SUMÁRIO:
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A Contribuição de Serviço Rodoviário constitui um tributo que deve ser qualificado como imposto, pelo que, sob essa qualificação os tribunais arbitrais têm competência para apreciar os correspondentes atos de liquidação.
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A Requerente é parte ilegítima para questionar os atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pelos seus fornecedores de combustíveis. Apenas a entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR tem legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações com fundamento em erro e consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 16.º do Código dos IEC.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof. Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Dr. Amândio Silva e Dra. Magda Feliciano (Adjuntos) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 05-03-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., LDA (adiante abreviadamente designada por “Requerente”), com sede na ..., ...-... – ..., titular do número de identificação de pessoa coletiva..., na sequência da omissão de decisão do pedido de revisão oficiosa das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) dos períodos de tributação coincidentes com os anos civis de Julho de 2019 a Dezembro de 2022, apresentado no dia 28 de Julho de 2023 nos termos e para efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), no artigo 5.º, n.º 3, no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, conjugado com o disposto no artigo 99.º, alínea a) e artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) – aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do aludido RJAT -, apresentou pedido de pronúncia arbitral, sendo entidade impugnada indicada pela Requerente o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, sito em Avenida Infante D. Henrique n.º 1, 1149-009 Lisboa
1.1. Entidade Requerida
A Requerente indica na Pedido de Pronúncia Arbitral como entidade demandada o Ministério das Finanças.
Na ausência de norma especifica sobre a legitimidade em processo arbitral, deve entender-se, como decorrência da natureza consensual da jurisdição arbitral, que a legitimidade para a arbitragem obedece aos mesmos critérios de legitimidade fixados para a jurisdição estadual.
Assim, o CPTA no artigo 10.º flexibilizou os critérios de atribuição de personalidade judiciária, possibilitando ao autor demandar quer a pessoa coletiva de direito público, quer, no caso do Estado, o Ministério, quer ainda o órgão administrativo a quem é imputável a ação ou omissão em litígio, conforme resulta do artigo 10.º, n.º 4, ao estabelecer que no caso de erro na identificação do autor do ato se considera a ação proposta contra a pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, contra o Ministério a que o órgão pertence. Norma que pretendeu simplificar a identificação do autor do ato e valorizar o conhecimento de mérito em detrimento de questões meramente formais.
No Processo Administrativo, a regra geral é que cada ação deve ser proposta contra a outra parte da relação material controvertida, conforme configurada pelo Autor, como estabelece o artigo 10.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Nesta matéria, acompanhamos o decidido no Acórdão do TCAS de 06-12-2017, proferido no Processo 247/163.8BECTB.
Nos termos do artigo 4.º, f), do Decreto-Lei n.º 123/2011, de 29 de Dezembro, a Autoridade Tributária e Aduaneira é um serviço do Ministério das Finanças.
Assim, a legitimidade passiva para a presente ação pertence à Autoridade Tributária e Aduaneira não ao Ministério das Finanças.
De acordo com o disposto no artigo 187.º, n.º 1 e 2 do CPTA, a vinculação de cada Ministério à jurisdição deste CAAD depende da Portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça e daquele competente em razão da matéria, para estabelecer o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
Artigo 187.º, n.º 2 do CPTA:
“2 - A vinculação de cada ministério à jurisdição de centros de arbitragem depende de portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça e do membro do Governo competente em razão da matéria, que estabelece o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos, conferindo aos interessados o poder de se dirigirem a esses centros para a resolução de tais litígios.”
No contencioso administrativo, a ilegitimidade passiva constitui um fundamento que “obsta ao prosseguimento do processo”, dando lugar à aplicação do regime dos artigos 87.º, 88.º e 89.º do CPTA.
A Requerente indicou como entidade impugnada o Ministério das Finanças.
A Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos do Decreto-Lei n.º 117/2011, de 15-12-2011, artigo 4.º, f) é um serviço central que integra a administração direta do Ministério das Finanças.
Após a receção e aceitação do PPA, o CAAD em 23-02-2024 enviou um e-mail dirigido à AT, Serviços Aduaneiros a informar da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e o n.º do Processo atribuído.
Consta ainda do SGP com registo no dia 28-02-2024, que “Nesta data a AT (Serviços Aduaneiros) foi notificada da apresentação do pedido. A notificação foi confirmada por Fátima Soares às 16:41”.
Ao ser citada a AT, órgão que praticou os atos impugnados apresentou, antes da constituição do Tribunal Arbitral, um requerimento relativo à identificação do pedido arbitral pelo que a exceção da falta de legitimidade passiva ficou sanada oficiosamente, operando o indicado nos artigos 10.º, n.ºs 4 e 5 º e 78.º, n.º 2, al. b) e 3 do CPTA - cfr. os artigos 11.º, n.º 5, 81.º, n.º 1 e 82.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA.
O Tribunal arbitral, em 02-05-2024, notificou a AT para apresentar a Resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT.
Por requerimento de 27-05-2024, a AT apresentou a Resposta e juntou o PA.
Por despacho de 28-05-2024 o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT em que se determinou: “Faculta-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, contados da notificação do presente despacho podendo a Requerente pronunciar-se sobre as exceções invocadas pela Requerida na Resposta.”
Em 29-05-2024 a AT apresentou alegações nos seguintes termos:
“A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), entidade Requerida nos autos identificados supra, uma vez notificada para alegar, querendo, vem dizer o seguinte:
1. Não se constatam quaisquer elementos passíveis de alterar o entendimento da Requerida já expendido em sede de Resposta.
2. Pelo que, sob pena de a Requerida incorrer, nesta sede, numa mera repetição inútil, não havendo nada de novo, com relevância, nos autos sobre que a AT se possa pronunciar, remete-se e dá-se por integralmente reproduzido o aduzido em sede de Resposta e aí peticionado.
Nestes termos, e nos mais de direito, e com o mui douto suprimento de V. Exas. deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências.”
A Requerente não apresentou alegações e não respondeu às exceções alegadas pela AT na Resposta.
Em 31-10-2024, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente do seguinte despacho:
“Considerando que a Requerente identifica como entidade impugnada o Ministério das Finanças sito em Avenida Infante D. Henrique n.º 1, 1149-009 Lisboa, ao abrigo no disposto nos artigos 19.º (autonomia do tribunal arbitral na condução do processo) e 18, n.º 1 c) do RJAT convida-se a Requerente para no prazo de 5 dias a esclarecer quem é a entidade demandada neste processo.
Após a apresentação do requerimento com esse esclarecimento, ou na ausência dele, concede-se à AT o prazo de 5 dias para se pronunciar.”
A 12-11-2024, a Requerente apresentou um requerimento com o seguinte teor:
“A..., com sede na ..., ...–..., titular do número de identificação de pessoa coletiva...,
notificada do douto despacho datado de 30 de Outubro de 2024, vem, muito respeitosamente, dizer o seguinte:
1.
Como resulta dos autos, a Requerente indicou no Requerimento inicial que a entidade Impugnada é o Ministério das Finanças.
2.
Ora, como resulta do Requerimento inicial, no presente processo está em causa, quer o o ato silente de decisão do pedido de revisão oficiosa que antecede (apresentado junto do órgão competente da Autoridade Tributária e Aduaneira), quer os actos de liquidação de Contribuição de Serviço Rodoviário aí melhor identificados.
3.
Estão, pois, em causa actos cuja competência material (quer de decisão do pedido de revisão oficiosa, quer da gestão do imposto) é atribuída à Autoridade Tributária e Aduaneira, criada pelo Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro.
4.
Nos termos do disposto no artigo 1.º, n.º 1 do referido Decreto-Lei A Autoridade Tributária e Aduaneira, abreviadamente designada por AT, é um serviço da administração directa do Estado dotado de autonomia administrativa.
5.
Dispõe o artigo 10.º n.º 2 do CPTA (aplicável subsidiariamente) que Nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público, salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões Autónomas que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios ou secretarias regionais, em que parte demandada é o ministério ou ministérios, ou a secretaria ou secretarias regionais, a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
6.
Assim, sendo todos os atos, silentes e comissivos, relativos à Autoridade Tributária e Aduaneira, identificou-se o Ministério das Finanças como entidade demandada.”
Em 11-12-2024 o Tribunal Arbitral proferiu um despacho com o seguinte conteúdo:
“Nos autos de processo arbitral suprarreferido em que é Requerente A..., Lda e o Requerido o Ministério das Finanças, o Tribunal Arbitral verifica o seguinte:
1. A Requerente indicou como Requerido o Ministério das Finanças, que não se vinculou expressamente à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).
2. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), órgão autónomo dentro do Ministério das Finanças, é a entidade habitualmente vinculada para resolver litígios tributários no âmbito do CAAD, conforme o artigo 1.º, n.º 1 e 2 da portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
3. A arbitragem é um meio alternativo de resolução de conflitos de natureza voluntária, necessitando, portanto, do consentimento expresso de todas as partes envolvidas.
4. Foi solicitado ao Demandante que viesse aos autos esclarecer quem é a entidade Requerida neste processo.
5. Por requerimento de 12-11-2024 o Requerente confirmou a sua intenção de manter o Ministério das Finanças como entidade impugnada.
6. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentou um requerimento antes da constituição do Tribunal Arbitrale e posteriormente apresentou resposta no Processo.
7. Decide este Tribunal Arbitral que a participação da AT no processo é indicativo da sua aceitação tácita da jurisdição do CAAD e sua disponibilidade para participar no litígio.
8. Assim, e pelo exposto e com base nos seguintes fundamentos jurídicos:
Princípio do Consentimento Implícito estabelecido no artigo 4º da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011);
Princípio da Identidade da Parte e Artigo 30º do Código de Processo Civil Português,
o Tribunal Arbitral decide:
Considerar sanada a questão da competência deste Tribunal Arbitral, uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), entidade competente e vinculada à arbitragem no CAAD, apresentou resposta e reconheceu a jurisdição deste Tribunal.”
Pelo exposto decide-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira é a entidade Requerida.
1.2. Do âmbito do pedido
A Requerente formula o seu pedido nos seguintes termos:
“Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se a admissão do presente pedido arbitral, devendo o mesmo ser julgado procedente, por provado e fundado, e, consequentemente, declarados ilegais e anulados, quer o acto silente de decisão da revisão oficiosa, quer e os atos de liquidação de CSR efetuadas entre Julho de 2019 e Dezembro de 2022, determinando-se, em consequência disso o reembolso do valor total de CSR indevidamente suportado por repercussão legal, no valor global de Euro 614.810,43, acrescido de juros indemnizatórios, devidos nos termos legais.”
Da análise do pedido formulado pela Requerente, impõe-se a devida clarificação, considerando que esta pede o reembolso da CSR, acrescido de juros indemnizatórios, e não a invalidade dos atos de repercussão. A Requerente solicita a anulação das liquidações de CSR que se encontram refletidas nas faturas apresentadas.
Estando o Tribunal limitado na sua decisão, ao pedido apresentado pelo Autor/Requerente, na petição inicial, estabelecendo o artigo 609.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1 RJAT: “1 – A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.”.
Impõe-se proceder à interpretação do pedido em conjugação com a “parte narrativa da petição inicial”, no sentido de delimitar a relação jurídica controvertida.
O nosso sistema judicial tem por base o princípio do pedido; porém, alguma jurisprudência e doutrina admitem que este princípio basilar do direito adjetivo possa ceder perante o chamado “pedido implícito”.
De salientar a análise feita no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 05-09-2024, proferido no Processo n.º 6845/20.8T8ALM.L1-6, que determinou a revogação da decisão que considerou o pedido implícito: “Cumpre, pois, apreciar se estamos perante o que a jurisprudência tem vindo a apelidar de ‘pedido implícito’ e aquilatar da sua admissibilidade. Nos termos do artigo 552.º, n.º 1, alínea e) do CPC, na petição inicial, o autor deve formular o pedido, que irá conformar o objecto do processo e condicionar a decisão de mérito, pelo que o tribunal, sob pena de nulidade, não pode condenar em quantidade superior ou objecto diverso (artigos 615.º, n.º 1, alínea e) e 609.º, ambos do CPC) e deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se de outras (artigos 615.º, n.º 1, alínea d) e 608.º do CPC).
Defendia o Professor Antunes Varela (In ‘Manual de Processo Civil’, Coimbra Editora, 2ª edição, revista e actualizada, 1985, pág. 245, nota 1.) que “o pedido deve ser formulado na conclusão da petição, não bastando que apareça acidentalmente referido na parte narrativa dela. O autor deve, no final do seu arrazoado, dizer com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a ação’. Mais recentemente – e atendendo à lógica inerente à estrutura do novo Código de Processo Civil, nomeadamente, de preferência do ‘conteúdo’ em detrimento de razões puramente formais -, tem-se observado uma inversão deste entendimento, com autores como o Professor Lebre de Freitas (In ‘Código de Processo Civil Anotado. Volume II’. Coimbra: Almedina, 3ª edição, julho de 2017, pág. 490) a admitirem que “…o pedido seja expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez, com o sentido da declaração para o declaratário normal, a intenção de obter o efeito jurídico pretendido, máxime quando o réu o haja entendido correctamente…’. Os Tribunais superiores têm, bem assim, seguido esta linha de raciocínio, ‘(e)m primeiro lugar, porque a petição configura uma declaração de vontade tendente a obter um determinado efeito jurídico, devendo ser interpretada segundo o critério estabelecido nos arts. 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1 do CC (cf., por ex., Ac. Do STJ de 21.4.05, em www.dgsi.pt). Depois porque se não releva a ineptidão por falta ou ininteligibilidade do pedido no caso de o réu haver interpretado convenientemente a petição inicial (art.º 193.º, n.º 3 do CPC), por maioria de razão, ou por aplicação analógica, deve admitir-se um pedido feito no corpo do articulado, máxime se foi correctamente interpretado pelo demandado’ (Cfr. Acórdão do TRC, de 10.09.2013, proc. N.º 6/07, disponível em www.dgsi.pt).
(…) O pedido constitui o elemento identificador das acções, é este o círculo dentro do qual o tribunal se tem de mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir. Nas lições de Anselmo de Castro (in ‘Direito Processual Civil Declaratório’, pág. 201 e ss.) por pedido, porém, tanto se pode entender as providências concedidas pelo juiz, através das quais é actuada determinada forma de tutela jurídica (condenação, declaração, etc.) ou seja, a providência que se pretende obter com a acção; como os meios através dos quais se obtém a satisfação do interesse à tutela, ou seja, a consequência jurídica material que se pede ao tribunal para ser reconhecido. O primeiro é o objecto imediato; o segundo é o objecto mediato, sendo que para determinar o petitum concorrem ambos os aspectos.
(…) o pedido está ligado ao princípio do dispositivo, sendo este um dos princípios nucleares do processo civil e significa que as partes dispõem do processo e da relação jurídica nele controvertida. Como bem aludia Manuel de Andrade (in ‘Noções Elementares de Processo Civil’, págs. 373 a 374), na visão conservadora e liberal o processo ‘é uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas’, em que o juiz arbitra a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado – daí a inércia, inactividade ou passividade do juiz, em contraste com a actividade das partes e, outrossim, que a sentença procure e declare a verdade formal (intra processual) e não a verdade material (extra processual)”.
De mencionar ainda o decidido no Acórdão do STJ de 22-09-2022, proferido no Processo n.º 605/17.0T8PVZ.P1.S, que afirma no sumário:
“I. Como decorrência do princípio do dispositivo, continua a vingar na nossa lei adjectiva o princípio do pedido, de acordo com o qual o tribunal não pode resolver qualquer conflito de interesses que a acção pressupõe sem que essa resolução lhe seja pedida (art. 3.º, n.º 1 do CPC).
II. Se é certo que os juízes não devem ser extremamente formalistas na interpretação e aplicação dos princípios em que assenta o processo civil, sob pena de se perder a efectividade da justiça cível, também não devem, sem assento no alegado e peticionado pelo Autor, simplesmente, pôr de lado aquela espécie de mandamento que recai sobre os juízes: «Não dês mais do que aquilo que te é pedido».
III. Quando perante o alegado na petição inicial há dúvidas quanto aos concretos e efectivos pedidos pretendidos pelo Autor ou ao real conteúdo da pretensão, e, recorrendo às regras interpretativas da declaração judicial, se extrai implícita uma outra pretensão petitória não expressamente ali formulada, pode o tribunal levá-la em conta, extraindo os efeitos jurídicos correspondentes, sem dessa forma violar o princípio do pedido.
IV. Porém, como o princípio do pedido se encontra a par do princípio do contraditório, tem este último que ser sempre respeitado, pois uma sentença desrespeitadora do princípio do pedido, traduzir-se-ia numa decisão-surpresa.
V. Pedido implícito é aquele que, com base na natureza das coisas, está presente na acção, apesar de não ter sido formulado expressis verbis, ou seja, o pedido apresentado na petição pressupõe outro pedido que, por qualquer razão, o autor não exprimiu de forma nítida ou óbvia.”.
E, na análise do mérito do recurso o Tribunal menciona:
(…) Como o princípio do pedido está ligado ao princípio do dispositivo – princípio este que constitui um dos princípios nucleares do processo civil e significa que as partes dispõem do processo e da relação jurídica nele controvertidas -, algumas considerações se justificarão sobre este princípio.
Se se nos afigura certo o acabado de enunciar, certo é, também, que no sistema processual civil nacional o princípio do dispositivo se encontra a par do princípio do contraditório, continuando ambos a ser princípios nucleares e fundamentais da lei adjectiva.
(…)
Esta posição foi ancorada “desde logo, no entendimento de um articulado processual, designadamente uma petição inicial, como configurando “[…] uma declaração de vontade tendente a obter determinado efeito jurídico, devendo ser interpretada segundo o critério estabelecido nos artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1 do Código Civil[…]”, acrescentando-se colher este entendimento algum respaldo no artigo295º do CC, ao determinar a aplicação aos actos jurídicos que não se configurem como negócios jurídicos das disposições do Código Civil referentes a estes, designadamente das atinentes à interpretação e integração previstas nos ditos artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1, “na medida em que a analogia das situações o justifique”.
Analisando o PPA, este Tribunal Arbitral conclui que a Requerente faz um pedido claro: pede a anulação das liquidações de CSR refletidas nas faturas e o reembolso dos valores de CSR, que só podem ser os atos de liquidação realizados pela AT ao sujeito passivo com a submissão da e-DIC.
No PPA, refere: “durante o período compreendido entre julho de 2019 e dezembro de 2022, na aquisição de combustíveis (gasóleo) por parte da Requerente, foram incluídos no respetivo preço de venda pela entidade comercializadora de produtos petrolíferos os montantes pagos pela vendedora a título de CSR, totalizando o valor de Euro 614.810,43,
(...)
Sendo inegável o interesse legalmente protegido da Requerente, por ser a mesma quem assume a qualidade de “contribuinte de facto”, isto é, do contribuinte que, em virtude da repercussão, suporta economicamente o imposto.
E, ainda, tendo em consideração todo o entendimento da AT quanto à questão da legitimidade que vai no mesmo sentido do entendimento da aqui Requerente,
Dúvidas não devem restar de que lhe assistiu, por conseguinte, o direito de ter peticionado a revisão das liquidações de CSR e, bem assim, o reembolso dos valores indevidamente liquidados, fruto da ilegalidade do tributo em escrutínio e, consequentemente, legitimidade para a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.”
Considerando o disposto no artigo 2.º, e) do CPPT, o Código de Processo Civil constitui direito subsidiário e de aplicação supletiva aos procedimentos e processos judiciais tributários, de acordo com a natureza dos casos omissos.
Este Tribunal Arbitral entende que está limitado na sua decisão ao princípio do pedido, expressamente consagrado no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, o qual é aplicável por disposição do artigo 29.º, n.º 1, e) do RJAT.
Assim, este Tribunal não pode decidir sobre a validade dos atos de repercussão da CSR, cuja liquidação é realizada nas faturas emitidas pelos seus fornecedores de combustíveis, porque não lhe é feito esse pedido, conforme o artigo n.º 1 do CPC, ex vi artigo 29.º, e) do RJAT e só da invalidade dessas liquidações poderia ser decretado o reembolso da CSR, alegadamente paga pela Requerente.
Este Tribunal Arbitral concorda com o afirmado no Acórdão do STJ de 22-09-2022, quando menciona:
“É certo que os juízes não devem ser extremamente formalistas na interpretação e aplicação dos princípios em que assenta o processo civil, sob pena de se perder a efectividade da justiça cível, que é absolutamente essencial nos tempos que correm. É que um processo que não seja efectivo é um processo amorfo, que nada resolve, que se perde em questiúnculas formais, muitas das vezes dessa forma remetendo para as calendas a resolução do litígio. Mas também não podemos, simplesmente, pôr de lado aquela espécie de mandamento que recai sobre os juízes: “Não dês mais do que aquilo que te é pedido”.
1.3. Do requerimento anterior à constituição do Tribunal Arbitral
A AT, em 29-02-2024 apresentou um requerimento com o seguinte teor:
“A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), notificada por oficio de 28/02/2024 do pedido de constituição de tribunal arbitral no processo supramencionado, apresentado por A..., Lda., NIPC..., vem informar, que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário.
Identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária.
Tendo em conta, que:
a) A competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta
da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT e como se depreende das referências expressas que se fazem na alínea a), do nº 1, do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT;
b) Conforme dispõe expressamente a alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;
c) Sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT.
Solicita-se que seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.”
Em 29-02-2024, o Exmo. Senhor Presidente do CAAD proferiu o seguinte despacho, o qual foi nessa data notificado à AT:
“Exmo(a) Senhor(a) Requerida,
Com referência ao Processo em epígrafe e na sequência da comunicação da Autoridade Tributária envie-se a mesma ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação.”
O Exmo. Senhor Presidente do CAAD entendeu que seria o Tribunal Arbitral a entidade competente para a pronúncia sobre o requerido pela AT, o requerimento foi integrado nos autos, constando do SGP do CAAD.
De mencionar que não cabe ao Tribunal Arbitral praticar quaisquer atos processuais antes da sua constituição, e as questões colocadas, mormente quanto à alegada não identificação dos atos tributários impugnados e à legitimidade processual, apenas relevam no âmbito do saneamento do processo.
1.4. Tramitação processual
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, enviado no dia 21-02-2024, foi aceite no dia 23-02-2024 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, Serviços Aduaneiros.
Em 28-02-2024, foi enviada a notificação à AT, Serviços Aduaneiros, constando do SGP: “Nesta data a AT (Serviços Aduaneiros) foi notificada da apresentação do pedido. A notificação foi confirmada por Fátima Soares às 16:41.”
Em 29-02-2024, a AT apresentou um requerimento relativo à identificação do pedido arbitral, que foi notificado à Requerente na mesma data.
Os Árbitros foram designados em 12-04-2024 pelo Conselho Deontológico do CAAD e comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada dissessem, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 02-05-2024.
Em 07-05-2024, o tribunal arbitral proferiu despacho com o seguinte teor:
“Nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, notifique-se o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária, para no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, juntar cópia do processo administrativo e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando que deve ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta, aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no n.º 5 do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
Em 27-05-2024, a AT juntou o PA e apresentou a Resposta, em que se defendeu por impugnação e suscitou exceções.
Por despacho de 28-05-2024, notificado nesse mesmo dia, o Tribunal Arbitral decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, facultando às Partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, podendo a Requerente pronunciar-se sobre as exceções invocadas pela Requerida na Resposta.
Em 29-05-2024, a AT apresentou alegações escritas.
2. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, conforme o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 4.º, ambos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Tendo em consideração as exceções suscitadas pela Requerida (incompetência do Tribunal em razão da matéria, ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, caducidade do direito de ação, ineptidão da petição inicial por falta de objeto e falta de pagamento dos valores a título de CSR por parte da Requerente), importa apreciar preliminarmente estas matérias, começando pela incompetência do Tribunal Arbitral, que é de conhecimento prioritário (artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c, do RJAT).
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
O Tribunal Arbitral considera provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente é uma sociedade comercial com sede na ..., ...– ...; (facto não controvertido).
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A Requerente apresentou mapas (“excel”) demonstrando que adquiriu, das fornecedoras de combustíveis, um total de 5.538.832,66 litros de gasóleo entre julho de 2019 e dezembro de 2022, no valor de €614.810,43; (cfr. doc. 3 junto com o PPA).
-
Em 28 de julho de 2023, a Requerente apresentou um pedido de Revisão Oficiosa na Alfândega de Peniche, dirigido ao Senhor Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, pedindo a anulação dos atos de liquidação de CSR dos anos de 2019 a 2022; (cfr. doc. 1 junto com o PPA).
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Sobre o pedido de Revisão Oficiosa não recaiu, até ao momento, qualquer decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira.
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Factos não provados
O Tribunal Arbitral considera como não provados os seguintes factos:
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Que as fornecedoras de combustíveis da Requerente tenham pago o imposto apurado nos atos de liquidação de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas e-DICs submetidas por aquelas.
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Que a B... GMBH, relativamente às vendas de combustível em Portugal, tenha repercutido nos seus clientes um valor correspondente à Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) suportada pela B... GMBH aquando da aquisição do referido combustível à C... SA.
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Que as fornecedoras de combustíveis mencionadas tenham repercutido nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, e que a Requerente tenha suportado integralmente este imposto.
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Que, com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou a quantia global de € 614.810,43 a título de CSR.
3.3. Motivação da matéria de facto
O juiz (ou árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada. O seu dever é selecionar a matéria que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT).
Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral deve basear a sua decisão nas provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas e do contexto.
O Tribunal Arbitral formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base nos documentos anexados à petição inicial e considerou as posições assumidas pelas partes, conforme previsto no artigo 110.º do CPPT.
Assim, com base na prova documental apresentada, foram considerados provados e não provados, com relevância para a decisão, os factos supramencionados.
A Requerente para prova das aquisições de combustíveis juntou um mapa em excel sem qualquer suporte em faturas;
A Requerente juntou uma declaração emitida pela C... SA com o seguinte teor.
(cfr. doc. 2 junto com o PPA).
E apresentou uma declaração emitida por B... GMBH, empresa com sede em ..., ... ..., Alemanha com o número de identificação fiscal na Alemanha ...e registo de IVA português n.º...:“declara que, relativamente às vendas de combustível em Portugal, repercutiu nos seus Clientes um valor correspondente à Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) suportada pela B... GMBH aquando da aquisição do referido combustível à C... SA”; (cfr. docs. 2 e 4).
4. Matéria de direito
4.1. Das exceções
A Requerida, na Resposta, invoca várias exceções que, se alguma proceder, obstará ao conhecimento do pedido, sendo, portanto, de decisão prévia.
Considerando o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, há que começar por determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, pois o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria. Porém, dada a sua importância para determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, analisaremos primeiro a questão da natureza jurídica da CSR.
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Da natureza jurídica da CSR
A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e entrou em vigor em 1 de janeiro de 2008. Ao longo dos anos, sofreu alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 67-A/2007, de 31 de dezembro; 64-A/2008, de 31 de dezembro; 64-B/2011, de 30 de dezembro; 66-B/2012, de 31 de dezembro; 83-C/2013, de 31 de dezembro; 82-B/2014, de 31 de dezembro; e 7-A/2016, de 30 de março. Finalmente, foi substituída pela 'Consignação de Serviço Rodoviário' pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro.
Considerando o disposto no artigo 1.º e no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, a CSR tinha como objetivo financiar a rede rodoviária nacional, a cargo da Infraestruturas de Portugal (IP), S.A. Esta contribuição constituía a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como verificado pelo consumo de combustíveis.
Conforme o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, em vigor à data dos factos, a CSR era devida pelos sujeitos passivos do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), identificados no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).
O Código dos Impostos Especiais de Consumo, na redação aplicável ao caso em concreto, define como sujeito passivo:
“Artigo 4.º - Incidência subjetiva
1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:
a) O depositário autorizado e o destinatário registado;
(...).
Na tributação dos produtos petrolíferos e energéticos, era aplicada uma taxa de ISP, a que acrescia o montante legalmente estabelecido a título de Fator de Adicionamento de CO2 e de CSR.
O artigo 7.º da Lei 55/2007 determina que “As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário.”.
Nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do CIEC, o facto gerador do ISP consiste: “A produção em território nacional dos produtos a que se refere o artigo 5.º”; “A entrada em território nacional, quando provenientes de outro Estado -Membro, dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”; e a “A importação dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”.
Os Impostos Especiais de Consumo (IEC), como o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), são exigíveis, conforme disposto no artigo 8.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), no momento da introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto ou na constatação de perdas que devam ser tributadas de acordo com o referido Código.
São considerados como introdução no consumo os factos que se enquadrem no descrito no n.º 1 do artigo 9.º, designadamente a saída dos produtos do regime de suspensão, a detenção e armazenagem fora do regime de suspensão sem pagamento do imposto, a produção fora do regime de suspensão, a importação, a entrada dos produtos no território nacional, ainda que em situação irregular, a cessação ou violação dos pressupostos de um benefício fiscal.
A introdução no consumo é formalizada através da Declaração de Introdução no Consumo (DIC), processada por transmissão eletrónica de dados (e-DIC), conforme o artigo 10.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo CIEC.
De acordo artigo 10.º-A do CIEC, com as introduções no consumo efetuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos CIEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática.
Nos termos dos artigos 11.º, e 12.º do CIEC, os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto, até ao dia 15 do mês da globalização, devendo aquele ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação.
Como é afirmado no preâmbulo, a CSR é atribuída pelo legislador a finalidade de financiar a Empresa Infraestruturas de Portugal, SA.
Uma vez descrito o regime jurídico da CSR, importa analisar se é um imposto, uma taxa ou uma contribuição especial.
Por concordamos com o que se afirma no Acórdão do STA, 2.ª Sec., de 04-07-2018, proferido no Processo n.º 01102/17, transcrevemos:
“(...) Dando por adquiridas as inúmeras reflexões doutrinárias e jurisprudenciais produzidas sobre a matéria atinente à distinção entre imposto e taxa [ou seja, que ambos constituem receitas públicas coactivamente impostas, mas enquanto o imposto «... é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos» (Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, p. 262.) a taxa tem «carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares» (Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Lisboa, 1981, p. 42.) pressupondo, pois, uma contraprestação por parte do ente público que a exige, a verificar-se na respectiva génese, e que deve concretizar-se naquela prestação de serviço público, naquele acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção do obstáculo jurídico à actividade do particular] (Cfr. Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Coimbra 1994, 236.) ressalta na definição legal e doutrinal da taxa a individualização de um aspecto estrutural da mesma (a supra apontada sinalagmaticidade ou bilateralidade) e, em consequência, os respectivos pressupostos da sua cobrança. (...)”
Mencionamos também o decidido no Acórdão do TC n.º 232/2022, de 31-03-2022, Processo 105/22, relator J. E. Figueiredo Dias:
“Esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos (...)”
Deve-se ainda mencionar a posição do Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008, que afirma:
“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.
Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.”
Este Tribunal Arbitral conclui que a Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto indireto, monofásico, sem previsão legal de quaisquer atos de repercussão.
O facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, que, em regra, acontece uma única vez com a apresentação da e-DIC, conforme previsto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).
b) Da competência material do Tribunal Arbitral
Nestes autos, a AT suscita a questão da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria, argumentando que a CSR é uma contribuição e não um imposto. Dessa forma, segundo a AT, as questões sobre a CSR estão excluídas da arbitragem tributária por falta de enquadramento legal.
A AT alega ainda que os Tribunais Arbitrais não têm competência para sindicar atos de repercussão de CSR:
“A Autoridade Tributária está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, sendo o objeto desta vinculação definido pelo artigo 2º que dispõe que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
Daqui decorre que foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições.
Sendo que, no caso em apreço está em causa a apreciação da legalidade da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e respetivas liquidações.
Ora, tratando-se de uma contribuição e não um imposto, as matérias sobre a CSR encontram-se, assim, excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento.
Pois bem, encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum.”
Vejamos,
A competência dos Tribunais Arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT, Portaria n.º 112-A/2011, e abrange, nos temos do n.º 1 a) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;” porém o n.º 2 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.
A Portaria de Vinculação, limita deste modo, a competência dos Tribunais Arbitrais usando o termo impostos e não tributos.
O Acórdão do TCAS de 24-10-2024, proferido no Processo n.º 128/23.9BCLSB, decidiu que:
“Os tribunais tributários arbitrais são competentes, em razão da matéria, para conhecer de pedidos de anulação de liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário, bem como dos pedidos restitutórios e indemnizatórios que lhes são acessórios.”
Como concluído anteriormente, a CSR deve ser classificada como um imposto. Assim, a exceção suscitada pela Requerida não procede, pois baseia-se na suposição errada de que a Contribuição de Serviço Rodoviário deve ser considerada uma contribuição especial e não um imposto. Portanto, a CSR não está excluída da arbitragem tributária, conforme os artigos 2.º e 3.º do RJAT e o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
c) - Exceção da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente
Nos presentes autos, a Requerente, invocando a qualidade de repercutida legal, pede a anulação dos atos de liquidação de CSR, praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, consubstanciados nas faturas referentes aos combustíveis adquiridos à sociedade D..., S.A.
A AT em síntese defende na Resposta:
Apenas os sujeitos passivos que introduziram os produtos no consumo em território nacional e que provem o pagamento do respetivo ISP/CSR têm legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.
No âmbito dos impostos especiais de consumo, os sujeitos passivos são, em termos gerais, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo.
As liquidações de imposto são emitidas para essas entidades. Apenas estas podem identificar esses atos de liquidação e, em caso de erro, solicitar a sua revisão para reembolso dos montantes cobrados (artigos 15.º e 16.º do CIEC).
No PPA a Requerente alega que:
“No que tange à legitimidade ativa no âmbito do procedimento tributário, consagra o artigo 65.º da LGT que “[t]êm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido” (sublinhado nosso).
No mesmo sentido, decorre do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do CPPT que “[t]êm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (sublinhado nosso).
Resulta, assim, evidente que o termo “contribuintes” utilizado pelo CPPT corresponde ao conceito de “sujeitos passivos” utilizado no n.º 3 do artigo 18.º da LGT supra citado, o qual abrange não só os contribuintes diretos, mas também os substitutos e os responsáveis – cfr. decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 304/2022-T, de 05.01.2023. No que se refere aos casos em que o encargo do imposto é objeto de repercussão legal, estabelece a alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT que “Não é sujeito passivo quem (…) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” (sublinhadoe negrito nosso).
O mencionado comando legal vem, assim, conceder ao repercutido o direito de reclamação,recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias.
Sucede, porém, que o mecanismo de liquidação da CSR representa uma espécie de substituição tributária, na medida em que a CSR é devida pelos sujeitos passivos de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, que se substituem à Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. (IP), a quem é destinada a CSR liquidada e cobrada pela AT, como contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes das vias rodoviárias – cfr. decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 304/2022-T já citado.
Vejamos
O RJAT é omisso quanto à regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso nos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD.
Devemos, portanto, procurar a resposta nas normas processuais do CPPT, do CPTA e do CPC, conforme o artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
Do artigo 9.º, n.º 1 do CPTA resulta que: “Sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”.
E, determina o artigo 30.º do CPC: “1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer;
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Assim, a legitimidade processual é definida por estas normas, que se aplicam subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por referência à relação material controvertida. No caso dos Tribunais Arbitrais a funcionar no CAAD, a legitimidade terá na sua génese um ato tributário. O sujeito passivo dessa relação jurídica tem de se enquadrar no artigo 18.º, n.º 3 da LGT.
A LGT no artigo 1.º, n.º 2 estabelece que “Para efeitos da presente lei, consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas”.
No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento tributário, a LGT determina no artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E, o artigo 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.
Por sua vez, o artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007 estipula: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”.
Este Tribunal Arbitral considera que o legislador se limitou a identificar o sujeito passivo da CSR, nada mencionado sobre repercussão. O referido artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007, remete para o CIEC no que concerne às normas que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
Entendemos que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT.
A legitimidade para questionar os atos de liquidação da CSR, neste caso, só poderia advir da comprovação de que a Requerente possui um interesse legalmente protegido (cfr. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
Neste sentido, é importante mencionar a decisão arbitral de 01-02-2024, proferida no Processo n.º 296/2023-T, e o Acórdão do STA de 28-10-2020, proferido no Proc. 0581/17.BEALM, onde se refere “(...). V - “A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)”.
Por seu lado, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, 3.ª edição, VISLIS Editores, 2003, pág. 121, afirmam: “A exclusão do terceiro repercutido do âmbito de sujeitos passivos tem larga consagração na doutrina (vd., DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÓNICA HORTA NEVES LEITE DE CAMPOS, ob. Cit., 2.ª ed. Coimbra, 2000, Parte II, A obrigação tributária) entre ele repercutido e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”
A legitimidade para requerer o reembolso do ISP e, inerentemente, da CSR pertence aos sujeitos passivos do imposto enunciados no n.º 1 e no n.º 1 a) do artigo 4.º do CIEC.
Esses sujeitos são os operadores que introduzem no consumo os bens sujeitos a IEC e CSR, conforme remissão do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, excluindo os repercutidos."
A liquidação de CSR é realizada através do Documento de Introdução ao Consumo (e-DIC), que contém todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável. É este documento que suporta as quantidades de produtos declaradas para consumo, bem como a liquidação do imposto correspondente, cuja anulação é pretendida pela Requerente.
A Requerente não apresenta as DICs correspondentes ao combustível que adquiriu à fornecedora de combustíveis e junta ao pedido arbitral mapas em Excel com as listagens das faturas, sem juntar cópia das faturas emitidas.
Os mapas excel que referenciam faturas, não fazem prova do alegado pagamento, pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes por si alegados.
Uma fatura é documento fiscalmente relevante, que consubstancia um “documento em papel ou em formato eletrónico que: i) Contenha os elementos referidos nos artigos 36.º ou 40.º do Código do IVA, incluindo a fatura, a fatura simplificada e a fatura-recibo; ii) Constitua um documento retificativo de fatura nos termos legais”; cfr artigo 2.º, c) do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro.
A referência a faturas em mapas Excel não pode ser considerada como prova de qualquer ato imputável à AT, seja tributário ou administrativo em matéria tributária. Por definição, uma fatura é um documento que deve ser emitido pelo fornecedor ou prestador de serviços, sempre esteja em causa a prestação de um serviço ou aquisição de um bem ou prestação de um serviço sujeito a IVA e da DIC resulta um ato tributário stricto sensu.
A liquidação de CSR é da competência da AT e é impugnável nos termos do artigo 51.º do CPTA. Na DIC está em causa um Imposto Especial ao Consumo (IEC), o qual é devido pela introdução no consumo de produtos petrolíferos.
As entidades que introduzem os combustíveis no consumo e estão registadas como tal são os sujeitos passivos da CSR. Elas são responsáveis pelo pagamento ao Estado, e não a Requerente. Com base nos mapas excel que referenciam faturas, juntos com o PPA, não é possível comprovar qual a entidade que procedeu à introdução no consumo, submeteu as DICs respetivas, ou efetuou o pagamento. Não há qualquer documento junto ao processo que prove esse pagamento.
Dos mapas excel que refereciam faturas constam valores referentes ao IVA, não fazendo quaisquer referências a montantes pagos a título de ISP ou CSR. Os mapas excel, nos campos referentes às faturas para ISP/Outras contribuições estão marcados como € 0,00. Portanto, esses mapas não permitem provar quaisquer pagamentos ao Estado do ISP/CSR através dos Documentos Únicos de Cobrança (e-DIC).
De salientar que impostos especiais sobre o consumo (IECs) são impostos monofásicos, cujo facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, que ocorre uma única vez.
O regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação, como resulta do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007.
No âmbito dos IEC e de outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais da LGT e do CPPT.
Apenas a entidade que introduziu no consumo os combustíveis e apresentou as DICs nas Alfândegas, ou seja, o sujeito passivo de ISP/CSR, tem legitimidade para solicitar à AT o reembolso da CSR, (artigos 15.º e 16.º do CIEC), não a Requerente.
Pelo exposto, a Requerente não tem legitimidade processual para questionar os atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira, com base nas DIC submetidas pela entidade que introduziu os combustíveis no consumo.
No âmbito dos impostos especiais de consumo, apenas a entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR tem legitimidade para solicitar a anulação dessas liquidações e o consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 16.º do CIEC."
Acresce ainda o seguinte:
O RJAT não contém a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, por via da aplicação do seu artigo 29.º, n.º 1, que remete para as disposições legais de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.
Da regra geral do direito processual, constante do artigo 30.º do CPC, resulta que é parte legítima quem tem “interesse direto” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (v. artigo 9.º, n.º 1 do CPTA).
A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um ato tributário, cujo sujeito passivo tem de ser um dos identificados no artigo 18.º, n.º 3 da LGT, como “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”
Neste contexto, a legitimidade deve ser enquadrada nas relações jurídicas tributárias estabelecidas entre a administração tributária e as pessoas singulares, coletivas e entidades equiparadas (conforme o artigo 1.º, n.º 2 da LGT).
O CPPT consagra uma norma específica à legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
O CPPT estabelece que a legitimidade no processo judicial tributário é atribuída aos contribuintes (incluindo substitutos e responsáveis), outros obrigados tributários, partes de contratos fiscais e qualquer pessoa com interesse legalmente protegido (artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
Da mesma forma, embora se refira apenas à legitimidade no procedimento, o artigo 65.º da LGT estabelece que 'têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.
O artigo 78.º da LGT, no âmbito da revisão dos atos tributários, mantém a mesma posição, referindo-se aos conceitos de sujeito passivo e contribuinte.
Em relação aos sujeitos passivos não originários, o legislador teve a preocupação de justificar, especificadamente, a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual. Assim, quanto aos responsáveis solidários, a legitimidade processual deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (v. artigo 9.º, n.º 2 do CPPT). E, relativamente aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (v. artigo 9.º, n.º 3 do CPPT). Em ambas as situações, constituiu-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias –, o que sucede igualmente com outra categoria de sujeito passivo (não originário), o substituto.
Compreende-se que o legislador não tenha adotado um conceito irrestrito de legitimidade ativa, rodeando-se de algumas cautelas, dadas as dificuldades práticas que uma tal abertura causaria, quer na ligação entre o ato de liquidação do imposto, a determinação da sua efetiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Dessa forma, o mesmo imposto poderia ser restituído a vários intervenientes, de maneira difícil de controlar, resultando em prejuízo para o Estado e em violação dos princípios da igualdade e da praticabilidade.
Apesar de a LGT estender a legitimidade ativa ao repercutido legal, que, como vimos, não é sujeito passivo, a CSR não constitui um caso de repercussão legal. Desta forma, a lei implica (e pressupõe) que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT), não o fazendo, porém, em relação ao mero repercutido de facto, pelo que, neste caso, a repercussão tem de ser demonstrada, não se podendo presumir.
A Lei n.º 55/2007, que institui a CSR, não especifica sobre quem deve recair o encargo do tributo. Isso fica claro no seu artigo 5.º, n.º 1 “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”
Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, pelo que o artigo 5.º, n.º 1 não remete para o artigo 2.º do Código dos IEC, mas apenas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
Em síntese, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (vide artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil)[1].
"É importante destacar que a mera repercussão económica, por si só, não confere legitimidade processual. Esta exige, conforme a lei, a demonstração de um interesse legalmente protegido, ou seja, que mereça a tutela do direito substantivo. Na situação concreta, nem sequer tal repercussão foi minimamente evidenciada.
É importante sublinhar que a Requerente não alega nem prova a qualidade de consumidor de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, o combustível adquirido é um fator de produção no circuito económico. Portanto, se a CSR se destina a ser suportada pelo consumidor, a Requerente não faz parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos (veja-se, neste sentido, as decisões dos processos arbitrais n.ºs 408/2023-T, de 8 de janeiro de 2024, e 375/2023-T, de 15 de janeiro de 2024).
Portanto, ao não revestir a qualidade de sujeito passivo de CSR (seja como contribuinte direto, substituto ou responsável), conforme o artigo 18.º, n.º 3 da LGT, e não sendo parte em contratos fiscais, a Requerente só teria legitimidade para demandar a AT e solicitar o reembolso do imposto (CSR) se comprovasse ser titular de um interesse legalmente protegido (artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT)
Assim, teria de alegar e demonstrar factos que suportassem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, em concreto, que o sujeito passivo lhe tinha transferido o encargo económico da CSR e, cumulativamente, que esse encargo tinha sido por si suportado a final, ou seja, sem que tivesse sido repassado no âmbito da atividade desenvolvida (por via do preço dos serviços praticado com os seus clientes).
Conforme antes referido, a Requerente não logrou atestar que foi repercutida e que suportou a CSR contra a qual reage, ou a medida em que a suportou. Esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente ação arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutido legal.
Por fim, em conformidade com o direito nacional e da União Europeia, não se pode afirmar que a Requerente ficou sem tutela. Nada impede o ressarcimento através de uma ação civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, desde que reúna os devidos pressupostos, conforme declarado no Acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Desta forma, está assegurada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da Constituição)
De notar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao atual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (v. Acórdão de 1 de outubro de 2003, processo n.º 0956/03).
Em resumo, não foi comprovado que as fornecedoras de combustíveis repercutiram a CSR, nem que a Requerente suportou o encargo económico do imposto. Por isso, a Requerente não tem legitimidade para pedir a anulação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto. Essa conclusão está alinhada com uma interpretação conforme à Constituição (artigo 268.º, n.º 4), já que o direito à impugnação dos atos lesivos deve ser exercido pelos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial foi afetada (os lesados) e não por outros.
A conclusão sobre a ilegitimidade da Requerente também se extrai da interpretação do Código dos IEC, que é aplicável à CSR na parte referente à liquidação, cobrança e pagamento do imposto (conforme o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007). Segundo o acórdão do CAAD de 1 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo 296/2023-T, “qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”).”
A referida norma (artigo 15.º, n.º 2, do Código dos IEC) estabelece que “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.”.
Desde a redação inicial destas normas, pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjetiva”. Isso indica que nenhum legislador, nem mesmo aquele que atribuiu natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo, considerou necessário, para o contexto atual, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” além do “destinatário certificado”.
Isso significa que apenas os sujeitos passivos identificados no artigo 4.º, e somente quando preencherem requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre 'o erro na liquidação', conforme indicado no n.º 1 desse artigo 15.º.
É importante notar que, contrariamente ao que a Requerente afirma, sem, contudo, indicar qualquer base jurídica, a questão de legitimidade processual não tem de ser analisada à luz da Diretiva 2008/118/CE, nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça. O direito da União Europeia não se projeta no domínio do direito adjetivo, seja procedimental, ou processual, que continua a fazer parte das competências próprias dos Estados-Membros, sem prejuízo do seu controlo (negativo) por conformação aos parâmetros (princípios) do direito da União Europeia, nomeadamente da proporcionalidade, na medida em que afetem posições substantivas regidas por este direito.
A Requerente apela aos princípios europeus da equivalência e da efetividade, mas não justifica sua aplicação e pertinência à situação em análise, nem este Tribunal consegue compreender. O princípio da equivalência estabelece que as regras nacionais não podem tratar de maneira mais desfavorável um direito decorrente da ordem jurídica europeia, em comparação a direitos decorrentes da ordem jurídica nacional. No caso, não há qualquer tratamento diferenciado.
Por outro lado, o princípio da efetividade determina que as regras nacionais não podem tornar impossível ou excessivamente difícil a efetivação de um direito decorrente da ordem jurídica europeia. Essa circunstância não se verifica aqui, pois o direito de ação contra o credor tributário é assegurado ao sujeito passivo ou àquele que demonstre ter suportado o imposto (o que não foi demonstrado pela Requerente). Além disso, como já mencionado, o Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de que, nos demais casos, o ressarcimento pode ser obtido através de uma ação civil dirigida aos fornecedores.
Pelo exposto, julga-se verificada a exceção de ilegitimidade da Requerente, a qual constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, impedindo o Tribunal de conhecer a questão de fundo e demais questões suscitadas. Assim, ocorre a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos dos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a), e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo delineado anteriormente."
Assim, ocorre a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos dos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a), e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo delineado anteriormente.
5. Decisão
a) Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de liquidação de CSR;
b) Julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR;
c) Em consequência, absolver a AT da instância, condenando a Requerente nas custas.
6. Valor do processo
Em conformidade com o artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e com o artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 614.810,43, conforme indicado pela Requerente e sem oposição da Requerida.
7. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 9.180,00, a serem suportadas pela Requerente, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de dezembro de 2024
Os Árbitros
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(Regina de Almeida Monteiro – Presidente e Relatora
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(Amândio Silva – Adjunto)
(Magda Feliciano – Adjunta com declaração de voto vencido)
Declaração de Voto Vencido
Entendo não poder subscrever a posição que fez vencimento, no que concerne à arbitrabilidade do thema decidendum e quanto à procedência da excepção de ilegitimidade processual, pelas razões que, sinteticamente, passo a expor:
Por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais reporta-se apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição (Vide, entre outros, CAAD, Proc. 138/2019-T, Proc. 248/2019-T, Proc. 123/2019-T, Proc. 182/2019-T, Proc. 585/2020-T, Proc. 714/2020-T).
Na verdade, a interpretação correcta, alicerçada no teor literal deste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 e nas regras interpretativas que constam do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, tendo também em conta as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), é a de que se pretendeu restringir a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios em que estejam em causa tributos classificados como impostos.
É hoje consensual que a jurisdição arbitral abrange apenas pretensões relativas a impostos, não incluindo outros tributos cuja administração seja conferida por lei à Autoridade Tributária, decorrente do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112‑A/2011, de 22 de março, não sendo tal limitação nem inconstitucional nem violadora do princípio da igualdade, na vertente de proibição do arbítrio, previsto no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, nem por violação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição (Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 545/2019, de 16.10.2019, Decisão Sumária do TC n.º 70/2024, de 8.02.2024).
Ora, contrariamente ao defendido na Decisão, entende-se que a CSR é uma contribuição financeira e não um imposto, razão pela qual este Tribunal deveria declarar-se incompetente em razão da matéria.
Na verdade, de acordo com letra da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, a CSR foi concebida e designada de Contribuição (e não de imposto), com o objectivo de financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., actualmente Infraestruturas de Portugal (IP), através dos respectivos utilizadores e, subsidiariamente pelo Estado, constituindo receita própria da IP.
Segundo o referido regime legal, a CSR constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, que constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal.
Configurando-se a CSR numa lógica bilateral assente numa óptica grupal (utilizadores) para financiar a IP, a quem cabe desenvolver a actividade de concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional entende-se que a CSR não é um imposto, uma vez que só é devido pela utilização de gasolina e gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) e dele não isentos.
Também não se afigura concebível qualificar a CSR como uma taxa, na medida em que a CSR não assenta numa equivalência estritamente individual, não se dirige à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, numa relação de bilateralidade genérica.
Assim, entende-se que as contribuições financeiras, mesmo que ilegais (como parece ser a CSR em face da decisão de Reenvio Prejudicial de 7.02.2022, Proc C-460/21, do TJUE) não constituem por presunção/atracção/conversão ou residualidade um imposto (Vide Filipe de Vasconcelos Fernandes, As contribuições financeiras no sistema fiscal português, pág. 71 e ss, Gestlegal). Na verdade, entende-se que as contribuições financeiras constituem figuras “híbridas” ou “tertium genius” entre as taxas e os impostos “que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa)” (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora). Na mesma linha, seguem, por exemplos, as decisões proferidas pelo TC n.º 539/2015, 344/2019, 255/2020
Considerando-se que, à luz do regime legal da CSR, esta constitui um tributo que resulta da necessidade financiar uma entidade pública que tem como propósito gerir a rede rodoviária nacional, encontrando-se a sua receita consignada a esse fim/entidade; a CSR incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, que beneficiam da gestão da IP, enquanto utilizadores das estradas da rede nacional; e o facto gerador do tributo consubstancia uma prestação administrativa (a cargo da IP) presumivelmente provocada ou aproveitada por um grupo em que o sujeito passivo se integra, concluímos que estamos perante uma contribuição – (Cfr. Acórdão do TC n.º 255/2020).
Pelo exposto, classificando-se e qualificando-se a CSR como uma contribuição financeira, a questão material submetida a este Tribunal é, no meu entender, não arbitrável.
Louvo-me, assim, da Decisão do CAAD n.º 508/2023, de 16.11.2023.
Quanto à excepção de ilegitimidade processual, contrariamente ao decidido, em face do pedido impugnação da Decisão de indeferimento (tácito) do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, nos termos do artigo 78.º da LGT e não nos termos do artigo 15.º do Código dos IEC, considera-se tal excepção improcedente, com fundamento nos artigos 18.º, n.º 4 da LGT, artigo 54.º da LGT e artigo 9.º do CPPT.
Na verdade, atento o disposto no artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019), entende-se que, de acordo com a Lei, o destinatário do encargo económico resultante da imposição da CSR é o consumidor de combustíveis, sendo as empresas comercializadoras, que devem efectuar o seu pagamento ao Estado, meras substitutas tributárias. Neste contexto, entende-se que a Requerente tem um interesse legalmente protegido em interpelar directamente a Requerida/Estado no domínio das relações jurídico-tributárias de liquidação desse tributo (Cfr.CAAD n.º 676/2023, n.º 491/2023, 396/2023 e 398/2023, entre outros).
Acresce que, no nosso entender resulta, também, da jurisprudência do TJUE (Processo C-316/22, de 11 de Abril de 2024 – Caso Gabel) que o Direito Europeu se opõe a uma legislação nacional que não permite ao consumidor pedir directamente ao Estado o reembolso de um tributo contrário ao Direito europeu sobre si repercutido. Por isso, contrariamente ao defendido na Decisão, consideramos que o princípio da efectividade do Direito europeu não está salvaguardado pela possibilidade da Requerente intentar uma acção civil de repetição do indevido contra os seus fornecedores.
É o que se me oferece dizer.
Razões pelas quais voto vencido.
Magda Feliciano
[1] De referir que a alteração legislativa do Código dos IEC, ocorrida em dezembro de 2022, que passou a consagrar a repercussão nos IEC, além de não ser subsidiariamente aplicável à CSR, por falta de norma remissiva, mesmo que o fosse, não poderia reger a situação em análise porque é posterior à data dos factos. Esta conclusão não resulta afastada pela atribuição de natureza interpretativa pelo legislador (artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro), pois a retroatividade inerente às leis interpretativas “é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.” (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 16 de dezembro de 2020).