Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 929/2024-T
Data da decisão: 2024-12-18  IRS  
Valor do pedido: € 75.672,24
Tema: IRS – Inutilidade superveniente da lide – extinção da instância
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SUMÁRIO:

Ocorre inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância se os Requerentes obtiveram a plena satisfação do pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do acto de liquidação contestado.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Nuno Miguel Morujão e Maria Alexandra Mesquita, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., solteiro, maior, contribuinte fiscal número..., e B..., solteira, maior, contribuinte fiscal número ..., residentes na Rua ... n.º ..., ..., em  Lisboa (“Requerentes”), apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e da alínea a), do n.º 1, e do n.º 2 do artigo 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2024..., datada de 15 de março de 2024, referente ao ano de 2022, no valor global de € 80.459,61 (oitenta mil, quatrocentos e cinquenta e nove euros, e sessenta e um cêntimos), referente a imposto e juros compensatórios.
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 1 de Agosto de 2024 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida”).

 

  1. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 24 de Setembro de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. No pedido de pronúncia arbitral os Requerentes alegaram, em primeiro lugar, que o acto de liquidação de IRS em questão padece do vício de violação de lei, por desrespeito do princípio da legalidade tributária. Em concreto, estando em causa uma transmissão gratuita de partes sociais, esta não se encontra sujeita a tributação em sede de IRS, uma vez que não há norma de incidência específica, concretamente enquanto rendimento da categoria G, que determine a sua declaração e a liquidação deste imposto. Em segundo lugar, invocaram os Requerentes que aquele acto de liquidação padece do vício de falta de fundamentação decorrente do artigo 77.º, da LGT e do artigo 268.º, da CRP, uma vez que a Requerida, apesar de ter notificado os Requerentes para exercerem o seu direito de audição prévia, nos termos do artigo 60.º, da LGT, não teve em consideração as razões de facto e de direito aduzidos por estes, aquando da decisão final, nem informou os mesmos acerca dos motivos pelos quais os seus contributos não foram considerados por parte daquela. Peticionaram, por fim, a anulação do acto de liquidação adicional de IRS contestado, com o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros compensatórios.

 

  1. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 14 de Outubro de 2024.

 

  1. Em 15 de Outubro de 2024, foi a Requerida notificada para apresentar resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT.

 

  1. Em 31 de Outubro de 2024, a Requerida apresentou requerimento a informar os autos sobre a revogação do acto tributário cuja ilegalidade foi suscitada, anulando a liquidação contestada na parte respeitante à mais-valia inscrita na linha 9005 do quadro 9, do anexo G, da declaração modelo 3 de IRS, retirando-se a mesma dessa declaração.

 

  1. Em 7 de Novembro de 2024, vieram os Requerentes informar que não tinham interesse na prossecução do processo arbitral, requerendo que fosse declarada a extinção da instância, ao abrigo do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, por inutilidade superveniente da lide, condenando-se a Requerida na restituição do valor correspondente ao acto anulado (imposto e juros) e nas custas do presente processo arbitral.

 

  1. Em 16 de Dezembro de 2024, foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.

 

  1. SANEAMENTO

 

  1. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 –   Factos provados

 

  1. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
  1. A Requerida emitiu o acto de liquidação de IRS n.º 2024..., referente ao período de tributação de 2022, do qual resultou o montante total a pagar de € 80.459,61 (oitenta mil, quatrocentos e cinquenta e nove euros, e sessenta e um cêntimos), sendo € 78.707,05 (setenta e oito mil, setecentos e sete euros, e cinco cêntimos) refentes a IRS e € 1.852,56 (mil, oitocentos e cinquenta e dois euros, e cinquenta e seis cêntimos) referentes a juros compensatórios;
  2. Os Requerentes procederam voluntariamente ao pagamento da liquidação dentro do prazo de pagamento voluntário;
  3. O Requerente A.,.. apresentou, no dia 12 de Junho de 2024, reclamação graciosa;
  4. A Requerida nunca se pronunciou sobre a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente A...;
  5. Em 1 de Agosto de 2024, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo;
  6. Em 5 de Agosto de 2024, foi enviado pelo CAAD um e-mail automático à Requerida a informar da entrada do pedido de constituição de Tribunal Arbitral e do número do processo que lhe foi atribuído, tendo a notificação sido confirmada por Fátima Soares às 10h17m do dia 9 de Agosto de 2024;
  7. Em 14 de Outubro de 2024, foi constituído o Tribunal Arbitral;
  8. Por despacho de 24 de Outubro de 2024, da Sra. Subdirectora-Geral ..., foi deferido o pedido dos Requerentes, com a consequente revogação do acto tributário cuja ilegalidade foi suscitada, anulando a liquidação contestada na parte respeitante à mais-valia inscrita na linha 9005 do quadro 9, do anexo G, da declaração modelo 3 de IRS, retirando-se a mesma dessa declaração;
  9. Em 7 de Novembro de 2024, os Requerentes apresentaram requerimento a informar que “A anulação parcial do ato tributário, dando satisfação à pretensão formulada pelo Requerente, conforme peticionado, determina a ausência superveniente de interesse processual, por ter sido obtida fora do processo a satisfação da pretensão do Demandante.”, requerendo que “seja declarada a extinção da instância, ao abrigo do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, por inutilidade superveniente da lide, condenando-se a Demandada na restituição do valor correspondente ao ato anulado (imposto e juros) e nas custas do presente processo arbitral.

 

§2 –   Factos não provados

 

  1. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que se tenham considerados como não provados.

 

§3 –   Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

  1. Ao Tribunal Arbitral compete seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. O acto de liquidação de IRS objecto de contestação pelos Requerentes foi objecto de revogação pela Requerida após a constituição do Tribunal Arbitral. Em resultado da referida revogação, vieram os Requerentes informar que não tinham interesse na manutenção da instância, por considerarem integralmente satisfeitas as suas pretensões.

 

  1. Por conseguinte, inexiste nesta fase objecto processual sobre o qual deva pronunciar‑se o Tribunal Arbitral, de tal modo que carece de sentido útil a manutenção da instância. De resto, são as partes que, em resultado da revogação dos actos contestados, estão de acordo quanto à extinção da instância arbitral.

 

  1. Relativamente a esta temática, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em 30 de Julho de 2014, no acórdão proferido no processo n.º 0875/14, nos seguintes termos: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.

 

  1. Em idêntico sentido, referem Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

 

  1. Em face do exposto, julga-se procedente a inutilidade superveniente da lide, por terem já obtido os Requerentes a plena satisfação dos efeitos pretendidos com o seu pedido, determinando-se consequentemente a extinção da instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

  1. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e, em consequência, absolver da mesma a Requerida;
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

 

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 75.672,24 (setenta e cinco mil, seiscentos e setenta e dois euros e vinte e quatro cêntimos).

 

  1. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 2.448,00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), a suportar pela Requerida, já que foi esta que deu causa à presente acção, porque apenas comunicou a revogação do acto de liquidação após a constituição do Tribunal Arbitral, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de Dezembro de 2024

 

Os árbitros,

 

 

 

Carla Castelo Trindade

(Presidente e relatora)

 

 

 

(Nuno Miguel Morujão)

 

 

(Maria Alexandra Mesquita)