SUMÁRIO:
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Vasco António Branco Guimarães árbitro singular designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 29-04-2024, decide o seguinte:
-
Relatório
A..., (doravante designada por Requerente), portadora do CC n.º ..., titular do NIF..., residente na Rua ..., n.º..., ...-... Coimbra, Portugal, veio requerer a constituição do Tribunal Arbitral nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2021, de 20 de janeiro, que aprova o RJAT e, bem assim, do disposto no artigo 99.º e nas alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT ex vi da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT , para se pronunciar contra o indeferimento expresso do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado quanto aos atos de liquidação de IRS n.ºs 2022... e 2023..., referentes aos anos de 2021 e 2022 e, mediatamente contra a legalidade dos referidos atos tributários, tudo no montante de 14 408, 25 euro, (catorze mil quatrocentos e oito euro e vinte e cinco cêntimos), seguindo-se os ulteriores termos legais com as ínsitas consequências.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19-02-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 08-04-2024 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 29-04-2024.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em 31-05-2024 em que por impugnação defendeu que os pedidos devem ser julgados improcedentes.
Por despacho de 11-09-2024, foi decidido realizar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e após essa realização decidir sobre as Alegações das Partes.
Em 13-11-2024, após vários adiamentos provocados por indisponibilidade de agenda do advogado no processo, procedeu-se à audição das testemunhas e audição de argumentos das Partes quanto à prova produzida. Foram dispensadas as Alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados:
Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
A) A Requerente é uma pessoa física que exerce a atividade profissional de médica que desde 2013 viveu e trabalhou na RAE de Macau - Doc. 2 do PPA
B) A Requerente em 2021 requereu e foi deferida a inscrição como RNH para o período de 2021 a 2030 – Doc. 3 do PPA
C) Em data não especificada a Requerida certificou que a inscrição já deferida de RNH estava arquivada – Doc. 8 do PPA.
D) A Requerente apresentou as Declarações Mod. 3 de IRS de 2022 e 2023 sem mencionar o estatuto de RNH.
E) A Requerente, representada por Técnico de contabilidade, fez consagrar a opção de regime aplicável a Ex-residentes no quadro E da Mod. 3 de 2021 - Doc.
F) A Requerente apresentou uma declaração de substituição Mod. 3 relativa aos rendimentos de 2021 que não foi aceite – Doc. 9 do PPA.
G) A Requerente não conseguiu apresentar a declaração Mod. 3 dos rendimentos de 2022 com o anexo L – Doc. 10
H) A Requerente apresentou Reclamação Graciosa ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT relativa aos rendimentos de 2021 e 2022 que foi indeferida - Doc. 13 do PPA.
I) No processo administrativo junto com a Resposta da Requerida o único documento existente é o pedido de revisão oficiosa das liquidações aqui em discussão.
J) A relação entre a Requerente e a Requerida plasmada na prova existente nos autos só pode ser reconstruída com os documentos juntos pela Requerente que não foram impugnados.
2.2. Factos não provados.
Não existem mais factos a provar.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:
Os factos provados baseiam-se nos articulados e documentos juntos pela Requerente e Requerida e no depoimento das testemunhas apresentadas pela Requerente - que relataram o regresso de Macau e o erro do técnico de contabilidade que testemunhou nesse sentido.
Não se retiram outros factos relevantes dos articulados por serem citações de textos legais, acórdãos ou posições de parte sem conteúdo fáctico ou com argumentação fáctica não provada.
3. Matéria de direito
As questões de mérito que são objeto deste processo são:
a. Saber se a AT pode rever oficiosamente o estatuto de RNH da Requerente já atribuído sem exercício do contraditório ou audição.
b. Saber se a Requerida nada pode fazer porque o estatuto da Requerente depende de uma outra Direção de Serviços que não faz liquidação de impostos.
3.1. Posições das Partes
A Requerente defende em resumo:
-
Que as liquidações feitas dos seus rendimentos de 2021 e 2022 são ilegais porque não atendem ao estatuto de RNH que obteve a seu pedido com os respetivos direitos e deveres e de que pretende beneficiar.
A Requerida defende:
-
Que aplicou a lei às declarações que lhe foram apresentadas pela Requerente estando as mesmas corretas e que nada pode fazer para alterar essa situação.
-
3.2. Saneamento do processo:
A competência dos Tribunais Arbitrais definida no RJAT resume-se à apreciação da legalidade dos atos de liquidação praticados pela Requerida. Na definição da incidência subjetiva é essencial a determinação do estatuto de que goza o contribuinte. Faz-se notar que a Requerente fez um pedido de inscrição como RNH que foi deferido tendo por essa via adquirido o acervo dos direitos e deveres que o acompanham não podendo esta sua condição jurídica ser alterada pela AT sem o cumprimento do dever de audição previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT e do disposto no artigo 45.º do CPPT.
Resulta do processo administrativo junto que nenhuma das disposições legais citadas foi aplicada ao caso em concreto pelo que parece resultar que a liquidação efetuada é ilegal por erro sobre os pressupostos de facto e de Direito.
Não se argumente, em favor da Requerida, que existe um Ofício Circulado que foi seguido pela Administração Tributária porquanto como pode ser visto pelo exemplar junto aos autos pela Requerida a declaração modelo 3 de IRS de 2021 foi junta a 28.06.2022, ou seja, antes de estar em vigor o Ofício Circulado que determina alegadamente o procedimento que é aí apontado.
A modificação de um Estatuto de tributação com particular importância na incidência subjetiva sem uma verificação através da criação de uma divergência ou exercício de audição ou contraditório é violar do disposto na LGT, CPPT e fere os direitos e garantias do contribuinte com respaldo constitucional do artigo 103.º da CRP.
Também se nos afigura como ilegal definir regras de liquidação ou cobrança e/ou direitos e garantias poe Ofício Circulado e não por lei como a Constituição obriga.
Verifica da existência de omissão de procedimento prevista em lei não se torna necessário verificar os restantes eventuais vícios das liquidações impugnadas.
Não podem, em consequência, subsistir na ordem jurídica as liquidações efetuadas.
3.3. Apreciação da questão.
Dos factos provados e da apreciação feita resulta que, a correção feita à situação subjetiva da Requerente carece de requisitos legais que não foram observados, pelo que a liquidação deve ser anulada por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Improcede assim, de facto e de Direito, a posição da AT.
A Requerente pediu juros indemnizatórios. Dispõe o artigo 43.º da LGT que: Artigo 43.º n.º 1:
1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
A atribuição dos juros resulta diretamente da norma e do princípio constantes do artigo 100.º da LGT que dispõe:
1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.
2 - No procedimento tributário, a reconstituição da situação através da reposição da legalidade deve ser executada no prazo de 60 dias.
Dispõe no entanto a alínea c) do do n.º 3 do artigo 43.º da LGT que os juros indemnizatórios só são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
O pedido de revisão oficiosa (78.º da LGT) foi feito em 16.10.2023 e foi despachado em 24.11.2023.
Em consequência não tem a Requerente direito a juros indemnizatórios.
4. III – Questões prejudicadas
Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, c) e e) do RJAT).
5. Decisão.
Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, revogando o indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa e julgando como ilegais e anuladas as liquidações impugnadas: liquidação de IRS n.ºs 2022... e 2023..., referentes aos anos de 2021 e 2022 todas emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tudo no montante de 14 408, 25 euro, (catorze mil quatrocentos e oito euro e vinte e cinco cêntimos).
Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em 14 408, 25 euro, (catorze mil quatrocentos e oito euro e vinte e cinco cêntimos)
Custas: Vai a AT condenada em custas nos termos do artigo 97.º -A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária por ser sua a responsabilidade da ilegalidade existente, sendo o seu montante fixado em 918,00 Euro.
Registe e Notifique.
Lisboa, 26 de dezembro de 2024
O Árbitro
(Vasco Branco Guimarães)