Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 873/2023-T
Data da decisão: 2025-01-13   Outros 
Valor do pedido: € 313.940,86
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) – Competência dos Tribunais Arbitrais – Ilegitimidade processual ativa.
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Sumário

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto, razão porque o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar os correspondentes atos de liquidação.
  2. O nosso sistema jurídico atribui expressamente legitimidade processual ativa aos repercutidos. A determinação da legitimidade não envolve um juízo de procedência ou de improcedência da pretensão formulada: é à relação jurídica, que o autor apresenta – e não à que virá a ser constatada pela sentença – que deve atender-se para a determinação da legitimidade das partes.
  3. A prova de um facto positivo – repercussão fiscal da CSR - impende sobre quem a invoca por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR. Apenas ao repercutido deve ser concedido o reembolso da CSR.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 6-2-2024, José Poças Falcão (presidente), Catarina Belim e António Alberto Franco (adjuntos), acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

  1. A..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva ..., com sede em ..., ..., ..., ...-... ...,
  2. B..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede na Rua..., n.º..., ..., ...-... Porto,
  3. C..., Unipessoal Lda., titular do número único de pessoa coletiva ..., com sede na Rua..., n.º ..., ...-... ...,
  4. D..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede na Rua..., n.º ..., ...-... ...,

(doravante, abreviadamente designadas, em conjunto, por «Requerentes»), na sequência da alegada formação da presunção de indeferimento tácito dos “Pedidos de Revisão Oficiosa”, apresentados a 28 de abril de 2023 e a 29 de maio de 2023, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, da Alfândega de Aveiro, da Alfândega de Braga e da Alfândega do Freixieiro, relativos às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) com base nas Declarações de Introdução no Consumo (“DIC”) submetidas pela E..., S.A., pela F... Unipessoal, Lda., pela G..., S.A., pela H..., Lda., pela I..., S.A., pela J... S.A. e pela K..., S.A. (doravante designadas, em conjunto, por “fornecedoras de combustível”) e, bem assim, relativo aos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário àquelas adquiridos pelas Requerentes no período compreendido entre abril de 2019 e dezembro de 2022, vieram apresentar no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral tendo por objeto os referidos atos de liquidação de CSR e sobre os consequentes atos de repercussão, invocando a  “(...)ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquirido pelas Requerentes no decurso do período compreendido entre abril de 2019 e dezembro de 2022, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetiva fornecedoras de combustível, determinando-se, nessa medida, a sua anulação, com as demais consequências legais, designadamente, com o reembolso às Requerentes de todas as quantias suportadas a esse título, no montante global de € 313.940,86, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios (...)”.   

Alegaram as Requerentes, no essencial e em síntese, a fundamentar o pedido:

  • As citadas  fornecedoras de combustível às Requerentes entregaram ao Estado, enquanto sujeitos passivos da respetiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (“ISP”) e de CSR praticados pela AT com base nas DIC por aquelas fornecedoras submetidas e...
  • ...repercutiram nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um dos consumos realizados pelas Requerentes
  • E assim, no período compreendido entre abril de 2019 e dezembro de 2022, as Requerentes adquiriram 2.791.355,26 litros de gasóleo rodoviário e 47.131,30 litros de gasolina, por força de tais aquisições, suportando a título de CSR, a quantia global de € 313.940,86
  • A CSR foi considerada ilegal por ser contrária ao Direito da União Europeia.
  • Neste sentido, considerando que as Requerentes suportaram avultados montantes relativos à CSR, as Requerentes apresentaram, no passado dia 28 de abril de 2023 e 29 de maio de 2023, Pedidos de Revisão Oficiosa, onde suscitaram a revisão dos atos tributários de CSR e, consequentemente, dos atos de repercussão daquele imposto na sua esfera, ao abrigo do artigo 78.º da LGT-
  • Os referidos Pedidos de Revisão Oficiosa vieram a presumir-se tacitamente indeferidos, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.

 

                          O pedido arbitral foi aceite e, nos termos regulamentares, notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira

                          As Requerentes não nomearam árbitro e, consequentemente, ao abrigo do disposto no RJAT [alínea a), do nº 2, do artigo 6º e da alínea b) do nº 1, do artigo 11º], foram os árbitros do Tribunal Coletivo designados pelo Conselho Deontológico do CAAD.

                          Aceite a designação pelos signatários e pelas partes, o Tribunal ficou constituído em 6  de fevereiro de 2024.

                          Em 13-3-2024 foi determinada a notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para apresentar resposta ao pedido de pronúncia arbitral, sendo esta apresentada em 13-3-2024, no prazo regulamentar.

 

Posição da AT

Na Resposta foram suscitadas exceções [(i) incompetência relativa do tribunal arbitral em virtude de violação da portaria de vinculação da AT e (ii) incompetência absoluta em razão da matéria - pontos 19 a 52 da Resposta;(iii) ilegitimidade e falta de interesse em agir das Requerentes (pontos 53 a 110 da Resposta);(iv)  ineptidão da petição inicial por falta de objeto – pontos 111 aa 150 da Resposta e  (v) intempestividade dos pedidos de revisão oficiosa identificados supra – pontos 151 a 163 da Resposta).(material do Tribunal, ilegitimidade processual e substantiva das Requerentes, ineptidão da petição inicial por falta de objeto e caducidade do direito de ação) e, subsidiariamente, contestado o pedido por impugnação.

 

A questão da incompetência do Tribunal:

Suscitou a Requerida a exceção da incompetência do Tribunal em razão da matéria trazendo à colação a fundamentação ou pronúncia sobre esta matéria de algumas decisões de Tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD.

Por outro lado, também a incompetência material resultaria, segundo a Requerida, da circunstância de serem alegadamente atos de repercussão e não atos de liquidação de ISP/CSR, os que são objeto do pedido, sendo que só estes e não aqueles os que podem ser objeto de pronúncia arbitral. Citou algumas decisões que consagram este entendimento.

                  A questão da ilegitimidade ativa

                          Suscitou também a Requerida a exceção de ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, consubstanciada no facto de que só os sujeitos passivos que tenham introduzido no consumo os produtos petrolíferos em território nacional e provem o pagamento do respetivo ISP/CSR é que possuem legitimidade para pedirem o reembolso do valor pago porquanto é isso que resulta do disposto nos artigos 5º-1, da Lei nº 55/2007 (que criou a CSR) e  15º e 16º, do CIEC.

                          Assim é que, de acordo com os artigos 15º e 16º dos IEC, os múltiplos adquirentes dos produtos petrolíferos não têm legitimidade para pedido de revisão do ato tributário e consequente reembolso.

                          Ora – conclui a Requerida -, esse direito não se encontra, no caso, na esfera jurídica das Requerentes porquanto esta não é mais do que, alegadamente, uma repercutida económica ou de facto (sublinhado nosso) e não sujeito passivo nos termos e para efeito do disposto no artigo 4º, do CIEC.

                          Vai no sentido apontado o despacho proferido pelo TJUE em 7-2-2022, no Proc nº C-460/21 ao reconhecer a legitimidade do sujeito passivo do imposto ao reembolso do tributo indevidamente liquidado, por violação do direito da UE.

                          A este respeito, traz a Requerida à colação, sufragando o entendimento de que a repercussão da CSR tem natureza meramente económica ou de facto, várias decisões arbitrais.

                          Concluindo: inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carecem as Requerentes de legitimidade processual e, consequentemente, deve a Requerida  ser absolvida da instância [arts. 576º-1 e 2, 577º-al. e) e 578º, do CPC] ou do pedido, por ilegitimidade substantiva [arts 576º-1 e 3 e 579º, do CPC].

                         

                          Pronunciaram-se ainda as Requerentes sobre as exceções de ineptidão da petição inicial por falta de objeto e caducidade do direito de ação, concluindo também pela sua total falta de fundamento mas que não desenvolveremos a respetiva fundamentação invocada porquanto a apreciação destas exceções irá ficar prejudicada – como se verá infra -, pela decisão de procedência  da exceção de ilegitimidade passiva.

                         

                          Questões a Apreciar

                          A questão de mérito a decidir respeita apreciação da compatibilidade do regime da CSR subjacente aos atos tributários (de liquidação de CSR) impugnados com o direito da União Europeia, em concreto, com o disposto no artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE.

                          Em causa os ato de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa (atos de primeiro grau) apresentados pelas Requerentes por alegado erro imputável aos serviços na aplicação ao procedimento de liquidação de CSR (ato de segundo grau) de normas nacionais “(...)inquinadas de ilegalidade por vício de violação de lei, em concreto, a Diretiva 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 (Diretiva 2008/118/CE”) (...)”

                          Contestando, a Requerida invocou, como se viu, múltiplas exceções, quer dilatórias, quer perentórias, de que o Tribunal deve conhecer a título prévio, logo após a fixação da matéria de facto, a começar pelas dilatórias, pois a sua procedência, impede a apreciação do mérito da causa.

 

 

                          II - Fundamentação de Facto

                          Factos Provados

                          Consideram-se provados, os seguintes factos:

  1. No período compreendido entre abril de 2019 e dezembro de 2022, as Requerentes adquiriram às acima identificadas fornecedoras de combustíveis 2.791.355,26 litros de gasóleo rodoviário e 47.131,30 litros de gasolina.
  2. Foi repercutida, pelo fornecedor H..., Lda., à Requerente D... SA., CRS nos preços faturados nas seguintes faturas:

...

  1. As Requerentes apresentaram à AT,  em 28 de abril de 2023 e 29 de maio de 2023, pedidos de revisão oficiosa, onde suscitaram a revisão dos atos tributários de CSR e, consequente e alegadamente, dos atos de repercussão daquele imposto na sua esfera, ao abrigo do artigo 78.º da LGT;
  2. Os referidos Pedidos de Revisão Oficiosa vieram a presumir-se tacitamente indeferidos, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT;
  3. As Requerentes apresentaram o presente pedido de pronúncia arbitral no CAAD em 24-11-2023;

Factos NÃO Provados

Não está provado:

- que, à parte das faturas enumeradas em (b) supra, os demais  fornecedores de combustíveis às Requerentes tenham repercutido nos preços faturados o valor da CSR que suportaram pela introdução no consumo desses produtos.

Fundamentos da fixação da matéria de facto

              Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

Os factos foram dados como provados a partir do exame dos documentos juntos pelas Requerentes e da apreciação do processo administrativo instrutor, tudo analisado criticamente pelo Tribunal.

Não se considerou provado que as Requerentes tenham suportado, no final do respetivo circuito económico,  a CSR.

As Requerentes listaram e juntaram faturas de aquisição de combustível junto dos respetivos fornecedores.

A Requerente D... SA., logrou ainda juntar declarações do fornecedor de combustível H..., Lda., na qualidade de sujeito passivo de ISP, a atestar que repercutiu, nos valores faturados a esta Requerente pelos abastecimentos, e nos períodos em causa, o montante relativo à CRS. Neste sentido, apenas esta Requerente, na qualidade de repercutido, tem direito a solicitar o reembolso – vide infra - devendo o  reembolso ser vedado, neste caso, aos fornecedores sujeitos passivos “iniciais”.

 

Quanto às demais declarações de fornecedores apresentadas referentes à J..., K... e E..., resulta dos elementos constantes dos autos que a J... e K... não são sujeitos passivos de ISP mas sim intermediários na cadeia de comercialização. Nesta medida, as declarações apresentadas teriam de ser complementadas por declarações dos sujeitos passivos de ISP, fornecedores “iniciais”, a atestar a repercussão “em cadeia”. Ora conforme é conhecimento púbico e notório, decorrente de decisões arbitrais publicadas, existem sujeitos passivos de ISP que estão a solicitar reembolsos de CSR nessa qualidade, com base precisamente na ausência de prova de repercussão de imposto, pelo que existe o risco de duplo reembolso de imposto quando, em caso de fornecimentos por intermediários, não se realize a prova de quem foi efetivamente o repercutido, pois só este, conforme decisões do TJUE, tem direito ao reembolso.

.

Já quanto ao fornecedor E..., este Tribunal entende que existem incongruências nos elementos apresentados – por um lado o documento 3.1 junto ao PPA contém declarações da E... que não mencionam os períodos de transmissão em causa.

De forma ainda mais significativa, as declarações apresentadas identificam que a E---, ela própria, apresentou pedidos de revisão oficiosa e impugnações judiciais destinadas à recuperação da CSR nos casos em que atuou como sujeito passivo, pelo que gera-se a dúvida sobre a repercussão invocada pelas Requerentes – se existem valores foram repercutidos porque está o fornecedor a solicitar o seu reembolso ao Estado? Nos demais casos, em que não atuou como sujeito passivo de ISP/CRS a declaração da E... não menciona a repercussão integral da CRS nas Requerentes (mas sim que foi “recuperado, no todo em parte, nas subsequentes transmissões onerosas” às Requerentes).

As declarações apresentadas não permitem, de forma contundente, atestar o montante de imposto relativo à CRS que foi repercutido pela E... às Requerentes e sempre teriam de ser complementadas, aquando da existência de fornecedores intermediários, por declarações dos sujeitos passivos de ISP, fornecedores “iniciais”, a atestar a repercussão “em cadeia”, pois apenas o repercutido tem direito ao reembolso do imposto.

Por fim, quanto aos demais fornecedores,  não foram apresentados elementos de prova para além das cópias das faturas de fornecimento, pelo que subsistem dúvidas sobre o efetivo repercutido, no contexto da possibilidade de duplos pedidos de reembolso (pelos fornecedores originais e intermediários).

Assim, entende este Tribunal que a Requerente D... SA., logrou fazer prova da repercussão por parte do fornecedor de combustível H... Lda. No demais não lograram as Requerentes cumprir o ónus da prova que lhe compete quanto à repercussão de CSR no valor de € 313.940,53.

 

 

              Do Direito

Questões Prévias

Da Ineptidão do Pedido de Pronúncia Arbitral

A AT defende que o pedido de pronúncia arbitral é inepto, porque as Requerentes não identificou os atos que são objeto do pedido arbitral, como exige o artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT. As Requerentes declinam esta argumentação e propugna que os atos impugnados são da autoria da AT, sobre quem recai o ónus da sua identificação.

O artigo 98.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT indica como nulidade insanável do processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial, sem contudo esclarecer as situações que configuram essa ineptidão. Desta forma, deve aplicar-se, a título subsidiário [v. artigos 2.º, alínea e) do CPPT e 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT], o disposto no compêndio processual civil que, no artigo 186.º, rege esta matéria (v. neste sentido a decisão do processo arbitral n.º 410/2024-T, de 13 de novembro de 2023, que a seguir se acompanha).

No citado artigo 186.º, n.º 1 do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

O n.º 3 do mesmo artigo determina que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.

Em relação à identificação dos atos tributários, não tendo as Requerentes a qualidade de sujeito passivo da CSR, nem sendo substituto tributário, não lhe é exigível que disponha das liquidações correspondentes, uma vez que não é o destinatário das mesmas nem participou na sua emissão. Aliás, tal exigência comprometeria a sindicabilidade dos atos tributários por repercutidos legais, ou, no caso de retenções na fonte, pelos substituídos, com a consequente contração do acesso ao direito, incompatível com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e com o princípio da proporcionalidade (v. artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição).

A não identificação dos atos tributários não impediu o exercício do contraditório pela Requerida, que, pelo teor da extensa e circunstanciada resposta, manifestou compreender o alcance da pretensão das Requerentes e os argumentos que a alicerçam, não se suscitando, portanto, um problema de ininteligibilidade do pedido e/ou da causa de pedir. Nem essa identificação é necessária para aferir da legalidade da cobrança de CSR.

Afigura-se, assim, que o pedido formulado é perfeitamente inteligível e idóneo ao meio processual (ação arbitral tributária), como se constata do petitório: “(...) apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral  tendo em vista (...) a declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa em referência e, bem assim, dos atos de liquidação de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) referentes ao período de 2019 a 2022, com o valor global de € 79.639,12 (setenta e nove mil, seiscentos e trinta e nove euros e doze cêntimos), a qual foi suportada pela Requerente na qualidade de adquirente e consumidor final de produtos petrolíferos que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (“ISP”), através do mecanismo da repercussão legal (...)”

 Ou seja, o pedido reconduz-se à anulação, por ilegalidade, do ato de indeferimento de reclamação graciosa (ato de primeiro grau) e dos respetivos  atos de liquidação de CSR.

Pelo exposto, improcede a exceção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, pois não se verifica nenhuma das situações elencadas no artigo 186.º do CPC.

Da Competência Material do Tribunal Arbitral

A Requerida qualifica a CSR como contribuição financeira e não como imposto, daí retirando a consequente exclusão do âmbito da jurisdição arbitral por falta de vinculação da AT (v. artigo 4.º, n.º 1 do RJAT[1]). Isto porque a Portaria de Vinculação[2], no corpo do seu artigo 2.º, delimita o respetivo âmbito à “apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida [à AT]”, sem prever outros tributos. (sublinhado nosso)

A questão releva do ponto de vista da competência “relativa” do Tribunal Arbitral e não “absoluta”, em razão da matéria, já que a norma que rege a competência, o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, faz referência a “atos de liquidação de tributos”, categoria ampla que compreende a tripartição clássica refletida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição e no artigo 3.º, n.º 2 da LGT – impostos, taxas e contribuições financeiras –, pelo que aí tem claro enquadramento a CSR.

Porém, mesmo na perspetiva da competência “relativa” não assiste razão à Requerida, porquanto, apesar de o artigo 2.º da citada Portaria parecer limitar o âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral aos “impostos” e de o nomen juris da CSR sugerir que estamos perante uma contribuição financeira, a sua natureza é, na realidade, a de um imposto administrado pela AT, ainda que de receita consignada, não sendo a denominação determinante.

A Requerida cita diversas decisões arbitrais para reforçar o seu argumento[3], mas omite a existência de múltiplas outras decisões em sentido distinto, nomeadamente a do processo arbitral 304/2022-T, de 5 de janeiro de 2023[4], que se acompanha nesta matéria, e que, com suporte na jurisprudência dos Tribunais superiores, incluindo o Tribunal Constitucional, conclui que a CSR é um imposto.

Desde logo, a designação de contribuição não vincula o aplicador do direito e não é o facto de o tributo ter a receita consignada que o qualifica como contribuição financeira (v. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 539/2015; 369/99 e 232/2022, respetivamente), existindo vários impostos que têm a sua receita consignada (ainda que ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos).

O elemento decisivo para a qualificação da CSR como contribuição financeira é a existência de uma estrutura paracomutativa[5], ou dito de outra forma, de um nexo de bilateralidade/causalidade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita [Estado] e os sujeitos passivos do tributo. A prestação deve destinar-se a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, “(...) acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou atividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, citado na decisão arbitral 304/2022-T).

No caso da CSR, constata-se que a mesma não tem por finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário e também não se identificam prestações administrativas a que o sujeito passivo tenha dado causa.

Conforme explicita a decisão arbitral proferida no processo do CAAD nº 304/2022-T:

Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).

Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”

Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se  inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.

A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.

No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.

Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.

[…]

Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.

Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.

 

No mesmo sentido, salienta a decisão arbitral no processo nº 629/2021-T, de 3 de agosto de 2022, que “o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas coletivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária.”.

A qualificação da CSR como um imposto foi também a seguida pelo Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, e resulta da análise da sua génese. Interessa a este respeito notar que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, criou a CSR por desdobramento do ISP, em relação ao qual é indiscutível a sua qualificação como imposto. Esta relação umbilical merece destaque na decisão arbitral no processo nº  332/2023-T: “A CSR, durante algum tempo legalmente autonomizada do ISP, a partir do qual nasceu e ao qual voltou, constituiu sempre um pseudónimo deste – e, portanto, sempre foi um imposto”. 

Em síntese, a CSR é enquadrável como imposto, uma vez que não reúne as características de bilateralidade difusa e de responsabilidade de grupo inerente às contribuições, estando, deste modo, abrangida pela autovinculação da AT à jurisdição arbitral, nos termos da citada Portaria n.º 112-A/2011, sendo este Tribunal competente para proceder à apreciação do pedido.

 

Todavia, a Requerida suscita ainda a incompetência material deste Tribunal, por entender que as Requerentes visam a apreciação da legalidade de todo o regime da CSR, pretendendo, em rigor, suspender a eficácia de atos legislativos. 

Não tem razão.

O pedido formulado pelas Requerentes é especificamente dirigido à anulação dos atos tributários e da decisão silente de segundo grau que os manteve, não tendo sido peticionada a ilegalidade ou ineficácia da Lei n.º 55/2007 ou de alguma(s) das suas normas. E a pronúncia jurisdicional será, se a ação for procedente, meramente anulatória (constitutiva) dos atos impugnados, não consubstanciando uma declaração de ilegalidade do (ou dirigida ao) regime da CSR em bloco.

Quer do ponto de vista formal, quer numa perspetiva material, as Requerentes não pretende, nem do seu articulado se infere, a “fiscalização da legalidade de normas em abstrato”. O que está em causa nos autos é a apreciação de atos individuais e concretos – de liquidação de CSR – em relação aos quais foi suscitada a questão da respetiva ilegalidade por erro de direito. A alegada ilegalidade do regime da CSR por violação do direito da União Europeia é causa de invalidade dos atos, mas não o objeto da pronúncia jurisdicional. A pretendida decisão anulatória de atos individuais e concretos com fundamento na desconformidade da disciplina da CSR com o direito europeu, mais não é do que a expressão do princípio do primado do direito da União Europeia, sem paralelo com uma alegada declaração de ilegalidade do próprio regime.

 

              A Requerida invoca finalmente a falta de competência material do Tribunal Arbitral para se pronunciar sobre a legalidade dos atos de repercussão de CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação da própria CSR. 

              Como defende Sérgio Vasques,  “(...) os atos de repercussão materializam um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem(...)[6].

Independentemente da posição que se adote sobre a natureza jurídica dos atos de repercussão, quanto a saber se são atos que integram uma relação jurídico-tributária complexa, ou se são um fenómeno económico de natureza estritamente privada, certo é que aqueles não são atos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria coletável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada (v. neste sentido Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Almedina, 2017, p. 278).

              Efetivamente, os atos de repercussão não se subsumem a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT, pelo que os Tribunais Arbitrais não são competentes para os apreciar. Porém, dito isto, as Requerentes não solicitam a apreciação da legalidade dos atos de repercussão. O pedido das Requerentes circunscreve-se aos atos de liquidação de CSR emanados da AT, dos quais, como acima dito, o Tribunal pode conhecer.

              Por fim, no tocante à incompetência do Tribunal Arbitral para decidir o pedido de restituição de valores, que segundo a Requerida, só pode ser apreciado em execução do julgado, tal só se verifica se a determinação do valor da liquidação a anular estiver dependente de operações que envolvam o exercício da atividade administrativa, não havendo necessidade de remeter tal fixação para a fase de execução da decisão se a quantificação do valor anulado não oferecer dúvidas e resultar de um cálculo aritmético simples, sem margem de apreciação administrativa (v. artigo 609.º, n.º 2 do CPC (a contrario), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT). 

Assim, por oposição ao que a Requerida preconiza, não estão em juízo matérias às quais a AT não se tenha vinculado, nem pedidos que o Tribunal Arbitral não possa conhecer, pelo que soçobram as premissas de uma eventual inconstitucionalidade, que a Requerida invocou, mas não substanciou.

À face do exposto, julga-se improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, encontrando-se a AT ao mesmo vinculada, por estar em causa um pedido de anulação de atos de liquidação de imposto, a CSR (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

Questão da incompetência para fiscalizar a legalidade de normas em abstrato

              Alega ainda a Requerida que caso se entenda ser o tribunal competente para apreciar a legalidade desta contribuição financeira, mais se dirá que sempre existiria a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por outra via uma vez que as Requerentes suscitam a legalidade do regime da CSR, no seu todo.

Ora, a Requerida parte aqui de um princípio errado, qual seja o de que está em causa uma fiscalização da legalidade de normas em abstrato, desprovida de um “enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação” (Processo n.º 294/2023-T). Com efeito, in casu, é manifesto que as Requerentes controvertem os atos de liquidação de CSR e os consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo adquirido, invocando como causa de pedir, a desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008.

Contudo, ainda que tivesse sido suscitada, no pedido de pronúncia arbitral, a inconstitucionalidade de qualquer das normas do regime da CSR, nada obstava a que o Tribunal Arbitral se pronunciasse sobre a questão de constitucionalidade no âmbito do controlo difuso a que se refere o artigo 204° da Constituição.

No caso, estando em causa a desconformidade do regime da CSR com o regime previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, não pode deixar de concluir-se, do mesmo modo, pela competência contenciosa do Tribunal Arbitral para a apreciação do litígio.

Com efeito, as normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição).

A impugnação judicial de um ato de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito internacional convencional.

Torna-se assim claro que não existe qualquer obstáculo a que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade dos atos de liquidação baseado em desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, sendo, nestes termos, considerada improcedente a alegada exceção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria.

Improcede, consequentemente, a exceção alegada.

 

 

Incompetência em razão da apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR extravasar o âmbito material da arbitragem tributária

A Requerida invoca que nunca poderia o Tribunal Arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR.

As Requerentes vêm requerer a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido contra os atos de liquidação de IEC, na parte da CSR, referentes aos períodos entre abril de 2019 e dezembro de 2022 e a declaração de ilegalidade dos respetivos atos, com todas as consequências legais incluindo o reembolso do imposto e pagamento de juros indemnizatórios.

Este Tribunal Arbitral entende que assiste razão às Requerentes neste caso, na medida em que é claro das peças processuais apresentadas que o objeto do processo arbitral são os atos de liquidação de imposto da CSR (e não os atos de repercussão que sejam destes consequentes) pelo que, também à luz deste fundamento de incompetência do tribunal improcede a exceção suscitada.

 

Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente e da falta de interesse em agir

            A Requerida coloca a questão da ilegitimidade processual considerando que “apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago”. No seu entendimento, “no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso”; e, por outro lado, que “não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão legal, subsequente e autónomo do(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as faturas não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis, e que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelos adquirentes dos combustíveis”.

No entender deste Tribunal importa «sublinhar a indiscutível legitimidade processual ativa do Repercutido, a qual hoje encontra consagração legal expressa nos artigos 18.º, n.º 4, alínea a), 2.ª parte e 54.º, n.º 2 a fortiori ambos da Lei Geral Tributária (doravante, LGT), dispondo aquela disposição que: “Não é sujeito passivo quem: a) suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias;”, ao passo que a segunda disposição sublinha que “As garantias dos contribuintes previstas no presente capítulo aplicam-se também à autoliquidação, retenção na fonte ou repercussão legal a terceiros da dívida tributária, na parte não incompatível com a natureza destas figuras.” [§] E neste mesmo sentido aponta, ainda, o artigo 9.º do CPPT, ao consagrar um conceito de legitimidade pelo menos tão amplo como o consagrado no direito comum, determinando que têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido; e, por fim, o artigo 65.º da LGT que, sob a epígrafe “Contribuintes e outros interessados”, confere ampla legitimidade no procedimento aos sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”»

Este Tribunal entende que à luz das referidas disposições legais,  o nosso sistema jurídico, como também sucede com o espanhol, e ao contrário do italiano, atribui expressamente legitimidade processual ativa aos repercutidos, mas mesmo que «“assim não sucedesse, já idêntica solução se podia, porventura, retirar das regras gerais de aferição da legitimidade, vertidas quer no artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, CPPT), quer no artigo 30.º do Código do Processo Civil (doravante, CPC), aplicável em sede processual tributária ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT: e assim é, uma vez que nos parece indiscutível a conclusão de que aquele que suporta o ónus financeiro do tributo terá sempre algum “interesse legítimo” em contestar o decréscimo patrimonial ilegal (ao menos, potencialmente ilegal, algo que não se logra conhecer) em que incorre enquanto repercutido do mesmo.» - cf. Declaração de voto de Gustavo Lopes Courinha no Acórdão do STA de 14 de outubro de 2020, proc. n.º 0506/17.2BEALM.

Paralelamente, importa reconhecer que a legitimidade (legitimatio ad causam) deve ser configurada como um pressuposto processual e não como condição de procedência do mérito da ação. O que vale por dizer que a determinação da legitimidade não envolve um juízo de procedência ou de improcedência da pretensão formulada, mas “apenas” uma análise da “fisionomia da relação material litigiosa (apenas a fisionomia, não o seu mérito ou a sua real ou efetiva existência), tal como ela é configurada ou desenhada unilateralmente, na petição inicial, pelo autor” – Miguel Mesquita, p. 303, daí que se subscreva, com o Autor, a posição centenária de Barbosa de Magalhães, segundo a qual “é à relação jurídica, que o autor apresenta – e não à que virá a ser constatada pela sentença – que deve atender-se para a determinação da legitimidade das partes; não sendo assim, essa determinação só poderia fazer-se depois do julgamento do mérito do pedido”.

Considerando estas reflexões à luz do quadro desenhado pela concreta causa de pedir definida no requerimento de pronúncia arbitral, apenas pode concluir-se que as Requerentes gozam de legitimidade para contestar as liquidações de CSR.

A este propósito, refira-se ainda que a existência da repercussão, principaliter quando desta se retirem – como sucede entre nós – consequências impugnatórias, não permite o isolamento do feixe de relações em que aquela se traduz no estrito domínio do direito privado. Confirma-o o recente aresto do TJUE, de 11 de abril de 2024, tirado no Processo C-316/22, onde se considera, face ao sistema italiano, que “essa legislação, ao não permitir a um consumidor final pedir diretamente ao Estado‑Membro o reembolso do encargo económico adicional que suportou devido à repercussão, efetuada por um fornecedor com base numa faculdade que a legislação nacional lhe reconhece, de um imposto que o próprio fornecedor pagou indevidamente ao referido Estado‑Membro, viola o princípio da efetividade”, pelo que, em consequência, “o princípio da efetividade deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não permite ao consumidor final pedir diretamente ao Estado‑Membro o reembolso do encargo económico adicional que esse consumidor suportou devido à repercussão operada por um fornecedor, em conformidade com uma faculdade que a legislação nacional lhe reconhece, de um imposto que o próprio fornecedor tinha pago indevidamente, permitindo apenas que esse consumidor intente uma ação cível de repetição do indevido contra tal fornecedor, quando o caráter indevido desse pagamento resultar de o referido imposto ser contrário a uma disposição clara, precisa e incondicional de uma diretiva não transposta ou incorretamente transposta, e quando, devido à impossibilidade de invocar, enquanto tal, uma diretiva num litígio entre particulares, este fundamento de ilegalidade não possa ser validamente invocado no âmbito dessa ação”.

Entre nós, diferentemente, permite-se que os repercutidos controvertam a liquidação que mediatamente os afeta através da repercussão. Por esse motivo, mesmo não sendo considerados sujeitos passivos, a verdade é que os repercutidos não gravitam apenas em torno de uma relação jurídica que lhes seja completamente exógena, precisamente porque têm poderes com aptidão para interferir na conformação daquela através da mobilização de meios graciosos ou contenciosos.

Ora, como se refere no despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21:

«39 A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma excepção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas».

«42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido»

43 «... a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos».

Decorre desta jurisprudência a obrigação de a Administração Tributária reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efetivamente os suportou, pelo que no caso de tributos suscetíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso dependerá de ela ter sido ou não concretizada (cabendo aos requerentes a prova da efetiva repercussão).

Por fim, resta referir que as menções anteriores não são postas em causa pela consideração de que o CIEC estabelece um regime especial de revisão, à luz do qual as Requerentes não teria legitimidade para despoletar. De facto, tal argumentação parte do princípio de que, entre outras, a disposição do artigo 15.º do CIEC é aplicável à CSR, mas tal pressuposto jurídico não se verifica, dado que o tributo é objeto de uma regulamentação própria, constante de um diploma autónomo, e a remissão para o CIEC (a par da LGT e do CPPT) refere-se apenas “à sua liquidação, cobrança e pagamento”, não já ao “reembolso” ou sequer às garantias aplicáveis. É certo que o Capítulo II do CIEC abarca as regras de “liquidação, pagamento e reembolso do imposto”. Porém, não existe nenhuma remissão em bloco para o regime legal previsto nesse capítulo; como também não existe qualquer remissão para o regime de reembolso constante dos artigos 15.º a 20.º dos CIEC, sendo que o próprio CIEC na epígrafe do capítulo e no regime distingue tais matérias.

A Autoridade Tributária alega ainda a ilegitimidade substantiva das Requerentes invocando que as Requerentes não conseguem demonstrar que não repercutiram o valor que alegam ter pago de CSR no preço dos serviços que prestaram, atento o objeto da sua atividade.

Ora neste sede, como é entendimento corrente, a chamada a legitimidade substancial ou substantiva tem a ver com a efetividade da relação material, interessando já ao mérito da causa e, nesse sentido, constitui um requisito da procedência do pedido (cfr. acórdão da Relação do Porto de 4 de outubro de 2021, Processo n.º 10910/20).

 Adicionalmente, não é possível considerar verificada liminarmente a inviabilidade da pretensão deduzida em juízo com base em meras alegações da parte contra quem vem deduzido o pedido (o que se verifica no presente caso em que não é demonstrada pela AT a alegada repercussão pelas Requerentes, na sua atividade da CSR) quando essa é a questão de fundo que carece de ser analisada em função do direito aplicável face aos factos que venham a ser dados como provados ou não provados.

Improcedem, consequentemente, as exceções alegadas.

 

Questão da caducidade do direito de ação.

No que concerne à intempestividade do pedido de revisão oficiosa, a AT afirma que tomando por referência o alegado pelas Requerentes - aquisições nos períodos de abril de 2019 a dezembro de 2022 – a 28.04.2023 e 29.05.2023, data dos pedidos de revisão oficiosa, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT.

Defende também aqui a AT que apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto possuem legitimidade para solicitar o reembolso do imposto pago, devendo o pedido ser apresentado no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto, pelo que «a acrescer à circunstância de a Requerente não ser sujeito passivo de ISP/CSR e ao facto de não lograr provar o pagamento dos respetivos valores, em 03-08-2023  já teria terminado o prazo de 3 (três) anos previsto no artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso, ainda que parcial, do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, pelo menos no que se refere a todas as aquisições anteriores a 23-08-2020.”

Porém, como defendem as Requerentes, o prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa era o de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços, previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Na verdade, como há muito vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços» (acórdão de 12-12-2001, processo n.º 026.233, cuja jurisprudência é reafirmada nos acórdãos de 06-02-2002, processo n.º 026.690; de 13-03-2002, processo n.º 026765; de 17-04-2002, processo n.º 023719; de 08-05-2002, processo n.º 0115/02; e 22-05-2002, processo n.º 0457/02; de 05-06-2002, processo n.º 0392/02; de 11-05-2005, processo n.º 0319/05; de 29-06-2005, processo n.º 9321/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; e 26-04-2007, processo n.º 039/07; de 21-01-2009, processo n.º 771/08; de 22-03-2011, processo n.º 01009/10; de 14-03-2012, processo n.º 01007/11; de 05-11-2014, processo n.º 01474/12; de 09-11-2022, processo n.º 087/22.5BEAVR; de 12-04-2023, processo n.º 03428/15.8BEBRG).

No caso em apreço, é manifesto que os erros imputados aos atos impugnados não são imputáveis às Requerentes, pois não teve qualquer intervenção no procedimento de liquidação.

Nestes termos, o pedido de revisão é o meio processual adequado para suscitar a apreciação do vício de violação do direito europeu por parte de norma da legislação nacional, por ser imputável aos serviços, tem cabimento no disposto no artigo 78.º, n.º 1, II parte da LGT, aplicando-se o prazo de quatro anos aí previsto e não o prazo de reclamação graciosa, de 120 dias (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de fevereiro de 2017, processo n.º 0678/16) nem o prazo de 3 anos previsto no artigo 15.º do CIEC, invocados pela AT.

Improcede assim a invocada caducidade do direito de ação.

 

Do mérito - Questão da violação do Direito da União

 

A Diretiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo de produtos energéticos (além de doutros) estabelece no n.º 2 do seu artigo 1.º que «os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções». 

A questão de mérito que é objeto do processo é a de saber se a CSR é compatível com o Direito da União Europeia, designadamente se tem um “motivo específico” na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro.

Caso se chegue à conclusão positiva, há então que analisar se estão verificados os pressupostos que permitem às Requerentes exigir diretamente da Requerida a revisão dos atos de liquidação e o reembolso de imposto indevidamente pago.

Sobre a questão da legalidade da CSR as Requerentes indicam que o TJUE decidiu que a Contribuição de Serviço Rodoviário viola a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo.

Contrapõe a Requerida que “existiu e existia à data dos factos, efetivamente um vínculo intrínseco entre o destino da CSR e o motivo específico que levou à sua criação” inexistindo uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, porquanto inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare.

Como é consabido, a questão da compatibilidade da CSR com o Direito de União Europeia foi apreciada no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, no âmbito de um reenvio prejudicial.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais Nacionais, quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, entre muitos, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Assim, há que acatar o decidido no Despacho do TJUE de 07.02.2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, que constitui a mais recente decisão do TJUE sobre os requisitos do «motivo específico» a que alude o artigo 1.º, n.° 2, da Diretiva 2008/118/CE.

A resposta à referida questão que foi dada no Despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21, é a de que «o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários».

Refere-se nesse Despacho, além do mais, o seguinte:

(...)

19 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.

 20 Há que começar por salientar que esta disposição, que visa ter em conta a diversidade das tradições fiscais dos Estados-Membros nesta matéria e o frequente recurso às imposições indiretas para a execução de políticas não orçamentais, permite que os Estados-Membros estabeleçam, além do imposto especial de consumo mínimo, outras imposições indiretas que prossigam uma finalidade específica (Acórdãos de 4 de junho de 2015, Kernkraftwerke Lippe-Ems, C-5/14, EU:C:2015:354, n.º 58, e de 3 de março de 2021, Promóciones Oliva Park, C-220/19, EU:C:2021:163, n.º 48).

 21 Em conformidade com a referida disposição, os Estados-Membros podem cobrar outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo desde que estejam preenchidos dois requisitos. Por um lado, estes impostos devem ser cobrados por motivos específicos e, por outro, estas imposições devem ser conformes com as normas fiscais da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, bem como à liquidação, à exigibilidade, ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.

 22 Estes dois requisitos, que visam evitar que outras imposições indiretas entravem indevidamente as trocas comerciais, revestem assim caráter cumulativo, como decorre da própria redacção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 (v. Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 36, e, por analogia, Acórdão de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 36).

 23 No que respeita ao primeiro dos referidos requisitos, único visado pela primeira questão prejudicial, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um motivo específico na aceção desta disposição não é uma finalidade meramente orçamental (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 37).

 24 No entanto, uma vez que qualquer imposto prossegue necessariamente uma finalidade orçamental, o simples facto de um imposto ter um objetivo orçamental não é suficiente, enquanto tal, sob pena de esvaziar de substância o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, para excluir que se possa considerar que esse imposto tem também um motivo específico, na aceção da referida disposição (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 38 e jurisprudência referida).

 25 Assim, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 41, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 38).

 26 Além disso, embora a afetação predeterminada do produto de um imposto ao financiamento do exercício, pelas autoridades de um Estado-Membro, de competências que lhes foram atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, essa afetação, que decorre de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado-Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente, uma vez que qualquer Estado-Membro pode decidir impor, independentemente da finalidade prosseguida, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas. Se assim não fosse, qualquer finalidade poderia ser considerada específica, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de consumo harmonizado instituído por esta diretiva de qualquer efeito útil e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória, como a do artigo 1.º, n.º 2, deve ser objeto de interpretação estrita (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 39 e jurisprudência referida).

 27 Por último, não existindo semelhante mecanismo de afetação predeterminada das receitas, só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 42 e jurisprudência referida).

 28 Quando é submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial por meio do qual se pretende que seja declarado se uma imposição instituída por um Estado-Membro prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, a função do Tribunal de Justiça consiste mais em esclarecer o órgão jurisdicional nacional sobre os critérios cuja aplicação permitirá a este último determinar se essa imposição prossegue efetivamente essa finalidade do que em proceder ele próprio a essa avaliação, e isto tanto mais quando o Tribunal de Justiça não dispõe necessariamente de todos os elementos indispensáveis para esse efeito (v., por analogia, Acórdãos de 7 de novembro de 2002, Lohmann e Medi Bayreuth, C-260/00 a C-263/00, EU:C:2002:637, n.º 26, e de 16 de fevereiro de 2006, Proxxon, C-500/04, EU:C:2006:111, n.º 23).

 29 No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.º 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.

 30 Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar-se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 38).

 31 Em terceiro lugar, como resulta do n.º 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto-lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.

 32 No entanto, como foi salientado no n.º 15 do presente despacho, resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam-se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.

 33 Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redacção da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.

 34 Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes.

 35 Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar atendendo às indicações que figuram nos n.ºs 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.ºs 31 a 35).

 36 Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.

A CSR, na versão da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, vigente em 2018/2019, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (atual Infraestruturas de Portugal, S.A., nos termos do Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de Maio), sendo o financiamento assegurado primacialmente pelos respetivos utilizadores, como contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, utilização essa que é verificada pelo consumo dos combustíveis (artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 55/2007).

A CSR foi estabelecida para constituir uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento (artigo 3.º, n.º 2, daquela Lei).

O produto da CSR constitui uma receita própria da Infraestruturas de Portugal, S.A. e o financiamento da rede rodoviária nacional apenas subsidiariamente é assegurado pelo Estado (artigos 2.º e 6.º da Lei n.º 55/2007). 

A atividade de financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (agora Infraestruturas de Portugal, S.A.) pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de Novembro, em que se prevê que, entre outros rendimentos, a CSR constitui receita própria dessa entidade [Base 3, alínea c) do Anexo I, na redacção do Decreto-Lei n.º 44-A/2010, de 5 de Maio, a que corresponde a alínea b) na redacção inicial].

Uma das obrigações da concessionária, é a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro II do anexo às presentes bases” [Base 2, n.º 4, alínea b) do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 380/2007].

No quadro II do anexo apenas se estabelece, na Parte I, alguns objetivos de redução de sinistralidade por referência a certos indicadores de atividade (número de pontos negros, gravidade dos acidentes nas travessias urbanas, número de vítimas mortais), e, na Parte II, alguns objetivos de sustentabilidade ambiental em vista a assegurar, tendencialmente, os indicadores ambientais que aí são referenciados.

Assim, como se concluiu no referido Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, as receitas provenientes da CSR destinam-se essencialmente a assegurar o financiamento da rede rodoviária e têm uma finalidade puramente orçamental.

Como se refere no acórdão arbitral de 14-06-2023, proferido no processo n.º 24/2023-T, «nem a estrutura do tributo permite concluir pela existência de intenção de desmotivar o consumo dos combustíveis. E, por outro lado, a finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR de modo a poder considerar-se conforme o direito europeu é apresentada em termos muito genéricos, não tendo sido sequer feita a prova – que incumbia à Autoridade Tributária - de que tenham sido cumpridos os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se encontram definidos no quadro II do anexo às bases da concessão».

Pelo exposto, a CSR, na versão da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, vigente em 2018/2019, «não prossegue “motivos específicos”, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva  2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental» (acórdão arbitral citado).

Consequentemente, a conclusão a que se chega é a de que a CSR é desconforme ao Direito da União Europeia, cabendo agora aferir se estão verificados os pressupostos que permitem às Requerentes exigir diretamente da Requerida a revisão dos atos de liquidação e o reembolso de imposto indevidamente pago.

Na sequência da apreciação das exceções invocadas pela Requerida e do reconhecimento da legitimidade das Requerentes, foi já decidido que esta tem um interesse legalmente protegido e o direito de ação e de interpelar diretamente a Requerida, por forma à revisão dos respetivos atos de liquidação de CSR e ser ressarcida dos prejuízos decorrentes do alegado pagamento indevido do imposto. No entanto tal direito apenas se efetiva caso seja confirmada a sua repercussão (e consequente pagamento indevido do imposto) no preço dos produtos adquiridos.

A jurisprudência do TJUE refere expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de janeiro de 1997.”

Sublinha-se que “No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça referiu, contudo, que a restituição ao sujeito passivo do montante do imposto, apesar de este o ter repercutido sobre o comprador, equivaleria para aquele a um pagamento em dobro suscetível de ser qualificado como enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador. O Tribunal de Justiça reconheceu, assim, que o imposto contrário ao direito da União pode atingir economicamente outra pessoa para além do sujeito passivo e que existe uma necessidade de devolver o montante do imposto ao património desta pessoa.” Cf. Proc. C-94/10, conclusões, de 24 de março de 2011.

Nesse sentido, atentas as especificidades e casuísmo das respetivas operações comerciais, os elementos de prova são essenciais, inclusive para determinar quem efetivamente suportou imposto e o quantum efetivamente pago.

Na falta de regulamentação, na EU e interna, de natureza processual ou substantiva, para o reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União Europeia, cabe aos Tribunais a decisão de cada caso sub judice (cfr. par. 44 da decisão do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferida no Processo n.º C-460/21).

Como assente na matéria de facto, no presente caso a Requerente D... SA.  logrou efetuar prova de que lhe foi repercutida CRS no valor de € 0,33 pelo fornecedor H..., Lda.

As liquidações emitidas pela AT à H..., Lda., que estão subjacentes à cobrança de CSR à Requerente, enfermam de vício de violação de lei, decorrente da ilegalidade, por incompatibilidade das normas dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Lei n. 55/2007, de 31 de Agosto, nas redações vigentes em 2019-2022, com o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008.

Esta ilegalidade justifica a anulação das liquidações, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT e o direito ao reembolso da CSR paga em excesso, pela Requerente, na qualidade de repercutido.

No demais não lograram as Requerentes cumprir o ónus da prova que lhe compete quanto à repercussão de CSR nas Requerentes no valor de € 313.940,53.

 

 

Reembolso de quantia paga e juros indemnizatórios 

 

Nos casos em que é apresentado pedido de revisão oficiosa fora do prazo da reclamação graciosa, o direito a juros indemnizatórios só existe decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, como decidiu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador n.º 4/2023, de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, publicado no Diário da República, I Série, de 16-01-2023.

Assim, aplicando esta jurisprudência, tendo decorrido mais de um ano desde a data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa da Requerente D... S.A, (31.05.2023), esta Requerente tem direito a juros indemnizatórios, relativamente às quantias a reembolsar quanto ao fornecedor H..., Lda., contados desde 01.06.2024, respetivamente, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

Na medida em que não é dado provimento ao restante pedido, sobre os restantes valores fica prejudicado o conhecimento do direito aos juros indemnizatórios.

III Decisão

              Atento o exposto, este Tribunal Arbitral Coletivo decide:

  1. Julgar improcedentes as exceções suscitadas pela AT;
  2. Declarar a ilegalidade das normas dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Lei n. 55/2007, de 31 de Agosto, nas redações vigentes entre 2019-2022, com o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, e recusar a sua aplicação;
  3. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade das liquidações de CSR subjacentes às faturas da H..., Lda indicadas no Documento 3 do PPA, no valor de € 0,33 e em consequência, anular parcialmente as liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário subjacentes a estas faturas, bem como os actos de repercussão consubstanciados em cada uma das facturas e, consequentemente, anular parcialmente o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa em conformidade;
  4. Julgar procedente o pedido de reembolso de quantias indevidamente pagas formulado pela Requerente, quanto ao valor de € 0,33 e condenar a Administração Tributária a pagar-lhe essa quantia;
  5. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios sobre o valor de € 0,33 e condenar a AT a pagá-los às Requerentes a contar de 01.06.2024 respetivamente, até à data do processamento da respetiva nota de crédito;
  6. Julgar improcedente os pedidos remanescentes.

 

 

                    Valor do Processo

                    Fixa-se ao processo o valor de € 313 940,86, indicado pelas Requerentea e  não contestado pela Requerida - artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

                    Custas

                    Fixam-se as custas no montante de € 5 508,00 (cinco mil quinhentos  e oito euros), a suportar pelas Requerentes por decaimento, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT e com a Tabela I anexa ao RCPAT.

 

  • Notifique-se, incluindo o Ministério Público.

 

                            Lisboa, 13 de janeiro de 2025

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

Vencido. Entendo, na linha do acórdão arbitral proferido no processo nº 295/2024-T, que os repercutidos económicos ou de facto, carecem de legitimidade para efeitos da revisão prevista na alínea a) do n.º 4, do artigo 18.º, da LGT porquanto só os repercutidos legais, embora não sendo sujeitos passivos, têm legitimidade para reclamar, recorrer, impugnar e formular pedido arbitral. Daria assim procedência à exceção de ilegitimidade ativa suscitada pela Requerida.

 

 

Catarina Belim

(Árbitra Adjunta)

 

 

 

 

António Alberto Franco

(Árbitro Adjunto), com declaração de voto

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Subscrevemos a decisão, mas não podemos deixar de referir que entendemos, na linha do defendido, entre outros, pelo acórdão arbitral 1015/2023-T, que a repercussão da CSR se deve presumir, por recurso à livre apreciação dos factos, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros [artigo 16º, e) do RJAT e artigo 607º, n.º 5 do CPC].

Mais do que isso, à semelhança do que se decidiu, por exemplo, nos processos arbitrais n.ºs 564/2020-T, 24/2023-T e 113/2023-T, a recusa do reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas seria admissível se a Administração Tributária provasse que o imposto foi suportado, na íntegra ou parcialmente, por uma pessoa diferente do sujeito passivo, de modo que o reembolso pudesse gerar um enriquecimento sem causa.

O Árbitro Adjunto

 

 

           

(António A. Franco)

 

 



[1] Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT o seguinte: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria […]”.

[2] V. Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

[3] V. decisões dos processos arbitrais n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T, 520/2023-T e 675/2023-T.

[4] De referir ainda, a título de exemplo, as decisões arbitrais dos processos 564/2020-T, 629/2021-T, 305/2022-T, 644/2022-T, 665/2022-T,  702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T, 332/2023-T e 410/2023-T.

[5] V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019.

[6] V. Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399.