DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Guilherme W. d’Oliveira Martins, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído em 25.08.2014, decide nos termos que se seguem:
I. Relatório
1. A contribuinte A, NIPC …, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à anulação do ato tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) no valor de € 16.595,74 (Identificação do Documento
n.º …).
A referida liquidação incidiu sobre a compra efetuada pela Requerente à sociedade “B – Investimentos Imobiliários, S.A., com o NIPC …, por escritura pública outorgada a 28.12.2005, de ½ da fração BK do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia da …, concelho de Loulé, sob o n.º …, integrado no Empreendimento Turístico ….
A liquidação foi efetuada com base no preço correspondente ao direito adquirido, no montante de € 225.319,00 à taxa de 6,5%.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 25.06.2014.
3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do correspondente encargo no prazo aplicável.
4. Em 07.08.2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.ºe 7.º do Código Deontológico.
5. Assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei
n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 25.08.2014.
6. O Tribunal indicou o dia 17.04.2015 para a decisão arbitral.
I2. Os fundamentos do pedido da Requerente são os seguintes:
- A Requerente adquiriu por escritura pública à sociedade “B – Investimentos Imobiliários, S.A., com o NIPC …, por escritura pública outorgada a 28.12.2005, ½ da fração BK do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia da …, concelho de Loulé, sob o n.º …, integrado no Empreendimento Turístico …, sito na Avenida …, em …, freguesia de … e concelho de Loulé.
- A referida aquisição beneficiou da isenção prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei
n.º 423/83, de 5 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei
n.º 38/94 de 8 de fevereiro, nos termos do qual, “são isentas de sisa (…) as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos turísticos qualificados, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio (…). ”
- A liquidação de IMT ora controvertida assenta assim na discordância da Requerente para com a Autoridade Tributária, na medida em que entende esta última que houve uma aplicação indevida da isenção prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro.
- Deste modo, a Requerente procedeu à liquidação de IMT com base no preço correspondente ao direito adquirido, no montante de € 225.319,00 à taxa de 6,5% (al. d) do artigo 17.º do Código do IMT), a qual agora contesta.
- Invoca a Requerente que a concessão da isenção foi fundamental para a decisão de aquisição da fracção, tendo a mesma actuado sempre como promotor do empreendimento em que se integra a fracção.
- Salienta ainda o facto do notário ter confirmado e anuido na aplicação da referida norma de isenção.
- A Requerente vem agora contestar o acto de liquidação de IMT relativa à aquisição da Fracção acima identificada, no valor de € 16.595,74.
- Pelo Relatório de Inspecção resultante da acção de inspecção realizada pela Ordem de Serviço n.ºOI2013…, conclui a AT não se encontrarem reunidos os pressupostos para a aplicação da isenção de IMT em apreço, solicitando em conformidade, a regularização do respectivo imposto. Deste modo, o reconhecimento efectuado pelo notário teria sido indevidamente efectuado, uma vez que a aquisição por parte do sujeito passivo não se destinou à instalação do referido empreendimento, porquanto o mesmo já se encontrava instalado.
- Ora, considera a Requerente que se a intenção do legislador era fomentar a actividade turística, em prol de tal desiderato só faz sentido estender o benefício fiscal, quer ao promotor, quer aos adquirentes da fracção, os quais, suportam o ónus do investimento.
- Em face do exposto, e por considerar ser manifestamente ilegal a liquidação de IMT, vem requerer a procedência do pedido, devendo ser declarada a ilegalidade do ato tributário de liquidação relativo à aquisição da fracção e ½ da fração BK do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia da …, concelho de Loulé, sob o
n.º …, integrado no Empreendimento Turístico ….
- A Requerente alega ainda que foram violados os princípios da segurança e da certeza jurídicas por se desconsiderar o crivo de controlo prévio de legalidade a que o notário e o conservador estavam obrigados e por a AT, só agora, vir exigir a reposição da tributação que alega ter sido omitida.
I3. Em resposta ao pedido da Requerente, a AT:
- A AT salienta que a aquisição de ½ da fração BK do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia da …, concelho de Loulé, sob o n.º …, integrado no Empreendimento Turístico …, sito na Avenida …, em …, freguesia de … e concelho de Loulé, não estava isenta de IMT nos termos do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 38/94, de 8 de Fevereiro.
- A referida fração integrava o conjunto turístico designado “…” e a licença de utilização turística fora emitida, a título prévio, em Junho de 2005 e confirmada poe Despacho de Maio de 2007, pelo que, à data da aquisição, o empreendimento turístico já se encontrava instalado e em fase de funcionamento.
- Está em causa saber se daquela norma de isenção beneficiam apenas as aquisições de prédios ou de fracções autónomas por promotores com vista a construir e instalar os empreendimentos turísticos, ou também as aquisições autónomas (unidades de alojamento) pertencentes ou integradas em empreendimentos já construídos e instalados, com vista à sua exploração.
- Defende a AT que o legislador terá visado, com a norma do n.º do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 12 de Maio, as aquisições destinadas à “instalação” de equipamentos.
- Se o legislador tivesse querido abranger a actividade de instalação e a de exploração dos empreendimentos turísticos teria sido tão claro quanto o foi no art.º 16.º do mesmo diploma.
- Sublinha a AT que a letra do n.º 2 do artigo 20.º do diploma em apreço não deixa margem para dúvidas: ao alargar excepcionalmente a isenção prevista no n.º1 às aquisições às aquisições a favor da empresa exploradora, nas circunstâncias restritivas que descreve, o legislador é claro em excluir daquele benefício todas as restantes transmissões.
- Com efeito, o legislador distinguiu claramente o conceito de “instalação” dos conceitos de “funcionamento” e de “exploração”, como se extrai do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39/2008, tendo sido devidamente exposta no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2013 (Processo n.º 968/12 – 2ª Secção).
- Neste sentido, e para defesa da sua argumentação, a AT socorre-se do entendimento exposto no Acórdão acima identificado «Em suma, os promotores dos empreendimentos são únicos responsáveis pelo investimento imobiliário, impendendo sobre eles o risco do mesmo, bem como pela obtenção das licenças necessárias a
torna-los aptos ao funcionamento e exploração. Afigura -se, desta forma, que a argumentação da recorrida no sentido de que o benefício consagrado no n.º 1 do
art. 20º do Decreto -Lei n.º 423/83 tem em vista a exploração turística e que os beneficiários são os adquirentes das fracções ou unidades de alojamento, não tem o mínimo de cabimento nem na letra nem na razão de ser do preceito. O benefício só tem justificação relativamente a quem procede à instalação do empreendimento e o coloca no mercado e não em relação a todos os que o utilizam e exploram, ainda que através da compra das suas unidades.»
- Refere ainda que a mesma linha de interpretação foi perfilhada nas decisões arbitrais proferidas em situações similares, nos processos n.ºs 102/2014-T, 103/2014-T, 104/2014-T, 110/2014-T, 342/2014-T.
- Acrescenta a AT que, se a concessão da isenção era fundamental para a decisão de aquisição da fracção, a Requerente deveria ter pedido à AT, ao abrigo do artigo 68.º da LGT, para se pronunciar previamente e a título vinculativo.
- Ora, não o tendo feito nos termos legalmente admissíveis, não poderá a Rerente invocar o entendimento do Notário ou o Conservador, enquanto intérpretes e aplicadores da norma em questão.
- Refere ainda a AT que seria a própria Requerente a reconhecer que a aquisição da referida fracção se destinou, justamente, à exploração comercial, mais referindo que cedeu à “C – Construção e Gestão de Hotéis, S.A.”, o direito exclusivo de exploração da fracção através de um “contrato de exploração turística”.
- Em conclusão, o acto de liquidação de IMT impugnado não violou qualquer preceito legal ou constitucional, devendo ser mantido na ordem jurídica.
- Nestes termos, requer a AT que o pedido de pronúncia arbitral seja considerado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a entidade Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
II. SANEAMENTO
1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria
n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
3. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias que importe analisar.
4. Estão, pois, reunidas as condições para se apreciar o mérito do pedido.
III. FUNDAMENTAÇÃO
iii.a fACTOS PROVADOS
Antes de entrar na apreciação das questões de mérito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo tributário junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:
1. A Requerente adquiriu por escritura pública a fracção designada à sociedade “B – Investimentos Imobiliários, S.A., com o NIPC …, por escritura pública outorgada a 28.12.2005, de ½ da fração BK do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia da …, concelho de Loulé, sob o n.º …, integrado no Empreendimento Turístico …, sito na Avenida …, em …, freguesia de … e concelho de Loulé.
2. Através da acção de inspecção realizada pela Ordem de Serviço n.ºOI2013…, conclui a AT não se encontrarem reunidos os pressupostos para a aplicação da isenção de IMT em apreço, solicitando em conformidade, a regularização do respectivo imposto.
3. Com base no referido relatório de inspecção, os serviços competentes procederam à liquidação adicional de IMT, com base no preço declarado e à taxa de 6,5%, prevista na alínea d) do artigo 17º do CIMT, apurando o imposto em dívida no valor no valor de
€ 16.595,74.
4. A liquidação foi notificada à Requerente através do Documento
n.º …, em conformidade com o ofício n.º …, de 26-08-2013, contendo a notificação do resultado da inspecção, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direção de Finanças de Faro.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
III.B FACTOS NÃO PROVADOS
Não há, alegados ou de conhecimento oficioso, factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.
III. C MOTIVAÇÃO
A fixação da matéria de facto baseou-se no processo administrativo, nos documentos juntos à petição inicial ou no decurso do presente processo.
III.do direito
Em causa, reside assim a liquidação de IMT à Requerente, relativa à aquisição à sociedade “B – Investimentos Imobiliários, S.A., com o NIPC …, por escritura pública outorgada a 28.12.2005, de ½ da fração BK do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia da …, concelho de Loulé, sob o n.º …, integrado no Empreendimento Turístico …, sito na Avenida …, em …, freguesia de … e concelho de Loulé, de € 16.595,74.
Vejamos, então.
A questão essencial a dirimir nos autos, centra-se no entendimento do beneficiário da isenção prevista no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05-12, em concreto, se a compra efectuada pela Requerente teria direito a beneficiar da referida isenção.
Segundo esta norma na redacção vigente aquando da transmissão “são isentas de sisa (…) as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos turísticos qualificados, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio”.
Ora, em conformidade com o entendimento já exposto, no âmbito da análise a situações similares, resulta claro do elemento literal da interpretação que o legislador apenas quis abranger com aquela norma as aquisições destinadas à "instalação" de empreendimentos, no sentido que foi fixado pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 23-01-2013, proferido no processo n.º 968/12, em julgamento ampliado, nos termos do disposto no artigo 148.º do CPTA. Este último, deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 04-11-2013.
A questão essencial a dirimir nos autos é se a compra efectuada pela Requerente teria direito a beneficiar da isenção prevista no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei
n.º 423/83, de 05-12.
Com efeito, o Supremo Tribunal uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:
"O conceito de «instalação», para efeitos dos benefícios a que se reporta o n.º 1 do
art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de frações autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respetivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à atividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de frações autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação".
Concluímos no mesmo sentido do referido acórdão, o qual resulta também expresso nos seguintes acórdãos do STA: Acs. de 23.1.2013, Procs. 01001/12, 01005/12 e 01069/12, de 30.1.2013, Procs. 0970/12, 0971/12, 0972/12, 0999/12, 01003/12 e 01193/12, de 6.2.2013, Proc. 01000/12, de 8.2.2013, Proc. 01004/12, de 17.4.2013, Procs. 01023/12 e 01002/12, de 23.4.2013, Proc. 01195/12, de 11.9.2013, Proc. 01049/13, de 25.9.2013, Proc. 01038/13, de 9.10.2013, Procs. 01050/13, 1040/13 e 01015/13, de 18.10.2013, Proc. 01048/13, de 30.10.2013, Proc. 01052/13, de 13.11.2013, Proc. 01054/13, de 4.12.2013, Proc. 0824/13, de 29.1.2014, Proc. 01043/13, de 5.2.2014, Procs. 01041/13, 01047/13 e 01917/13, de 26.2.2014, Procs. 0860/13 e 08763, de 2.4.2014, Proc. 01914/13, de 9.4.2014, Proc. 0859/13, de 28.5.2014, Proc. 0291/14 e de 18.6.2014, Proc. 01527/13.
Da mesma forma e para situações com idêntica matéria de facto à subjacente nos presentes autos, decidiu o CAAD, na decisão proferida no processo n.º 104/2014-T.
Esta orientação jurisprudencial encontra-se solidamente fundamentada no referido acórdão do STA, do qual transcrevemos as principais conclusões:
"I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei” (art. 11.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).
II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março [actualmente com a redacção actualizada pelo Decreto-Lei n.º 15/2014 de 23 de Janeiro], o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de atos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23.º e segs.).
III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de frações autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de frações autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respetivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à atividade de promoção/criação dos mesmos.
IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».
V – Nos empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou frações autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessária a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projetadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo.
VI – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.
VII – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).
VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.
IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa.
X – Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.º/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante".
Sobre o conceito de "instalação", resulta patente da legislação uma nítida distinção entre os conceitos de "instalação", por um lado, e de "funcionamento" e "exploração", por outro, distinção esta que também é referida no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39/2008.
Refere o Acórdão em citação que, “(…) da leitura do regime constante dos arts. 5º a 6º e 23º a 40º do Decreto -Lei n.º 39/2008 verifica –se que o conceito de «instalação» nada tem que ver com o «funcionamento» e a «exploração» e que naquele cabem apenas, como refere a Fazenda Pública, os actos, as operações e os procedimentos tendentes à construção/criação de empreendimentos turísticos. (…) O conceito de instalação a que se chegou é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural.”
Se o legislador pretendesse abranger a atividade de instalação e a de exploração dos empreendimentos turísticos teria usado os mesmos termos que usou no art.º 16.º do mesmo diploma (Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro).
A propósito do n.º 2 do artigo 20.º do citado diploma, a letra da lei não deixa margem para dúvidas ao alargar excecionalmente a isenção do n.º 1 às aquisições a favor de empresa exploradora, nas circunstâncias restritivas que descreve, sendo o legislador claro em excluir daquele benefício todas as restantes transmissões.
Os benefícios fiscais estão abrangidos pelo princípio da legalidade, tal como estipula o art.º 103.º, n.º 2 da Constituição. Não é assim admissível que por analogia ou por aplicação extensiva se atribua o benefício a entidades ou factos que não se encontrem expressamente previstos na lei.
Sobre este princípio ver CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, Almedina, 6ª edição, 2010, pág. 137 e ANA PAULA DOURADO, O princípio da legalidade fiscal, Almedina, 2007, pág 125 a 143. Segundo o primeiro dos autores: a lei deve abranger as matérias do art.º 103.º, n.º 2 CRP “quer se trate da criação ou do aumento de impostos como da sua extinção ou diminuição, pois que, como afirmou o TC, não pode interpretar-se restritivamente a reserva de competência da Assembleia da República em matéria fiscal, de forma a não considerar abrangidas por ela as normas que beneficiem os contribuintes”. Já para Ana Paula Dourado “a reserva de lei parlamentar é o instrumento que formalmente legitima o desvio aos princípios da capacidade contributiva e, eventualmente, da progressividade. Em suma, a referência aos benefícios fiscais do art.º 103.º, n.º 2 da CRP traduz a convicção de que a reserva de lei parlamentar é um dos instrumentos para garantir, simultaneamente, o legítimo afastamento dos princípios fiscais materiais do Estado fiscal e a observância dos princípios a que os benefícios fiscais estão submetidos” – pág. 131.
Quanto ao facto de o notário ter anuído na isenção de IMT, tal não é oponível à Autoridade Tributária, à luz nomeadamente do art.º 36.º, n.º 4 da LGT, segundo o qual “a qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária”.
Nestes temos e nos demais de direito, decide-se pela legalidade do ato tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, no valor de € 16.595,74. Assim, o ato de liquidação em causa deverá manter-se.
IV. Decisão
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, no que concerne à liquidação de IMT referente à liquidação de ½ da fração BK do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia da …, concelho de Loulé, sob o n.º …, integrado no Empreendimento Turístico …, sito na Avenida …, em …, freguesia de … e concelho de Loulé, mantendo a liquidação questionada.
Fixa-se o valor do processo em € 16.595,74, nos termos da alínea a) do n.º 1 do
artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
O pagamento da taxa de arbitragem, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se no montante de € 1.224,00, cabe à Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, 17 de Abril de 2015
O árbitro,
Guilherme W. d’Oliveira Martins