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SUMÁRIO: I - Apenas os OIC que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa ou tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia ou, ainda, de acordo com a legislação de um país terceiro, podem beneficiar do regime previsto no artigo 22.º do EBF.
II - O ónus da prova da qualificação como OIC recai, nos termos do artigo 74.º da LGT, sobre a Requerente.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro presidente), Dr. José Coutinho Pires e Gonçalo Marquês de Menezes Estanque (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 23-04-2024, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
A... GMBH, contribuinte fiscal português n.º ..., com sede em ..., ... Munique, Alemanha (doravante, abreviadamente designada por “Requerente”), veio, em 12-02-2024, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado de “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com vista à apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referentes ao período compreendido entre agosto de 2020 a maio de 2021, no montante total de 69.061,05 EUR, e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra aqueles atos tributários. A Requerente peticiona também o pagamento de juros indemnizatórios.
É Requerida nestes autos a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 14-02-2024 e automaticamente notificado à Requerida na mesma data. Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os aqui signatários, que manifestaram a aceitação do encargo, no prazo legal.
Em 03-04-2024 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado intenção de recusar a designação dos árbitros, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, e em conformidade com a disciplina constante do artigo 11º, nº. 1, alínea c) e n.º 8 do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 23-04-2024.
A Requerida, através de despacho arbitral proferido em 29-04-2024, foi notificada para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.
Em 03-06-2024, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua resposta, tendo-se defendido por excepção e por impugnação.
Por despacho de 06-06-2024, foi a Requerente notificada para, querendo, exercer o contraditório quanto à matéria de excepção invocada pela Requerida. Em 24-06-2024, a Requerente apresentou a sua resposta à matéria de excepção e, também, apresentou as suas alegações escritas.
A Requerida apresentou, em 28-06-2024, alegações escritas.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
Não obstante, na sua resposta a Requerida invocou que o Tribunal Arbitral era materialmente incompetente para apreciar a legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente.
Em síntese, arguiu a Requerida que no artigo 2.º n.º 1 do RJAT e no artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, o legislador optou por limitar a apreciação na jurisdição arbitral aos actos de autoliquidação que tivessem sido precedidos de reclamação graciosa necessária nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), independentemente dos fundamentos invocados, não bastando assim uma qualquer outra intervenção administrativa anterior. Ou seja, conclui que sempre que o contribuinte opte pelo pedido de revisão, não tem quatro anos para o fazer, mas o prazo da reclamação graciosa (i.e. 2 anos, nos termos do artigo 132.º do CPPT).
Ademais, alega a Requerida que, dado estamos perante atos de retenção na fonte onde não houve sequer uma atuação por parte da AT e, como tal, por um lado, não houve qualquer “erro imputável” à AT e, por outro lado, atendendo a estarmos perante um indeferimento tácito (na sequência da apresentação, na opinião da Requerida, de um meio gracioso intempestivo, conforme sintetizado acima) nunca a AT se pronunciou sobre tais atos tributários.
Prossegue a Requerida, no presente pedido de pronúncia arbitral foi submetida à apreciação do Tribunal Arbitral uma questão relativa ao controle dos pressupostos de aplicação do art. 78º da LGT, pelo que existe uma excepção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Vejamos:
A questão de saber se os Tribunais Arbitrais têm competência para apreciar a legalidade de actos tributários que não foram precedidos de reclamação graciosa mas sim de revisão oficiosa foi já amplamente discutida na jurisprudência arbitral e dos tribunais superiores. Vejam-se, por todos, as considerações feitas no acórdão arbitral proferido no processo n.º 560/2023-T, em 15 de Abril de 2024, às quais se adere e aqui se citam:
“O primeiro fundamento invocado pela AT para sustentar a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer diretamente da legalidade do ato tributário respeita ao facto de não ter existido recurso prévio à reclamação graciosa, cujo pedido deveria ter sido apresentado no prazo de dois anos contados do termo do prazo para pagamento do imposto.
O recurso à via administrativa é exigido como condição de impugnabilidade contenciosa dos atos de retenção na fonte e de autoliquidação nos termos do artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e da remissão por esta operada para o artigo 131.º do CPPT, que dispõe que a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa.”
Tal alegação é, todavia, improcedente, pois o pedido de revisão oficiosa constitui um meio administrativo equiparável à reclamação graciosa, tendo sido apresentado previamente à propositura da ação arbitral, entendimento reiterado sucessivamente pela doutrina e jurisprudência portuguesas.
É verdade que os artigos 131.º e 132.º do CPPT, para os quais a Portaria n.º 112-A/2011 remete, fazem referência à reclamação graciosa, mas não à revisão oficiosa dos atos tributários. Não obstante, deve ser entendido como abrangendo, além da reclamação, a via da revisão dos atos tributários aberta pelo artigo 78.º da LGT, pois a finalidade visada pela norma é a de garantir que a autoliquidação e as retenções na fonte (em que os contribuintes atuam em substituição e no interesse da Autoridade Tributária) sejam objeto de uma pronúncia prévia por parte da AT, por forma a racionalizar o recurso à via judicial, que só se justifica se existir uma posição divergente, um verdadeiro “litígio”. Por isso, concede-se à AT a oportunidade (e o direito) de se pronunciar sobre o erro na autoliquidação do contribuinte ou nas retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário e de fundamentar a sua decisão antes de ser confrontada com um processo contencioso.
Efetivamente, a doutrina e a jurisprudência portuguesas[1] veem no pedido de revisão do ato tributário um meio impugnatório administrativo com um prazo mais alargado que os restantes, um mecanismo de abertura da via contenciosa, perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária.
Como referido por Carla Castelo Trindade[2], “(…) as reclamações graciosas necessárias, previstas nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, justificam-se pela necessidade de uma filtragem administrativa, prévia à via judicial, por estarem em causa actos que não são da autoria da Administração Tributária, mas do próprio sujeito passivo e nos quais esta não teve, ainda, qualquer intervenção. Nesse sentido, o pedido de revisão oficiosa serve o propósito dessa filtragem administrativa, porque aí a Administração já terá possibilidade de se pronunciar sobre o acto de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta. Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efectivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 20.º da CRP.
E esta admissibilidade vale, por maioria de razão, tanto para o pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo previsto para a reclamação graciosa necessária (que é de 2 anos nos termos daqueles artigos do CPPT), como para o pedido que é realizado quando ainda era possível a apresentação de reclamação graciosa.”
Não se alcança que deva ser outro o propósito da norma de remissão da Portaria de Vinculação que indica expressamente as pretensões “que não tenham sido precedid(a)s de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, ou seja, referindo-se com clareza a um procedimento administrativo prévio e não, em exclusivo, à reclamação graciosa. Por outro lado, seria incoerente e antissistemático que os artigos 131.º a 133.º do CPPT revestissem distintos significados consoante estivessem a ser aplicados nos Tribunais Administrativos e Fiscais e nos Tribunais Arbitrais.
Aliás, sob idêntica perspetiva se pode afirmar que a alegada falta de suporte literal também se verificaria quanto àqueles Tribunais (administrativos e fiscais), pois as normas interpretandas são as mesmas, o que poria em causa a jurisprudência consolidada do STA, solução a que não se adere, até porque é inequívoco que a revisão oficiosa consubstancia um procedimento de segundo grau que se insere na “via administrativa”, locução empregue pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 122-A/2011, aludindo-se neste sentido às decisões proferida nos processos arbitrais n.º 245/2013-T e 678/2021T.
De igual modo, o Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”) pronunciou-se sobre a questão no sentido da admissibilidade do recurso à arbitragem tributária quando se reaja a indeferimento de pedido de revisão oficiosa contra ato de liquidação, entre outros, no acórdão de 26.05.2022, no âmbito do processo n.º 96/17.6BCLSB, cujo excerto se transcreve de seguida:
“O que cumpre aqui aferir é se estão ou não abrangidas, na competência material dos tribunais arbitrais tributários, as situações de reação a indeferimento de pedido de revisão de autoliquidação, em relação à qual não foi apresentada reclamação graciosa. Adiantemos, desde já, que a resposta é afirmativa, como, aliás, tem vindo a ser decidido por este TCAS – v. os acórdãos de 11.03.2021 (Processo: 7608/14.5BCLSB), de 13.12.2019 (Processo: 111/18.6BCLSB), de 11.07.2019 (Processo: 147/17.4BCLSB), de 25.06.2019 (Processo: 44/18.6BCLSB) e de 27.04.2017 (Processo: 08599/15). Desde logo, o art.º 2.º do RJAT não exclui casos como o dos autos, devendo considerar-se que são abrangidas as situações em que a liquidação seja o objeto imediato ou mediato da impugnação arbitral. Portanto, por esta via, não há que restringir o alcance desta norma de competência. Por outro lado, a exclusão constante da al. a) do seu art.º 2.º da Portaria de vinculação não tem o alcance que lhe é dado pela Impugnante, porquanto visa salvaguardar as situações em que o legislador consagrou a reclamação administrativa necessária prévia – sendo certo que a nossa jurisprudência admite a possibilidade de se formularem pedidos de revisão de autoliquidações, ao abrigo do art.º 78.º da LGT, ainda que não tenha sido apresentada reclamação graciosa (cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.05.2012 (Processo: 0140/13)(…)”
De referir ainda que o problema deve ser juridicamente analisado na perspetiva das condições de impugnabilidade do próprio ato tributário e não da competência do tribunal, pois o que está em causa é a necessidade de uma (específica) interpelação administrativa prévia. Este requisito configura o pressuposto processual da impugnabilidade do ato (in casu, dos atos de autoliquidação, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4 alínea i) do CPTA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT[3]. Dito de outro modo, se a tese da AT tivesse vencimento, o Tribunal Arbitral seria competente, mas o ato seria inimpugnável, pelo que do mesmo não poderia conhecer[4].
Em qualquer caso, independentemente da qualificação jurídica como incompetência do Tribunal ou como inimpugnabilidade do ato, a exceção suscitada pela Requerida é improcedente, pois não corresponde à melhor interpretação das normas aplicadas, que é a de que se encontram abrangidas pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria de Vinculação as pretensões que se prendam com a ilegalidade de atos de autoliquidação e/ou de retenção na fonte que sejam precedidos de pedido de revisão oficiosa, pelo que este Tribunal Arbitral é competente em razão da matéria, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011.”.
Regressando ao caso aqui em análise, verifica-se que o pressuposto visado pelo artigo 2.º n.º 1 do RJAT e pelo artigo 2.º alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março de impor uma filtragem administrativa prévia à via arbitral foi assegurado, já que a Requerente apresentou um pedido de revisão dos atos de retenção na fonte contestados e, desse modo, conferiu à AT a possibilidade de sindicar a respectiva legalidade e de decidir sobre a sua manutenção ou anulação da ordem jurídica. Por conseguinte, resulta incontroverso que o Tribunal Arbitral é materialmente competente para conhecer do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, julgando-se improcedente a excepção dilatória suscitada pela Requerida a este respeito.
Quanto ao facto de não ter existido uma decisão de indeferimento expressa mas, isso sim, um indeferimento tácito, importa relembrar que nas situações de indeferimento tácito não há, obviamente, uma apreciação expressa da legalidade de ato tributário. No entanto, esta ficção visa, precisamente, assegurar a impugnação contenciosa em meio processual.
Neste caso, estando-se perante indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, que tem por objeto direto atos de retenções na fonte, é de considerar que o ato ficcionado conhece da legalidade da retenção na fonte e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo o processo arbitral.
Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua “um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (n.º 2). Nesse sentido (com as devidas adaptações), cf. acórdão 540/2020-T do CAAD.
Por fim, importa salientar, também, que a Requerida considera que, por não ter tido qualquer intervenção nas liquidações impugnadas – porque praticadas no quadro de uma substituição fiscal total –, não existe erro imputável aos serviços e, portanto, a Requerente não pode aproveitar do prazo previsto no nº 1 do art. 78º da LGT.
Sucede, porém, que, estamos perante retenções na fonte a título definitivo efetuadas pelo substituto tributário, e o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção na fonte é suscetível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do n.º 1 do artigo 78º da LGT. Isto porque, por um lado, o Requerente (substituído tributário), que enquanto destinatário dos rendimentos, líquidos de retenção na fonte, não tem qualquer intervenção na liquidação do imposto (feita entre o substituto tributário e a AT) e, por outro lado, tem sido esta a posição do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), como pode ler-se no processo n.º 087/22.5BEAVR, de 09-11-2022:
“Assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do n.º 1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária”.
Improcede, por conseguinte, a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral.
O processo não enferma de nulidades, nem existem outras excepções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO
3.1. MATÉRIA DE FACTO
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FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade de Direito Alemão que, nos anos de 2020 e 2021, era a entidade gestora do fundo de investimento B... (“fundo”).
(cfr. Art. 14.º e 18.º do PPA)
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O fundo reveste a forma jurídica de organismo de investimento coletivo (“OIC”) (em particular, “fundo de investimento imobiliário especial”) de Direito Alemão.
(cfr. Documento n.o 6, junto ao PPA)
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A Requerente celebrou, em 05-08-2010, um contrato de financiamento com a sociedade Direito Português C..., S.A. (“C...”) nos termos do qual foi concedido um empréstimo no montante de €9.500.000.
(cfr. Documento n.o 3, junto ao PPA)
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A C... efetuou o pagamento de juros, conforme detalhe infra:
Data de Pagamento
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Montante Bruto
(€)
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Retenção na fonte (€)
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Guia de retenção na fonte n.º
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03-08-2020
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116.047,78
|
17.407,17
|
...
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03-11-2020
|
116.047,78
|
17.407,17
|
...
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03-02-2021
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116.047,78
|
17.407,17
|
...
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04-05-2021
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112.263,61
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16.839,54
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...
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(cfr. Art. 23.º do PPA e Documentos n.os 1 e 7, juntos ao PPA)
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Os pagamentos foram efetuados pela C... para a Requerente (A... GmbH) e depositados na conta bancária com o IBAN n.º... .
(cfr. Art. 26.º do PPA e Documento n.o 7, junto ao PPA)
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A C... efetuou, sobre os referidos pagamentos, retenções na fonte no montante total de €69.061,05, tendo as mesmas sido entregues nos cofres do Estado.
(cfr. Art. 26.º do PPA e Documentos n.os 1 e 8, juntos ao PPA)
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A Requerente apresentou, em 13-07-2023, pedido de revisão oficiosa contra os referidos atos de retenção na fonte.
(cfr. Documentos n.os 2 e 9, juntos ao PPA)
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Em 14-11-2023, formou-se a presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente.
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Em 12-02-2024, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
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FACTOS NÃO PROVADOS
Não ficou provado, por um lado, que a Requerente (A... GmbH) - beneficiária dos pagamentos em crise - tenha a forma jurídica de um OIC. De facto, o contrato de financiamento apresentado (Documento n.º 3 junto ao PPA) efetua uma clara distinção entre “borrower” (i.e. o mutuário, a C...), “lender” (i.e. o mutuante, a Requerente) e, por fim, “fund” (o fundo), conforme se extrai, por exemplo, do introito ou da cláusula 4.3. Do Contrato conclui-se que os pagamentos seriam efetuados para a conta bancária do lender, o que, de facto, resultou provado (cfr. matéria de facto E) supra).
Por outro lado, não ficou, igualmente, provado que o fundo - relativamente ao qual se demonstrou a natureza jurídica de OIC - tenha sido o beneficiário dos pagamentos sujeitos a retenção na fonte.
Não há outros factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
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FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, relativamente à prova produzida, o princípio da livre apreciação.
Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas e nos documentos juntos ao processo por ambas as partes.
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MATÉRIA DE DIREITO
A Requerente defende, em suma, que do regime que se prevê no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes em relação aos residentes, que é incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
É certo que a questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63.º do TFUE, foi apreciada no acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, em que se concluiu que:
“O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
Note-se, de resto, que o Supremo Tribunal Administrativo uniformizou a jurisprudência sobre esta matéria em obediência ao decidido pelo TJUE (Ac. 093/19, de 28/09/2023).
Sucede, porém, que, apenas os OIC (i.e. “fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário” [1]) que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa ou tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia ou, ainda, de acordo com a legislação de um país terceiro, podem beneficiar do regime previsto no artigo 22.º do EBF.
In casu, a AT refere na sua resposta que “das Declarações Modelo 30 submetidas por C..., SA, Pessoa Coletiva com o nº..., referentes aos rendimentos ( juros ), pagos em Agosto, e Novembro de 2020, e Fevereiro, Maio de 2022, identificados no § 23º do Pedido Arbitral , consta da relação de beneficiários dos rendimentos a entidade aqui em causa A... GMBH”. De facto, resultou provado que os rendimentos obtidos em Portugal (juros) foram auferidos pela Requerente (sociedade gestora) e não pelo fundo gerido por esta. Tal facto é relevante, pois, conforme referido acima, apenas os OIC podem beneficiar do regime previsto no artigo 22.º do EBF (nomeadamente a não sujeição a retenção na fonte de IRC).
Dos autos não resultou provado que a Requerente possa se qualificar como OIC. A Requerente limita-se a invocar que é uma sociedade de Direito alemão que se dedica à gestão do Fundo (sendo que, repita-se, não resultou, igualmente, provado que os juros tenham sido auferidos pelo Fundo; pelo contrário, resultou provado que juros foram auferidos pela sociedade gestora, i.e. a Requerente - vide supra, matéria de facto provada C) a E)).
Ora, à data dos factos, Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo (“RGOIC”) - Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro - transpôs para o ordenamento jurídico Português as Directivas 2009/65/CE e 2011/61/UE. Deste quadro legislativo, em particular dos artigos 5.º e ss. e 65.º e ss. do RGOIC, extrai-se uma clara distinção entre OIC e as respectivas sociedades gestoras (“entidades gestoras”).
É certo, porém, que são, igualmente, admissíveis OIC sob a forma societária (cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea k) ou artigo 11.º do RGOIC), inclusive autogeridos. No entanto, a verdade é que a Requerente não apresentou qualquer prova de detinha essa natureza ou qualquer outra natureza que a permitisse qualificar como OIC e, como tal, beneficiar do regime fiscal previsto no artigo 22.º do EBF. Ónus da prova esse que, naturalmente, recai, nos termos do artigo 74.º da LGT, sobre a Requerente
Em face do exposto, o pedido arbitral mostra-se totalmente improcedente.
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DECISÃO
Termos em que, de harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
i. julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral com todas as legais consequências; e
ii. condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
5. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €69.061,05, indicado pelo Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
6. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 17 de dezembro de 2024
Os Árbitros
José Poças Falcão
José Coutinho Pires
Gonçalo Estanque
[1] Redação em vigor, à data dos factos, do n.º 1 do artigo 22.º do EBF.