonância com o citado acórdão do STA, foi sustentada, ao que cremos pela primeira vez, por José Carlos Abreu na sua monografia A Tributação dos Estabelecimentos Estáveis [3], a qual continua a ser referência principal sobre o tema: Defendemos assim que, para efeitos de derrama, ao lucro tributável total apurado pela empresa deve ser expurgado o lucro obtido através do estabelecimento estável localizado no estrangeiro.

 

Relativamente a rendimentos obtidos no estrangeiro (melhor, oriundos do estrangeiro) sem intermediação de um estabelecimento estável há que concluir que, por falta de suficiente elemento de conexão, os mesmos se consideram como tendo sido obtidos no município onde se localiza a sede do sujeito passivo, em obediência ao que dispõe (presunção legal) o nº 13 do art.º 18º da Lei do Regime Financeiro das Autarquias Locais

O que corresponderá, em geral, à realidade: os rendimentos obtidos sem intermediação de um estabelecimento estável corresponderão, por regra, a rendimentos passivos, nomeadamente rendimentos de capitais. Tais rendimentos resultarão, as mais das vezes, de uma atividade, ainda que mínima, realizada em Portugal, onde se situa a sede da sociedade. Serão aí que serão tomadas as decisões de investimento, feita a gestão da carteira de títulos, a emissão da documentação relativa aos montantes recebidos, etc. Será aí que serão suportados os custos inerentes.

 

  1. Decidindo:

 

Transpondo as considerações anteriores para o caso concreto temos que não foi, sequer, alegada a existência de uma sucursal, de um estabelecimento estável ou de uma qualquer outra estrutura economicamente equivalente situado no estrangeiro, à qual deva ser imputada a obtenção dos rendimentos (mais valias) em causa nos presentes autos.

 

Mais ainda, não foi alegado e/ou demonstrado que a fonte económica das mais-valias (segundo o alegado pela Requerente, estão em causa participações em fundos detentores de ativos hoteleiros) esteja situada fora do território português.

Estamos perante rendimentos passivos, a qual, como é normal, não terá implicado a existência de uma qualquer estrutura diretamente afeta à sua obtenção.

É assim de aplicar (diretamente ou por evidente identidade de razões) o disposto no nº 13 do art.º 18º da Lei do Regime Financeiro das Autarquias Locais: Nos casos não abrangidos pelo n.º 2[4], considera-se que o rendimento é gerado no município em que se situa a sede ou a direção efetiva do sujeito passivo ou, tratando-se de sujeitos passivos não residentes, no município em que se situa o estabelecimento estável onde, nos termos do artigo 125.º do Código do IRC, esteja centralizada a contabilidade.

 

Em suma, os rendimentos em causa, porque não imputáveis a estabelecimentos estáveis ou similares e localizados no estrangeiro, têm-se por localizados no município onde se situa a sede da Requerente, o qual, por tal razão, tem legitimidade para os tributar em derrama municipal.

 

 

IV- DECISÃO ARBITRAL

 

Pelo exposto, conclui-se pela improcedência do pedido principal e, consequentemente, dos demais, porque daquele dependentes.

 

 

Valor: € 296.771,64

 

Custas arbitrais, no montante de € 5.202,00, a cargo da Requerente por ter sido total o seu decaimento.

 

Lisboa, 29 de janeiro de 2025

 

 

Os árbitros

 

 

 

Rui Duarte Morais [5]

 

 

Martins Alfaro

 

 

Jesuíno Alcântara Martins

 



[1] A sua receita teria de ser consignada, pelo município beneficiário, a “melhoramentos urgentes a realizar no município”.

[2] Uma lógica algo semelhante à das modernas contribuições financeiras.

[3] José Carlos Abreu, A Tributação dos Estabelecimentos Estáveis, Vida Económica, 2012, pág.148.

[4] O qual dispõe: Para efeitos de aplicação do disposto no número anterior, sempre que os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município (…) (sublinhados nossos).

[5] Alterei a minha posição relativamente à que subscrevi no acórdão arbitral 29/2024.