SUMÁRIO:
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O artigo 63.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (“OIC”) não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
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Os n.ºs 1 e 10 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ao limitarem o regime neles previsto a organismos de investimento colectivo constituídos segundo a legislação nacional, estabelecem uma discriminação arbitrária, susceptível de configurar uma restrição à livre circulação de capitais no espaço da União Europeia, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.
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RELATÓRIO
A..., organismo de investimento colectivo ("OIC") constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo sob supervisão da Commission de Surveillance du Secteur Financier, contribuinte fiscal português n.º ... (doravante designado por “A...” ou “Requerente”) e contribuinte fiscal luxemburguês n.º ..., com sede em ..., Rue ..., ..., ..., no Grão-Ducado do Luxemburgo, representado pela sua entidade gestora B... S.A., com sede em ..., Rue..., ..., ..., no Grão-Ducado do Luxemburgo (doravante "Requerente"), notificado, a 26 de Abril de 2024, através do Ofício n.º ..., de 24 de Abril de 2024, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2024..., veio, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral Tributária ("LGT"), 97.º, n.º 1, alíneas a), e c), 99.º, alínea a), e 102.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("CIRC"), 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), requerer a constituição de Tribunal Arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento da aludida reclamação graciosa e, bem assim, das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("IRC") por retenção na fonte ocorridas nos anos de 2021 e 2022, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, nos termos dos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, bem como o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento do imposto indevidamente suportado/retido na fonte a calcular nos termos do disposto nos artigos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT e a condenação da Administração Tributária nas custas do processo arbitral.
a) Tramitação
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida.
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O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que os ora signatários foram nomeados pelo CAAD em 2 de Setembro de 2024.
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As partes, devidamente notificadas, não manifestaram intenção de os recusar, tendo o Tribunal ficado constituído em 20 de Setembro de 2024.
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O Requerente não arrolou testemunhas e juntou à petição diversos documentos.
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Tendo este Tribunal exarado despacho, a 20 de Setembro de 2024, a notificar o dirigente máximo do Serviço da Autoridade Tributária para no prazo de 30 dias apresentar Resposta, a 28 de Outubro de 2024 veio a AT apresentar a sua Resposta.
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Por despacho de 14 de Novembro de 2024 foi prescindida a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, “Dado que as questões que subsistem são essencialmente de direito, e dado que não foi apresentada prova testemunhal, (…), podendo as partes apresentar alegações escritas, as Requerentes no prazo de 10 dias contados da notificação do presente despacho, e a Requerida no prazo de 10 dias contado da notificação das alegações das Requerentes, ou da falta de apresentação das mesmas.”. Nenhuma das partes se opôs.
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Em 28 de Novembro de 2024 o Requerente veio apresentar alegações, não tendo a Requerida apresentado alegações.
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O litígio
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Alega o Requerente, resumidamente, que a não sujeição dos OIC residentes sobre os dividendos auferidos e a sujeição dos OIC não residentes a uma taxa de retenção na fonte de 25% importa um tratamento discriminatório, vedado pelas liberdades de prestação de serviços e de circulação de capitais, previstas nos artigos 56.º e 63.º do TFUE, o qual resulta num vício de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
Nesta conformidade, a norma contida no n.º 4 do artigo 87.º e no artigo 94.º do Código do IRC, por ser totalmente discriminatória face ao disposto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF"), não deve ser aplicada ao caso concreto do Requerente por violar o primado do Direito da União Europeia e as liberdades fundamentais.
Termos em que conclui que os dividendos de fonte portuguesa por si auferidos não devem ser tributados em sede de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, sob pena de tal consubstanciar uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, contrária ao princípio da livre circulação de capitais ínsito no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ("TFUE") e, consequentemente, ao princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.
Como alega. “19.º No entender do Requerente, e como se demonstrará de seguida, os OIC não residentes são objecto de uma discriminação contrária ao TFUE, na medida em que o regime previsto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF é aplicável apenas aos OIC residentes em Portugal que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional – i.e., ao abrigo da Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que transpõe as Directivas 2009/65/CE e 2011/61/UE –, não permitindo o Estado português que os OIC não residentes, constituídos e a operar noutro Estado-Membro ao abrigo das Directivas 2009/65/CE e 2011/61/UE, acedam a tal regime, ainda que demonstrem que cumprem no seu Estado de residência exigências equivalentes às contidas na lei portuguesa.
Neste contexto, invoca abundante jurisprudência do TJUE e arbitral proferida em situações similares.
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A AT, na sua Resposta, não invoca excepções e na defesa por impugnação alega, essencialmente, que os dividendos de fonte portuguesa auferidos pela Requerente em 2021 e 2022 não podem beneficiar do regime previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, na medida em que o Requerente é um OIC não residente e sem estabelecimento estável em Portugal.
Com alega, “24. (…), a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, em nossa opinião, por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois como se viu embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.”
No tocante aos juros indemnizatórios peticionados, invoca a Requerida que, “76. Em face do exposto e inexistindo qualquer ilegalidade sobre os atos impugnados, não há, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios. Com efeito, sobre este assunto, transcreve-se o resumo do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 30 de janeiro 2019, proferido no âmbito de recurso para Uniformização de Jurisprudência (Proc. 0564/18.2BALSB): “Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP)”.
II. SANEAMENTO
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O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
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O objecto principal do processo reporta-se, razão pela qual se verifica a competência deste tribunal arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
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O processo não enferma de nulidades e não foram identificadas questões prévias relativas ao pedido principal.
III. QUESTÕES DECIDENDAS
Conforme vimos, a questão decidenda consiste fundamentalmente em determinar se, como pretende o Requerente no seu PPA, se verificam os pressupostos necessários para que seja declarada quer a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa, quer a ilegalidade das retenções na fonte em IRC suportadas nos exercícios de 2021 e de 2022.
IV. PROVA
IV.1 - Factos provados
Em face das posições das partes expressas nos articulados, bem como dos documentos integrantes do processo administrativo, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa:
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O Requerente é um OIC, com sede e direcção efectiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Directiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OIC – cfr. cópias de certidão emitida pela Commission de Surveillance du Secteur Financieir (“CSSF”) ao abrigo do artigo 2.º do Regulamento UE n.º 584/2010, da Comissão, de 1 de Julho de 2010, junta como documento n.º 3, e do prospecto do Requerente, junta à PPA como documento n.º 4, e publicação do referido acto legislativo luxemburguês, disponível no sítio oficial na internet do Journal officiel du Grand-Duché de Luxembourg, em http://legilux.public.lu/eli/etat/leg/loi/2010/12/17/n9/jo.
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O Requerente é administrado pela sociedade B... S.A., entidade igualmente com residência no Grão-Ducado do Luxemburgo, em ..., ..., ..., ..., no Grão-Ducado do Luxemburgo, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo ("CDT Portugal/Luxemburgo") – cfr. cópia de certificado de residência, junta à PPA como documento n.º 5, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
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Em 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 74.386,14, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:
— cfr. cópia de demonstração das referidas liquidações de IRC por retenção na fonte, junta como documento n.º 6.
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Em 2022, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 737.030,55, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:
— cfr. cópia de demonstração das referidas liquidações de IRC por retenção na fonte, junta à PPA como documento n.º 7.
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As retenções na fonte de IRC em referência, no montante total de EUR 283.995,84, foram apresentadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública pelo C..., pessoa colectiva com o número de identificação fiscal português ..., através das guias de retenção na fonte n.ºs..., de 20 de Janeiro de 2022, ..., de 20 de Junho de 2022, ..., de 20 de Julho de 2022, e ..., de 20 de Outubro de 2022, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do Código do IRC – cfr. cópia de requerimento apresentado pelo Requerente com vista a identificar as retenções na fonte junto da Administração Tributária, junta à PPA como documento n.º 9, e documentos n.ºs 6 e 7, que se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
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O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objecto dos presentes autos, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna do Grão Ducado do Luxemburgo.
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A 18 de Janeiro de 2024, o Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações de IRC acima identificadas – cfr. documento n.º 1 junto à PPA,, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
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O referido procedimento correu os seus termos perante a Administração Tributária sob o n.º ...2024... .
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A 18 de Março de 2024, o Requerente foi notificado do projecto de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada e para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia relativamente a esse projecto – cfr. cópia do projecto de indeferimento da reclamação graciosa, junta à PPA como documento n.º 10, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
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A 26 de Abril de 2024, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2024...– cfr. documento n.º 2 junto à PPA, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
IV.2- Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão que se considerem como não provados.
IV.3 Fundamentação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º7, do CPPT, a prova documental e o PPA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
V. DO MÉRITO
Encontrando-se a aludida matéria de facto dada como provada, importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra.
Como vimos, no caso em apreço o Requerente alega que sofreu retenções na fonte, a título definitivo, à taxa de 25%, as quais ocorreram no estrito cumprimento dos dispositivos legais mencionados, muito embora tais atos tributários de retenção na fonte se reputem de ilegais pela sua desconformidade com o Direito Europeu, o que implica, desde logo, a sua anulação e consequente reembolso do montante indevidamente retido acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.
Neste contexto, como faz notar a Requerente, o TJUE produziu jurisprudência clara a concluir pela ilegalidade das diferenças desfavoráveis de tratamento, fiscais ou outras, comparativamente com o tratamento de OIC residentes, sendo que, “74.º Quaisquer dúvidas que, não obstante a referida jurisprudência, pudessem subsistir relativamente à comparabilidade entre os OIC residentes em território nacional e os OIC residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, foram definitivamente superadas por força do Acórdão AllianzGIFonds AEVN do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 17 de Março de 2022 (Processo n.º C-545/19) (…).”
Com efeito, do regime acolhido no artigo 22.º do EBF, constata-se existir uma diferença de tratamento dos OIC, constituídos e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, residentes em Portugal, por comparação com os OIC não residentes em Portugal, constituídos e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, na medida em que os dividendos de fonte portuguesa pagos aos primeiros não são sujeitos a retenção na fonte nem tributados em sede de IRC, ao passo que os dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC não residentes são tributados em sede de IRC mediante retenção na fonte liberatória.
A questão que vem colocada foi respondida pelo TJUE no aludido Acórdão proferido no âmbito do Processo C-545/19, Caso AllianzGI-Fonds AEVN, que se encontra disponível para consulta em https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=AED083FA8FA02CE95E7517CE8B347E6D?text=&docid=256021&pageIndex=0&doclang=pt&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=422856, que damos como reproduzido.
As questões prejudiciais colocadas ao TJUE no Processo n.º 93/2019-T, de 9 de Julho de 2019, que deu origem ao pedido de reenvio ao TJUE, poderiam ser suscitadas de forma idêntica nos presentes autos.
Como o TJUE começou por salientar, no aludido Processo, “Uma vez que as questões são submetidas à luz tanto do artigo 56.° TFUE como do artigo 63.° TFUE, há que determinar, a título preliminar, se e, sendo caso disso, em que medida uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é suscetível de afectar o exercício da livre prestação de serviços e/ou a livre circulação de capitais.”
Ora, como o TJUE decidiu, “O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
Com efeito, como o TJUE conclui, “Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes,” (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc. C-545/19, parágrafo 38).
Isto é, em conformidade com a decisão do TJUE, o regime previsto nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4, do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25% (enquanto se prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes), não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais.
De salientar que a análise da forma como os proveitos gerados na esfera do OIC são distribuídos e tributados na esfera dos seus investidores é irrelevante para efeitos de apreciação da natureza discriminatória da legislação portuguesa e da factualidade em apreço, dado esta prever um tratamento fiscal autónomo e distinto para os OIC (residentes e não residentes) e os respetivos detentores de participações nos OIC.
Acresce que, tal como concluiu o TJUE, “a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas [tributações autónomas] não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.” (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc-545/19, parágrafo 57).
Igualmente não se considera que uma tributação autónoma, com natureza anti-abuso, expressa e intencionalmente dirigida a entidades residentes em território português, seja considerada como parte integrante das regras gerais de tributação dos OIC residentes em Portugal.
De notar ainda que, como o TJUE concluiu, “a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.º 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.º 93)” (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc. C-545/19, parágrafo 79).
Como conclui, “[a] necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal”, que é em tudo idêntico ao caso dos presentes autos arbitrais (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc. C-545/19, parágrafo 81).
Ademais, como faz notar o Requerente, o tratamento discriminatório ora em análise já foi amplamente analisado, quer pelo TJUE , quer pelos Tribunais nacionais. Tal como faz notar, a jurisprudência arbitral nacional, em concreto, a Decisão Arbitral de 23 de Julho de 2019 (Processo n.º 90/2019-T) e Decisão Arbitral de 27 de Dezembro de 2019 (Processo n.º 528/2019-T).
Mas são diversas as Decisões similares, nomeadamente as exaradas nos Processos n.º 549/2019-T, de 20 de Abril de 2020, n.º 548/2019-T, de 26 de Junho de 2020, n.º 11/2020-T, de 6 de Novembro de 2020, n.º 922/2019-T, de 11 de Janeiro de 2021, n.º 32/2021-T, de 5 de Novembro de 2021, n.º 215/2021-T, de 16 de Dezembro de 2021, n.º 133/2021-T, de 21 de Março de 2022, n.º 625/2020-T, de 28 de Março de 2022, n.º 675/2020-T, de 28 de Março de 2022, n.º 547/2019-T, de 24 de Abril de 2022, n.º 132/2021-T, de 26 de Abril de 2022, n.º 593/2021-T, de 26 de abril de 2022, n.º 821/2021-T, de 26 de Abril de 2022, n.º 717/2021-T, de 27 de Abril de 2022, n.º 368/2021-T, de 28 de abril de 2022, n.º 566/2020-T, de 2 de Maio de 2022, n.º 576/2019-T, de 8 de Maio de 2022, n.º 28/2021-T, de 18 de Maio de 2022, n.º 623/2021-T, de 24 de Maio de 2022, n.º 734/2021-T, de 7 de Junho de 2022, nº 641/2020-T, de 13 de Julho de 2022, n.º.721/2019-T, de 14 de Julho de 2022, n.º 620/2021-T, de 14 de Julho de 2022, n.º 121/2022-T, de 15 de Julho de 2022, n.º 99/2019-T, de 22 de Julho de 2022, n.º 711/2021-T, de 22 de Julho de 2022, n.º 746/2021-T, de 26 de Setembro de 2022, n.º 640/2020-T, de 3 de Outubro de 2022, n.º 34/2021-T, de 18 de Novembro de 2022, n.º 440/2022-T, de 22 de Novembro de 2022, n.º 45/2022-T, de 23 de Fevereiro de 2023, n.º 505/2022-T, de 9 de Março de 2023, nº 439/2022-T, de 10 de Março de 2023, n.º 661/2022-T, de 14 de Abril de 2023, n.º 660/2022-T, de 16 de Junho de 2023, n.º 765/2022-T, de 21 de Junho de 2023, n.º 801/2022-T, de 3 de Julho de 2023 e n.º 11/2023-T, de 31 de Agosto de 2023, relativos todos eles a casos idênticos ao do ora Requerente.
Acresce que, recentemente, o próprio Supremo Tribunal Administrativo veio emitir um Acórdão uniformizador no sentido acima referido, concluindo que “a interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 7/2024, de 26 de Fevereiro).
Tal como o Requerente invoca, como o AllianzGI-Fonds AEVN: i) É um OIC constituído e a operar ao abrigo das Directivas 2009/65/CE e 2011/61/EU, com sede noutro Estado-Membro da União Europeia; ii) Auferiu rendimentos de capitais de fonte portuguesa sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), 3, alínea B), e 87.º, n.º 4, do CIRC, não tendo beneficiado do regime previsto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF; iii) Não logrou obter um crédito de imposto relativo ao imposto suportado em Portugal, na medida em que se encontra isento de imposto sobre as sociedades no seu Estado de residência.
Destarte, constatando-se, como começámos por enfatizar, que as questões prejudiciais objecto de reenvio para o TJUE no aludido processo são em tudo idênticas às que se colocam nos presentes autos, e tendo em vista o princípio do primado do Direito da União Europeia, conclui-se pela total procedência do presente pedido.
VI. DO REENVIO PREJUDICIAL PARA O TJUE
Neste contexto, peticiona o Requerente que, “150.º (…) caso se suscitem dúvidas de que, com a anulação do acto tributário de retenção na fonte objecto da reclamação graciosa n.º 3085202404001184, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data da retenção na fonte sub judice, e estando em causa uma questão de interpretação de Direito da União Europeia que assume decisiva relevância para a questão sub judice, deverá suspender-se a presente instância e submeter-se a interpretação das normas em referência ao Tribunal de Justiça da União Europeia, competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito Comunitário, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, devendo, nesse caso, esse Douto Tribunal Arbitral convidar as partes para se pronunciarem sobre a questão prejudicial a colocar perante o Tribunal de Justiça da União Europeia.”
Em conformidade com as conclusões emanadas do Acórdão Schwarze (Proc. 16/65, de 1 de Dezembro de 1965), o reenvio prejudicial é "um instrumento de cooperação judiciária ... pelo qual um juiz nacional e o juiz comunitário são chamados, no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos estados membros."
Como se salienta nas RECOMENDAÇÕES à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais[1],
“O reenvio prejudicial é um mecanismo fundamental do direito da União Europeia, que tem por finalidade fornecer aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros o meio de assegurar uma interpretação e uma aplicação uniformes deste direito em toda a União.
É doutrina oficial do TJUE, a partir do Acórdão Cilfit (Proc. 283/81 de 6 de Outubro de 1982), que a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada quando:
i) a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal;
ii) o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma;
iii) o juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.
Ora, é nosso entendimento de que se verifica no caso sub judice o preenchimento destas condições.
De facto, pode-se afirmar que o acto em questão é claro, encontrando-se devidamente aclarado pela jurisprudência do TJUE de forma firme ou por meio de jurisprudência consolidada.
Termos de acordo com os quais concluímos que a questão a resolver não carece de esclarecimento, não permanecendo dúvidas sobre a exacta interpretação das normas ora em apreço, não se verificando no caso concreto os pressupostos de reenvio para o TJUE.
VII. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Peticiona o Requerente que, tendo sido pago, na totalidade, o imposto alegadamente devido, através das retenções na fonte efectuadas, estando em causa a declaração de ilegalidade da legislação nacional, maxime, do n.º 1 do artigo 22.º do EBF, por violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, e, reflexamente, do n.º 4 do artigo 8.º, da CRP, há que reconhecer o seu direito a juros indemnizatórios, desde o momento em que os actos foram praticados.
Nestas circunstâncias, preconiza a jurisprudência dos nossos tribunais superiores que deve encontrar-se preenchido o pressuposto do “erro imputável aos serviços” que o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, reclama para o nascimento da obrigação de juros indemnizatórios.
Como se refere no Acórdão do STA, no Processo n.º 049/16, de 10 de Maio, que acompanhamos: “Foi esta a solução sustentada pelo citado acórdão de 02-12-2015, do Pleno desta Seção, Proc. 01524. Como se escreveu no acórdão deste STA, de 30-05-2012, proc. 410:
“Diz o n.º 1 do art. 43.º da LGT, ao abrigo da qual foi proferida a condenação ora recorrida: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, há direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.
Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício».
Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos do CPPT.
Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531..)
O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do acto: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.”
Tal como alega, nomedamente, no caso em apreço, ao direito a juros indemnizatórios não se opõe o facto de as liquidações impugnadas terem sido operada por uma entidade privada na qualidade de substituto tributário, porquanto é inequívoco que essa entidade exerce, nos termos dos artigos 20.º da LGT e 94.º do CIRC, um verdadeiro poder delegado por uma entidade pública, tendo as referidas liquidações por retenção na fonte sido operadas no exercício efectivo desse poder.
Neste contexto, entendemos igualmente que deve proceder o pedido de pagamento de juros indemnizatórios relativamente aos actos em causa nos exercícios de 2021 e 2022, por se encontrarem verificados os respectivos requisitos.
VIII. DECISÃO
Termos em que se decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2021 e de 2022, acima identificados e dados como provados, num montante total de €283.995,84, declarando ilegal a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2024... e, em consequência, anular os actos tributários impugnados ordenando a restituição das importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC;
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, relativamente à quantia de €283.995,84, contados desde a data dos actos controvertidos de liquidação de IRC por retenção na fonte.
Valor da causa
Fixa-se o valor do processo em € 283.995,84 (duzentos e oitenta e três mil, novecentos e noventa e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 24.º, n.º 4 do RJAT e 4.º, n.º 5, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, a cargo da Requerida.
Lisboa 23 de Dezembro de 2024
O Árbitro Presidente
Fernando Aráujo
Os Árbitros Vogais
Clotilde Celorico Palma
(Relatora)
Augusto Vieira
[1] 2012/C 338/01, JO C 338/1, de 6.11.2012.