DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1.A, contribuinte n.º …, notificada que foi das liquidações de Imposto do Selo (1.ª prestação) do ano de 2013 e a que correspondem os números, 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …, apresentou, em 29/07/2014, pedido de pronúncia arbitral, no qual peticiona a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de tal imposto, no montante total de € 2663,83.
1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 16/09/2014 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.
1.3.No dia 01/10/2014 ficou constituído o tribunal com árbitro singular.
1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 do RJAT foi a Administração Tributária (AT), em 10/10/2014 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
1.5. Em 14/11/2014 a AT apresentou a sua resposta.
1.6. O tribunal em 09/02/2015, perante a ausência de solicitação de produção de prova adicional, ao abrigo do princípio da livre determinação das diligências de produção de prova, da autonomia na condução do processo e perante o requerimento de dispensa de realização da reunião a que alude o art. 18.º, n.º 1 do RJAT pela AT e de alegações finais, determinou a notificação da Requerente para dizer se pretendia a realização da sobredita reunião e, em caso negativo, para, querendo, apresentar as suas alegações.
1.7. A Requerente em 12/02/2015 apresentou requerimento aos autos no qual renunciou ao direito de apresentar alegações e de presença na primeira reunião do tribunal arbitral.
1.8. O tribunal em 13/02/2015 decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere e agendou a data para prolação da decisão final no dia 24/02/2015, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT.
2. SANEAMENTO
A cumulação de pedidos subjacentes ao de pronúncia arbitral é admissível, porquanto tem por objecto actos de liquidação do mesmo imposto, o do selo. Como também se verifica a identidade entre a matéria de facto e porque a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT.
O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
3. POSIÇÕES DAS PARTES
São duas as posições em confronto, a da Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral e a da AT na sua resposta.
Sintetizando:
A Requerente entende que:
a) “…há lugar a sujeição a imposto do selo da verba n.º 28.1 da TGIS quando se verifique a conjugação de dois pressupostos: (i) a afectação habitacional do prédio, (ii) o VPT constante da matriz seja igual ou superior a € 1 000 000,00.”;
b) “ O legislador ao criar esta verba, 28.1 da TGIS, pretendeu tributar não o património imobiliário por si só, mas o património imobiliário de elevado valor ou de luxo, motivo pelo qual, a verba em causa incide apenas sobre prédios com afectação habitacional e não sobre prédios com afectação mista (o caso).”;
c) “… o prédio tem uma afectação mista, tendo 18 das divisões susceptíveis de utilização independente afectação habitacional, e as restantes afectação comercial, motivo pelo qual, o mesmo se encontra fora do escopo e da incidência da verba 28.1 da TGIS.”;
d) “À inscrição matricial de imóveis em propriedade vertical, ainda que constituídos por diferentes divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, aplicam-se as mesmas regras de inscrição de imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo assim o respectivo Imposto Municipal sobre Imóveis, IMI, e Imposto do Selo, IS liquidados individualmente em relação a cada uma das divisões.”;
e) “ A Lei 55-A/2012, que alterou o Código de Imposto do Selo, mais propriamente, o seu artigo 67º, aditando-lhe o n.º 2, dispõe que, em todas as matérias não reguladas pelo mesmo, e no que concerne à verba 28, dever-se-á aplicar subsidiariamente o CIMI.”;
f) “A verdade é que, tanto do art. 2º do CIMI, que define o conceito de prédio, quer do art. 38º do mesmo diploma, relativo à determinação do VPT, não resulta qualquer destrinça quanto à situação registral do prédio, isto é, se este se encontra em propriedade vertical ou horizontal.”;
g) “A verdade é que a AT emitiu notas de liquidação para cada divisão susceptível de utilização independente e que com afectação habitacional, tal como faria se o prédio estivesse constituído em propriedade horizontal, no entanto, para efeitos de incidência teve em conta o VPT global do prédio ao invés de considerar o VPT de cada fracção.”;
h) “…é precisamente ao “VPT constante da matriz” que o texto da lei manda atender para determinar a incidência do imposto do selo da verba n.º 28.1 da TGIS.”;
i) “…decorre das norma transitórias da Lei 55-A/2012, mais concretamente do seu artigo 6º, que a tributação prevista pela verba 28 da TGIS, para o ano de 2012, deverá ser efectuada à taxa de 0,5, sobre do VPT desde que, igual ou superior a € 1 000 000,00 dos prédios urbanos com afectação habitacional, e não de 1% conforme estipulado pela AT em sede de actos de liquidação.”;
j) Conclui alegando que: “ …é por demais evidente que a interpretação da norma de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS anexa ao CIS feita pela AT e a emissão das notas de liquidação é inconstitucional e arbitrária por se consubstanciar numa violação frontal do princípio da equidade, princípio da legalidade fiscal previsto no n.º 2 do art. 103º da CRP bem como, dos princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal também eles previstos na Constituição da República Portuguesa, motivos pelos quais, deverão tais notas de liquidação ser revogadas.”.
Doutro modo, advoga a AT que:
a) “…alega a Autora do pedido de pronúncia arbitral que o critério para tributação das partes autónomas dos prédios em propriedade vertical tem de assentar nos mesmos moldes que a tributação dos prédios em propriedade horizontal.”;
b) “ O valor patrimonial relevante para efeitos de incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente.”;
c) “Não se vislumbra, assim, como a liquidação de IMI impugnada possa ter violado o teor literal da verba 28.1 da Tabela Geral.”;
d) “O prédio urbano em causa nos presentes autos não está em regime de propriedade horizontal, caso em que cada uma das fracções autónomas seria havida como prédio urbano, incluindo para efeitos da sujeição ao imposto do selo da verba 28.1 da Tabela Geral, mas em regime de propriedade vertical.”;
e) “Dispõe, no entanto, como consta da respectiva matriz predial de andares ou divisões independentes, avaliadas nos termos do art. 12º, nº 3, do C.I.M.I., que diz que cada andar ou prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário sobre o qual é liquidado IMI.”;
f) “Tal norma legal releva, deste modo, para efeitos da inscrição na matriz predial, a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes.”;
g) “Nesse caso, a inscrição matricial deve fazer referência a cada uma das partes e também ao valor patrimonial correspondente a cada uma delas, apurado separadamente nos termos dos arts. 37º e seguintes do C.I.M.I:”;
h) “No presente caso, o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto do selo da verba 28.1. da Tabela Geral tinha de ser, como foi, o valor patrimonial global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes.”;
i) “O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação da verba 28º, nº 1, da Tabela Geral.”;
j) Defende ainda que outra interpretação seria inconstitucional pois: “…violaria (…) a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no art. 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).”;
k) Como também seria ofensiva: “ …do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28. 1. da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado globalmente e não andar a andar ou divisão a divisão”.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS
4.1.1. A Requerente é proprietária de uma quota-parte de 1/2 do imóvel a que corresponde a inscrição …, …, … (…).
4.1.2. Tal prédio compreende, nomeadamente, 20 andares com utilização independente, inscritos na matriz predial urbana da freguesia de … (…) do seguinte modo:
a) RC, com um VPT de € 100 080,00, comércio;
b) 1.º, com um VPT de € 93 510,00, serviços;
c) 2.º, com um VPT de € 75 240,00, habitação;
d) 3.º, com um VPT de € 72 180,00, habitação;
e) 4.º Dto., com um VPT de € 54 180,00, habitação;
f) 4.º Esq., com um VPT de € 54 180,00, habitação;
g) 5.º Dto., com um VPT de € 56 330,00, habitação;
h) 5.º Esq., com um VPT de € 59 750,00, habitação;
i) 6.º Dto., com um VPT de € 56 330,00, habitação;
j) 6.º Esq., com um VPT de € 59 750,00, habitação;
l) 7.º Dto., com um VPT de € 59 750,00, habitação;
m) 7.º Esq., com um VPT de 58 040,00, habitação;
n) 8.º Dto., com um VPT de 56 330,00, habitação;
o) 8.º Esq., com um VPT de 56 330,00, habitação;
p) 9.º Dto., com um VPT de 54 910,00, habitação;
q) 9.º Esq., com um VPT de 59 750,00, habitação;
r) 10.º Dto., com um VPT de € 59 750,00, habitação;
s)10.º Esq., com um VPT de € 58 040,00, habitação;
t) 11.º Dto., com um VPT de € 56 630,00, habitação;
u) 11.º Esq., com um VPT de € 58 040,00, habitação.
4.1.3. A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo relativas ao ano de 2013 (1.ª prestação), em relação a cada uma de tais inscrições com afectação habitacional, no montante global de € 2663,83 e que se decompõem do seguinte modo:
a) 2.º, documento 2014 …, no montante de € 188,10;
b) 3.º, documento 2014 …, no montante de € 180,45;
c) 4.º Dto., documento 2014 …, no montante de € 135,45;
d) 4.º Esq., documento 2014 …, no montante de € 135,45;
e) 5.º Dto., documento 2014 …, no montante de € 140,83;
f) 5.º Esq., documento 2014 …, no montante de € 149,38;
g) 6.º Dto., documento 2014 …, no montante de € 140,83;
h) 6.º Esq., documento 2014 …, no montante de € 149,38;
i) 7.º Dto., documento 2014 …, no montante de € 149,38;
j) 7.º Esq., documento 2014 …, no montante de € 145,10;
l) 8.º Dto., documento 2014 …, no montante de € 140,83;
m) 8.º Esq., documento 2014 …, no montante de € 140,83;
n) 9.º Dto., documento 2014 …, no montante de € 137,28;
o) 9. Esq., documento 2014 …, no montante de € 149,38;
p)10.º Dto.º, documento 2014 …, no montante de € 149,38;
q)10.º Esq.º, documento 2014 …, no montante de € 145,10;
r) 11.º Dto.º, documento 2014 …, no montante de € 141,58;
s) 11.º Esq.º, documento 2014 …, no montante de € 145,10.
4.1.4. O imóvel identificado em 4.1.1. não se encontrava constituído em regime de propriedade horizontal a 31 de Dezembro de 2013.
4.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS
Não existem factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
4.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUE SE CONSIDERA PROVADA
Os factos dados como provados têm génese nos documentos utilizados para cada um dos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa. De igual modo, também se deram como assentes os factos não impugnados.
5. O DIREITO
Em primeiro lugar, são duas as questões que o tribunal tem de decidir, apurar se a sujeição à norma de incidência da verba 28 da TGIS deve ser concretizada pelo VPT correspondente a cada uma das partes, andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou, se pelo contrário, pela soma do VPT de cada uma de tais partes. E, em segundo lugar, determinar se a interpretação que conclui que só há incidência de Imposto do Selo quando o VPT de cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente é superior a € 1 000 000, viola o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, previsto no art. 103.º, n.º 2 da CRP.
Para concretizar tal tarefa há, desde logo, que procurar a norma cujas partes dissentem na sua interpretação.
Assim, o art. 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo (CIS) e a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), dispõem que se encontram sujeitos a tributação: “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1 %...”[1].
Em primeiro lugar é necessário perscrutar o conceito de “prédio com afectação habitacional” a que alude a norma em interpretação e o de “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”. Ora, não sendo possível resolver a questão com recurso ao CIS é por força da estatuição do art. 67.º, n.º 2 do CIS necessário aplicar as normas do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).
Consequentemente, dispõe o art. 2.º do CIMI sobre o conceito de prédio:
“1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”
Ora, o conceito de prédio em sede de IMI é, como sabemos, dotado de maior amplitude em relação aqueloutro vertido no 204.º, n.º 2 do Código Civil (CC) e engloba três elementos, mais concretamente, um de natureza física, o segundo de carácter jurídico e o último de natureza económica, cfr. JOSÉ MARTINS ALFARO, Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – Comentado e Anotado, Áreas Editora, 2004, pág. 118 a 123. O primeiro exige a referência a uma fracção de território, abrangendo, designadamente, edifícios e construções nela incorporados com carácter de permanência. O elemento de carácter jurídico exige que a coisa, móvel ou imóvel, pertença ao património de uma pessoa singular ou colectiva. Em terceiro lugar, o elemento de natureza económica exige que a coisa tenha um valor económico.
No que concerne ao conceito de prédio urbano, o art. 6.º do CIMI descreve as suas várias categorias, sendo fundamental para a subsunção em cada uma delas, a natureza da utilização, isto é, o fim a que o mesmo se destina. E, nada na economia do art. 6.º, n.º 1, al. a) do CIMI impede que se classifiquem as partes de um prédio em propriedade vertical, com divisões ou andares susceptíveis de utilização independente, com uma utilização habitacional, como “prédio com afectação habitacional”. Relevante é, repete-se, a sua utilização. E a conclusão diferente não é possível chegar pela interpretação do art. 2.º, n.º 4 do CIMI que eleva cada fracção autónoma em propriedade horizontal à categoria de prédio. Na verdade, também neste último normativo não se consegue vislumbrar nenhum fundamento para discriminar entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, no que tange à sua subsunção como prédios urbanos e habitacionais, de acordo com toda a economia da verba 28 da TGIS. Por outras palavras, se o legislador não tratou diferentemente os prédios em propriedade vertical em relação àqueles constituídos em propriedade horizontal, não deve o intérprete fazê-lo[2].
Bem pelo contrário, a inscrição matricial e a determinação do VPT bem demonstram a similitude de tratamento legislativo. Com efeito, as partes dotadas de independência económica devem, cada uma delas, ser objecto de inscrição matricial separada e, consequentemente, deverá de igual modo constar autonomamente o respectivo VPT, cfr. art. 2, n.º 4, art. 7.º, n.º 2, al. b) e art. 12.º, n.º 3 todos do CIMI. O que tem refracção em sede de liquidação, na medida em que existirá uma por cada parte, divisão ou andar objecto de utilização separada.
Revertendo tal interpretação para os presentes autos, existem 18 andares do imóvel com utilização habitacional independente que, à data do facto tributário, 31 de Dezembro de 2013, ainda não se encontrava constituído em propriedade horizontal e, por conseguinte, desde logo, dúvidas não existem que os mesmos devem ser classificados como “prédio com afectação habitacional” de natureza urbana.
Importa ainda dilucidar o outro segmento gráfico da verba de CIS em interpretação, isto é, o “valor patrimonial tributário para efeito de IMI”.
A este respeito, como já se descreveu acima, o CIMI prevê a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente no que tange à inscrição matricial e à especificação do respectivo VPT. Tal observação é igualmente válida a propósito da consequente liquidação, como dispõe o art. 113.º, n.º 1 e o art. 119.º, n.º 1, ambos do último diploma citado. Com efeito, se o imposto é liquidado “…com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios (nosso sublinhado) e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes (nosso sublinhado) …” e o documento de cobrança deve conter a “…discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário e da colecta…”, tal significa que, não só o VPT para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS a considerar é aquele objecto da inscrição matricial separada, como também nada obsta à qualificação como “prédio com afectação habitacional” de partes, andares ou divisões com utilização independente.
Ora, se nenhum dos andares da Requerente com afectação habitacional ultrapassava o VPT de € 1 000 000, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade.
Ainda assim, sempre se acrescentará que a Requerente não tem razão na sua primeira linha de alegação, quando advoga que o facto do seu imóvel incorporar um andar com afectação de comércio e outro de serviços, excluiria automaticamente a norma de incidência em estudo. Relevante é, repete-se, apurar em relação a cada dos andares, com afectação habitacional, se o VPT ultrapassa o montante de € 1 000 000.
De igual modo, caso as liquidações em crise não fossem ilegais, a taxa sempre seria de 1% e não de 0,5%, como sustenta a Requerente, note-se que o facto tributário ocorreu em 31 de Dezembro de 2013 e não em 31 de Outubro de 2012.
Defende ainda a AT que seria inconstitucional, por violação do princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, a interpretação da verba 28.1 da TGIS diversa daquela que conclui que o VPT relevante para tal norma de incidência tem de ser o valor patrimonial tributário global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes. Se assim fosse, não se compreenderia a referência expressa ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”. E esse, dúvidas não existem, é objecto de autonomização em relação a cada uma das partes susceptíveis de utilização independente. De igual modo, também não encontraríamos argumento para a emissão de notas de liquidação autónomas. Acresce ainda que, perante a remissão expressa do art. 67.º, n.º 2 do CIS para o CIMI, no que concerne às matérias não reguladas, as partes, andares ou divisões com autonomia são enquadráveis nos prédios classificados como urbanos e habitacionais, cfr. art. 2.º, 3.º e 6.º, todos do CIMI. Deste modo, entende-se que a referida interpretação não padece de inconstitucionalidade.
Finalmente, se o tribunal acolheu o pedido da Requerente de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, prejudicado fica o conhecimento dos restantes vícios por esta imputados, cfr. art. 124.º do CPPT, aplicável por força do previsto no art. 29.º, n.º 1 do RJAT.
6. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se procedente o pedido arbitral, com a consequente expurgação da ordem jurídica dos actos objecto de pronúncia.
7. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 2663,83 (o correspondente à soma das liquidações objecto de pronúncia) nos termos do art. 97.º- A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
8. CUSTAS
Custas a cargo da AT, no montante de € 612, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2015
O árbitro singular,
Francisco Nicolau Domingos
[1] Na redacção em vigor à data do facto tributário.
[2] V. neste sentido a decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013 – T, de 29/10/2013.