SUMÁRIO: I – A revogação do ato tributário impugnado após constituição do Tribunal Arbitral, dando satisfação à pretensão formulada pelo Requerente quanto à sua anulação parcial, constitui causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, que se verifica quando “por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por ter encontrado satisfação fora do esquema da providência pretendida”.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, Conselheira Maria Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora e Dr. André Sousa Tavares (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., S.A, com o número de identificação fiscal ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Lisboa, sob o número ..., com sede na Rua ... piso ...-sala ...-... Massamá, (doravante designado por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), não tendo utilizado a faculdade de designar árbitro.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex.mº Senhor Presidente do CAAD em 07 de Agosto de 2024 e automaticamente notificado à AT, e, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, tendo estes comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável, sem oposição das Partes.
A. Objeto do pedido.
Síntese da posição das Partes.
Tramitação processual.
1. O Requerente peticiona a anulação do ato de liquidação oficiosa de IRC referente ao período de tributação de 2021, por violação do princípio da colaboração e do princípio constitucional da tributação com base no rendimento real e na capacidade contributiva, designadamente:
-
Liquidação n.º 2024 ..., de 9 de fevereiro de 2024, à qual acrescem a liquidação de juros compensatórios e a correspondente demonstração de acerto de contas, que apurou um montante total a pagar de €70.603,53 e o respetivo processo de execução fiscal n.º ...2024...
Mais pede o Requerente:
-
O reconhecimento e aceitação da declaração de rendimentos Modelo 22 entregue pelo sujeito passivo para o ano de 2021, fixando-se a matéria coletável a considerar para aquele exercício no montante de €16.640,94.
-
A condenação da Requerida no pagamento das custas do processo
2. Nos termos do previsto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, afigura-se admissível a cumulação de pedidos relativos aos diferentes atos objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, porquanto a procedência destes depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito.
3. Notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, a Requerida, no âmbito das diligências necessárias à análise da situação apresentada no pedido de pronúncia arbitral, foi informada pelos serviços competentes de que os fundamentos da impugnação apresentados pelo Requerente, quanto ao despacho proferido no qual "se concluiu pela anulação parcial" da liquidação oficiosa de IRC relativa ao ano de 2021, revelam, na verdade, uma verdadeira anulação total do referido ato tributário.
Com efeito, todos os valores mencionados na liquidação, tanto a título de matéria coletável a considerar (€ 16.640,94), como de tributações autónomas (€ 336,72), correspondem rigorosamente aos valores constantes da autoliquidação realizada pelo sujeito passivo. Este facto justifica a anulação das liquidações impugnadas e, em consequência da revogação operada pela Requerida, torna-se evidente a perda de interesse no prosseguimento do presente procedimento.
Assim, verifica-se a inutilidade superveniente da instância, pelo que a requerente requere a sua extinção e a consequente restituição à Requerente da taxa arbitral paga, bem como a aplicação das demais consequências legais.
4. Em 18 de novembro de 2024, foi remetido aos autos um requerimento de junção do despacho da Sra. Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária do Rendimento, datado de 16 de outubro de 2024, pelo qual se procedeu à revogação parcial do ato tributário impugnado, na medida do peticionado, reconhecendo-se, adicionalmente, o direito do Requerente a juros indemnizatórios.
5. Considera o Tribunal estarem reunidos os pressupostos para a extinção da instância, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 29.º do RJAT, com a condenação da Requerida nas custas processuais, na medida em que deu causa à presente ação e, consequentemente, à extinção da instância, conforme previsto nos artigos 527.º e 536.º, n.ºs 3 e 4, do CPC.
6. Nos termos do Despacho Arbitral de 19 de novembro de 2024, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, sendo dado prazo para a produção de alegações escritas.
II. SANEAMENTO
1. O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 15 de outubro de 2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
4. Quanto ao valor da causa:
a. Nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, com remissão para o artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), tendo o pedido de pronúncia arbitral por objeto a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, o valor da causa é determinado em função do valor “cuja anulação se pretende” (artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT).
b. O Requerente indica o valor de € 70.603,53, não contestado pela Requerida;
c. Fixa-se, assim, o valor do processo em € 70.603,53 equivalente ao peticionado e objeto de anulação administrativa, em conformidade com o disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA) e dos elementos remetidos aos autos pela Requerida, fixa-se como segue:
A. Factos Provados:
1. O Requerente encontra-se inscrito em sede de IRC, tendo iniciado a sua atividade em 1 de janeiro de 1992, exercendo as atividades de Contabilidade e Auditoria; Consultoria Fiscal, correspondentes ao Código de Atividade Económica (CAE) 69200, estando enquadrado no regime geral de tributação em sede de IRC.
2. Antes da emissão da liquidação oficiosa de IRC, a Requerente foi notificada através da sua caixa postal eletrónica (via CTT) pelo Aviso n.º ..., emitido em 9 de novembro de 2022 e remetido em 14 de novembro de 2022, cuja notificação foi concretizada em 2 de dezembro de 2022, nos termos do n.º 10 do artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para apresentar a declaração Modelo 22 em falta, referente ao período de tributação de 2021, nos seguintes termos:
-
Foi detetada a falta de entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) para o referido período, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º do Código do IRC.
-
A Requerente foi informada do prazo de 30 dias, contados de forma contínua após o 15.º dia posterior ao registo da sua disponibilização na caixa postal eletrónica [n.º 9 do artigo 38.º e n.º 10 do artigo 39.º do CPPT], para proceder à regularização do incumprimento.
-
Foi ainda informada de que, caso não efetuasse a entrega da declaração no prazo indicado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) procederia à emissão de uma liquidação oficiosa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC. Esta liquidação teria por base o maior dos seguintes valores:
-
A matéria coletável determinada, com base nos elementos de que a Administração Tributária e Aduaneira disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0,75;
-
A totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada;
-
O valor anual da retribuição mínima mensal. o n.º 1, do art.º 117º do Código do IRC.
3. O Requerente não submeteu a declaração Modelo 22 dentro do prazo notificado, motivo pelo qual a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) procedeu, em 16 de fevereiro de 2024, à emissão da liquidação oficiosa referente ao ano de 2021.
4. O Requerente foi considerada notificada da liquidação oficiosa de IRC e dos respetivos juros compensatórios, referentes ao período de tributação de 2021, em 6 de março de 2024, conforme informação disponível no Sistema Eletrónico de Citações e Notificações, no valor total de €70.603,53.
5. A declaração Modelo 22 referente ao período de tributação de 2021 foi entregue pelo Requerente em 26-02-2024, tendo sido declarado lucro tributável de €16.640,94 e IRC a pagar de €1.878,99.
6. O Requerente não procedeu ao pagamento do valor apurado na referida liquidação oficiosa, cujo prazo limite para pagamento era 4 de abril de 2024. Em consequência, foi emitida a certidão de dívida n.º 2024 ... e instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2024... .
7. O Requerente apresentou reclamação graciosa (PRG n.º ...2024...), em 13-03-2024.
8. A Requerida elaborou o projeto de decisão de indeferimento em 19-07-2024, por ter verificado “que os documentos apresentados em sede de exercício do direito de audição, nomeadamente, a IES, Balancete analítico e mod. 22, não se mostram suficientes para confirmar os valores incluídos na declaração Modelo 22”, tendo sido a requerente notificada daquele projeto de decisão por carta registada RH ... PT (ofício ... de 22.07.2024), rececionada em 23.07.2024.
O fundamento que sustentou este projeto de indeferimento da reclamação graciosa, foi não estar demonstrado pela Requerente o alegado excesso na liquidação efetuada pela AT da matéria tributável, sendo que é sobre o sujeito passivo que recai o ónus daquela prova conforme determinado no n. º1 do art.º 74.º da LGT (“verifica-se que os documentos contabilísticos apresentados, não permitem validar o pretendido, uma vez que não juntou qualquer documento de suporte aos registos contabilísticos”).
9. O Requerente exerceu o direito de audição prévia, apresentando diversos documentos contabilísticos. Após análise, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) considerou que a prova apresentada pelo contribuinte é suficiente para justificar a revisão do ato tributário em apreço, concluindo que a liquidação oficiosa de IRC referente ao período de tributação de 2021 deve ser anulada.
10. O pedido de constituição do tribunal arbitral data de 15 de outubro de 2024 (cfr. registo do CAAD);
11. Em 18 de Novembro de 2024, deu entrada nos autos requerimento da Requerida, dando notícia de Despacho de anulação proferido pela Sra. Subdiretora Geral da Área de Gestão Tributária do Rendimento competente, juntando o despacho.
B. Factos não provados:
Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.
C. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos dados como provados resultaram da análise crítica dos documentos juntos aos autos, bem como das posições assumidas pelas Partes nos respetivos articulados.
III.2. DO DIREITO
1. Da inutilidade superveniente da lide.
O objeto da presente ação arbitral enquadra-se na previsão do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, já que a pretensão do Requerente era a da “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, da competência dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD.
Nos termos do n.º 1 do artigo 13.º, do RJAT, a Autoridade Tributária e Aduaneira dispõe de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, para proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, iniciando-se então a contagem do prazo para constituição do tribunal arbitral, de acordo com o artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
A revogação do ato tributário impugnado após constituição do Tribunal Arbitral, dando satisfação à pretensão formulada pelo Requerente quanto à sua anulação parcial, constitui causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, e que, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, se verifica quando, “por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por ter encontrado satisfação fora do esquema da providência pretendida” .
Obtida a integral satisfação do pedido, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, conclui-se que a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, porquanto o fim visado pelo Requerente com a presente ação arbitral foi atingido por outro meio (anulação administrativa), encontrando-se, assim, verificados os pressupostos de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.
2. Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
Tal como referido supra, a inutilidade superveniente da lide decorre da verificação de um facto, na pendência da instância judicial (ou arbitral), mediante a qual a solução do litígio deixa de ter interesse e utilidade, designadamente por ter sido satisfeita, por meios extrajudiciais, a pretensão deduzida pelo autor.
Na situação concreta dos autos, verifica-se que a pretensão do Requerente foi voluntariamente satisfeita pela Requerida, por meios administrativos (extrajudiciais), à margem da prolação de qualquer julgado anulatório, devendo-lhe, portanto, ser imputável a inutilidade superveniente da lide.
Em casos que tais, a repartição das custas, a efetuar na decisão final, é feita de acordo com os n.ºs 3 e 4 do artigo 536.º, do CPC, em que se dispõe que:
“Artigo 536.º Repartição das custas
1 – (…)
2 – (…)
3 – Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
4 – Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.”
Termos em que não pode a Requerida deixar de ser condenada no pagamento da totalidade da taxa de arbitragem.
IV. DECISÃO
Nos termos acima expostos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:
a) Declarar extinta a presente instância arbitral, por inutilidade superveniente da lide;
b) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
V.VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € €70.603,53 (setenta mil, seiscentos e três euros e cinquenta e três cêntimos).
VI.CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 2 448,00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique-se.
Lisboa, 18 de janeiro de 2024.
Os Árbitros,
Maria Fernanda Maçãs
(Presidente)
José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora
(Vogal)
André Sousa Tavares
(Vogal-relator)
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do D.L. n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.