Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 550/2014-T
Data da decisão: 2014-12-10  Selo  
Valor do pedido: € 26.511,60
Tema: IS – verba 28.1 da TGIS; terreno para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 550/2014 – T

Tema: Imposto de Selo – verba 28.1 da TGIS – terreno para construção

 

Autoras / Requerentes: A, S.A.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante ATA)

 

1. Relatório

Em 28-07-2014, a sociedade anónima A, S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua … Lisboa, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto de Selo da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), relativos ao prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo … da freguesia de …, concelho de ….

A Requerente alega que o imóvel a que se referem as liquidações de Imposto de Selo é um terreno para construção, e por isso, não tem afetação habitacional para efeitos da tributação prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

A Requerente pede ainda a condenação da ATA no pagamento de uma indemnização pela prestação de garantia indevida.

Foi designada como árbitro único, em 15-09-2014, Suzana Fernandes da Costa.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 30-09-2014.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 31-10-2014 (dentro do prazo legal para o efeito), defendendo que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações controvertidas deveria ser julgado improcedente, uma vez que as liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, já que o referido prédio tem natureza jurídica de prédio com afetação habitacional.

A ATA requereu, em 31-10-2014, a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do Regime de Arbitragem Tributária.

Notificada a Requerente sobre este pedido da ATA, a mesma veio informar, em 17-11-2014, que nada tinha a opor ao pedido de dispensa da reunião referida.

Em 27-11-2014, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião, uma vez que não existiam exceções a serem apreciadas. Foi também dispensada a produção de alegações. Fixou-se ainda o dia 10-12-2014 para a prolação da decisão arbitral.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias, para além do pedido de cumulação de pedidos que em seguida se decidirá.

A Requerente pediu a cumulação de pedidos, alegando que as liquidações dizem respeito ao mesmo imposto, são emergentes do mesmo facto tributário e correspondem ao mesmo período de tributação.

Neste caso a cumulação de pedidos é admissível, nos termos dos artigos 104º do CPPT e 3º do RJAT, pelo que se admite.

 

2. Matéria de facto

2. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia da …, concelho da …, conforme caderneta predial junta ao pedido arbitral como documento 3;
  2. O prédio é um terreno para construção e tem um valor patrimonial de 3.976.740,00 €, conforme caderneta predial junta ao pedido arbitral;
  3. A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto de Selo do ano de 2013, no valor de 39.767,40 €, a pagar em prestações, constantes dos documentos de cobrança n.º 2014 …, no valor de 13.255,80 €, a pagar até 30-04-2014 (primeira prestação), e do documento de cobrança n.º 2014 …, no valor de 13.255,80 €, a pagar até 31-07-2014 (segunda prestação), conforme documentos 1 e 2 juntos ao pedido arbitral;

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos.

2. 3. Factos não provados:

Não ficou provado que a Requerente tenha prestado garantia em processo de execução fiscal.

 

3. Matéria de direito:

3.1.Objeto e âmbito do presente processo

Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se o imóvel que foi objeto da liquidação de imposto de selo, sendo terreno para construção, tem afetação habitacional e se lhe é aplicável a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS).

Sobre esta mesma questão já se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos número 53/2013-T, 49/2013-T, 42/2013-T, 180/2013-T, 75/2013-T, 215/2013-T, 240/2013-T, 310/2013-T e 284/2013-T, 151/2014-T e 202/2014-T.

O Supremo Tribunal Administrativo também já se pronunciou sobre esta questão, designadamente nos acórdãos dos processos n.º 0467/14 de 02-07-2014, n.º 0676/14 de 09-07-2014, n.º 0395/14 de 28-05-2014, n.º 01871/13 de 14-05-2014 e n.º 055/14 de 14-05-2014, n.º 0425/14 de 28-05-2014, n.º 0396/14 de 28-05-2014, n.º 0274/14 de 14-05-2014 e n.º 046/14 de 14-05-2014.

 

3.2. Questão do enquadramento de terrenos para construção no âmbito de incidência daquele n.º 28.1 da TGIS

 

3.2.1. Regime da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:

 c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

A verba 28.1 TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contém um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.

Vejamos:

3.2.2. Conceito de prédios utilizados no CIMI

 No CIMI, enumeram-se as espécies de prédios nos seus artigos 3.º a 6.º. Não se vislumbra em qualquer destes artigos o conceito de “prédio com afetação habitacional”.

A noção mais aproximada do teor literal desta expressão utilizada é a de «prédios habitacionais», que o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI define como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.

No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.

Também não se encontra este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.

3.2.3. Conceito de «prédio com afetação habitacional»

A verba 28.1 da TGIS referia em 2013 que “por prédio com afetação habitacional- 1%”.

A palavra «afetação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «ação de destinar alguma coisa a determinado uso».

Como se lê no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 53/2013-T, em que foram árbitros o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a Sra. Dra. Conceição Pinto Rosa e o Sr. Dr. Alberto Amorim Pereira:

”é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas”.

São classificados como terrenos para construção, e atento o disposto no artigo 6º n.º 3 do Código do IMI, aqueles em que o proprietário tenha adquirido o direito de neles construir ou de proceder a operações de loteamento, bem como os que tenham sido adquiridos expressamente para esse efeito. Neste sentido veja-se JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES in Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, página 97.

Note-se que na classificação como terreno para construção é irrelevante a afetação que as futuras construções venham a ter, designadamente habitacional, comercial, industrial ou para serviços.

Por sua vez, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-07-2014, do processo n.º 0676/14, em que é relatora a Conselheira Dulce Neto, refere-se que “a afetação habitacional surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo suscetíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6º do CIMI).“

Da mesma forma, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14-05-2014, processo n.º 046/14, em que é Relatora Ascenção Lopes, refere-se que “não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto de Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto de Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional.”

Podemos assim concluir que os “terrenos para construção”, não podem ser considerados como “prédios com afetação habitacional” para efeitos de aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

 

Proibição da analogia e da interpretação da extensiva

Poder-se-á, por outro lado, colocar a questão da possibilidade de aplicação da analogia à verba prevista na verba 28.1 da TGIS. Ora, sobre esta matéria dispõe o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual: 

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica”

Quanto às matérias abrangidas pela reserva de lei, atente-se ao artigo 103.º, n.º 2 da CRP e ao artigo 8.º da LGT. Segundo estas normas o princípio da legalidade fiscal abrange a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Isto é também referido na obra “O Princípio da Legalidade Fiscal” de Ana Paula Dourado, Almedina, 2007, página 106.

Sendo a verba 28.1 TGIS uma norma de incidência, abrangida pelo princípio da legalidade fiscal, é proibida a sua aplicação analógica a situações aí não expressamente previstas.

Da mesma forma, também não será de admitir uma interpretação extensiva da referida verba que permitisse incluir na expressão constante da lei os terrenos para construção. Sobre interpretação rege o artigo 11.º, n.º 1 a 3 da LGT e o art.º 9.º do Código Civil. Entendemos que não é possível uma interpretação extensiva da referida verba que inclua na mesma os terrenos para construção, já que a mesma sempre teria que ter um mínimo de correspondência na letra da lei, o que não ocorre.

Relativamente ao elemento histórico, o facto de a verba 28.1 TGIS ter sido entretanto expressamente alterada, com a Lei de Orçamento de Estado para 2014, de forma a incluir, a partir de 01.01.2014, os prédios para construção, permite também concluir que esses prédios não eram tributados na redação vigente até 31.12.2013.

Aplicação do regime à situação da Requerente

O prédio da Requerente é um terreno para construção detido por uma empresa. Pelo que se referiu, não se está perante um prédio com afetação habitacional, pelo que não incide sobre esse prédio o Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS.

Por este facto, as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida enfermam de vício de violação daquela verba n.º 28.1 TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).

 

Do pedido de indemnização pela prestação de garantia indevida

A Requerente pede a condenação da AT no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, nos termos do artigo 53º n.º 1 da Lei Geral Tributária.

No entanto não consta da matéria de facto provada nem dos documentos juntos aos autos, que a Requerente tenha prestado qualquer garantia e por período superior a três anos.

Pelo que tem que improceder o pedido de pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.

 

4. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

- julgar procedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade da liquidação de Imposto de Selo do ano de 2013, constante do documento de cobrança n.º 2014 …, no valor de 13.255,80 € e do documento de cobrança n.º 2014 …, no valor de 13.255,80 €;

- julgar improcedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.

 

 

5. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas  nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 26.511,60 €.

 

6. Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 1.530,00 € devidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Notifique.

 

Lisboa, 10 de dezembro de 2014.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.

 

O árbitro singular

Suzana Fernandes da Costa