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SUMÁRIO:
1. A liberdade de circulação de capitais é estabelecida pelo artigo 63.º do TFUE como uma liberdade fundamental do mercado interno, dotada de relevância constitucional no âmbito do Direito da União Europeia, gozando de primazia normativa sobre o direito interno, cabendo aos poderes públicos legislativos e administrativos a tomada das medidas internas de transposição, execução e aplicação, consoante os casos, do direito primário e secundário relevante, de forma a assegurar a efetividade da livre circulação de capitais.
2. As normas do n.º 1, parte final, e n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, interpretadas conjugadamente, ao estabelecerem um tratamento fiscal mais favorável para os organismos de investimento coletivo (OIC) que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, em relação aos organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia ou de um Estado Terceiro, violam os princípios da liberdade de circulação de capitais e da não discriminação, consagrados nos artigos 63.º e 18º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
3. Tendo o Tribunal de Justiça da União Europeia decidido que o artigo 63.° do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação nacional que determina que os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção, mesmo incidindo sobre estes outras formas de tributação, têm os tribunais nacionais de invalidar as liquidações correspondentes.
ACÓRDÃO ARBITRAL
Os árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins (Presidente), Gustavo Gramaxo Rozeira e José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
1RELATÓRIO
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A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português..., com sede em..., ... Estugarda, Alemanha, (doravante designado de “Requerente”), veio, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL COLETIVO com designação de árbitros pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 01.04.2024, e automaticamente notificado à Requerida.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os três árbitros do tribunal arbitral coletivo, no dia 22.05.2024.
4. As partes foram devidamente notificadas dessa nomeação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do art. 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos art.s 6.º e 7.º do Código Deontológico e, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 14.06.2024.
5.A AT, tendo para o efeito sido devidamente notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, apresentou a sua resposta, em 05.09.2024, onde, por impugnação, sustentou a improcedência do pedido, por não provado, e a absolvição da Requerida.
6. Por não ter sido requerida e ter sido considerada desnecessária a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o Tribunal Arbitral proferiu despacho com dispensa da mesma e de alegações.
1.1Dos factos alegados pela Requerente
7. O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária.
8. O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país (cfr. certificado de residência fiscal emitido pelas Autoridades Fiscais alemãs, que se junta como documento n.º 1). Com efeito, o Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.
9. Nos anos de 2018, 2019 e 2021 o Requerente era detentor de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal:
10. Ora, nos referidos anos, o Requerente, na qualidade de acionista destas sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos.
11. Os dividendos recebidos no decorrer dos anos de anos de 2018, 2019 e 2021, foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC (“CIRC”). Assim, nos anos em causa, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, no montante total a seguir discriminado:
1.2Argumentos das partes
12. Os Requerentes sustentam a ilegalidade das liquidações acima mencionadas com os argumentos de facto e de direito que a seguir se sintetizam:
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O quadro referido no ponto acima permite discriminar, relativamente aos anos em questão, (i) os montantes brutos dos dividendos recebidos, (ii) a data de pagamento dos referidos rendimentos, (iii) o número das guias de pagamento através das quais o imposto retido na fonte foi entregue junto dos cofres da AT em Portugal e (iv) o imposto suportado por retenção na fonte, que constitui objeto da presente impugnação.
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Conforme resulta do quadro mencionado no ponto acima, o Requerente suportou, em Portugal, nos anos de 2018, 2019 e 2021, a quantia total de imposto de EUR 71 982,01, a qual constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.
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Para prova do alegado nos pontos imediatamente anteriores, o Requerente vem juntar:
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Cópia do documento emitido pelo B..., correspondente a tabela discriminativa do número de ações (identificando o respetivo ISIN), valor dos dividendos, datas de pagamento e valores de imposto suportado em Portugal, e que comprova ainda que o Requerente é o beneficiário dos rendimentos (cfr. documento n.º 2);
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Cópia das declarações (vouchers) emitidas pelo B... e pelo agente pagador em Portugal no período relevante (C...), atestando a data de distribuição dos dividendos, montante bruto dos dividendos distribuídos ao Requerente e imposto retido na fonte em Portugal (conforme declarado na respetiva Modelo 30), bem como o número das guias através das quais foi entregue o imposto retido junto dos cofres da Autoridade Tributária (cfr. documento n.º 3).
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Na ótica do Requerente – e conforme já foi confirmado pelo TJUE em acórdão proferido no passado dia 17 de março de 2022, no processo n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN) –, Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia (“UE”) (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado para Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”).
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Neste sentido, no dia 02.05.2022, o Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, pedido de revisão oficiosa da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2018, 2019 e 2021, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal – (cfr. cópia carimbada que se junta como documento n.º 4)[1].
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Todavia, no passado dia 29.12.2023 (carta registada de 27.12), o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento do Pedido de revisão oficiosa (cfr. documento n.º 5 que se junta), fundada no entendimento de que “(…) não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável.” (cfr. § 6 da decisão final de indeferimento).
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Mais refere a AT na sua decisão final que “(…) no que diz respeito aos OIC não residentes (que não disponham de um estabelecimento estável em território português), os mesmos não têm enquadramento na atual previsão do n.º 1 do art.º 22.º do EBF e, consequentemente, dos n.ºs 2, 3 e 10 da referida norma legal.
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Na esteira do Acórdão do TJUE, no âmbito do n.º 10 do art.º 22.º do EBF, estão incluídos OIC constituídos nos demais Estados-membros e, por maioria de razão, os OIC constituídos nos demais Estados-membros da EU e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado.
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Pelo que, nos parece viável uma interpretação jurídica conforme ao direito europeu, segundo a qual no âmbito da dispensa de retenção, estarão incluídos os OIC não residentes e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado.
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Ora, no caso em apreço, conforme informado, o Reclamante não é residente fiscal e não dispõe de estabelecimento estável em Portugal, não se encontra enquadrado no n.º 1 do art.º 22.º do EBF.” (cfr. § 8 a 11 da decisão final de indeferimento acima junta como documento n.º 5).
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Refere ainda a AT a existência de algumas “discrepâncias” uma vez que não encontrou submetida qualquer declaração Modelo 30 relativa aos pagamentos de dividendos dos anos de 2018 e 2019 (cfr. § 7 da decisão final de indeferimento acima junta como documento n.º 5).
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Referindo ainda que “a requerente [NIF:...] apenas se encontra inscrita no cadastro fiscal desde 2021-01-22” (idem).
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Esclareça-se que o Requerente passou a ter um novo número de identificação fiscal em Portugal em 2021[2], motivo pelo qual a pesquisa com o novo número de identificação fiscal não permitiu encontrar os pagamentos de dividendos anteriores a essa data.
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Não obstante, os vouchers emitidos pelo ..., relativos aos pagamentos de dividendos dos anos de 2018 e 2019, que foram juntos ao procedimento administrativo, identificam o NIF anterior do Requerente (...), assim como o valor dos dividendos, data de pagamento, imposto retido na fonte e número das guias através das quais foi entregue o imposto retido junto dos cofres da Autoridade Tributária (cfr. documento n.º 3 acima junto).
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Ficam, assim, clarificadas as “discrepâncias” identificadas pela AT.
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Em qualquer caso, não pode o Requerente conformar-se com a decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa proferida pela AT, não só porque esta se destitui do seu papel decisório, mas também porque, ao ensaiar uma interpretação “conforme ao direito europeu” (a qual, como se verá, não tem qualquer cabimento), acabou por decidir de forma desfavorável ao contribuinte, incorrendo em evidente vício de violação de lei, o que motiva a apresentação do presente pedido arbitral.
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Considerando que o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa no passado dia 29 de dezembro de 2023, não restam dúvidas sobre a tempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral.
13. A AT defende a manutenção do ato impugnado com base nos fundamentos sinteticamente elencados:
Por exceção - Ilegitimidade ativa
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Conforme informação prévia infra reproduzida, verifica-se que a Requerente não é parte legítima nos presentes autos, atento o disposto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT, nos seguintes termos:
«Salienta-se que:
(…)
b) O PPA é consequente do indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa (SICAT n.º ...2022...), por despacho da chefe de divisão, em 2023.12.18, interposto contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) por retenção na fonte ocorridas em 2018.05.02, 2018.09.20, 2019.05.15 e 2021.05.20, aquando da colocação à disposição do beneficiário de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português;
c) As retenções na fonte objeto de revisão oficiosa e consequente PPA ora apresentado, são referentes aos seguintes pagamentos de dividendos.
d) A Revisão Oficiosa encontra-se instaurada no SICAT com o n.º ...2022..., com o NIF ..., correspondente ao NIF que consta da respetiva petição. É também com este NIF que é apresentado o presente PPA;
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A Requerente, a A..., está inscrita no cadastro fiscal, em Portugal, com dois números de identificação fiscal: o NIF ... desde 2021.01.11, conforme consta do SGRC (cfr. fls. 51 a 64 do processo administrativo de RO (ficheiro: RO_...2022...pdf) e o NIF..., desde 2017-06-07 (ficheiro: SGRC Outro numero identificação fiscal da Requerente.pdf). Não há evidências de que tenha ocorrido uma sucessão de alteração de número fiscal (como justifica a Requerente na sua nota de rodapé 2 do PPA), mas sim a constituição de um novo número fiscal;
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Afigura-se-nos que NÃO CONSTAM DOS DOCUMENTOS juntos ao procedimento de revisão oficiosa, e agora, ao PPA, EVIDÊNCIAS DE QUE A REQUERENTE SEJA UM OIC. Há apenas evidência de que a Requerente era residente na Alemanha, nos anos de 2018, 2019 e 2021 e que se encontrava registada como número fiscal alemão n.º ... (Doc.1);
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A Requerente apresenta somente as declarações emitidas pelo substituto tributário, o C..., NIF..., para os pagamentos de dividendos efetuados em 2018 e 2019 (cfr. pág.5 e segs do Doc.5 do PPA), correspondendo aos valores declarados através da apresentação da Modelo 30, relativamente ao NIPC: ... (que não coincide o NIPC apresentado no presente PPA e PI da RO);
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Para o pagamento de dividendos efetuado em 2021.05.20, não existe declaração emitida pelo substituto tributário, mas consta da declaração Modelo 30 submetida, para o NIF..., pelo substituto tributário com o NIPC: ...- D...;
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Da breve análise preliminar consideramos que a REQUERENTE, ao apresentar-se com o NIF..., NÃO TEM LEGITIMIDADE para apresentar o presente pedido de anulação das liquidações de retenção na fonte de IRC, efetuada a terceiros, referente aos pagamentos de dividendos efetuados nos anos de 2018 e 2019, nomeadamente ao sujeito passivo com NIF português ..., O BENEFICIÁRIO DO PAGAMENTO DOS DIVIDENDOS E SUBSTITUÍDO TRIBUTÁRIO IDENTIFICADO PELO SUBSTITUTO.»
Caso assim não se entenda,
Por exceção - Inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte referentes aos anos de 2018 e 2019
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Cumpre trazer ao conhecimento do Ilustre tribunal, a decisão proferida no âmbito do Processo n.º 1000/2023-T, relativamente à mesma temática em questão, a qual considerou procedente a exceção invocada, nos seguintes termos:
«No caso de impugnação de retenção na fonte, o artigo 132.º do CPPT estatui o seguinte:
1- A retenção na fonte é suscetível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido.
2 - O imposto entregue a mais será descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efetuar no ano do pagamento indevido.
3- Caso não seja possível a correção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo nele referido.
4 – O disposto no número anterior aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efetuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.
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O n.º 3 do artigo especifica, à semelhança do que sucede em caso de erro na autoliquidação, a que se refere o artigo 131.º, que a impugnação judicial será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos a contar da apresentação da declaração. Essa disposição, que tem igualmente aplicação quando a impugnação judicial seja deduzida pelo substituído, tem o sentido inequívoco efeito jurídico da reclamação graciosa, essa equivalência apenas pode ser reconhecida quando o pedido de revisão oficiosa tenha sido apresentado dentro do prazo previsto para aquela forma de impugnação administrativa, isto é, dentro do prazo de dois anos - artigo 132.º, n.º 3, do CPPT (cfr., neste sentido, os citados acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 840/2021-T e 778/2023-T na situação similar de impugnação no caso de erro na autoliquidação). Ou seja, havendo lugar a prévia impugnação administrativa necessária para efeito de poder ser deduzida a impugnação judicial dos atos de retenção na fonte, o pedido de revisão oficiosa apenas pode ser entendido como preenchendo esse requisito procedimental se for apresentado no prazo de dois anos legalmente previsto para a reclamação graciosa.
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Em conclusão: Verifica-se a exceção dilatória de inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte, suscitada oficiosamente pelo tribunal arbitral, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo de dois anos, e, por conseguinte, a impugnação judicial não foi precedida de impugnação administrativa necessária, conforme impunha o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT).»
Por exceção - Da incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral relativamente às RF dos anos de 2018 e 2019
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Quanto à questão da competência que, a nosso ver, não pode ser dissociada da questão da impugnabilidade contenciosa dos atos de primeiro grau impugnados nesta arbitragem, vem a requerente deduzir o presente p.p.a. na sequência do indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, tendo em vista anular as liquidações de retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário aquando da colocação à disposição da requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português.
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Antes de mais, nos termos do disposto no artigo 2º, alínea a) da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, “com excepção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
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Ora, relativamente ao pedido de revisão oficiosa, constata-se que a requerente – na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT.
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Situação esta que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
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Ainda para mais quando a Requerente não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa prevista no referido artigo 132.º do CPPT, deixando, desse modo, precludir o prazo de 2 anos aí previsto.
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Ora, o procedimento administrativo de revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa prevista no artigo 132.º do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no n.º 1 de tal artigo.
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Donde, in casu, não tendo o pedido de anulação das retenções na fonte sido precedido, em prazo, de reclamação graciosa necessária, o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar sobre a (i)legalidade das mesmas, ainda que a requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos.
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Tal situação impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.
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Mantém-se a impossibilidade, por incompetência material, do Tribunal Arbitral para o conhecimento in casu, da (i)legalidade das retenções na fonte.
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Efetivamente, as retenções na fonte não foram efetuadas pela AT.
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O que se retira do pedido apresentado é que as retenções na fonte terão sido feitas conformes à lei e que o cumprimento desta importa, no entender da requerente, uma restrição discriminatória ao princípio da livre circulação de capitais, contrária ao artigo 63º do TFUE.
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Por outro lado, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos cabe a quem os invocar.
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Assim, revogado que foi o n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que estabelecia a presunção de que se considerava “imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”, e dispondo a lei nova para o futuro (cf. artigo 12.º do Código Civil), o pedido de revisão oficiosa com fundamento em “erro imputável aos serviços”, incluído no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, passou a exigir, também no caso de autoliquidação, ao contribuinte a prova da imputabilidade aos serviços do erro que invoca.
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Sempre que o contribuinte opte pelo pedido de revisão, não tem quatro anos para o fazer, mas o prazo da reclamação graciosa.
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E quando, como é manifestamente o caso dos autos, não tenha havido erro imputável aos serviços na liquidação, preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do ato de liquidação (tal como é defendido por A. Lima Guerreiro, LGT anotada, em anotação ao art° 78°).
Por outro lado,
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A decisão proferida em sede de procedimento de revisão pode, ou não, comportar a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
Por impugnação
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A título prévio, sempre se dirá que, sendo o Requerente um organismo de investimento coletivo e um sujeito passivo não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável, deverá o peticionado ser julgado improcedente, PELO QUE SE IMPUGNA todos os factos alegados PELA REQUERENTE, POR NÃO CORRESPONDEREM à verdade ou por deles não se poder retirar o efeito jurídico almejado pela Requerente.
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Acresce que é sobre a requerente que recaí o ónus de demonstrar os factos constitutivos e legitimadores da sua pretensão, pelo que a falta de demonstração da verificação dos factos por si alegados ter-se-á de resolver contra as suas pretensões processuais.
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Não está em causa a bondade nem o acerto da jurisprudência europeia que as Decisões Arbitrais pretendem seguir de perto e cuja aplicabilidade em abstrato à situação alegada pelo requerente é inquestionável.
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Sucede que, a nosso ver, a requerente não logrou fazer a prova dos factos por si alegados e, nessa medida, fica prejudicada a subsunção dos factos efetivamente demonstrados aos referidos princípios e normas jurídicas do Direito da União.
1.3. Saneamento
14. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade processual e mostram-se devidamente representadas.
Não existem outras questões que obstem ao conhecimento do mérito para além das exceções invocadas pela AT, que de seguida se analisarão.
A invocação destas exceções pela AT é recorrente e muitas vezes apresentada de forma redundante (aparecem sistematicamente em muitos processos em que é idêntica a questão substantiva a ser decidida), o que não se compreende dado que tais alegações são sistematicamente indeferidas pelos tribunais.
Quanto à exceção - Ilegitimidade ativa – A Requerida vem suscitar a questão da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar da legalidade das liquidações por retenção na fonte sobre dividendos em sede de IRC distribuídos à Requerente respeitantes aos anos de 2018 e 2019, que foram objeto de interposição de pedido de revisão oficiosa pelo Requerente, de acordo com o disposto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT.
O Requerente afirma ainda que o pedido de revisão oficiosa é um meio alternativo ou complementar da reclamação graciosa, tal como se encontra reconhecido pelos tribunais superiores da jurisdição administrativa e fiscal, invocando os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Julho de 2006, proferido no processo n.º 0402/06; de 9 de Novembro de 2022 (Processo n.º 087/22.5BEAVR), de 18 de Novembro de 2015 (Processo n.º 01509/13) e de 3 de Junho de 2015 (Processo n.º 793/14-50), concluindo assim que a Administração Tributária faz uma interpretação errónea dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O Requerente refere ainda que a retenção na fonte assente numa norma de direito interno incompatível com o Direito da União Europeia traduz-se numa ilegalidade qualificável como erro imputável aos serviços da Administração Tributária, e que esta autoridade tem o poder-dever de decidir, no prazo de quatro meses, os pedidos de revisão oficiosa de atos de retenção na fonte assentes em normas de direito interno incompatíveis com o Direito da União Europeia que sejam apresentados no prazo de 4 anos, previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, sendo que a falta de decisão dos pedidos de revisão oficiosa evidencia, para efeitos de tutela dos direitos do contribuinte, a posição silente da Administração Tributária sobre a (i)legalidade da retenção na fonte. Como tal, os erros praticados no ato de retenção são imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT.
Não obstante não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do artigo 132.º do CPPT, o Requerente argumenta que o contribuinte pode pedir a revisão oficiosa de atos de retenção na fonte, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efetuar – i.e. 4 anos – e pode impugnar contenciosamente, em sede de arbitragem tributária, a decisão expressa ou tácita de indeferimento.
Apreciando.
Concluindo-se que os erros praticados no ato de retenção são imputáveis à Administração Tributária para efeitos do disposto no artigo 78º, n.º 1, da LGT, concluir-se-á que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado tempestivamente pelo Requerente.
O RJAT foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), em sede da autorização legislativa prevista no artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril. O n.º 4 do artigo 124.º da referida Lei determinou que o âmbito de autorização legislativa previa o seguinte: “a) A delimitação do objeto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os atos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de atos tributários, os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, os atos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária”.
Em sede da autorização legislativa, o Governo estabeleceu no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT que “a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”. Resulta assim claro que o Governo, ao abrigo da autorização legislativa que lhe foi concedida, legislou no sentido de atribuir aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de atos de retenção na fonte, sem estabelecer qualquer limitação a este respeito.
Na sequência da publicação da Portaria n.º 112-A/2011 foi publicada a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que veio determinar que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.
De acordo com o disposto na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. A menção expressa ao precedente “recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendida como referindo-se aos casos em que o recurso é obrigatório por via da reclamação graciosa que se apresenta como o meio administrativo a que se reportam os artigos 131.º a 133.º do CPPT.
A necessidade da reclamação graciosa justifica-se pela oportunidade que é conferida à Administração Tributária de se pronunciar relativamente a um determinado ato tributário em que a Administração Tributária pode, ou não, dar razão ao contribuinte. Quando tal não ocorra, o contribuinte, para o exercício do seu direito de defesa, pode recorrer aos tribunais.
Note-se que os motivos que fazem jus à necessidade de um recurso judicial, ainda que de caráter excecional, encontram-se igualmente satisfeitos em caso de um pedido de revisão oficiosa. Em sede do pedido de revisão oficiosa, a Administração Tributária é também chamada a pronunciar-se acerca da legalidade do ato que não praticou, mas cujos efeitos lhe são imputados. Pelo que se justifica que se equipare o pedido de revisão oficiosa à reclamação graciosa como condição / pressuposto processual do processo de impugnação (neste sentido, veja-se o Acórdão do CAAD, de 4 de junho de 2024, no processo 992/2023-T).
Acresce que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, em vários acórdãos já se pronunciaram quanto à sua competência material para apreciar atos de liquidação que tenham sido sujeitos a pedido de revisão oficiosa do ato tributário, sendo que é também jurisprudência uniformizada do Tribunal Central Administrativo que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm competência material para apreciar atos de autoliquidação na sequência de pedidos de revisão oficiosa. A este respeito, vejam-se os Acórdãos do TCA Sul de 27-04-2017, processo n.º 8599/15; de 25-06-2019; processo n.º 111/18.6BCLSB; de 11-03-2021, processo n.º 97/16.6BCLS de 12-05-2022.
Ademais, no presente cenário está em causa a violação do direito europeu pelo direito interno, nomeadamente por via do disposto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF, das normas dos artigos 18.º, 49.º e 63.º do TFUE e do art.º 8.º n.º 4 da CRP, violação esta que é um erro de direito que tem de ser imputado aos órgãos do Estado português, nomeadamente à Administração Tributária. Pelo que não há por que não reconhecer que os sujeitos passivos que vejam os seus direitos lesados em sede tributária possam recorrer à utilização do pedido de revisão do ato tributário como meio de defesa dos seus direitos no prazo de 4 anos, em obediência ao disposto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT.
Aliás em sede de retenções na fonte de IRC, os tribunais arbitrais pronunciaram-se nos processos n.ºs 501/2022-T e 200/2023-T no sentido de que o erro nas retenções na fonte consubstancia um erro imputável aos serviços.
Assim, é plenamente tempestivo o pedido de revisão oficiosa submetido pelo Requerente junto da Requerida, devendo o mesmo ser aceite por um “erro imputável aos serviços” materializado na violação do Direito da União Europeia, não se tendo a Requerida pronunciado no prazo legalmente previsto.
No que concerne à suposta incompetência material resultante de a “decisão silente” do pedido de revisão oficiosa não ter apreciado a legalidade dos atos de liquidação, e, se o tivesse, de essa decisão ser necessariamente de intempestividade do pedido de revisão, com a consequente impossibilidade de submissão de uma impugnação judicial e, consequentemente, também pela sucedânea ação arbitral, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 13.01.2021, em sede do processo n.º 0129/18.9BEAVR, firmou jurisprudência no sentido de considerar que não releva saber se a decisão administrativa se pronunciou, ou não, sobre as ilegalidades imputadas à liquidação. Pelo que, o que é relevante é aferir se o pedido do contribuinte tem por objeto a apreciação da legalidade de uma liquidação de imposto. Em caso afirmativo, como ocorre no presente caso, o meio de defesa ao dispor do contribuinte é a impugnação judicial ou a arbitragem tributária, como meio alternativo de resolução do litígio. Consequentemente, não se pode concluir pela incompetência do Tribunal Arbitral ou pela existência de erro na forma de processo ou incompetência do Tribunal Arbitral.
Deste modo, importa concluir que o Tribunal Arbitral é competente em razão da matéria. Assim sendo, improcede a exceção de ilegitimidade invocada pela Requerida.
Quanto às exceções - Inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte referentes aos anos de 2018 e 2019 e da incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral relativamente às RF dos anos de 2018 e 2019 – Invoca, aliás de forma redundante, a Requerida que se verifica a exceção dilatória de inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte, suscitada oficiosamente pelo tribunal arbitral, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo de dois anos, e, por conseguinte, a impugnação judicial não foi precedida de impugnação administrativa necessária, conforme impunha o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT).
Apreciando,
A argumentação acima louva-se numa jurisprudência antiga.
A “equiparação”, para este efeito, de um pedido de revisão oficiosa à apresentação de um pedido de reclamação graciosa, propugnada pela doutrina e pela jurisprudência, é fácil de compreender se pensarmos na razão de ser das reclamações necessárias.
Antes, recordaremos que a regra, hoje, é a da impugnabilidade imediata dos atos administrativos lesivos, ou seja, o caráter facultativo das reclamações e outras formas de recursos administrativos.
A reclamação prevista no art. 132.º do CPPT obedece a uma razão lógica: seria totalmente incongruente a administração tributária surgir, sem mais, como requerida num processo, judicial ou arbitral, visando a anulação de um ato que não praticou (a autoria é do substituto total) mas a que a lei atribui os efeitos de um ato administrativo (apuramento do quantitativo de imposto exigível) tal qual tivesse sido por ela praticado.
A necessidade da reclamação impõe-se como oportunidade de a administração, pela primeira vez se pronunciar. Dando razão ao particular, não haverá necessidade de o processo judicial ter lugar. Se a AT não der razão ao particular (o que deverá fundamentar) teremos então duas partes sufragando entendimentos diferentes, ou seja, um litígio que caberá ao tribunal dirimir.
Ora é bom de ver que as razões que justificam a necessidade – repete-se excecional - de um recurso administrativo prévio à interposição do recurso judicial se encontram totalmente satisfeitas em caso de pedido de revisão oficiosa. Também aqui a administração, antes da intervenção do tribunal, é chamada a pronunciar-se sobre a legalidade de um ato que não praticou mas cujos efeitos lhe são imputados.
Daí a sua equiparação à reclamação necessária enquanto condição (pressuposto processual) do processo de impugnação.
Improcede, pois, esta exceção.
15. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), de acordo com os fundamentos infra.
16. O processo não padece de nulidades podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.
2FUNDAMENTAÇÃO
2.1Factos dados como provados
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Com base nos documentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:
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O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária.
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O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país (cfr. certificado de residência fiscal emitido pelas Autoridades Fiscais alemãs, que se junta como documento n.º 1). Com efeito, o Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.
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Nos anos de 2018, 2019 e 2021 o Requerente era detentor de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal:
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Ora, nos referidos anos, o Requerente, na qualidade de acionista destas sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos.
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Os dividendos recebidos no decorrer dos anos de anos de 2018, 2019 e 2021, foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC (“CIRC”). Assim, nos anos em causa, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, no montante total a seguir discriminado:
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O quadro referido no ponto acima permite discriminar, relativamente aos anos em questão, (i) os montantes brutos dos dividendos recebidos, (ii) a data de pagamento dos referidos rendimentos, (iii) o número das guias de pagamento através das quais o imposto retido na fonte foi entregue junto dos cofres da AT em Portugal e (iv) o imposto suportado por retenção na fonte, que constitui objeto da presente impugnação.
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Conforme resulta do quadro mencionado no ponto acima, o Requerente suportou, em Portugal, nos anos de 2018, 2019 e 2021, a quantia total de imposto de EUR 71 982,01, a qual constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.
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Para prova do alegado nos pontos imediatamente anteriores, o Requerente vem juntar:
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Cópia do documento emitido pelo B..., correspondente a tabela discriminativa do número de ações (identificando o respetivo ISIN), valor dos dividendos, datas de pagamento e valores de imposto suportado em Portugal, e que comprova ainda que o Requerente é o beneficiário dos rendimentos (cfr. documento n.º 2);
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Cópia das declarações (vouchers) emitidas pelo B... e pelo agente pagador em Portugal no período relevante (C...), atestando a data de distribuição dos dividendos, montante bruto dos dividendos distribuídos ao Requerente e imposto retido na fonte em Portugal (conforme declarado na respetiva Modelo 30), bem como o número das guias através das quais foi entregue o imposto retido junto dos cofres da Autoridade Tributária (cfr. documento n.º 3).
2.2Factos não provados
18. Com relevo para a decisão do caso em juízo, não existem factos dados como não provados.
2.3Motivação
19. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
20. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
2.4Questão decidenda
21. A questão decidenda diante deste Tribunal Arbitral diz respeito ao tema, recorrente na jurisprudência arbitral do CAAD, da compatibilidade do direito interno com o Direito da União Europeia, nomeadamente no tocante à livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE e à incompatibilidade com o mesmo do regime de tributação previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF, que estabelece um regime de tributação distinto consoante o beneficiário dos dividendos distribuídos por uma entidade residente em Portugal seja um OIC constituído e a operar de acordo com a legislação nacional ou um OIC constituído e residente noutro Estado-Membro e a operar de acordo com a correspondente legislação no outro Estado-Membro.
22. No caso dos OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, os dividendos que lhes sejam distribuídos por entidades residentes em Portugal não são sujeitos a retenção na fonte em sede de IRC. Por sua vez, os dividendos distribuídos a OIC constituídos, residentes e a operar em outro Estado-Membro aquando do respetivo pagamento, estão sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, em sede de IRC, de acordo com o disposto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.ºs 5 e 7 e 87.º, n.º 4, todos do CIRC.
23. Não obstante, a taxa de imposto doméstica em sede de IRC poder ser reduzida por via da aplicação do Acordo para Evitar a Dupla Tributação celebrado entre Portugal e o Estado-Membro do qual é residente o OIC beneficiário dos rendimentos, in casu, a Alemanha.
24. A questão de direito objeto do presente dissídio foi recentemente objeto de pronúncia pelo TJUE, no acórdão AllianzGI-Fonds AEVN de 17 de março de 2022, proferido em sede do processo de reenvio prejudicial C-545/19, numa situação que em termos fácticos apresentava características similares às dos presentes autos, e que opunha a AllianzGi-Fonds AEVN à Autoridade Tributária e Aduaneira. Esta questão foi suscitada pelo Tribunal Arbitral constituído no CAAD no processo n.º 93/2019-T em que estava em causa o mesmo enquadramento legal.
25. Considerando que a questão de direito em análise nos presentes autos é similar à suscitada em sede do referido acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, entende este Tribunal que a conclusão interpretativa do Tribunal de Justiça deve nesta sede ser aplicada, concluindo-se que o artigo 63.º do TFUE se opõe a uma legislação de um Estado-Membro, neste caso de Portugal, por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
26. Efetivamente, tal como em sede do acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, a Requerente é uma sociedade de gestora de:
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um OIC constituído ao abrigo da legislação de um outro Estado-Membro, neste caso a Alemanha, com observância do disposto na Diretiva 2009/65/CE;
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não é residente nem dispõe de estabelecimento estável em território nacional;
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auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais residentes para efeitos fiscais em Portugal, tendo sido sujeito a retenção na fonte, a título definitivo, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n. 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, e 87.º, n.º 4, do CIRC, não tendo beneficiado do regime previsto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF;
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não obteve um crédito de imposto relativo ao imposto que foi suportado em Portugal, na medida em que se encontra isento de imposto sobre as sociedades no seu Estado de residência;
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contestou a legalidade da referida retenção na fonte perante a Administração Tributária, sustentando que o regime consagrado no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, se traduz numa discriminação e restrição injustificada da livre circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do TFUE, na medida em que não seja aplicável a OIC não residentes em Portugal, ainda que constituídos e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE;
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tal como no processo subjacente ao referido reenvio prejudicial em referência, a Administração Tributária fundamentou o ato tributário em crise nos presentes autos sustentando que o Requerente apenas não pode beneficiar do regime de tributação de dividendos previsto nos artigos 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, na medida em que é um OIC não residente em Portugal.
27. Nesta sede, o TJUE considerou que a situação em questão está contemplada no âmbito do artigo 63.º, n.º 1 do TFUE que consagra a livre circulação de capitais que determina que são proibidas “todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estado-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, resultando de jurisprudência constante que as medidas proibidas “incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln-Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).” – v. pontos 33 e 36 do acórdão no processo C-545/19.
28. Acresce que atendendo a que a jurisprudência do TJUE, no que concerne à interpretação do Direito da União, tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, como resulta do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4 da CRP, impõe-se considerar a decisão do acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, nos termos do qual, e passamos a citar:
“37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).
40. Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
41. Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].
42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].”.
29. É, pois, nos termos expostos, indiscutível que a legislação fiscal portuguesa trata de modo desfavorável os OIC não residentes face aos OIC residentes, em relação à tributação sobre o rendimento, sob a forma de retenção na fonte, dos dividendos recebidos de sociedades estabelecidas em Portugal [v. o artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF conjugado com os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.ºs 5 e 7 e 87.º, n.º 4 do Código do IRC].
30. Esta discriminação, nos termos enunciados pelo Tribunal de Justiça, não está em conformidade com direito da União Europeia, sendo que esta regra apenas é excecionada se se tratar de situações que não são objetivamente comparáveis; ou caso seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.
31. No que concerne a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou em que haja uma razão imperiosa de interesse geral, segue-se o acórdão, nos termos do qual, como se cita:
“44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes – a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.
45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°‑A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).
46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.
47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.
48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu‑se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.
49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).
50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).
51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.
52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).
53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402).
55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.
56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.
57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.
58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.
59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).
60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).
61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.
62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.
63 Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 79).
64 Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado‑Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida).
65 Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes.
66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).
67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).
68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 60).
69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).
70 É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 62).
71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.
72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).
73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.
74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.
32. Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral, prossegue o aresto do Tribunal do Luxemburgo que vimos citando;
“75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].
76 No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.
77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.
78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).
79 Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).
80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.
81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.
82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).
83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).
84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.
85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”.
33. Resulta, em suma, da apreciação do Tribunal de Justiça que o tratamento diferenciado da legislação portuguesa não pode ser aceite por se constatar a comparabilidade dos OIC residentes e não residentes (constituídos num Estado-Membro da União Europeia), não ocorrendo, por outro lado, uma razão imperiosa de interesse geral que o justifique.
34. Neste âmbito, sublinha-se, em linha com a decisão arbitral no processo n.º 992/2023-T, de 4 de junho, que “Resulta também irrelevante a questão da possibilidade de, no estado da residência (do fundo ou dos seus investidores), ser recuperado o imposto pago em Portugal pois que a questão, pelo menos na perspetiva do TJUE é outra, a da legitimidade da tributação ocorrida em Portugal, porque considerada discriminatória.”
35. Considerando o exposto, e atendendo à interpretação do Tribunal de Justiça no acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, que se reporta a uma situação idêntica à dos presentes autos, objeto do mesmo quadro legislativo, tem de se concluir pela desconformidade ao artigo 63.º do TFUE do regime de tributação por retenção na fonte que foi aplicado aos dividendos auferidos pelo Requerente, na qualidade de OIC não residente, consagrado no Código do IRC nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b) e n.º 5, e 87.º, n.º 4, sendo que os OIC residentes não estão sujeitos a essa retenção ao abrigo do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF.
36. Na sequência da mencionada decisão, importa ter presente o Acórdão n.º 7/2024, de 26.02, em cujo sumário se refere que o Acórdão do STA de 28 de setembro de 2023, no Processo n.º 93/19.7BALSB - Pleno da 2.ª Secção Uniformiza a Jurisprudência nos seguintes termos:
«1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;
2 - O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;
3 - A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.»
37. Acolhendo expressamente, pois, a orientação adoptada pelo TJUE na sua decisão do caso AllianzGI-Fonds AEVN, de 17 de março de 2022 (Processo n.º C-545/19), o STA remove, deste modo, as últimas dúvidas que pudessem subsistir quanto à consagração jurisprudencial da referida orientação. E isso não pode, evidentemente, deixar de repercutir-se no mérito da presente causa, e na decisão a que este Tribunal chega.
38. A necessidade de o Direito Europeu ser aplicado de modo uniforme em todo o território da União não se compadece com a aplicação discrepante das suas normas pelos diferentes Estados-Membros, assim se compreendendo a importância do instituto do reenvio prejudicial na jurisdição europeia e do princípio da primazia de aplicação que confere ao juiz nacional o poder/dever de recusar a aplicação do direito nacional contrário ao direito da União Europeia, cujas normas, originárias ou derivadas, vigoram diretamente na ordem jurídica interna portuguesa (cf.artº.8, n.º.4, da CRP).
39. Termos em que se dá como procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação, por erro de direito, das liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas, com a consequente restituição do imposto pago, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do CPA subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c) da LGT.
2.5. Juros indemizatórios
40. O direito dos contribuintes ao reembolso e aos juros na sequência da cobrança de impostos em violação de normas da União Europeia decorre deste mesmo direito. Nesse sentido tem decidido o TJUE[3], que sublinha, precisamente, que “o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União”[4]. Não há, pois, que ir perscrutar nas disposições de direito interno se esse direito existe ou não. A resposta a essa questão é uma resposta de direito da União Europeia.
41. No entender do TJUE, “quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto”[5].
42. E mais afirma o TJUE, quando sublinha a relevância dos princípios da equivalência e efetividade nesta matéria, que cumpre ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro respeitar quando da previsão das condições em que tais juros devem ser pagos. Estes devem abster-se de impor condições menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno e de as organizar de modo a, na prática, impossibilitem ou dificultem excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União.
43. Daqui resulta uma obrigação interpretativa e metódica europeia na abordagem do regime do regime substantivo do direito a juros indemnizatórios do artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, que estes juros são devidos em caso de decisão judicial que julgue a ilegalidade da norma em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
44. Nos termos do decido pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo que uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa[6], “em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do ato tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efetivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs. 1 e 3, da LGT.”
45. Tratando-se de jurisprudência uniformizada, ela deve ser acatada, pelo que é de concluir que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data em que se verificou o indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa, o nos termos do nº 1 do artigo 57º da LGT, devendo ser contados, até ao integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
3DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
-
Julgar totalmente improcedentes as exceções invocadas;
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado;
-
Anular os atos tributários de retenção na fonte, de IRC, foram efetuados a título definitivo, sobre os dividendos auferidos de fonte portuguesa, nos anos de 2018, 2019 e 2021, a quantia total de imposto de € 71 982,01, conforme pedido;
-
Anular a decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa apresentado contra aqueles atos tributários;
-
Condenar a Requerida no reembolso dos valores das retenções indevidas com juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, desde data em que se operou o indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa;
-
Condenar a Requerida no pagamento das custas deste processo atento o seu decaimento.
4VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 71.982,01, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT.
5CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de dezembro de 2024
Os Árbitros
Guilherme W. d'Oliveira Martins
(Presidente)
Gustavo Gramaxo Rozeira
(Vogal)
(vencido nos termos da declaração junta)
José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora
(Vogal)
Declaração de voto
1. Voto vencido quanto à decisão das exceções de incompetência e de inimpugnabilidade contenciosa dos atos de primeiro grau proferidos em 2018 e 2019, em causa na presente arbitragem.
Com efeito, o contencioso tributário, à semelhança de resto do que sucede no contencioso de atos administrativos, não é um processo de tutela da legalidade objetiva, mas antes um processo dirigido à tutela de posições jurídicas subjetivas: não basta, assim, a verificação de uma qualquer ilegalidade para determinar a anulação de um ato tributário. No caso em espécie, cuida-se da impugnação de atos de liquidação mediante retenção na fonte a título definitivo proferidos por entidade bancária. Trata-se de atos tributários que não são proferidos pelos serviços da administração fiscal e que, como revelam as regras da experiência, são habitualmente praticados sem que a AT tenha conhecimento do seu teor exato ou sequer da sua fundamentação (é-lhe remetida apenas uma guia de pagamento e um formulário fiscal), inviabilizando de todo que esta possa, nessa fase de primeiro grau de decisão, escrutinar a legalidade ou validade de tais atos de substituição tributária ou, mesmo, agir sponte sua contra eventuais irregularidades cometidas pelo substituto tributário.
Ciente dessa realidade o legislador gizou um mecanismo procedimental — a reclamação graciosa em termos, aliás, bastante generosos (o prazo de interposição é de 2 anos) — que permite ao sujeito passivo suscitar a intervenção da administração fiscal para que esta possa reparar eventuais ilegalidades de que o ato tributário primário padeça e que, repita-se, não foram por cometidas pela AT, mas sim por terceiros agindo no seu interesse e por sua conta.
É absolutamente consensual que a reclamação administrativa prevista para os atos de substituição tributária tem natureza necessária e que a falta da sua interposição tempestiva torna o ato de primeiro grau contenciosamente inimpugnável. A impugnação judicial deduzida, sem precedência de uma reclamação graciosa, contra um ato de liquidação praticado por um substituto tributário está inevitavelmente votada ao insucesso.
A questão, pois, é a de saber se essa inimpugnabilidade pode, por um mero bizantino formalismo ritual, ser sanada se, depois de decorrido o prazo perentório de 2 anos, o contribuinte em vez de deduzir uma reclamação graciosa vier apresentar pedido de instauração oficiosa de um procedimento de revisão. Aceitar essa possibilidade significaria fazer tábua rasa do requisito de prévia reclamação graciosa necessária legislativamente erigido como critério de impugnabilidade contenciosa, tornando-o num requisito legal completamente excrescente, inútil e ineficaz, já que o efeito claramente visado e desejado pelo legislador (: estabelecer a inimpugnabilidade contenciosa de atos tributários proferidos por particulares que não sejam objeto de reclamação administrativa no prazo de 2 anos) seria completamente frustrado se o contribuinte, numa soi-disant ‘burla de etiquetas’, alterasse a denominação por si atribuída ao procedimento administrativo cujo desencadeamento se apresentava a suscitar. Ora, não é razoável, nem compreensível, que a efetividade de requisitos de impugnabilidade contenciosa de atos tributários — que são, note-se bem, erigidos em ordem à prossecução de finalidades de ordem pública ligadas aos interesses da segurança e da certeza jurídicas — ficassem inteiramente na disponibilidade da vontade dos demandantes e subordinados aos caprichos do critério que estes seguissem na denominação dos requerimentos procedimentais por si apresentados.
Conforme é entendimento dominante na jurisprudência e na doutrina, o pedido de revisão oficiosa deduzido dentro do prazo para a interposição de reclamação graciosa pode fazer as vezes desta e produzir os mesmos efeitos que teriam resultado da interposição deste meio procedimental. Não está em causa essa equiparação de efeitos entre um e outro meio procedimental.
Diferentemente, o que já não se afigura possível será reconhecer-se à dedução de pedido de revisão oficiosa a aptidão de suprir a omissão de tempestiva interposição da reclamação graciosa que o legislador qualificou de necessária e erigiu em requisito de impugnabilidade contenciosa: admiti-lo implicaria que a reclamação graciosa, afinal de contas, não seria nunca nem necessária nem condição de procedibilidade do subsequente processo jurisdicional. A natureza reconhecidamente complementar do procedimento de revisão oficiosa face aos demais meios de impugnação administrativa não pode ter um alcance tão vasto e tão extenso a ponto de derrogar in totum qualquer efeito útil ou eficácia ao regime procedimental (e às suas projeções processuais) que resulta do art. 132.º, n.º 4, do CPPT.
Só não será assim — e a reclamação graciosa não terá então natureza necessária e, portanto, o pedido de revisão poderá livremente ser deduzido no seu prazo normal de 4 anos — se estiver exclusivamente em causa matéria de direito e o ato de liquidação por retenção na fonte tiver sido efetuado de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária (arts. 131.º, n.º 3, e 132.º, n.º 6, do CPPT). Salvo melhor opinião, o ónus da prova da existência de tais orientações genéricas recai sobre o impugnante e não me parece que, nesta arbitragem, tenha sido satisfeito.
O que acima fica dito vale, mutatis mutandis, para a questão da competência do CAAD para conhecer da impugnação de atos de liquidação mediante retenção na fonte a título definitivo. Nos termos do art. 2.º, al. a), da Portaria n.º 112-A/2011, a AT excetuou da sua vinculação à jurisdição arbitral do CAAD a impugnação de atos tributários que não tenha sido precedida do recurso às vias administrativas previstas nos arts. 131.º a 133.º do CPPT. Pese embora seja de se reconhecer, para efeitos do preenchimento deste requisito, uma equiparação entre as reclamações graciosas e os pedidos de instauração oficiosa de procedimento de revisão (quando apresentados dentro do prazo de 2 anos referido naqueles preceitos do CPPT) não creio que a dedução de pedido de desencadeamento de revisão oficiosa depois de ultrapassado o prazo de 2 anos em referência possa, neste contexto e para estes efeitos, fazer as vezes da reclamação graciosa. Assim, a meu ver, no caso desta arbitragem está preenchido o requisito negativo da declaração de adesão da AT à jurisdição arbitral voluntária do CAAD, obstando assim a que esta entidade jurisdicional possa conhecer do objeto da causa. Dito de outra forma: a exigência de reclamação graciosa prévia aposta no cit. art. 2.º, al. a), da Portaria de Vinculação refere-se apenas a este específico meio procedimental (ou, se apresentado no prazo da reclamação graciosa, ao pedido de instauração de revisão oficiosa).
Não ignoro a jurisprudência dos tribunais superiores em que se admite a impugnação de atos tributários na sequência de pedidos de revisão oficiosa apresentados para além do mencionado prazo de dois anos. Porém, tais arestos assentam a sua ratio decidendi em situações fácticas distintas daquela que se verifica na presente arbitragem, na medida em que dizem respeito a processos em que as instâncias concluíram que a omitida reclamação graciosa não tinha natureza necessária por estar em causa a aplicação exclusiva de matéria de direito de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária. No caso da presente arbitragem não ficou demonstrada — nem sequer foi alegada — a existência de tais orientações genéricas, em termos que permitissem convolar a reclamação graciosa de necessária em facultativa.
Teria, portanto, julgado ambas as exceções procedentes e, em consequência, absolvido a requerida da instância arbitral quanto à pretensão de invalidação dos atos de liquidação mediante retenção na fonte a título definitivo proferidos em 2018 e 2019, uma vez que o pedido de instauração oficiosa do procedimento de revisão foi apresentado pela requerente mais de dois anos após a prolação desses atos tributários.
2. Uma derradeira referência para salientar que, contrariamente ao entendimento que segui no julgamento da matéria de facto do Proc.º 619-2023-T, e que está vertido na declaração de voto que apresentei nesses autos, em minha opinião nesta arbitragem ficou demonstrado que os valores mobiliários melhor identificados no probatório estão depositados em contas de títulos sedeadas em instituições bancárias e tituladas diretamente pela própria entidade requerente, pelo que não se suscita qualquer dúvida de que tais valores mobiliários pertencem efetivamente ao fundo requerente.
CAAD, 23/12/2024
O Árbitro,
Gustavo Gramaxo Rozeira
[1] A informação que o Requerente protestou juntar no referido pedido de revisão foi junta por requerimento apresentado posteriormente.
[2] Refira-se que as sucessões de NIFs são frequentes nestes casos, sendo certo que estamos perante a mesma entidade na Alemanha, não havendo dois sujeitos passivos não residentes em Portugal distintos.
[3] C-565/11, Mariana Irimie, 18.04.2013, e jurisprudência aí citada.
[4] C-565/11, Mariana Irimie, 18.04.2013. § 22.
[5] C-565/11, Mariana Irimie, 18.04.2013. § 20,
[6] Acórdão do STA, Processo n.º 93/21.7BALSB, de 29.06.2022.