Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1027/2023-T
Data da decisão: 2024-12-30  IRS  
Valor do pedido: € 12.609,90
Tema: IRS - Requisitos para aplicação do regime dos Residentes Não Habituais
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SUMÁRIO:

A inscrição como residente não habitual estabelecida no n.º 10 do art. 16.º do CIRS possui natureza declarativa, pelo que não é elemento constitutivo da facti species da tributação segundo o regime dos residentes não habituais nos termos do n.º 9 do art. 16.º do CIRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            I. RELATÓRIO

 

  1. A..., NIF..., residente na Rua ... ..., ..., ..., Lisboa, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), para apreciação da legalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2023..., respeitante a 2022.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 21 de dezembro de 2023 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

  1. Ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 12 de fevereiro de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 1 de março de 2024, sendo que no dia 6 de março de 2024 foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.

 

  1. Em 15 de abril de 2024, a Requerida apresentou resposta e juntou aos autos o processo administrativo, defendendo-se por exceção e por impugnação e requerendo a sua absolvição da instância.

 

  1. Em 30 de abril de 2024, o Requerente apresentou requerimento para, ao abrigo do princípio do contraditório, pronunciar-se sobre a matéria de exceção suscitada pela AT na resposta apresentada.

 

  1. Por despacho de 3 de maio de 2024, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT, remetendo para a decisão final a apreciação da matéria de exceção. O Tribunal Arbitral notificou as Partes da possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas, facultativas, por prazo simultâneo de 15 dias. Mais informou as Partes de que a decisão final seria proferida até ao dia 30 de julho de 2024.

 

  1. Em 16 e 17 de maio de 2024, vieram o Requerente e a Requerida, por esta ordem, apresentar as suas alegações escritas, reiterando, no essencial, as respetivas posições já defendidas nos autos.

 

  1. Em 12 de julho de 2024, veio o Requerente juntar aos autos o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de maio de 2024, proferido no âmbito do processo 0842/23.9BESNT.

 

  1. Em 29 de agosto e 31 de outubro de 2024, o Tribunal Arbitral determinou, respetivamente, a prorrogação por dois meses do prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

 

A posição e os fundamentos do Requerente

 

  1. O Requerente para fundamentar o pedido alega, em síntese, o seguinte:

 

  1. A 27 de julho de 2018, o Requerente solicitou, por via eletrónica, no Portal das Finanças, a sua inscrição como RNH com efeitos ao ano de 2018.
  2. O Requerente foi notificado do projeto de decisão de indeferimento do pedido, com base nos seguintes pontos:
  1. O Requerente constava, como residente fiscal, em declarações de rendimentos de IRS relativamente aos anos de 2013 e 2014; e,
  2. O Requerente constava, em declarações de terceiros (Modelo 10/DMR), como tendo obtido rendimentos em Portugal, enquanto residente, relativamente aos anos de 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017.
  1. O Requerente requereu, junto da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes (“DSRC”), a correção retroativa do seu cadastro fiscal, a fim de passar a constar no cadastro como não residente, desde 2013.
  2. O Requerente e a empresa pagadora dos seus rendimentos substituíram as duas declarações Modelo 3 de IRS apresentadas como residente fiscal em Portugal (2013 e 2014), e bem assim as declarações de terceiros (Mod 10/DMR).
  3. O Serviço de Finanças de Lisboa ... deferiu o pedido de correção cadastral, passando o Requerente a constar inscrito como não residente desde 1 de janeiro de 2013.
  4. Na sequência da correção do seu cadastro fiscal, o Requerente, a 27 de julho de 2018, inscreve-se como residente fiscal em território português, e, no mesmo dia, requer a sua inscrição como RNH.
  5. Em 14 de setembro de 2018, veio a DSR a indeferir o pedido de inscrição como RNH, invocando como fundamento a pendência das declarações de rendimentos iniciais apresentadas como residente.
  6. Por à data não se encontrar em Portugal, o Requerente não reagiu atempadamente à notificação do indeferimento do pedido de RNH.
  7. O Serviço de Finanças de Lisboa ... validou a declaração de substituição de 2014, mas não validou a declaração de substituição de 2013, por entender que, tendo passado mais de 4 anos desde o ano fiscal em causa, havia já caducado o direito à liquidação do IRS.
  8. O Requerente expôs a situação à Direção de Serviços do IRS (“DSIRS”), a qual, ato contínuo, instruiu o Serviço de Finanças de Lisboa ... a validar a declaração de substituição de 2013.
  9. O Requerente recorreu às vias judiciais para obter uma condenação da AT quanto à obrigatoriedade de promover aquele registo como RNH – processo que presentemente corre termos junto da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, sob o número de processo 1477/21.6BELRS.
  10. Na pendência do processo 1477/21.6BELRS, e independentemente da inscrição cadastral do Requerente enquanto RNH, não pode o Requerente ser impedido do direito, que lhe assiste, a ser tributado, em sede de IRS, enquanto RNH, posto estarem preenchidos os pressupostos legais de que depende a aplicação deste regime.
  11. Sendo inequívoco, considerados os demais pressupostos de que depende a inscrição como RNH, que:
  1. Nos 5 anos anteriores ao ano de 2018 – ano em que passou a ser residente fiscal em Portugal – o Requerente sempre foi residente fiscal no Brasil;
  2. Em 2018, se registou e se tornou residente em território português;
  3. Ao abrigo do regime do RNH, e por referência ao prazo de 10 anos de validade do regime, o Requerente goza do direito a ser tributado, em sede de IRS, ao abrigo do mesmo;
  4. Em 2022, o Requerente reunia as condições para ser considerado como residente fiscal em Portugal nos termos do disposto no artigo 16.º do CIRS e da Convenção de Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Brasil.
  • Foi neste contexto que, aquando do preenchimento e submissão da sua declaração de rendimentos referente a 2022, o Requerente, relativamente aos rendimentos da Categoria H do IRS (pensões), além de ter preenchido e entregue o Anexo H, incluiu o valor bruto das pensões auferidas nesse ano no Anexo L, relativo ao “Residente Não Habitual”.
  • O valor dos rendimentos da Categoria H (pensões) declarados, no montante de 10.102,19 €, com imposto pago no estrangeiro no montante de 347,74 €, resultou do pagamento de uma pensão de fonte brasileira.
  • A declaração submetida pelo Requerente, à qual foi atribuído o n.º 2022-...-... -..., foi, no entanto, sinalizada pela AT como contendo “erros de preenchimento”.
  • Atenta a irredutibilidade da AT em processar a declaração de rendimentos submetida, o Requerente procedeu à substituição da sua declaração de rendimentos, removendo o respetivo anexo L, submetendo a declaração de substituição a que foi atribuído  n.º 2022-...-... -..., de cujo processamento veio a resultar a liquidação de IRS n.º 2023..., passível de reclamação graciosa e/ou impugnação judicial.
  • A não aplicação ao Requerente, da isenção de IRS, ao abrigo do regime de RNH, relativamente aos rendimentos da Categoria H do IRS (pensões), de fonte estrangeira, que pelos critérios do n.º 1 o artigo 18.º do Código do IRS não são de considerar obtidos em Portugal, mais encontrando-se preenchidas as condições para que às mesmas seja aplicável o referido regime transitório – na medida em que , à data de entrada em vigor da LOE 2020, era considerado residente para efeitos fiscais e já havia solicitado a sua inscrição como RNH – a sua não aplicação redunda em vício de violação de lei, conducente à anulação parcial da liquidação.
  • Como sustenta jurisprudência assente (vide, a mero título de exemplo, as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos 581/2022-T, 550/2022-T, 319/2022-T, 815/2021-T, 782/2021-T, 777/2020-T, e 188/2020-T), o RNH corresponde a um benefício fiscal automático, que opera quando as meras condições objetivas de residência e de tempo de permanência no exterior, que são imediatamente reconhecíveis pela AT, estão preenchidas, pelo que não se pode denegar a tributação ao abrigo desse estatuto quando se encontrem preenchidas aquelas condições.
  • Considerando o quadro legal à data dos factos, a tributação de acordo com o regime do RNH, depende do preenchimento de dois pressupostos cumulativos:
  1. Que o contribuinte se torne fiscalmente residente em território português de acordo com qualquer dos critérios estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 16.º do Código do IRS, no ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como RNH;
  2. Que o contribuinte não tenha sido considerado residente em território português em qualquer dos 5 anos anteriores ao ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como RNH.
  1. Resulta assim, que o direito a ser tributado RNH depende apenas da inscrição como residente em território português e do preenchimento dos requisitos previstos no n.º 8 do artigo 16.º do CIRS.
  2. A inscrição como RNH prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS trata-se de uma mera obrigação declarativa, não sendo constitutiva do direito à tributação enquanto tal – vide nesse sentido a jurisprudência arbitral acima referenciada.
  3. Resulta da matéria de facto que, no período compreendido entre 2013 e 2017, o Requerente não residiu em território português, mas sim no Brasil, o que foi comprovado pela AT no âmbito do procedimento atinente à regularização do cadastro fiscal do Requerente.
  4. Dali resulta, inequivocamente, que o Requerente não foi residente fiscal em Portugal nos cinco anos anteriores àquele em que se tornou residente em Portugal (2018).
  5. Sendo certo que o Requerente se tornou residente fiscal em Portugal no ano de 2018, i.e., antes da entrada em vigor da LOE 2020, e que preenchia cabalmente todos os requisitos previstos no artigo n.º 8 do artigo 16.º do CIRS para adquirir o direito a ser tributado como RNH, nada obsta assim a que não possa beneficiar da aplicação do método de isenção quanto aos rendimentos de pensões conforme previsto no regime transitório acima mencionado.

 

 

 

A posição e os fundamentos da Requerida

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua resposta, começa por suscitar a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral, notando que está em causa um pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual, questão tributária que não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação invocado. A suportar esta sua posição, a Requerida apoia-se na decisão arbitral proferida no processo 796/2022-T CAAD.

 

  1. Seguidamente, a AT invoca a exceção da inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de RNH, notando que o reconhecimento da condição de RNH, assenta num procedimento prévio e independente da liquidação objetada nos presentes autos. A suportar esta sua posição, a Requerida apoia-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 718/2017, proferido no Processo nº 723/2016, de 2017.11.15, bem como na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) prevalecente (Acórdão do STA, Uniformizador de Jurisprudência, nº 014/19.7BALSB, de 04.11.2020.

 

  1. Subsidiariamente, a Requerida considera que atendendo a que o Requerente veio dar conhecimento aos presentes autos que interpôs junto do TT de Lisboa uma ação administrativa com vista à impugnação do ato de rejeição de RNH e que da sentença aí proferida, que absolveu a AT da instância, interpôs o competente recurso jurisdicional junto do TCA SUL, deve a presente instância ser suspensa até à prolação de acórdão que decida definitivamente a aludida questão, tal como se procedeu nos PPA 100/2023-T e 893/2023-T CAAD, em situação similar à em análise nos presentes autos.

 

  1.  Em sede impugnação, a Requerida expende, em síntese, a seguinte argumentação:

 

  1. O ora Requerente alega que as condições objetivas para o estatuto de RNH estão preenchidas e que são imediatamente reconhecíveis pela AT, não podendo ser-lhe negada a tributação com o beneficio inerente, mas tal mostra-se em absoluto falacioso, desde logo porque o reconhecimento foi o de que não estão preenchidos os tais requisitos legais, não sendo bastante a mera alegação pessoal.
  2. O ora Requerente, enquanto interessado deu o impulso necessário ao procedimento de reconhecimento do estatuto de RNH, sendo este pressuposto prévio necessário à aquisição do direito ao regime de beneficio fiscal associado, mas a decisão foi o indeferimento, portanto mostra-se afastado o direito à tributação dos rendimentos auferidos sob a égide normativa prevista no CIRS à data dos factos, no caso de 2022, que se encontrem vigentes em razão do estatuto RNH.
  3. Por outro lado, há que atender ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 718/2017, proferido em razão do Proc. nº 723/2016, de 15-11-2017 na explicitação que formula, concretamente: “Do regime legal que acaba de expor-se parece, assim, extrair-se com segurança que o ato de deferimento/indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto do residente não habitual não integra, como ato preparatório, mesmo que destacável, o procedimento de liquidação do correspondente imposto – isto é, o procedimento tributário comum; antes constitui um verdadeiro ato tributário autónomo”.
  4. Assim, pode concluir-se que o procedimento de reconhecimento como RNH não integra o procedimento de liquidação, assumindo-se este como ato tributário autónomo, enquanto que o primeiro constitui ato administrativo autónomo.
  5. No sentido expresso no artigo anterior também a jurisprudência do STA, nomeadamente no Acd. Nº 034/14 de 15.05.2016 e em sede arbitral, como no CAAD nº 514/2015-T, de 04.01.2019 ou no CAAD nº 796/2022, considerando-se que o reconhecimento, ou não, do estatuto como RNH, é ato administrativo autónomo cuja decisão tem repercussões diretas na esfera jurídica dos contribuintes, ademais quando se situa no quadro dos benefícios fiscais, pelo que deve ser suscetível de impugnação imediata através de ação administrativa especial, não sendo de ponderar neste âmbito a legalidade, ou não, do ato de liquidação já que não constitui meio próprio, sob pena de erro na forma de processo.
  6. Parece concluir-se, no que ao exercício controvertido nos presentes autos respeita, não poder ser aceite que o ora Requerente discuta por esta via processual a materialidade e efetivação da condição de RNH quando, como foi explicitado, tal deve ser objeto de análise em procedimento autónomo e contenciosamente por via de ação administrativa, porquanto o verdadeiro objeto deste CAAD deveria ser a liquidação emitida e esta, mostra-se legalmente conforme, i.é a liquidação contestada apenas e só traduz o enquadramento e aplicação das normas do CIRS vigentes à luz dos factos apresentados/inscritos e demais informação passível de ser conhecida, sublinhando-se que a condição do contribuinte como RNH não encontra registo positivo, pelo que não poderia ser atendida.
  7. Atento ao exposto não parece ser de considerar que o ato tributário objeto dos autos se mostre ferido de qualquer ilegalidade, tendo sido emitido em conformidade com os elementos declarados pelo contribuinte na mod. 3 e anexos entregues, e se não foi considerado o eventual beneficio associado ao reconhecimento do estatuo de RNH, a verdade é que o contribuinte ora Requerente não o detinha.
  8. A interpretação jurídica invocada pelo Requerente, e plasmada em algumas decisões do CAAD, sobre o alegado efeito meramente declarativo da inscrição prevista no artigo 16.º n.º 10 do CIRS, constitui-se numa manifesta violação das regras de interpretação das normas jurídicas fiscais previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária e do artigo 9.º do Código Civil.
  9. Esta interpretação limita-se a referir que, pelo facto de a obrigação da supracitada inscrição se inserir noutro número (n.º 10 do artigo 16.º CIRS), que não seja o n.º 8 do artigo 16.º do CIRS, é suficiente para lhe afastar o caráter constitutivo.
  10. A mera aplicação automática do artigo 16.º n.º 8 do CIRS, desconsiderando o n.º 10, conduziria a que fossem considerados RNH em território português todos os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes não tivessem sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
  11. Mesmo que não tivessem seguido o procedimento voluntário de inscrição expressamente previsto, ou no limite, mesmo que desconhecessem por completo o regime.
  12. Este entendimento é claramente violador do caracter de submissão voluntária ao regime e até do próprio princípio da capacidade contributiva.
  13. A interpretação de que a aplicação do regime de RNH se basta com a verificação das condições previstas no n.º 8, não dependendo do pedido de inscrição, atenta diretamente contra a coerência da aplicação do sistema de benefícios fiscais, designadamente com o “Programa Regressar”, previsto no artigo 12.º A do CIRS.
  14. O legislador pretendeu assim evitar que os sujeitos passivos pudessem beneficiar destes dois regimes em simultâneo.
  15. Como a possibilidade de beneficiar do regime de RNH depende da inscrição prevista no artigo 16.º n.º 10 do CIRS, o legislador limitou-se a prever como condição para poder beneficiar do “Programa Regressar”: não ter efetuado o pedido de inscrição como RNH.
  16. É inevitável concluir que a correta aplicação do regime de RNH, de forma sistematizada e atendendo aos princípios jurídicos a que se subjaz, é a que exige a inscrição dentro do prazo expressamente determinado na lei.
  17. Dúvidas houvesse, sempre seria de chamar à colação o entendimento perfilhado na decisão do Processo n.º 2972/15.1BELRS, do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 03.02.2023, donde se assume como evidente: «…o benefício do regime do RNH está dependente de um procedimento de inscrição, a solicitação por parte do contribuinte; é inequívoco também que, a partir de 2012, o legislador expressamente previu o prazo para ser concretizada essa solicitação (i.e., pedido de inscrição): ou logo aquando da inscrição como residente, ou o mais tardar, até dia 31 de Março do ano seguinte (artigo 16º, nº 8 do CIRS)…».
  18. Neste mesmo sentido, acompanha a decisão proferida no âmbito do Processo n.º 406/14.8BELRS, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 27.01.2023, reafirmando que o legislador prevê expressamente um procedimento e um prazo limite, que é desencadeado mediante a apresentação de um pedido expresso, até porque, conforme já referido, o exercício de um direito não pode nunca ser transformado numa obrigação, citando: «Se o registo fosse automático, como defende o A., o contribuinte adquiria aquele direito, quer quisesse, quer não, e nem sequer poderia renunciar aos benefícios fiscais que lhe estão associados, o que não faz qualquer sentido(…)».
  19. Nessa conformidade, sendo a inscrição como RNH, um requisito prévio necessário à concessão do estatuto/benefício de RNH, e não tendo este sido este concedido, não se verifica qualquer ilegalidade da liquidação contestada, pois o mesmo não o detém e este não é o meio próprio para a contestação do indeferimento do pedido do reconhecimento do estatuto de residente não habitual.
  20. Desde já se adiante que, no entendimento da Requerida, a interpretação invocada pelo Requerente sobre o alegado efeito meramente declarativo da inscrição prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS – temática que aqui nos ocupa – consubstancia uma violação frontal aos princípios da Legalidade, do Sistema Fiscal e da Segurança Jurídica (cf. artigos 3º nº 3, 103º nº 2, 267º nº 2 e 2º todos da CRP).

 

  1. Segundo a AT, conforme aduzido pelo Acórdão do TC, a impugnação do ato de reconhecimento da condição de residente não habitual, não encontra sustentação jurisdicional na discussão da legalidade da liquidação.

 

  1. Sem prescindir, a AT refere que tendo o Requerente dado conhecimento aos presentes autos que interpôs junto do TT de Lisboa uma ação administrativa com vista à impugnação do ato de rejeição de RNH e que da sentença aí proferida, que absolveu a AT da instância, interpôs o competente recurso jurisdicional junto do TCA SUL, deve a presente instância ser suspensa até à prolação de acórdão que decida definitivamente a aludida questão, solução, de resto, preconizada nos PPA 100/2023-T e 893/2023-T CAAD, em situação similar à em análise nos presentes autos.

 

A posição do Requerente quanto à matéria de exceção suscitada pela Requerida na resposta apresentada

 

  1. O Requerente, em 30 de abril de 2024, veio dizer, em síntese, o seguinte:

 

  1. A Requerida aventa na Resposta as exceções de suposta incompetência do tribunal arbitral e de inimpugnabilidade do ato de liquidação objeto dos presentes autos, por (incorretamente) entender que o objeto destes autos não é a liquidação impugnada, mas sim a inscrição cadastral do Requerente enquanto residente fiscal não habitual (“RNH”), a qual é autónoma face ao ato de liquidação impugnado e cuja legalidade apenas poderia ser discutida em sede de ação administrativa, e não no âmbito da arbitragem tributária.
  2. Conforme vem expresso no pedido de pronúncia arbitral, o objeto destes autos é constituído – única e exclusivamente – pela apreciação da legalidade da liquidação de IRS impugnada; o Requerente nunca peticionou ao Tribunal Arbitral constituído que condenasse a Requerida na inscrição em cadastro fiscal da qualidade de RNH do Requerente.
  3. O Requerente está ciente que a discussão da inscrição cadastral, como a Requerida corretamente expôs, cai fora do âmbito de competências dos tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD, nos termos do art. 2.º, n.º 1, do RJAT, razão pela qual, conforme expresso no pedido de pronuncia arbitral, e confirmado pela Requerida na sua Resposta, se encontra a peticionar esse efeito noutra sede que não esta.
  4. Veja-se, nesse sentido, por exemplo, a decisão arbitral proferida no Processo nº 188/2020-T:

(…)

Com efeito, o presente pedido arbitral tem como objecto as liquidações de IRS dos anos de 2014 e 2015 e como objecto imediato as decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos que apreciaram as referidas liquidações. Não está, pois, em causa nos presentes autos conhecer de qualquer outra decisão, nomeadamente, de caráter administrativo, como alega a AT.

Na verdade, o Requerente não apresentou o pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade do acto de indeferimento da sua inscrição como residente não habitual, nem a reclamação graciosa e posterior recurso hierárquico teve esse fundamento. No caso em apreço, o Requerente impugnou os actos de liquidação, os quais tiveram por base, entre outros pressupostos, o não enquadramento do Requerente no regime do residente não habitual. Considerando a formulação do presente pedido arbitral, tal qual vem exposta no pedido arbitral, o qual versa sobre a impugnação de atos de liquidação de imposto, expressamente prevista no artigo 2º, nº1, alínea a) do RJAT como matéria de competência dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, conclui-se pela improcedência da exceção de incompetência material suscitada pela AT.

  1. Em face de uma invocação destas mesmas (pretensas) exceções, o tribunal arbitral construído no Processo nº 777/2020-T decidiu também em idêntico sentido:

(…)

Na verdade, o Requerente não apresentou o pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade do acto de indeferimento da sua inscrição como residente não habitual, nem as reclamações graciosas e posteriores recursos hierárquicos tiveram esse fundamento.

No caso em apreço, o Requerente impugnou os actos de liquidação, os quais tiveram por base, entre outros pressupostos, o não enquadramento do Requerente no regime do residente não habitual.

Considerando a formulação do presente pedido arbitral, tal como vem exposta no pedido arbitral, o qual versa sobre a impugnação de atos de liquidação de imposto, expressamente prevista no artigo 2º, nº 1, alínea a), do RJAT como matéria de competência dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, conclui-se pela improcedência da exceção de incompetência material suscitada pela AT.

  1. De notar que, no âmbito do processo 796/2022-T CAAD, que a Requerida cita na Resposta e cuja decisão transcreve apenas trechos selecionados, foi submetida “à apreciação do Tribunal Arbitral a inscrição do Requerente no registo de contribuintes da Administração Tributária como Residente Não Habitual (doravante RNH), com efeitos a partir de 2020” - o que não se verifica nestes autos, já que nunca tal matéria foi submetida à apreciação do tribunal arbitral constituído.
  2. De facto, é incontestável que o pedido arbitral formulado pelo Requerente tem por objeto (apenas) a liquidação de IRS impugnada, e que não está em causa nos autos conhecer de qualquer outra decisão, nomeadamente, de caráter administrativo, como alega a Requerida.
  3. Nestes termos, deverá concluir-se pela improcedência das alegadas exceções de incompetência material e de inimpugnabilidade que são suscitadas pela Requerida, prosseguindo os presentes autos a sua normal tramitação.

 

II. SANEAMENTO

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º, 6.º, 1, e 10.º, 1, RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. arts. 4.º e 10.º, 2, RJAT, e art. 1.º, Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Suscita a Requerida as exceções de i) incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais bem como a de ii) inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de RNH. Tais questões serão apreciadas seguidamente após a fixação da matéria de facto.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

 

  1. Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. O Requerente está inscrito no cadastro da AT como não residente desde 1 de janeiro de 2013 – conforme documento n.º 3 junto com o PPA;
  2. Em 27/07/2018 o Requerente inscreveu-se como residente fiscal em território português e requereu a sua inscrição como RNH – conforme documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o PPA;
  3. Em 14/09/2018, o Diretor de Serviços de Registo de Contribuintes indeferiu o pedido de inscrição do Requerente como RNH – conforme processo administrativo;
  4. O Requerente intentou uma ação administrativa de condenação da AT quanto à obrigatoriedade de promover aquele registo como RNH, processo que presentemente corre termos junto da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, sob o número de processo 1477/21.6BELRS – cfr. facto alegado pela Requerente no artigo 21.º do PPA e não contestado pela Requerida;
  5. Em 30/06/2023 o Requerente submeteu a declaração de rendimentos referente a 2022, à qual foi atribuído o número 2022-...-... -..., na qual entregou o Anexo L – conforme processo administrativo;
  6. Em 30/06/2023 o Requerente submeteu a declaração de rendimentos referente a 2022, à qual foi atribuído o número 2022-...-...-..., na qual entregou o Anexo L – conforme processo administrativo;
  7. A declaração foi sinalizada pela AT como contendo erro de preenchimento, a qual informou o Requerente que deveria retirar o anexo L, uma vez que não tinha o estatuto de residente não habitual – conforme documento n.º 11 junto com o PPA;
  8. O Requerente procedeu à substituição da sua declaração de rendimentos, submetendo a declaração de substituição a que foi atribuído o n.º 2022-...-...-..., de cujo processamento veio a resultar a liquidação de IRS n.º 2023... submeteu declaração de substituição, tendo removido o anexo L, de que resultou a liquidação de IRS n.º 2023... – conforme documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o PPA, bem como conforme processo administrativo.
  9. Em 21 de dezembro de 2023, o Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que originou os presentes autos.

 

§2 – Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

  1. Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.

 

  1. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

  1. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

  1. A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente e no que consta do processo administrativo anexado pela Requerida.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

§1 – Questões a resolver

 

  1. Como questões a resolver, teremos desde logo, a da incompetência deste tribunal arbitral para conhecer o presente PPA e a questão prévia da inimpugnabilidade do acto de liquidação parcial, com fundamento na falta de inscrição do Requerente como residente não habitual.

Como questão de fundo, se as excepções não procederem, teremos necessidade de averiguar da legalidade da liquidação notificada ao Requerente, questão esta que se prende unicamente com a necessidade ou não da inscrição do ora Requerente reconhecida no cadastro da AT como RNH, ou se este benefício é automático, pelo que basta a invocação dos factos que servem de base à aplicação desse regime de tributação, para dele se usufruir.

 

§2 – Incompetência material

 

  1. Como vimos, para a Requerida, o tribunal é materialmente incompetente, na medida em que o que está em causa é um pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual.

Em sede de contraditório, defende o Requerente que o objeto destes autos é constituído – única e exclusivamente – pela apreciação da legalidade da liquidação de IRS impugnada, notando que nunca peticionou ao Tribunal Arbitral constituído que condenasse a Requerida na inscrição em cadastro fiscal da qualidade de RNH do Requerente.

Vejamos.

 

  1. A competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação a) da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; bem como a b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais — cf. art. 2.º, 1, a), b), RJAT.

Compulsados os autos, verificamos que o pedido formulado pelo Requerente consiste na anulação parcial do ato de liquidação de IRS n.º 2023..., relativa ao IRS do período tributário de 2022, no montante de € 1.575,27, por vício de violação de lei, designadamente, a não aplicação do estatuto de RNH.

Em momento algum o Requerente pretende que este tribunal se pronuncie sobre o indeferimento de que foi alvo relativo ao pedido de estatuto de RNH.

Sendo assim, o peticionado encontra-se abrangido pelo disposto no art. 2.º, 1, a), RJAT. Deste modo, o tribunal é materialmente competente para apreciação da matéria em juízo. Consequentemente, não se dá provimento à invocada exceção de incompetência material invocada pela AT.

 

§2 – Inimpugnabilidade do ato de liquidação

 

  1. Como vimos, a Requerida invoca a exceção da inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de RNH, notando que o reconhecimento da condição de RNH, assenta num procedimento prévio e independente da liquidação objetada nos presentes autos.

Em sede de contraditório, defende o Requerente que que o pedido arbitral formulado tem por objeto (apenas) a liquidação de IRS impugnada, e que não está em causa nos autos conhecer de qualquer outra decisão, nomeadamente, de caráter administrativo.

Vejamos.

 

  1. A questão em apreciação tem sido analisada e objecto de apreciação em diversas decisões arbitrais, como, por exemplo, nos Acórdãos proferidos nos Processos 319/2022-T, 705/2022-T, 656/2023 e 161/2024-T, 252/2024-T que devem aqui ser tidos em consideração a fim de se garantir uma interpretação e aplicação uniformes do direito, tal qual resulta do disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.

Conforme foi decidido no processo 319/2022-T “A pendência de discussão sobre a inscrição do contribuinte como residente não habitual, independente da fase em que se encontre (administrativa ou judicial), permite a impugnação direta do ato de liquidação de IRS com fundamento na não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais, inexistindo qualquer incompatibilidade com o Acórdão n.º 718/2017, de 15 de Novembro, do Tribunal Constitucional.”. 

Por seu turno, no processo 705/2022-T considerou o Tribunal que “(…) julga-se que a inscrição cadastral como residente não habitual do sujeito passivo de imposto não constitui ato autónomo ou destacável em relação ao procedimento de liquidação do imposto para efeitos de impugnação contenciosa, que obrigue, em derrogação do princípio da impugnação unitária (art. 54.º do CPPT), à impugnação direta e autónoma, no prazo e pelo meio legalmente previsto, de uma eventual decisão de indeferimento, sob pena de estabilização da situação mediante caso decidido ou caso resolvido e de decorrente preclusão da impugnação da liquidação de imposto nessa base.”

A posição deste Tribunal é de total concordância com a argumentação constante dos Acórdãos acima transcritos, pelo que improcede, pois, a exceção invocada pela Requerida nesta sede e, igualmente, o pedido de suspensão por causa prejudicial.

 

§3 – Thema decidendum

 

  1. Centremo-nos agora na questão de fundo objecto do presente pedido arbitral, saber se a inscrição no registo da condição de residente não habitual possui, não uma natureza meramente declarativa, mas eficácia constitutiva, no sentido de que se trata nessa inscrição cadastral de pressuposto específico sem o qual não é possível beneficiar das reduções ou isenções fiscais que são conferidas ao contribuinte em razão dessa condição de residente não habitual.

 

  1. O quadro jurídico aplicável em 2018, ano em o Requerente inscreveu-se como residente fiscal em território português, é constituído, no que imediatamente releva para a questão indicada, pelo disposto nos n.ºs 8 a 11 do art. 16.º do CIRS, na redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01.08, segundo os quais:

8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano”.

 

  1. Previamente, há que responder à questão sobre se o Requerente poderá ser considerado elegível para efeitos de obtenção do estatuto de RNH, e a resposta só pode ser no sentido afirmativo, pois, como resulta da factualidade dada como provada, o Requerente estava inscrito no cadastro da AT como não residente desde 1 de janeiro de 2013, inscrevendo-se como residente fiscal em 27/07/2018, ou seja, decorridos mais de cinco anos, conforme exige o n.º 8 do art. 16.º do CIRS.

 

  1.  Seguidamente, surge a questão de saber se a inscrição no registo dos contribuintes como residente não habitual constitui requisito necessário e constitutivo do direito à aplicação do regime respetivo e dos benefícios fiscais dele emergentes.

 

  1. A questão em apreciação tem sido analisada e objecto de apreciação em diversas decisões arbitrais, como, por exemplo, nos Acórdãos proferidos nos Processos 319/2022-T, 705/2022-T, 656/2023 e 161/2024-T, 252/2024-T que devem aqui ser tidos em consideração a fim de se garantir uma interpretação e aplicação uniformes do direito, tal qual resulta do disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.

 

  1. Como já foi observado em inúmera jurisprudência arbitral, por exemplo, nos Acórdãos proferidos nos Processos 319/2022-T, 705/2022-T, 656/2023 e 161/2024-T, 252/2024-T que devem aqui ser tidos em consideração a fim de se garantir uma interpretação e aplicação uniformes do direito, tal qual resulta do disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, a redação aplicável dos n.ºs 8 e 9 do art. 16.º do CIRS depõe claramente no sentido de que se trata, nessa inscrição no cadastro dos contribuintes, de um registo declarativo, cuja não realização não obvia à aplicação, verificados os pressupostos materiais exigidos, dos benefícios fiscais em causa.

 

  1. Veja-se, a este propósito, a análise feita a esta questão no primeiro dos citados Acórdãos:

 

É que, se o n.º 9 do art. 16.º do CIRS estabelece que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português”, com o que faz depender a aquisição do direito a ser tributado como residente não habitual de o sujeito passivo ser considerado residente não habitual, o n.º 8 do mesmo artigo é expresso e taxativo em declarar que: “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores”. Assim, para que o sujeito passivo seja “considerado residente não habitual” e adquira o direito a ser tributado como tal, a lei não inclui a inscrição no registo como residente não habitual, que surge no n.º 10 do mesmo artigo apenas como um dever do sujeito passivo (“deve solicitar a inscrição”), não como um requisito constitutivo dessa condição e do direito à correspondente situação tributária vantajosa.

Esta interpretação mostra-se corroborada pelo confronto com a anterior regulação do regime dos residentes não habituais. Recorde-se que, na versão do Decreto-Lei n.º 249/2009, o art. 23.º, n.º 2 do Código Fiscal do Investimento dispunha que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI” e o então n.º 7 do art. 16.º do CIRS afirmava, do mesmo modo, que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos”. Como se observa, a ligação que então se fazia entre a inscrição da qualidade de residente não habitual no registo dos contribuintes e a aquisição do direito a ser tributado como tal desapareceu da regulação vigente, a qual apenas conexiona a aquisição do direito a ser tributado como residente não habitual à consideração como tal em atenção à factualidade de os sujeitos passivos se tornarem fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do art. 16.º do CIRS e não terem sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, que são, pois, os únicos requisitos de que depende essa condição.

A facti species constitutiva da situação tributária de residente não habitual e dos correspondentes benefícios fiscais em sede de IRS é, portanto, a verificação dos dois pressupostos materiais atinentes à residência fiscal em certo ano em território português e à não residência fiscal pretérita nos cinco anos anteriores nesse território.

O pedido de inscrição como residente não habitual imposto pelo n.º 10 do art. 16.º do CIRS deve, então, reputar-se um dever acessório do contribuinte (art. 31.º, n.º 2 da LGT) que serve a finalidade de facilitação da fiscalização da situação tributária do contribuinte e da aplicação do beneficio fiscal, de modo a que a AT proceda ao controlo dos registos do contribuinte no seu cadastro, bem como dos demais elementos em seu poder, solicite eventuais elementos adicionais para verificar que o interessado foi considerado como residente fiscal noutra jurisdição e valide o cumprimento dos requisitos legalmente previstos, sendo, porém, da verificação destes requisitos, e não da solicitação ou realização daquela inscrição no registo, que depende a constituição do direito a ser tributado, de modo desagravado, como residente não habitual.

Assim, como dever acessório, o seu incumprimento pode gerar uma contraordenação tributária (cfr. art. 117.º do Regime Geral das Infrações Tributárias), mas não interfere com o direito à redução ou isenção tributária adveniente do regime do residente não habitual, que assenta estritamente na satisfação das condições materiais legalmente previstas e não pressupõe, como requisito formal autónomo, a inscrição cadastral como tal.

 

  1. Sendo certo que o Requerente não logrou obter a inscrição como RNH, tal não o deve impedir de beneficiar do respetivo regime, como resulta dos processos arbitrais anteriormente citados.

Assim sendo, entende o Tribunal que se encontram reunidos os requisitos legais, previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS para que ao Requerente seja aplicado o regime dos RNH e que seja tributado como tal, ou seja, em conformidade com o nº 9 do citado artigo 16º do CIRS e independentemente da efetivação do pedido de adesão a este regime.

Deve, pois, concluir-se que, estando verificados os pressupostos materiais da sua aplicação, o Requerente deve poder beneficiar, de pleno direito, do regime dos RNH, in casu, no ano de 2022.

Pelo exposto, julga-se procedente o pedido formulado pelo Requerente, impondo-se a anulação parcial do acto de liquidação aqui contestado na concreta medida em que não considera a qualidade de RNH do Requerente, remetendo-se para execução de julgado o concreto montante a reembolsar.

 

V. PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

O artigo 24.º, n.º 5 do RJAT determina que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que permite concluir pelo reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no âmbito de um processo arbitral.

O direito a juros indemnizatórios está regulado no artigo 43.º da LGT que determina o seguinte:

 

“Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas”.

 

Tendo ficado provado nos presentes autos que o erro na liquidação é imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que não aceitou a aplicação ao Requerente do regime dos RNH.

Como consequência desse erro, o Requerente foi objecto de uma liquidação de IRS que se mostrou não ser devido.

Determina o artigo 100.º da Lei Geral Tributária, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que “... a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

Nos presentes autos conclui-se que foi liquidado ao Requerente imposto em excesso, em resultado da não aplicação do regime dos RNH, razão pela qual são devidos juros indemnizatórios, que devem ser contados, a partir da data em que foi efectuado o pagamento, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, remetendo-se para execução de julgado o apuramento do concreto montante a pagar pela Requerida.

 

VI. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar improcedente a excepção dilatória de incompetência material invocada pela Requerida;
  2. Julgar improcedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade do ato de liquidação invocada pela Requerida;
  3.  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, e em consequência, anular parcialmente a liquidação de IRS n.º 2023..., nos termos acima descritos;
  4.  Ordenar o reembolso do montante de IRS indevidamente pago pelo Requerente, a apurar em execução de julgado;
  5.  Ordenar o pagamento, pela Requerida, dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos nos termos do artigo 43º nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT), a apurar em execução de julgado;
  6. Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

VII. VALOR DO PROCESSO

           

O Requerente indica como valor da causa o montante de € 12.609,90 (doze mil seiscentos e nove euros e noventa cêntimos, que não foi contestado pela Requerida, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

 

 

VIII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 918,00, a cargo da Requerida, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifiquem-se as Partes e, bem assim, o Ministério Público para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 3, da CRP, no artigo 72.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional) e no artigo 17.º, n.º 3 do RJAT.

 

Porto, 30 de dezembro de 2024.

 

O Árbitro,

 

Francisco Melo