Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 366/2014-T
Data da decisão: 2015-01-05  Selo  
Valor do pedido: € 10.258,50
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS
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DECISÃO ARBITRAL

 

Requerente: A... (doravante “Requerente”)

Requerido: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” e “Requerida”)

 

1. Relatório

A..., contribuinte n.º ..., residente na Rua …, Cascais, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação do ato tributário de liquidação da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), no valor global de € 10.258,50 (e a qual se desdobra nas notas de cobrança n.º 2013 ..., 2013 ... e 2013 ...), do prédio urbano em propriedade total sito na Rua ..., n.º 14, Cascais , união de freguesias de Estoril e Cascais, concelho de Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... (antigo artigo ...)  da referida freguesia

A Requerente fundamenta a ilegalidade do ato tributário, assente nos seguintes vícios:

a) Vício de violação de lei constitucional – violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa – Princípio da igualdade, vertente capacidade contributiva;

b) Vício de violação de lei constitucional – violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa – Princípio da igualdade, vertente coerência do sistema fiscal.

 

 A Autoridade Tributária e Aduaneira, por seu turno, defendeu que:

a) A pretensão da Requerente não visar a declaração da ilegalidade de qualquer ato de liquidação, mas antes a desaplicação da Verba 28.1 da TGIS por alegada inconstitucionalidade.

b) A incompetência deste Tribunal Arbitral para conhecer de eventuais inconstitucionalidades, na medida em que os tribunais arbitrais apenas podem decidir de acordo com o direito constituído, estando-lhes vedado o recurso à equidade.

c) Inexistir qualquer tratamento discriminatório arbitrário no caso da sujeição do prédio urbano supra identificado a Imposto de Selo, Verba 28.1 fundando a  resposta, em 19.05.2014, defendendo que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações controvertidas deveria ser julgado improcedente, e defendendo que o valor patrimonial relevante para efeitos de incidência de imposto é o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda que sejam suscetíveis de utilização independente.

O árbitro único foi designado em 23.06.2014.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 08.07.2014.

Foi agendada a reunião do tribunal arbitral para o dia 14.11.2014 pelas 14:50 horas.

Nessa ocasião, teve a Requerente a oportunidade de se pronunciar sobre as exceções invocadas pela AT, sustentando em síntese, a improcedência das mesmas, defendendo a competência dos tribunais arbitrais à semelhança da competência que é atribuída aos tribunais administrativos e fiscais e ainda o facto de ter posto em crise pelo presente pedido de pronúncia arbitral a ilegalidade em concreto de um ato tributário (liquidação).  

Requerente e Requerida acordaram que as alegações poderiam ter lugar de forma escrita, com o prazo a correr simultaneamente, tendo o tribunal determinado que as alegações se produzissem por escrito no prazo de vinte dias, para tal efeito tendo ficado, desde logo, notificadas.

Nesta reunião, foi ainda fixado o dia 5 de Janeiro de 2015 enquanto data para a prolação da decisão arbitral.

 

 

2. Saneamento

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março), tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado tempestivamente. O processo não enferma de nulidades.

Cumpre, no entanto e antes de mais, analisar as exceções erigidas pela Requerida.

Desde logo, invocou a AT que a Requerente não teria como pretensão o reconhecimento da ilegalidade de qualquer ato de liquidação.

Ora, visto o teor de tal pedido de pronúncia arbitral, designadamente da sua página primeira, resulta suficientemente evidenciada a clara e esclarecida identificação do ato tributário objeto da presente pronúncia arbitral, bem como a final, aquando do pedido, a Requerente peticiona a anulação da liquidação de Imposto de Selo (desdobrada em três notas de cobrança), sendo que tal procedimento está em total conformidade com a al. a) do n.º 1 do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (Orçamento de Estado para 2010), na medida em que “a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a)      A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”

Estando em causa, como está, nos presentes autos a apreciação relativa à ilegalidade em concreto de liquidação de Imposto de Selo e a concomitante anulação desse mesmo ato tributário, inexiste, por via desta exceção invocada pela Requerida, qualquer fundamento para que o tribunal deixe de conhecer do pedido formulado pela Requerente, improcedendo assim a invocada exceção.

Igualmente, a Requerida ancorou a sua defesa por exceção, sustentada no argumento segundo o qual estaria vedado a este tribunal arbitral conhecer da eventual inconstitucionalidade de normas tributárias, como a convocada pela Autoridade Tributária para sujeitar a tributação o prédio de que a Requerente é titular, através da Verba 28.1. da TGIS do Código de Imposto de Selo.

A este respeito, importa, desde logo, convocar a autorização legislativa para a introdução de um regime arbitral em Direito Fiscal, como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos, regime esse que surge com a Lei do OE/2010 (Lei 3-B/2010, de 28 de Abril) - art.124.º.

A amplitude da arbitragem tributária também se depreende do n.º2 do art.124.º da referida lei, quando aí se afirma que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”

 

Enquanto meio alternativo processual ao recurso aos tribunais tributários e não existindo qualquer previsão normativa que expressamente vede tal apreciação quanto à conformidade das leis ordinárias à face da Constituição, seria restritivo e redutor colher do artigo 2º do RJAT uma interpretação que desde logo afastasse tal hipótese de apreciação da conformidade constitucional de determinada norma tributária, quando é por demais consabido que tal competência existe no âmbito dos tribunais tributários.

Ora, não tendo o legislador expressamente distinguido, neste caso não tendo procedido à redução do âmbito da competência do tribunal arbitral para apreciar matérias como a conformidade de leis ordinárias com a Constituição da República Portuguesa, não deve o intérprete proceder a essa mesma distinção, in casu, a essa redução, quando as especificidades do tribunal arbitral em matéria tributária decorrem do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril [Orçamento do Estado para 2010], na versão introduzida pelos artigos 228.º e 229.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro [Orçamento do Estado para 2013] –doravante designado por “RJAT” - de onde a existir a propalada limitação arguida pela Requerida, sempre a mesma deveria decorrer expressamente deste mesmo diploma, o que não sucede, muito menos do artigo 2º do referido diploma legal.

Até porque, a desconformidade de determinada norma jurídica para com a Lei fundamental (Constituição da República Portuguesa) não poderá deixar de se reconduzir a um vício de violação de lei, o que nestes casos, significaria uma violação para com  a Lei fundamental do Estado, isto é para com os normativos constitucionais, nos quais se encontram determinados os princípios gerais da organização política e do ordenamento jurídico nacional e através dos quais se consignam os direitos e deveres fundamentais dos cidadãos, ocupando as normas constitucionais constantes da Constituição da República Portuguesa (CRP) o topo da pirâmide da hierarquia das leis.

Do que vem exposto, não é equacionável que a desconformidade de uma lei hierarquicamente inferior à lei fundamental constante da CRP possa deixar de gerar um vício de violação de lei, justamente para com a lei hierarquicamente superior do sistema jurídico nacional, como parece pretender a Requerida, na medida em que pretende afastar da competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária eventuais violações para com a Lei fundamental portuguesa, como se tais desconformidades com a lei fundamental portuguesa não se devessem reconduzir a vício de violação de lei e nessa decorrência, não pudessem redundar na ilegalidade dos atos tributários objeto dos autos.

Destarte, não se afigura possível interpretar o artigo 2º do RJAT como afastando do âmbito da competência do tribunal arbitral em matéria tributária a apreciação relativa a qualquer vício de violação da lei, seja ela de valor constitucional ou de valor hierarquicamente inferior à Constituição da República Portuguesa.

Acresce ainda e por último, que do próprio RJAT se retira conclusão contrária à suposta falta de competência do tribunal arbitral para conhecer de eventuais desconformidades da lei para com a Constituição da República Portuguesa.

Isto porque, nos termos do n.º 1 do artigo 25º do RJAT: “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Tribunal Constitucional na parte em que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada.”

Ora, se ao tribunal arbitral em matéria tributária estivesse vedado o conhecimento da desconformidade de normas jurídicas face à Constituição, jamais se poderia perceber que o legislador tivesse previsto no citado normativo que a decisão arbitral em matéria tributária pudesse dar lugar a recurso direto para o Tribunal Constitucional, sempre que, por exemplo, essa decisão arbitral recusasse a aplicação de determinada norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.

De onde, em face da fundamentação vinda de expender, não pode também deixar de improceder a exceção erigida pela Requerida quanto à incompetência deste tribunal arbitral para conhecimento das eventuais desconformidades de normas tributárias face à Constituição da República Portuguesa.

Apreciadas as exceções suscitadas pela Requerida no sentido da sua improcedência, nada obsta a que se conheça do mérito do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

  3. Matéria de facto

3. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.      A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na na Rua ..., n.º 14, Cascais, união das freguesias de Estoril e Cascais, concelho de Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... (antigo artigo ...)  da referida freguesia,

2.      O prédio tem afetação habitacional e encontra-se em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, tendo dois pisos e nove divisões;

3.      A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto de Selo de 2012, com o valor global de € 10.258,50, a qual se desdobra nas notas de cobrança com os n.ºs 2013 ..., 2013 ... e 2013 ..., no valor de €3.419,50, cada;

4.      O valor patrimonial tributário do prédio urbano identificado em 1. é de € 1.025.850,35, sendo sujeito a tributação pela aplicação da verba 28.1 da TGIS à taxa de 1% ;

5.      As notas de cobrança identificadas no ponto 3.foram objeto de pagamento em 22.04.2013, 13.07.2013 e 17.11.2013, respetivamente

6.      A Requerente veio a deduzir reclamação graciosa, a qual foi expressamente indeferida.

7.      A Requerente veio a deduzir Recurso Hierárquico em 4 de Dezembro de 2013.

8.      Não tendo sido o Recurso Hierárquico objeto de decisão, veio a Requerente a apresentar em 05.05.2014 o pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos.

9.      A Requerente procedeu em 25.11.2014 ao pagamento da taxa de justiça subsequente.

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

3.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos. 

4. Matéria de direito:

4.1.Objeto e âmbito do presente processo

Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), relativa a Imposto de Selo de 2012, no caso de prédios não constituídos em propriedade horizontal, incide sobre o somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global), ou, antes, sobre o valor patrimonial tributário de cada parte do prédio com utilização económica independente.

O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de imposto do selo no valor de € 10.258,50 desdobrada sob os documentos de cobrança supra identificados, efetuado ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS, referente ao ano de 2012, no valor total de € 10.258,50, com fundamento na violação do princípio da igualdade constante do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, nas suas vertentes da capacidade contributiva, como igualmente na sua vertente de coerência do sistema fiscal. Adicionalmente a Requerente peticiona o reembolso do imposto pago alegadamente indevido e o pagamento de juros indemnizatórios.

 4.2. Questão do Vício de violação de lei constitucional – violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa – Princípio da igualdade, vertente capacidade contributiva;

Em síntese, fundamenta a Requerente que a Verba 28.1. da TGIS viola o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, na vertente capacidade contributiva na medida em que e passamos a citar trecho das suas alegações: “Com o presente tributo (IS) pretende-se tributar a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio com afetação exclusivamente habitacional, cujo valor patrimonial tributário (adiante VPT) seja igual ou superior a 1.000.000 EUR (um milhão de euros), como acontece no caso da Requerente que é proprietária do imóvel melhor identificado na alínea a) dos factos provados.

Ora, em termos de capacidade contributiva relativa a património, um sujeito passivo que detém 10 prédios com afetação de habitação, cada um com um VPT de 100.000,00 EUR encontra-se numa situação objetivamente comparável com a Requerente.

Ambos dispõem de igual capacidade contributiva no tocante ao património (1.000.000,00 EUR).”

 

Bem como ainda sustenta a Requerente que essa mesma desconformidade com a CRP decorre igualmente do facto do legislador apenas prever a sujeição a esta verba de imposto de selo, os prédios urbanos afetos à habitação e não aqueles demais prédios urbanos com distintas afetações (serviços, comércio e indústria) e de idêntico VPT.

Já segundo a Autoridade Tributária, a desaplicação da Verba 28.1. da TGIS ao caso dos autos conduziria a uma violação do princípio da legalidade formal estatuído no n.º 2 do artigo 103º da CRP.

Ora e com o devido respeito para o posicionamento da Requerida, tal normativo constitucional não se afigura âncora jurídica suficiente para, por si só, afastar a arguida inconstitucionalidade, porquanto, a ser assim, significaria que a apreciação da conformidade constitucional das normas de incidência tributária apenas poderiam ter lugar no plano formal, isto é, quanto ao cumprimento do processo legislativo que dimana da previsão e exigência legal do n.º 2 do artigo 103º da CRP, o que não tem qualquer sustentação jurídica, dado qualquer norma jurídica poder ser objeto de confrontação quanto à sua conformidade substantiva com o texto normativo da Constituição da República Portuguesa.

 Vejamos então o enquadramento legal da liquidação de Imposto de Selo em apreço:

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28.1. à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

 

Por seu turno, o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa preceitua o seguinte:

Artigo 13.º

(Princípio da igualdade)

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”

A introdução na ordem jurídica tributária da presente Verba 28.1 da TGIS teve por fator relevante a manifestação de capacidade contributiva relativa a prédios urbanos com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir Imposto de Selo.

Pretendeu assim o legislador introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície sobre todo e qualquer prédio urbano com afetação habitacional, tendo o critério legislativo feito aplicar tal imposto de selo sobre os prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.

Tal conclusão pode retirar-se da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.

A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

Desta forma, parece claro que o legislador entendeu que este valor (um milhão de euros ou superior, por prédio urbano com afetação habitacional), quando imputado a uma habitação traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.

Mas não menos evidente, traduz uma linha de opção legislativa que pretendeu onerar concretamente os prédios urbanos com afetação habitacional de segmento elevado, prémio ou também vulgarmente ditos de luxo.

Note-se que, independentemente das conceções mais ou menos subjetivas sobre o conceito de habitações de luxo, de segmento elevado ou expressões de significado equivalente, é certo que o valor patrimonial tributário é, desde a reforma da tributação sobre o património de 2003, mensurada com base em elementos objetivos, como sejam a área, a localização, o nível de conforto, entre outros.

O que significa afirmar que e independentemente das considerações ideológicas que sobre tal opção política se possam efetuar, o legislador teve um objetivo concreto e definido: sujeitar a tributação em Imposto de Selo os prédios urbanos com afetação habitacional de mais elevado valor, o que na prática se traduziu na fixação de um patamar mensurável através do VPT: valor igual ou superior a € 1.000.000,00.

E é radicando desta constatação que se deve apreciar a questão relativa à violação do princípio da igualdade na sua vertente material referente à capacidade contributiva.

Como vem sendo uniformemente assente quer pela doutrina, quer pela jurisprudência (do próprio Tribunal Constitucional), o princípio da igualdade implica que se dê tratamento desigual àquilo que não é igual.

A este respeito, pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão de 14.11.2013, no âmbito do processo 6971/13, segundo o qual:

“O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no artº.13, da C.R.P.

As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional,  na vertente que aqui nos interessa, assinalam corretamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.341; ac.Tribunal Constitucional 232/2003, de 13/5/2003; ac.Tribunal Constitucional 45/2010, de 3/2/2010).”

Ora, ressalvado o devido respeito pelo raciocínio trilhado pela Requerente, este parte de um pressuposto de igualdade na comparação efetuada relativamente a quem possa ser titular de dez prédios urbanos habitacionais com um valor somado igual ou superior a € 1.000.000,00, que efetivamente não se encontra preenchido.

Isto porque, na formulação hipotética de comparativa, não se está sequer perante a titularidade, seja a título de propriedade, usufruto ou direito de superfície de um único prédio urbano habitacional cujo VPT iguale ou ultrapasse € 1.000.000,00.

O que inquina ab initio qualquer juízo de comparabilidade com base na igualdade, tal como o exercício efetuado pela Requerente.

Sendo que, ademais, como supra se expôs, o intuito legislativo se afigura claro no sentido de fazer recair sobre uma realidade imobiliária habitacional de valor elevado um esforço adicional em matéria de tributação na consecução dos objetivos do sistema fiscal, na conjuntura desfavorável económica que o País atravessava.

 E para aferir de tal valor elevado, o legislador muniu-se de um critério objetivo: prédio urbano com afetação habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00.

Sendo que e aqui não menos relevante, a fixação de tal VPT é efetuada com base em elementos objetivos que influenciam o valor dos prédios e ainda tendo em consideração fatores majorativos e minorativos (como sejam os constantes das tabelas do artigo 43º do CIMI) previstos na lei, não só de aplicação geral como uniformes, que permitem com um grau de confiança elevada, afastar qualquer apreciação de índole subjetiva na avaliação do prédio em questão. 

No entanto e não perdendo de vista a hipótese equacionada pela Requerente e usada para dar lastro ao seu raciocínio comparativo e conclusão, até porque a tónica da violação do princípio da igualdade se encontra colocada na vertente da capacidade contributiva, não se poderá deixar de se observar que sobre um mesmo quantum de rendimento recai muitas vezes um nível distinto de tributação em função da natureza ou da forma subjacente à sua origem, sem que tal signifique, necessariamente, qualquer violação do princípio da igualdade, em qualquer uma das suas vertentes.

O mesmo se passando, de resto, com os impostos sobre o património, veja-se o caso do IMT, em que a aquisição de prédio com afetação habitacional, em função do maior ou menor valor patrimonial tributário daquele, está sujeito a uma maior ou menor (podendo mesmo ser nula) taxa efetiva de IMT, em função do maior ou menor VPT do prédio objeto de transmissão.

Regressando à comparação erigida pela Requerente enquanto aparente demonstração da violação do princípio da igualdade, na sua vertente da capacidade contributiva, não pode deixar de se referir que a capacidade contributiva de alguém que adquire onerosamente um prédio urbano habitacional com um VPT de € 1.000.000,00 não é idêntica do contribuinte que adquire dez prédios urbanos habitacional com um VPT de € 100.000,00.

Desde logo, pelo encargo financeiro relevante que decorre da componente fiscal que tal ou tais aquisições (respetivamente) importam ao nível de IMT (exemplo de aquisição onerosa).

Isto é, enquanto a aquisição de cada um dos 10 imóveis com VPT de € 100.000,00 importaria a sujeição a uma taxa de IMT inferior a 1% desse mesmo VPT, já no caso da aquisição onerosa de um prédio com um VPT de € 1.000.000,00 a taxa efetiva de IMT seria exponencialmente superior à taxa dos prédios com VPT de € 100.000,00.

De onde, a comparação que vem servindo de base à argumentação da Requerente não conduz, como decorre do exemplo supra, a uma conclusão segundo a qual a capacidade contributiva é idêntica em ambas as situações.

Antes pelo contrário, basta que a aquisição desse acervo patrimonial imobiliário esteja sujeito a imposto, para que facilmente se conclua que a capacidade contributiva de base da Requerente seja superior a quem adquire dez prédios urbanos habitacionais com um VPT de € 100.000,00.

Concluímos e secundamos, na esteira do que o faz Sérgio Vasques, in Capacidade Contributiva, Rendimento e Patrimônio, publicada na Revista Forum de Direito Tributário, de Set./Out. de 2004, página 27, segundo o qual:”Na verdade, um imposto não se pode dizer em correspondência com o princípio da capacidade contributiva simplesmente por incidir sobre a riqueza mas apenas quando incida sobre a riqueza de modo determinado. 

De que modo? De um modo que reflita a força econômica geral do contribuinte, os recursos da sua vida pessoal e familiar lhe deixa disponíveis para o pagamento do imposto. O imposto só deve começar onde comece esta força econômica, operando a capacidade como pressuposto da tributação, e deve terminar aí onde termine também, servindo, então a capacidade contributiva de limite ao imposto.”

Ora, não se afigura absolutamente indiferente ser proprietário (usufrutuário ou titular de direito de superfície) de um prédio urbano habitacional com um VPT de € 1.000.000,00 ou de dez prédios com um VPT de € 1000.000,00 cada.

E desta questão radica, na nossa perspetiva, um outro erro sobre os pressupostos do raciocínio expendido pela Requerente, que decorre do facto de parecer fazer centrar a Verba 28.1. da TGIS no sentido de através desta se pretender tributar a globalidade de todo um património imobiliário na titularidade de um mesmo contribuinte, quando, na verdade, não se afigura ser esse o objeto de tal verba da TGIS, muito menos o objetivo legislativo que lhe está subjacente.

É que, salvo o devido respeito por entendimento diverso, a verba 28.1.da TGIS não pretende fazer recair uma tributação geral sobre todo o acervo patrimonial imobiliário de cada um dos contribuintes, porque a ser assim, desde logo a redação do preceito teria de ser diametralmente distinta da existente e por outro, sempre se afiguraria que tal tributação deveria ter lugar em sede de um imposto com natureza de tributação sobre o património e não via Imposto de Selo, porque nesta aventada hipótese, mais não se estaria do que perante um verdadeiro imposto sobre o património.

Ao invés, a verba 28.1. da TGIS e em nosso entendimento, o objetivo definido pelo legislador para esta, foi o de sujeitar a tributação todo e cada um dos prédios habitacionais de valor mais elevado, pertencentes a um dito segmento prémio ou dito de luxo.

Mas tal tributação sobre prédios urbanos habitacionais de valor dito elevado não poderia efetuar-se sem o recurso a critérios de avaliação que radiquem das próprias características endógenas desses mesmos prédios habitacionais.

Razão pela qual o legislador erigiu o conceito do valor patrimonial tributário enquanto conceito de determinação para a avaliação de cada um desses prédios habitacionais, tendo por base mínima para essa tributação através da Verba 28.1. sempre que o VPT seja igual ou superior a um milhão de euros.

Logo, qualquer exercício comparativo de prédios urbanos habitacionais que não atinjam sequer esse patamar ou parâmetro de comparabilidade objetivo de um milhão de euros não são a nosso ver aptos a tal raciocínio, na medida em que o propósito legislativo parece ser claramente o de sujeitar a tributação todo e cada um dos prédios urbanos de habitação que, pelas suas caraterísticas (localização, áreas de construção, localização e índices de conforto) ultrapassem o patamar de um milhão de euros objetivamente definido pelo legislador.

Fazendo recair sobre estes últimos, em razão das suas características diferenciadoras, densificadas no seu VPT um esforço adicional ao nível do encargo tributário do seu titular.

 De todo o modo, não se vislumbra que pelo simples facto de um contribuinte ser titular de dez prédios urbanos com afetação habitacional com um VPT de € 100.000,00 cada, tenha necessariamente de ter uma capacidade contributiva idêntica à do contribuinte que é titular de um prédio urbano habitacional com um VPT de € 1.000.000,00 (sendo que como já se referiu não é intuito da norma tributar a globalidade do património imobiliário habitacional).

 

 

Desde logo, porque e como e bem salienta a Requerente, na hipótese do titular de um prédio de VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, este não tem o mesmo grau de flexibilidade de rentabilizar esse mesmo património, porque se o destinar para sua habitação, perderá a possibilidade de o arrendar.

Ao contrário, mais facilmente o poderá fazer o titular de dez prédios habitacionais com um VPT de € 1000.000,00 cada, na medida em que poderá alocar grande parte desses prédios a arrendamento, por exemplo, mantendo um apenas para sua habitação.

Embora, aparentemente, esta flexibilidade possa trazer vantagens no caso hipotético trazido à colação pela Requerente, tal análise terá de ser efetuada de forma integrada relativamente àqueles que são os objetivos prosseguidos pelo sistema fiscal, com assento constitucional.

E dessa análise integrada não poderá deixar de se perceber que essa mesma maior flexibilidade que existe perante uma acervo imobiliário habitacional de dez habitações sempre terá uma apetência económica superior, na medida em que gerará, em caso de arrendamento, um retorno financeiro (tributável) na esfera do seu proprietário, mas mais relevante, representará uma efetiva contribuição em termos da arrecadação de receitas tributárias pelo Estado para a consecução dos objetivos do sistema fiscal português que constam do n.º 1 do artigo 103º da CRP, o que mais dificilmente sucederá no caso do contribuinte que apenas é titular de um prédio urbano com um VPT de € 1.000.000,00, como acaba, de resto, a Requerente por reconhecer.

Acrescendo ainda, que consabidamente desde a crise financeira de 2008, o acesso ao crédito pelo que a aquisição de casa própria com recurso ao crédito desceu acentuadamente, devido não só à maior exigência bancária na sua concessão, como igualmente por força do elevado custo do dinheiro que levou a retirar deste mercado uma faixa relevante da população.

Ora, também deste ponto de vista, a tributação da Verba 28.1. da TGIS sobre a realidade da Requerente e não sobre a hipótese conjeturada por esta, é suscetível de encontrar substrato numa opção política habitacional que desde então tende a privilegiar o arrendamento.

E como concede a Requerente, a flexibilidade e logo a probabilidade e apetência para colocação de prédios urbanos habitacionais no mercado de arrendamento é bastante superior no caso do titular de vários (por exemplo, 10) prédios urbanos habitacionais, quando comparado com o titular de apenas um prédio urbano habitacional (com um VPT de € 1.000.000,00, por exemplo).

De onde, a medida legislativa em causa corporizada na Verba 28.1. da TGIS é também desse ponto de vista suscetível de gerar na economia e na sociedade uma reorientação do investimento imobiliário habitacional para o mercado de arrendamento, assim suprindo as conhecidas necessidades de arrendamento habitacional existentes e ser assim um instrumento inestimável para o colmatar da falta de oferta nesse mesmo mercado.

Pelo que, também do ponto de vista das opções do poder político, a sujeição a tributação da realidade tributária trazida pela Verba 28.1. da TGIS encerra uma escolha e opção universal e racional, assente em critérios de objetividade e de uniformidade e que fazem afastar qualquer ideia de arbitrariedade nas distinções efetuadas pelo legislador.  

Assim, a comparação hipotética levada a efeito pela Requerente, além de não partir de uma base factual similar, encontra-se ainda inquinada de um vício de raciocínio que parece pressupor que em qualquer um dos dois casos, a capacidade contributiva seria necessariamente igual, o que não ficou, a nosso ver, demonstrado.   

A opção legislativa que subjaz à Verba 28.1. da TGIS traduz uma linha de orientação política que pretendeu onerar concretamente os prédios urbanos com afetação habitacional de valor elevado, prémio ou também vulgarmente ditos de luxo, convocando-os assim especialmente para participar no esforço de garantir as necessidades financeiras do Estado e do Estado social através de uma justa repartição do esforço fiscal.

 Ora, conforme decorre do acórdão nº 306/10, proferido pelo Tribunal Constitucional em 14/7/2010, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 186, de 23/9/2010, “Por outro lado, o Tribunal tem também considerado que o princípio da capacidade contributiva tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal (o citado Acórdão n.º 142/04). 

O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adoptar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema. 

Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem excepção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. Rogério Fernandes Ferreira/Sérgio Vasques, ob. cit., p. 974).”

Ora, é em face da jurisprudência que vem de se citar, que não podemos deixar de concluir não existir na redação da Verba 28.1. relativamente ao caso dos autos, qualquer violação ao princípio da igualdade constante do artigo 13º, na vertente da capacidade contributiva, porquanto embora a solução pudesse eventualmente do ponto de vista político-legislativo ser outra, aquela redação e solução garante o cumprimento do princípio da igualdade em todas as suas vertentes.

Sendo que especificamente em matéria de capacidade contributiva ressalta evidente que a solução adotada trata distintamente realidades habitacionais diferentes com base em critério objetivo e racional (valor patrimonial tributário de cada prédio urbano habitacional) convocando apenas os prédios urbanos habitacionais que pelas suas próprias características têm um VPT mais elevado (igual ou superior a € 1.000.000,00) para o pagamento de tal verba e preservando os demais prédios de valor inferior a essa contribuição adicional para o esforço tributário.

Funda ainda a Requerente a inconstitucionalidade da Verba 28.1. face ao princípio da igualdade na sua vertente de capacidade contributiva, no facto de apenas os prédios urbanos com afetação habitacional estarem sujeitos a tal tributação em sede de Imposto de Selo, ao contrário do que sucede com os prédios urbanos com diferentes afetações (serviços, comércio ou indústria).

A este respeito e como e de acordo com o sentido reiterado e uniforme da jurisprudência do Tribunal Constitucional: “só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 47/2010).

A opção legislativa que a Verba 28.1. da TGIS encerra, no sentido de limitar a tributação em Imposto do Selo aos «prédios com afetação habitacional» deixa perceber o propósito consciente de não sujeitar a tributação desta verba, os prédios com afetação a serviços, indústria ou comércio, o que se entende em face da sua afetação à atividade económica e ao clima económico de recessivo que se vem vivendo em Portugal, com particular gravidade desde 2011.

Num contexto económico extremamente adverso como o vindo de notoriamente observar nos últimos anos notório, com as elevadas taxas de desemprego existentes e com o encerramento e a insolvência de muitas empresas em face da sua precariedade económico-financeira, a sujeição a tal verba poderia funcionar como um detonador com efeitos fortemente destrutivos sobre o já de si frágil tecido empresarial e consequentemente não menos nefasto para o emprego e a coesão social.

A opção legislativa de apenas sujeitar a tributação os prédios urbanos com afetação habitacional enquadra-se, a nosso ver e igualmente, numa opção de fundo política, com substrato de racionalidade e justificação objetivas ao nível das escolhas que cabem ao legislador, sem que daí decorra uma sobrecarga gratuita ou arbitrária.

É que, em qualquer caso o valor da capacidade contributiva, não obstante da maior relevância para a aferição do princípio da igualdade em matéria tributária, não representa um valor constitucionalmente absoluto, pelo que não poderá deixar de ser ponderado e aferido tendo igualmente em atenção os objetivos do sistema fiscal com idêntica consagração constitucional e a racionalidade e justificabilidade das opções político-legislativas que no quadro do concreto contexto económico existente melhor defendam e acomodem uma justa repartição dos encargos fiscais, com vista a uma justa repartição da riqueza e fazer face às necessidades financeiras do Estado (Social).

Perante o que vem dito, não podemos deixar de concluir que censura alguma merece a redação da Verba 28.1. da TGIS relativamente ao disposto no princípio da igualdade, na sua vertente de capacidade contributiva.

4.3. Vício de violação de lei constitucional – violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa – Princípio da igualdade, vertente coerência do sistema fiscal – Tributação múltipla – e ofensa ao n.º 3 do artigo 104º da Constituição da República Portuguesa

Sustenta a Requerente em abono da supra identificada desconformidade para com a Constituição, em suma, o seguinte:

“Para que se verifique uma situação de dupla tributação interna será necessário o preenchimento de dois requisitos: (i) identidade do facto tributário e (ii) pluralidade de normas.

A doutrina vem reconduzindo o primeiro dos requisitos à chamada “regra das quatro identidades”, de acordo com a qual para que se verifique a identidade do facto tributária será necessário que se verifique (i) a identidade do objeto; (ii) a identidade do sujeito; (iii) a identidade do período tributário e (iv) a identidade da natureza do imposto.”

Pugnando ainda que tal enquadramento da Verba 28.1.da TGIS acarreta igualmente uma violação do n.º 3 do artigo 104º da CRP, ancorando-se no exemplo a que já nos referimos no ponto 4.2.

 

Acompanhamos neste particular a Requerente quando esta se refere que a existir identidade de imposto, estar-se-ia ante uma situação de duplicação de coleta e não tanto a uma dupla tributação interna.

 

 

 

 

Mas já não o podemos fazer em matéria de identidade de natureza dos impostos (IMI e Imposto de Selo).

Vejamos, o IMI - Imposto Municipal sobre os Imóveis – é um imposto que, como o próprio nome o deixa indiciar recai sobre a realidade imobiliária, incidindo sobre o valor patrimonial tributário dos prédios (rústicos e urbanos) situados em território nacional.

Trata-se de um imposto municipal, cuja receita reverte para os respetivos municípios onde os prédios se localizam e não para o Estado central, como sucede no caso do Imposto de Selo.

Assim, relativamente ao IMI, poder-se-á afirmar, sem sombra de dúvida, estar-se perante um imposto que incide única e exclusivamente sobre o património imobiliário, logo sendo classificado em função da sua natureza como um imposto sobre o património.

Já o mesmo, no entanto, não sucede com o Imposto de Selo e para tal conclusão bastará que se atente no preâmbulo legislativo do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, segundo o qual: “O presente decreto-lei procede à reforma da tributação do património, aprovando os novos Códigos do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e procedendo a alterações de diversa legislação tributária conexa com a mesma reforma.”

Decorre assim do trecho do preâmbulo citado, uma clara separação pelo legislador entre aquilo que se deve considerar como tributação sobre o património, desdobrado nos impostos que sobre ele incidem (IMI e IMT) e por outro, a legislação tributária que se conecta com essa mesma tributação, incluindo  o legislador o Código do Imposto de Selo neste segundo grupo.

 

 

 

 

E tal dissociação do Imposto de Selo relativamente aos chamados impostos sobre o património de que o IMI e o IMT faz parte, resulta não só do preâmbulo, como igualmente do artigo 1º do referido diploma legal: “O presente diploma visa proceder à reforma da tributação do património, bem como à alteração do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), do Código do Imposto do Selo (CIS), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e do Código do Notariado (CN).”

Decorre assim igualmente do artigo 1º do DL 287/2013, de 12 de Novembro que o legislador não faz integrar o Imposto de Selo no âmbito dos impostos sobre o património, separando claramente entre os impostos que pela sua natureza tributam o património – IMI e IMT – e por outro, os demais impostos que não têm na tributação sobre o património a sua matriz essencial, onde se inclui o IRS, o IRC e o Imposto de Selo.

Ora, atento o disposto no artigo 9º do Código Civil e ao abrigo dos princípios orientadores quanto à interpretação das normas jurídicas, não se afigura possível concluir no sentido da identidade quanto à natureza do IMI e do Imposto de Selo. 

Não se olvida, no entanto, que o Imposto de Selo tem conhecido profundas alterações, sobretudo desde a reforma operada em 2000 e adensada com o DL 287/2013, de 18 de Novembro, no sentido de transformar um imposto sobre os documentos num imposto sobre as operações que, independentemente da roupagem em que se consubstanciem, sejam reveladoras de rendimento ou riqueza.

Em similar sentido, concluiu o Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo 07648/14, de 10.07.2014, segundo o qual: “Com a Lei 150/99, de 11/9, e posterior reforma do património (cfr.dec.lei 287/2003, de 12/11), o Imposto de Selo mudou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro imposto incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza.”

 

 

 

Mas como se alcança, tal incidência da Verba 28.1. da TGIS sobre os prédios urbanos com afetação habitacional de VPT superior ou igual a € 1.000.000,00 não altera a natureza do Imposto de Selo para um imposto sobre o património (o qual continua  tributar documentos), sendo antes e tão-somente uma manifestação da aludida afirmação deste imposto enquanto imposto sobre as operações que, de uma ou outra forma exteriorizada, possam materializar rendimento ou riqueza.

Pelo exposto e não olvidando igualmente os diferentes objetivos e destinos de cada uma destas receitas tributárias – IMI e Imposto de Selo – e sem necessidade de aferição dos três primeiros índices de aferição convocados pela Requerente (dado o caráter cumulativo dos quatro índices para fazer operar eventual duplicação de tributação) não é possível alcançar uma base identitária quanto à natureza e eventual sobreposição entre estes dois impostos, ao contrário do que pugna a Requerente, razão pela qual não poderá proceder essa mesma alegada desconformidade da verba 28.1. da TGIS com o princípio da igualdade constante do artigo 13º da CRP, na sua vertente de coerência do sistema fiscal (tributação múltipla).

Pelos fundamentos já vindos de alinhar, encontra-se igualmente prejudicada a formulada desconformidade da verba 28.1. da TGIS para com o disposto no n.º 3 do artigo 104º da CRP, na justa medida em que o Imposto de Selo não é configurável como um imposto sobre o património, mas antes, no dizer da lei e da dicotomia que aí se patenteia relativamente ao IMI, como um imposto sobre as operações.

4.4. Do reembolso à Requerente do Imposto de Selo pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios :

Em face de tudo o quanto supra se expendeu e concluiu nos pontos 4.2. e 4.3., não sendo emitido um juízo de ilegalidade sobre o ato tributário objeto da presente pronúncia arbitral, está prejudicada a apreciação quanto ao reembolso do Imposto de Selo, pago pela aplicação da Verba 28.1. da TGIS e bem assim o pagamento de eventuais juros indemnizatórios. 

 

 

 

 

5. DECISÃO:

Na sequência e em consequência do exposto, este tribunal arbitral julga:

a)      Totalmente improcedentes, por não provadas, as exceções invocadas pela Requerida;

b)     Totalmente improcedente, por não provado o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário – liquidação de Imposto de Selo de 2012, Verba 28.1. da TGIS - formulado pela Requerente e objeto destes autos;

c)      Prejudicada, em face da improcedência constante da alínea anterior, a apreciação dos pedidos formulados quanto ao reembolso do Imposto de Selo pago e pagamento de juros indemnizatórios pela Requerida;

 

Valor da causa€ 10.258,50 – arts. 97º-A, do CPPT, 12º, do RJAT (DL 10/2011), 3º-2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

Custas nos termos da Tabela I, do RCPTA, calculadas em função do sobredito valor do pedidoa cargo da requerente - arts. 4º-1, do RCPTA e 6º-2/a) e 22º-4, do RJAT.

Notifique-se esta decisão arbitral às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.

Lisboa, 5 de Janeiro de 2015

 

O árbitro singular

 

Luís Ricardo Farinha Sequeira

 

 

 

 

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.