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Decisão Arbitral
Centro de Arbitragem Administrativa
Processo nº 58/2013-T
1 – RELATÓRIO:
A sociedade A… Lda., doravante designada por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº1 a), 3º nº1 e 10º nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando:
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A declaração de ilegalidade das liquidações de IVA (no montante de Euros 274.756,74) e juros compensatórios (no montante de Euros 59.866,91) melhor identificadas no pedido de pronúncia arbitral, na parte dos montantes correspondentes à não liquidação de IVA pela Requerente sobre alegados débitos efetuados pela Requerente à sociedade B… (sociedade que detém o capital da Requerente), no decurso do ano de 2005, no valor total de Euros 1.394.418,32, que a Requerente defende serem débitos efetuados não à B… mas à seguradora C…, relativos a indemnizações a receber por sinistro ao abrigo de contrato de seguro, nesse mesmo montante;
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A declaração de ilegalidade da liquidação de IVA decorrente de alegada regularização indevida a favor da Requerente, pelo montante de Euros 61.152,08,referente a excesso de crédito de imposto registado no campo 96 da declaração periódica de IVA do 3º trimestre de 2003, por esse montante ter sido indevidamente mencionado no campo 40 (ao invés do campo 81) da declaração periódica de IVA do mês de Abril de 2005;
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O reconhecimento do direito a indemnização por prestação de garantia bancária indevida e o arbitramento do montante da indemnização devida.
A Requerente fundamenta o seu pedido (i) alegando, em síntese, o seguinte:
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A intervenção da B… acontece exclusivamente como intermediária, no processo de mediação de seguros inerente ao exercício normal do seu objeto social, não sendo esta parte ativa dos contratos de seguro existentes entre a Requerente A… e a seguradora C…;
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A Requerente é a única tomadora da apólice de seguro celebrada com a C…, sendo a B…, conjuntamente com a Requerente, as administradoras da relação segurado-seguradora, pelo que o apuramento administrativo dos prémios devidos pelo contrato de seguro, bem como das despesas com a manutenção de frotas automóveis que geram as respetivas indemnizações, são processados pela B… como é decorrente da sua normal atividade de mediação e corretagem de seguros e das funções de administradora do seguro;
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A C…. é credora dos prémios e devedora das indemnizações, sendo a B recebedora dos prémios devidos pela A, para serem pagos à C… (líquidos das comissões de corretagem) e a A… é devedora dos prémios de seguro e credoradas indemnizações devidas pela C… que as paga por intermédio da B…;
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A dupla relação da Requerente - cliente e empresa participada - face à B… justifica que existam outros fluxos financeiros frequentes entre ambas as empresas, fluxos esses que decorrem não só da atividade de mediação exercida por esta mas também da relação acionista, que determinou que a Requerente recebesse apoio financeiro de tesouraria da B…, ao longo do ano 2005, o que poderá ter contribuído para perturbar a perceção que a Administração Tributária reteve dos movimentos financeiros ocorridos entre ambas as sociedades ao longo do ano de 2005;
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Os débitos efetuados pela Requerente à C…, relativos às indemnizações reclamadas, a receber via B…, não são contraprestação de qualquer operação tributável em sede de IVA pois consistem em meros valores de indemnizações a receber, pelo que a esses movimentos deveria ter sido considerado aplicável o disposto no Ofício-Circulado n.º 14389, de 26 de Fevereiro de 1987, da AT, que esclarece adequadamente a situação em apreço;
A Requerente fundamenta o seu pedido sintetizado em (ii) supra, alegando, em síntese, o seguinte:
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A Requerente apurou um crédito de imposto em sede de IVA relativo ao 3º trimestre de 2003, inscrito no campo 96 (“excesso a reportar”) que legitimamente teria direito a receber, mas que por força de circunstâncias que apenas a si mesma são imputáveis, não chegou a utilizar nas declarações periódicas seguintes;
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Posteriormente, a Requerente reportou aquele montante como “regularização a seu favor” na declaração periódica relativa ao mês de Abril de 2005, através do preenchimento do campo 40 da declaração periódica do mês de Abril de 2005, com o montante em causa de Euros 61.152,08; reconhecendo embora que, efetivamente, deveria ter sido preenchido o campo 81 dessa declaração periódica de Abril de 2005 em lugar do campo 40, que foi preenchido por lapso;
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Detetado o erro cometido no preenchimento da declaração do IVA de abril de 2005, foi submetida pela Requerente uma declaração de substituição em dezembro de 2009, relativa ao mês de abril de 2005, preenchida no campo 40 apenas pelo montante de Euros 4.243,86 no lugar de Euros 65.395,94, gerando a consequente expurgação do valor em causa de Euros 61.152,08 do saldo da conta-corrente do IVA da Requerente;
A Requerente fundamenta o seu pedido sintetizado em (iii) supra, alegando, em síntese, o seguinte:
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Com vista à suspensão do processo executivo instaurado para cobrança coerciva do valor do IVA e juros compensatórios liquidados pela AT, através do processo de execução fiscal decorrente do exposto anteriormente, a Requerente apresentou, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 52.º da Lei Geral Tributária e artigos 169.º e seguintes do CPPT, uma garantia bancária em benefício da AT, emitida pelo D;
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A emissão dessa garantia bancária fez incorrer a Requerente em custos relacionados com comissões bancárias periódicas e respetivo Imposto do Selo, computados até à data de 29 de janeiro de 2013, no montante de Euros 41.4120,88;
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Pelo facto de a referida garantia estar sujeita na sua validade à pendência de processo de reclamação, a AT notificou a requerente para, no prazo de 15 dias após a apresentação do meio contencioso de reação contra o indeferimento do recurso hierárquico, apresentar nova garantia bancária;
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A apresentação desta nova garantia bancária irá originar novos encargos bancários da mesma natureza, os quais a Requerente pretende demonstrar, pelo que protestou vir a juntar oportunamente os respetivos documentos de suporte aos presentes autos.
No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º n.º 2 a) do RJAT, foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, como árbitros, os signatários – Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa, Luís Meneses Leitão e Luís Manuel Pereira da Silva, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6º do RJAT.
O tribunal arbitral foi constituído em 17-06-2013, tendo na mesma data sido a Autoridade Tributária e Aduaneira, aqui Requerida, notificada para, querendo, apresentar resposta no prazo legal.
A Requerida respondeu defendendo-se, invocando relativamente à questão identificada em (i), em síntese, o seguinte:
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A Requerente apresentava à seguradora C… listagens das faturas emitidas pelas oficinas que procediam à reparação e manutenção das viaturas que eram objeto do seguro, depois destas terem sido contabilizadas pela Requerente como gastos e o respetivo IVA ter sido deduzido, anulando a conta de conta de custos/gastos por contrapartida do débito da conta da seguradora …;
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Porém, os documentos de suporte aos registos contabilísticos referidos na alínea anterior eram meros documentos emitidos pela B… contendo listagens (das faturas emitidas pelas oficinas), pelo que “não existem fluxos diretos entre a Requerente e a seguradora C…, nem por conseguinte, documentos «externos» emitidos para o efeito pela Requerente”, conforme artigo 30º da petição arbitral;
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A Requerente não logrou apresentar à AT documentos legalmente aceites que sustentem os movimentos acima descritos – pagamento de prémios e recebimento das indemnizações – invocando apenas que os mesmos se processam através da B;
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O regime previsto no Ofício circulado nº 147533 de 20/12/1989 não é aplicável ao caso ora controvertido porquanto não estamos perante uma situação em que o beneficiário da indemnização debita a companhia de seguros pelo montante da reparação, pois os pagamentos e recebimentos são efetuados por uma terceira entidade (B…), diferente da entidade beneficiária da indemnização;
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A regra geral do procedimento tributário enunciada no artigo 74º, nº 1 da lei Geral Tributária, de o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recair sobre quem os invoque implica que a Requerente tivesse efetuado prova de que a existência de operações entre a B… e a Requerente correspondia ao mero encontro de contas entre ambas; inversamente, considera que resulta inequivocamente provada a existência de operações entre ambas (facto tributário), que tais operações, de acordo com o disposto no artigo 4º do CIVA, devem considerar-se prestações de serviços (qualificação), pelos montantes indicados de Euros 1.391.418,32 (quantificação), geradores do montante de IVA não liquidado de Euros 274.756,74 (e juros compensatórios de Euros 59.866,91);
E a Requerida respondeu, também, relativamente à questão identificada em (ii), em síntese, o seguinte:
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A Requerente apurou um crédito de imposto em sede de IVA relativo ao 3º trimestre de 2003, inscrito no campo 96 (“excesso a reportar”);
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Posteriormente, a Requerente reportou aquele montante como “regularização a seu favor” na declaração periódica relativa ao mês de abril de 2005, através do preenchimento do campo 40 da declaração periódica do mês de abril de 2005, com o montante em causa de Euros 61.152,08, duplicando o saldo a favor da Requerente; efetivamente, deveria ter sido preenchido antes o campo 81 dessa declaração periódica de abril de 2005;
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Entretanto havia sido solicitado o reembolso do saldo credor de IVA acumulado a favor da Requerente, em declaração periódica de dezembro de 2005, pelo montante de Euros 592.294,40 que incluía o montante da regularização declarado no mês de abril de 2005;
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Assim, na sequência de ação inspetiva, em 23/11/2009 os Serviços de Inspeção Tributária emitiram uma declaração retificativa do lapso ocorrido em abril de 2005, anulando o preenchimento do campo 40 daquela declaração de abril de 2005, e em sequência foi emitida a liquidação adicional objeto da impugnação, no montante de Euros 61.152,08, que o Fisco pretende reaver, porquanto subsiste um saldo (crédito) em aberto no sistema informático a favor da Requerente relativo ao “excesso a reportar” declarado no 3º trimestre de 2003;
2 – QUESTÕES A DECIDIR.
Nos presentes autos o tribunal arbitral identifica três questões a decidir, que consistem no seguinte:
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Ajuizar sobre a legalidade ou a ilegalidade das liquidações de IVA e juros compensatórios melhor identificadas no pedido de pronúncia arbitral, na parte dos montantes correspondentes à não liquidação de IVA pela Requerente sobre alegados débitos efetuados pela Requerente à sociedade B…, no decurso do ano de 2005, no valor total de Euros 1.394.418,32 (pelo montante de IVA e juros compensatórios de Euros 274.756,74 e Euros 59.866,91, respetivamente) – débitos que a Requerente sustenta terem sido efetuados à C…, a título de indemnizações a receber de contrato de seguro;
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Ajuizar sobre a legalidade ou a ilegalidade da liquidação de IVA decorrente de correção efetuada em 2009 pelos Serviços de Inspeção Tributária de regularização de IVA indevida, a favor da Requerente, pelo montante de Euros 61.152,08, registada pela Requerente na declaração periódica de IVA do mês de abril de 2005;
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Ajuizar acerca do reconhecimento do direito da Requerente vir a ser indemnizada pelos encargos suportados com a prestação de garantia indevida e, a ser esse o caso, do arbitramento do montante da respetiva indemnização.
3– MATÉRIA DE FACTO.
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FACTOS PROVADOS.
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A Requerente tem como atividade, que exerce a título principal, a prestação de serviços de gestão e de manutenção de veículos, de serviços de gestão de multas de trânsito, serviços de gestão de matrícula, registo e transferência de veículos, bem como quaisquer outros serviços relacionados com a compra e venda de veículos automóveis.
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No exercício da sua atividade, a Requerente celebrou contratos de gestão de frotas com diversas marcas de concessionários de venda de automóveis e outras empresas detentoras de frotas automóveis, mediante os quais e através de uma determinada contrapartida, assegura a gestão e a prestação de serviços de manutenção programada, bem como a reparação de veículos automóveis.
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Como contrapartida dos serviços prestados a Requerente cobrava aos seus clientes determinados montantes que registava como proveitos da sua atividade e sobre os quais procedeu à liquidação do IVA.
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Ao longo do período de vigência dos contratos celebrados pela Requerente, esta adquiria serviços de reparação e de manutenção de viaturas abrangidas pelos mesmos a um conjunto de oficinas, que emitiam faturas com IVA à Requerente pelos serviços prestados, que eram registados como gastos pela Requerente e esta, por sua vez, procedia à dedução do IVA suportado nessas faturas contido.
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Para fazer face aos riscos associados à sua atividade, a requerente contratou com a C…, contratos de seguros que tinham por objeto a cobertura de sinistros que pudessem vir a ocorrer no âmbito dos contratos de gestão e manutenção de frotas que a Requerente celebrou.
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O capital social da Requerente era detido em 100% pela B… (ex – E…), cuja atividade consiste na mediação e corretagem de seguros.
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A Requerente era a exclusiva tomadora, segurada e beneficiária dos contratos de seguros celebrados com a C…, e por conseguinte, a titular do direito à indemnização correspondente à verificação do sinistro;
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A B… era a sociedade mediadora das apólices de seguro contratadas pela Requerente com a C…, competindo-lhe os deveres e os direitos que a lei prevê para essa atividade.
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Os referidos contratos de seguros celebrados pela Requerente com a C… contemplavam a figura do “Administrador”, que foi assumida pela Requerente e pela B…, cujas funções consistiam em fornecer à C… os elementos administrativos necessários e suficientes para o apuramento dos prémios a pagar à C…, para o procedimento das reclamações em caso de sinistro e para o cálculo e o pagamento das inerentes indemnizações por parte da C… à Requerente.
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A Requerente apresentava listagens das faturas emitidas pelas oficinas (após contabilização das mesmas como gastos e de o respetivo IVA ter sido deduzido) como suporte para a reclamação de sinistros e para o cálculo do direito à indemnização.
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A Requerente, em lugar de registar o direito à indemnização como um proveito, registava-o como um “menos-custo”, anulando os saldos de gastos anteriormente registados pelos serviços a si prestados pelas oficinas, por compensação.
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O montante das despesas de manutenção e de reparação dos veículos registado pela Requerente na sua contabilidade, relativo ao ano de 2005, ascendeu a Euros 1.391.418,32, ao qual correspondeu o apuramento do alegado valor tributável em sede de IVA pela Administração Tributária e Aduaneira.
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Os documentos de suporte ao cálculo e ao pagamento de prémios devidos a favor da C…, bem como os documentos que suportam os valores das indemnizações provenientes desta seguradora são documentos elaborados pela C…, com base na informação disponibilizada pela Requerente e pela B…, enquanto administradores da apólice, nos quais se evidenciam os valores dos prémios a cobrar, comissões devidas a terceiras entidades, despesas e indemnizações a pagar à Requerente.
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Tais documentos, conjuntamente com os documentos comprovativos das transferências bancárias de e para a conta da sociedade corretora, constituem suporte válido bastante para efeitos contabilísticos e fiscais.
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Era a B… que procedia ao pagamento dos prémios dos seguros à C… e que, igualmente, recebia os pagamentos das indemnizações pagas pela C…, em muitos casos, no âmbito das suas funções de sociedade mediadora e corretora de seguros.
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A Requerente e a B… mantinham um registo contabilístico “inter-empresas”, através do qual eram compensadas as verbas recebidas das seguradoras (a titulo de indemnização por sinistros) e os prémios pagos pela B… em nome da Requerente às seguradoras.
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Exercendo a B…, em paralelo com a sua função de corretagem dos seguros da Requerente, as funções de “casa-mãe” da Requerente, inerente à sua participação no capital desta, existiram muitos movimentos financeiros entre ambas ao longo de 2005 relacionados com a insuficiência da tesouraria da Requerente, que se cruzaram com os movimentos financeiros decorrentes da atividade de corretagem de seguros e tornaram mais complexa a análise dos mesmos.
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Do ponto de vista económico, contabilístico e fiscal, a Requerente recebeu efetivamente o valor das indemnizações reclamadas e pagas pela C… sendo que do ponto de vista de tesouraria tais movimentos se traduziram em meras reduções do saldo devedor desta perante a B… .
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Na declaração periódica do IVA relativa ao 3º trimestre de 2003, a Requerente inscreveu no campo 96 (excesso – de IVA deduzido - a reportar) o montante de Euros 61.152,08 que poderia ser compensado com eventuais valores a pagar em períodos seguintes.
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A Requerente veio a reportar aquele mesmo montante de Euros 61.152,08 como “regularização a seu favor” na declaração periódica relativa ao mês de abril de 2005, através do preenchimento do campo 40 dessa declaração, duplicando o saldo a favor da Requerente.
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A Requerente solicitou o reembolso do saldo credor de IVA acumulado a seu favor através da declaração periódica de dezembro de 2005, pelo montante de Euros 592.294,40 que incluía o montante da “regularização a seu favor” declarado no mês de abril de 2005, que foi pago mediante a apresentação de garantia bancária pela Requerente;
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Em 23/11/2009, os Serviços de Inspeção Tributária emitiram uma declaração retificativa do lapso ocorrido em abril de 2005, anulando o preenchimento do campo 40 daquela declaração de abril de 2005.
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Na sequência da correção efetuada, foi emitida a liquidação adicional de IVA no montante de Euros 61.152,08.
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Foi submetida pela Requerente uma declaração de substituição em dezembro de 2009, relativa ao mês de abril de 2005, preenchida no campo 40 apenas pelo montante de Euros 4.243,86 no lugar de Euros 65.395,94, gerando a consequente expurgação do valor em causa de Euros 61.152,08 do saldo da conta-corrente do IVA da Requerente.
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Subsistiu um saldo (crédito) em aberto no sistema informático a favor da Requerente relativo ao “excesso a reportar” declarado no 3º trimestre de 2003;
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A Requerente prestou garantia bancária em benefício da AT, pelo montante inicial de Euros 521.079,39 desde 30/abril/2010 até 3/setembro/2012 e de Euros 529.116,54 a partir desta data até 29 de Janeiro de 2013, cujos encargos quantificou em Euros 40.410,88;
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FACTOS NÃO PROVADOS.
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Não ficou provado que alguma das faturas recebidas e contabilizadas pela Requerente na respetiva conta de gastos durante o ano de 2005 não respeitasse exclusivamente a despesas de manutenção cobertas pelos contratos de seguro celebrados pela Requerente para cobertura dos riscos decorrentes da sua atividade.
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Não ficou provado que não é possível identificar ou discriminar os pagamentos relacionados com o apuramento e o pagamento dos prémios de seguro e com as indemnizações dos sinistros da atividade da Requerente face aos demais movimentos de tesouraria registados pela Requerente.
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Não ficou provado que os documentos administrativos de suporte dos lançamentos contabilísticos internos da Requerente desobedeçam a quaisquer normas de natureza contabilística ou de requisitos de faturação nos termos previstos no CIVA, quando tais requisitos sejam aplicáveis.
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Não ficou provado que tenham existido, ao longo do ano de 2005, quaisquer operações de prestação de serviços da Requerente à B, para os efeitos do disposto no artigo 4º do CIVA.
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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
A factualidade provada e não provada teve por base os factos alegados pelas partes e não contestados, bem como os documentos juntos aos autos, incluindo o processo administrativo igualmente junto.
4 – DIREITO.
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Da alegada falta de liquidação de IVA sobre “serviços prestados” pela Requerente à B.
A atividade desenvolvida pela Requerente, em conjugação com a atividade de corretagem de seguros da sua “casa-mãe”, gera um conjunto de operações e transações que é de alguma complexidade. Não obstante, a forma de apuramento e de contabilização das mesmas (com exceção do registo das indemnizações devidas à Requerente como “menos-custos”, no lugar de proveitos, como bem refere o código do IRC, n.º 1, artigo 20º) e dos inerentes fluxos financeiros que lhes correspondem, não podem deixar de ser considerados corretos, embora pudessem certamente ser alvo de melhor apresentação, desagregação, melhor “arrumação” contabilística e mesmo da emissão de mais adequados documentos de suporte, tais como recibos de quitação dos recebimentos obtidos, entre outros.
Também não se pode alinhar na suspeição, pouco credível e demasiado simplista, que sugere que quaisquer movimentos financeiros entre empresas dominante e dominada sejam necessariamente configurados como prestações de serviços. Seria de presumir, aliás, em abstrato, precisamente o contrário, pois o mais natural seria que existissem movimentos decorrentes de suprimentos, juros e reembolsos dos mesmos, aumentos ou reduções de capital, aquisições e alienações de ativos e muitos outros, em paralelo com eventuais prestações de serviços administrativos e outros que são frequentes dentro de um grupo de empresas.
Ora, no caso vertente, coexiste com a relação de domínio uma outra relação, de negócio, (pouco comum, reconheça-se) decorrente da casa-mãe ser também a sociedade corretora dos contratos de seguros da Requerente. Assim, é reconhecido que a Requerente possuía apólices de seguro cujos prémios e indemnizações são creditados e debitados à seguradora, ainda que os respetivos fluxos financeiros (pagamento e recebimento) fossem intermediados pela B… . Ora, tais fluxos financeiros não constituem contrapartida de qualquer operação tributável em sede do IVA, pois consistem em meros recebimentos e pagamentos (ainda que ocorram por valores compensados) de prémios de seguro devidos e de indemnizações reclamadas da seguradora.
Acresce que, sendo este o caso, deveria ter sido aplicável o disposto no ofício-circulado nº 14389, de 26 de Fevereiro de 1987. Ora, a AT vem sustentar que a solução preconizada naquele ofício-circulado não será aplicável no presente caso, pelo simples facto de os débitos às companhias seguradoras (a título de indemnizações devidas) alegadamente não o terem sido feitos diretamente pela Requerente, mas por uma terceira entidade – a B … – diferente da beneficiária da indemnização. Mas, na realidade, a Requerente não efetua qualquer débito de indemnizações (ou despesas) à B… . A Requerente procede aos débitos dos valores a indemnizar às contas da seguradora, com base nas listagens por esta elaboradas e facultadas. A cobrança desses valores, esta sim, é feita pela corretora da Requerente, nessa qualidade e por conta da Requerente, tal como o pagamento dos prémios devidos também é efetuado por intermédio da corretora. Aqui reside o equívoco em que incorre a AT e que inquina a fundamentação das liquidações adicionais de IVA, agora em apreço.
De facto, a B… intervém como mero intermediário - agente mediador/corretor da Requerente - nos termos do disposto no artigo 42º do Decreto-Lei nº 144/2006, de 31 de Julho, aplicável à data, não assumindo, obviamente, a qualidade de beneficiária da indemnização.
Por outro lado, não ficou provado que a Requerente tenha debitado para efeitos de indemnização quaisquer outros valores para além das despesas de manutenção e de reparação por si incorridas e abrangidas pelo seguro contratado para a cobertura de tais eventos. Não existindo débitos de despesas ou quaisquer outras transações ou prestações de serviços pela Requerente à B, mas antes única e exclusivamente, meros encontros de contas referentes a pagamentos de valores de indemnizações debitadas diretamente pela Requerente à seguradora, não existem quaisquer fluxos ou operações suscetíveis de serem abrangidos pelo âmbito da incidência objetiva do IVA.
Mas mesmo que assim não fosse, considera-se que sempre caberia à AT e não à Requerente demonstrar o contrário, isto é, a existência de débitos efetuados à B… referentes a “serviços” prestados pela Requerente, por força das regras de repartição do ónus da prova vertidas no artigo 74º, nº 1, da LGT; havendo dúvida sobre a existência daqueles débitos e, por conseguinte, da existência de facto tributário, não poderia tal dúvida deixar de ser valorada em favor da Requerente, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 100º do CPPT.
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Da liquidação adicional de IVA decorrente da correção da declaração periódica de Abril de 2005, no montante de Euros 61.152,94.
Em consequência das correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária à declaração periódica relativa ao mês de abril de 2005, foi emitida em 12 de dezembro de 2009 a liquidação adicional de IVA ora impugnada, a qual compreende o valor da correção do campo 40 dessa declaração, no montante de Euros 61.152,94.
Não foi apresentada pela Requerente qualquer prova de que a liquidação adicional em apreço tenha sido ferida de ilegalidade, nem parece que seja necessário arguir tal ilegalidade.
Esta parece ser, de facto, uma não questão, porquanto ambas as partes pretendem apenas retificar uma sequência de atos que geraram um impasse no qual ambas as partes reclamam ter razão. Com efeito, nenhuma das partes pretende obter um enriquecimento ilícito pelo facto de ter ocorrido uma sucessão de atos que poderia e deveria ter sido diferente.
A AT procedeu como se impunha, corrigindo um erro detetado do modo que tem ao seu alcance e é adequado, emitindo a competente liquidação adicional, na sequência da verificação de um erro cometido pela Requerente; a Requerente, imediatamente após a referida deteção (em 2009) do erro cometido, procedeu a entrega de uma declaração de substituição da declaração de abril de 2005, corrigindo o erro que, entretanto, já havia dado lugar a correção pelos serviços de inspeção do Fisco (e à liquidação adicional de IVA, em apreço, pela AT).
A Requerente alega que veio a corrigir, por sua iniciativa, o lapso cometido na declaração periódica de IVA de abril de 2005, através da apresentação de uma declaração de substituição; mas entretanto, o lapso cometido fora já objeto de correção pelos serviços da AT.
Porém, não se vislumbram razões válidas para impugnar a liquidação efetuada, legitimamente, pela AT (que a Requerente deverá pagar).
Paralelamente, parece que competirá à Requerente proceder a entrega de nova declaração de substituição da declaração de substituição já entregue em 2009, reportada a abril de 2005 (entretanto já corrigida pela AT), repondo o erro inicial, por o mesmo se encontrar já corrigido pela AT, que procedeu nessa sequência à emissão da liquidação adicional agora em apreço; em simultâneo, e uma vez que ainda se encontrará em aberto um crédito a favor da Requerente no sistema informático da AT, de idêntico montante (conforme declaração periódica do 3º trimestre de 2003), a Requerente deverá utilizar esse crédito em próxima declaração periódica, caso exista IVA a entregar, deduzindo esse montante através do preenchimento do campo 81, ou, caso não exista IVA a entregar, a Requerente deverá solicitar o reembolso do crédito em aberto.
Claro está que esta forma de regularizar a situação pendente significa que haverá dois fluxos financeiros que, afinal, se compensarão mas que não serão simultâneos, o que acarretará alguns custos de oportunidade, administrativos e financeiros, à Requerente. Mas esse será certamente o mal menor, em função dos erros cometidos em matéria de preenchimento de declarações periódicas de IVA.
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Do eventual reconhecimento do direito da Requerente vir a ser indemnizada pelos encargos suportados com a prestação de garantia bancária indevida e, sendo esse o caso, do arbitramento do montante dessa indemnização.
A Lei Geral Tributária determina que o sujeito passivo que ofereça garantia bancária ou equivalente para suspender a execução, será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, em proporção do vencimento das suas causas que tenham por objeto a dívida garantida, independentemente do prazo pelo qual tenha sido prestada, quando se verifique que decorreu de erro na liquidação imputável aos serviços da AT, conforme dispõe o artigo 53.º da LGT.
Assim, será de considerar reconhecido ou não o direito à indemnização em função do teor da pronúncia arbitral relativamente a cada um dos pedidos formulados e acima identificados em 1.(i) e 1.(ii).
Acerca do apuramento do montante da indemnização reclamada, dispõe o referido artigo 53.º da LGT que a mesma deverá consistir no montante dos prejuízos resultantes da prestação da(s) garantia(s) em causa.
Deste modo considera-se demonstrado o prejuízo que decorreu exclusivamente dos encargos bancários e respetivo imposto do selo debitados pelo D à Requerente, apresentados por esta e considerados provados documentalmente.
Porém, será de acautelar também o montante dos prejuízos que resultar de encargos que vierem a ser apurados em função dos documentos de suporte da prestação de nova garantia, que venham eventualmente a ser considerados e que a Requerente protestou juntar oportunamente aos autos.
5 – DECISÃO.
Em face do exposto, decide-se:
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Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IVA, e de juros compensatórios, relativas ao exercício de 2005, melhor identificadas na petição arbitral, no montante total de Euros 274.756,74 e Euros 59.866,91, respetivamente, com a sua consequente anulação;
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Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IVA decorrente da correção da declaração periódica de IVA do período de abril de 2005, no montante de Euros 61.152,08;
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Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente uma indemnização pelos custos suportados com a garantia prestada para suspender a execução fiscal (n.º …), em relação à liquidação que se anula em a) desta decisão, e, por consequência, condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão.
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De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 315º do CPC, na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se o valor do processo em Euros 430.974,98 (= 274.756,74+59.866,91+61.152,08+35.199,25).
Custas pelas partes, na proporção do vencido, fixando-se a responsabilidade da Requerente em um oitavo.
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Registe e notifique.
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Os Árbitros,
Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa
Luís Meneses Leitão
Luís Manuel Pereira da Silva
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 138.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29º do Decreto-Lei 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pela ortografia nova.
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