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SUMÁRIO
1. Demonstrada a existência de um novo estabelecimento ao qual foram afetas máquinas industriais e para o qual foram endereçadas matérias-primas compatíveis com a atividade exercida, conclui-se que os investimentos não aceites pela AT, na origem da correção à dotação do RFAI para o Projeto A, no exercício de 2019, não se encontram excecionados pela alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI, uma vez que estão em causa ativos fixos tangíveis afetos à exploração da empresa.
2. Os novos produtos fabricados pelo sujeito passivo no âmbito da diversificação da produção do Projeto B nada mais são do que o resultado de “trabalhos de investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos, com vista à descoberta ou à melhoria substancial de matérias-primas”, que não deu lugar a despesas com ativos intangíveis relativas a “transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente”, não podendo as despesas com os ativos tangíveis necessários à sua produção ser consideradas inelegíveis para efeitos do benefício fiscal RFAI.
3. O requisito de atribuição do benefício fiscal RFAI a que se refere a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI não pressupõe a criação líquida de postos de trabalho, mas a criação de postos de trabalho e a sua manutenção pelo período legalmente previsto.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, Professora Doutora Rita Correia da Cunha (árbitro presidente), Dr.ª Filomena Oliveira e Dr.ª Mariana Vargas (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo constituído em 2 de janeiro de 2024, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., S.A., com o NIPC..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., Barcelos (doravante designada por “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante “AT” ou “Requerida”), não tendo utilizado a faculdade de designar árbitro.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex.mº Senhor Presidente do CAAD em 19 de outubro de 2023 e automaticamente notificado à AT. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou as signatárias como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, tendo estas comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável, sem oposição das Partes.
A. Objeto do pedido
A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2023..., e da demonstração de acerto de contas n.º 2023..., referentes ao exercício de 2019, de que resultou o valor a reembolsar de € 65.409,02.
A Requerente juntou ao PPA prova documental constituída por 47 documentos e requereu a apresentação de meios de prova na posse da AT, bem como a produção de prova testemunhal.
B. Síntese da posição das Partes
Requerente
A Requerente fundamenta o pedido nos factos e razões que, sucintamente, se enunciam:
1. A liquidação de IRC impugnada resultou das correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Braga aos investimentos relevantes para efeitos de RFAI do exercício de 2019, relativamente a dois projetos: o Projeto A e o Projeto B.
2. Quanto ao Projeto A – criação de um novo estabelecimento, a AT não aceitou como relevantes as obras realizadas no edifício de ..., que classificou como “despesas de conservação e manutenção do imóvel (…) que se destinou ao armazenamento de produtos oriundos das instalações fabris sitas na sede da empresa”.
3. Quanto ao Projeto B – diversificação da atividade do estabelecimento, através da aposta de uma nova linha de produção para novos produtos, entendeu a AT não serem elegíveis, para efeitos de RFAI, despesas com peças e motores para melhorias de máquinas já existentes e aquisições de equipamentos diversos para as linhas de produção, que considerou como “gastos resultantes da atividade normal da empresa, cujo fim último será a substituição de material de desgaste rápido, atualização ou complemento de capacidade existente”.
4. No que respeita à criação de postos de trabalho, a AT entendeu que, nos termos da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, esta condição tem de ser cumprida “à custa” de contratos de trabalho sem termo e dos postos de trabalho criados, garantindo um acréscimo efetivo do número global de trabalhadores da empresa em determinado período.
5. No entanto, considera a Requerente que a decisão da AT assenta num conjunto de equívocos, pré-juízos e falta de apreensão da efetiva realidade da Requerente:
a. A Requerente tem como principal atividade a fabricação de linhas de costura e posiciona-se na vanguarda do desenvolvimento e conceção de produtos de alta performance para as mais diversas áreas;
b. O investimento relevante para efeitos de RFAI foi efetuado ao longo dos anos, desde 2016 até 2019, no que respeita ao projeto A, e até 2020, relativamente ao projeto B.
6. Quanto ao projeto A – criação de um novo estabelecimento em Guimarães, o investimento inicial na criação do novo estabelecimento, num imóvel que se encontrava arrendado à Requerente desde 2013, permitiu o aumento do seu volume de negócios, tendo sido necessário realizar obras de reparação, preparação e adaptação do espaço, nomeadamente com a colocação de máquinas industriais que posteriormente, face à reorganização da atividade industrial, foram novamente transportadas para a sede.
7. Foram realizadas diversas obras e montados equipamentos (luzes e painéis elétricos especializados para o funcionamento da unidade fabril, pintura do estabelecimento, instalação de alarmes, etc.) desde o início do investimento, de modo a instalar a unidade fabril, com a contratação de funcionários que lá efetivamente trabalharam.
8. O estabelecimento viria a ser remodelado em 2020 devido à pandemia COVID-19, passando a ser utilizado para aumentar o armazenamento do produto acabado, após terem sido dele removidas as instalações fabris para o qual as obras foram realizadas.
9. Ora, se é certo que as reparações geralmente não integram o conceito de ativo fixo tangível para efeitos de RFAI, as reparações de instalações fabris estão excetuadas, nos termos do artigo 22.º, n.º 2, alínea a), do CFI, sendo inequívoco que estas reparações, que foram importantes para o bom funcionamento do estabelecimento em ..., devem ser consideradas elegíveis para efeitos de RFAI.
10. A conclusão da AT, de que o estabelecimento em ... não existiu e que os investimentos nele realizados não são elegíveis para efeitos de RFAI, é falsa.
11. No âmbito do projeto B, a AT concluiu que certos investimentos não eram elegíveis para efeitos de RFAI, por se traduzirem em “gastos resultantes da atividade normal da empresa, cujo fim último será a substituição de material de desgaste rápido, atualização ou complemento da capacidade existente”.
12. Em crise, no âmbito do projeto B, estão 4 investimentos levados a cabo pela Requerente, decorrentes da continuação e finalização de um longo percurso de investimentos que foram realizados com o escopo de diversificar o estabelecimento em Barcelos, para que este estivesse apto a criar novos produtos.
13. Começando pelo investimento classificado pela AT como “peças diversas para motor”, identificado como documento 11/B19, salienta-se que esta classificação é enganosa e redutora do verdadeiro objeto e escopo das despesas acarretadas.
14. A Requerente adquiriu, em 2019, inúmeras partes para a máquina de colocar etiquetas, que a AT entende traduzirem “reparações e melhorias a máquinas já existentes”.
15. Estas “partes” adquiridas pela Requerente não são reparos nem meras melhorias a uma máquina pré-existente, mas sim uma alteração substantiva a uma máquina já instalada no estabelecimento da empresa, que alterou o método de colocar embalagens de plástico e etiquetas para os novos modelos de cone, alterados por essas modificações à máquina, uma vez que possuem novas metragens, nomeadamente novos suportes e etiquetas que servem para produzir novos produtos.
16. Paralelamente, a Requerente, sentindo necessidade de produzir um produto de alta performance de forma a fortalecer o seu posicionamento num mercado específico onde o fator diferenciador constitui a alta qualidade do fio e constatando não existir qualquer produto no mercado, desenvolveu um sistema de lubrificação com vista à criação de um novo produto com qualidade de acabamento ao nível das propriedades físico-mecânicas, fricção, atrito, ponto de ebulição e propriedades anti estáticas.
17. Esta necessidade de criação e implementação de um novo sistema de lubrificação do fio fez com que a Requerente recorresse ao mercado para adquirir as peças necessárias para a montagem do referido sistema – pensado e idealizado internamente e que permitiu a criação de um novo produto, a necessitar de diferentes técnicas de etiquetagem e embalagem.
18. Para este efeito atente-se que a NCRF 7 (Ativos Fixos Tangíveis), no seu parágrafo 17, estipula que o custo de um item do ativo fixo tangível compreende para além do seu preço de compra, quaisquer outros custos “diretamente atribuíveis para colocar o ativo na localização e condição necessárias para o mesmo ser capaz de funcionar da forma pretendida”.
19. Neste contexto, conclui-se que os investimentos sub judice são partes integrantes das máquinas produtivas, adquiridas em estado novo, a considerar no âmbito do projeto de investimento do Projeto B ao RFAI, necessárias para que a Requerente pudesse desenvolver os seus novos produtos.
20. O investimento identificado como “Ringfeeder system and circulation dumb” (pump) é referente ao sistema de s das máquinas de produção das linhas. A especificidade dos produtos fabricados e comercializados pela Requerente obriga a um conceito de bobinagem que implica a integração de um sistema de lubrificação e/ou splicer (entrelaçamento) dos fios, sistema esse que necessariamente deverá ser integrado nas máquinas de bobinagem e que, pela sua relevância no âmbito do Projeto B, são enquadráveis e enquadradas para efeitos do RFAI.
21. O referido sistema de lubrificação é composto por várias peças: i) Sistema de anel para circular o lubrificante (constituído por tubagens, bombas circuladores, reservatório entre outros componentes); ii) Bomba de precisão para retirar o lubrificante do sistema de anel e debitá-lo no fio; iii) Aplicador de parafinação de fio para aplicar o lubrificante no fio; e iv) Bomba de precisão – bomba peristáltica ou bomba DDE Grundfos.
22. Estes componentes são, contudo, independentes das máquinas de bobinagem, o que obriga à sua aquisição independente para posteriormente montagem e implementação do referido NOVO sistema de lubrificação.
23. Ora, para que as máquinas de bobinagem e o referido sistema de lubrificação funcionem em sintonia torna-se necessário uma interface entre os dois que permita uma correta comunicação entre eles, através de componentes eletrónicos como contadores, relés de contacto, sensores e sinalizadores, ou seja, uma bomba de precisão só pode funcionar quando a máquina inicia a bobinagem, e tem de parar de debitar lubrificante quando a máquina parar de bobinar e, da mesma forma, quando o sistema se depara com um erro todos os componentes terão de obrigatória e automaticamente parar.
24. De facto, todo o sistema produtivo da Requerente, criado internamente – integrando máquina e as suas componentes – obriga à instalação de tubagens, abraçadeiras, rolamentos, e demais materiais e peças necessários à integração de todos num só processo produtivo; trata-se de um sistema inovador no processo de produção da Requerente, com características técnicas inovadoras que permitem fabricar novos produtos.
25. Relativamente ao item identificado pela AT como “bancada de serralharia”, a Requerente não consegue compreender a razão que justifica não considerar este investimento como elegível para efeitos de RFAI, pois, sendo certo que os artigos de mobiliário, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística, estão excetuados do conceito de ativos fixos tangíveis (artigo 22.º, n.º 2, alínea a), iv, do CFI), este investimento não é uma mera peça de mobiliário.
26. A “bancada de serralharia” é uma peça altamente especializada, utilizada para colocar as máquinas de cocoons, cuja produção interna passa por vários processos e máquinas, que foram adquiridas em vários anos, de 2018 a 2020.
27. Ao contrário de uma produção em cones, em que o fio/linha é entrelaçado sobre um cone de plástico, os cocoons são entrelaçados sobre si próprios, num processo completamente inovador, em que o fio/linha leva produtos específicos antes, durante e após o processo produtivo que servem para estabilizar o fio para que, posteriormente, se possa entrelaçar entre si e para que a produção fosse bem-sucedida, foi necessário adquirir máquinas específicas.
28. Essas máquinas são fornecidas por uma entidade externa, mas foi necessário adquirir as bancadas em questão e preparar as mesmas para colocar as máquinas; no entanto, não são meras mesa para pousar equipamento – foram feitas para respeitar uma determinada altura necessária para a produção e para aguentarem o peso das máquinas, assim como para absorver uma parte da vibração quando estas estão em funcionamento, devido ao seu tampo de madeira, realizadas com medidas muito especificas a pedido da Requerente, para acomodar as particularidades das máquinas de cocoons.
29. Os cocoons necessitam destas máquinas que, por sua vez, necessitam de estar situadas nestas bancas, pelo que as bancas são uma parte integrante das máquinas e essenciais para o processo produtivo.
30. Em relação ao investimento que está identificado como “Paletes”, contrariamente ao que a AT leva a entender, o investimento em causa não é em meras paletes, antes diz respeito, às embalagens e transporte de várias máquinas que foram adquiridas com o intuito de diversificar a atividade produtiva do estabelecimento de Barcelos.
31. Não pode a AT alegar que não estamos perante um novo processo produtivo quando este mesmo processo foi objeto de candidatura ao SIFIDE, escrutinado por técnicos profissionais da área, a qual veio a ser aprovada justamente por se tratar de inovação e desenvolvimento, isto é, de um novo processo produtivo que tinha como escopo a diversificação da atividade e era essencial para que a Requerente a conseguisse concretizar e que preenche os requisitos de elegibilidade para efeitos de RFAI.
32. É requisito essencial para a atribuição do RFAI, nos termos do artigo 22.º, n.º 4, alínea f), do CFI, que os sujeitos passivos de IRC “Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)” (isto é, durante um período mínimo de 3 anos a contar da data dos investimentos – caso sejam micro, pequenas ou médias empresas – ou 5 anos nos restantes casos), requisito que a Requerente, face à necessidade crescente derivada dos investimentos nos Projetos A e B, cumpriu estritamente ao contratar novos colaboradores.
33. A AT defende a aplicação de 4 requisitos/condições de acesso ao RFAI relacionadas com o objetivo de criação de emprego:
a. Condições Especiais: (i) Criação de emprego relacionado com o investimento, e (ii) Manutenção dos postos de trabalho pelo período de 3 ou 5 anos;
b. Condições Gerais: (iii) Em termos líquidos, uma efetiva criação de emprego, isto é, um aumento dos postos de trabalho na empresa, e (iv) Que esta criação de emprego seja efetuada de modo duradouro, isto é, que os seus efeitos perdurem.
34. A AT reconhece que a Requerente cumpriu as duas condições específicas e, não se encontrando as condições gerais previstas na lei, é evidente que a AT incorre num erro de pressuposto de direito quanto ao requisito exposto na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, pelo que a criação de emprego deve ser entendida não numa ótica de criação líquida de emprego, mas numa perspetiva de criação de emprego ligada ao investimento relevante para efeitos de RFAI.
35. No entanto, ainda que se pudessem exigir as condições gerais, a Requerente tê-las-ia cumprido, pois, de acordo com o ofício-circulado da AT, de 28.06.2023, cujo ponto 15 indica que “no final de cada um dos períodos de tributação compreendidos no período determinado nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, terá de verificar-se número superior de trabalhadores face à média dos 12 meses anteriores ao início do investimento, sendo que tem de ser mantido os postos de trabalho criados, em concreto, por força do investimento relevante para efeitos de RFAI.”
36. A AT, como se encontra explícito no RIT, somente averiguou se havia mais trabalhadores em dezembro de 2019 em comparação com dezembro de 2018.
37. À data de 31 de dezembro de 2019 ,a Requerente tinha 48 colaboradores e não 53 como a AT indica no RIT. A média do número global de trabalhadores relativa aos 12 meses anteriores ao início do investimento indica que a Requerente tinha 45,75 trabalhadores nesse período, o que significa que o diferencial face à média de trabalhadores relativa aos 12 meses anteriores ao início do investimento, para efeitos de RFAI de 2019, é de 2,25 postos de trabalho, registando-se um acréscimo efetivo do número global de trabalhadores à data de 31 de dezembro de 2019, face à média do número de trabalhadores nos 12 meses anteriores ao início do investimento.
38. Por outro lado, conforme os extratos da Segurança Social, verificamos também que o número global de trabalhadores, face à média dos 12 meses precedentes, não só foi mantido nos anos seguintes, como aumentado.
Conclui a Requerente pela ilegalidade das correções efetuadas pela AT, bem como do atro tributário subsequente, peticionando a sua anulação.
Requerida
Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT, a AT fez juntar o processo administrativo (“PA”) e apresentou resposta ao PPA, defendendo, em suma, a manutenção da liquidação de IRC impugnada, com remissão expressa para o Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”).
Esclareceu ainda a Requerida que correção de € 56.054,63, efetuada à dotação do RFAI do período de 2019, apenas se refletiu no saldo que transita para o período de tributação seguinte (Anexo D, da Dec. Mod.22), não tendo concorrido para o apuramento do IRC do período de tributação de 2019 e, portanto, não está refletida na liquidação impugnada.
Embora considerando desnecessária a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, entendeu a AT que, caso o Tribunal Arbitral entendesse necessária a produção de prova testemunhal, ficava indicada, como testemunha a apresentar, um(a) Inspetor(a) Tributário(a) e Aduaneira, da Direção de Finanças de Braga.
C. Tramitação processual
Por requerimento de 6 de fevereiro de 2024, a Requerida pediu prorrogação do prazo de resposta, dado que, por dificuldades operacionais, não foi lhe ser possível apresentar o processo administrativo instrutor, pedido que foi deferido pelo período de 15 dias, nos termos do Despacho Arbitral de 9 de fevereiro de 2024.
Juntos, em 27 de fevereiro de 2024, a Resposta da Requerida e o PA, foi proferido o Despacho Arbitral de 4 de março de 2024, indicando que a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, se realizaria no dia 6 de maio de 2024, devendo a Requerente, no prazo de 10 dias, indicar os factos sobre os quais incidiria a inquirição das testemunhas arroladas.
A pedido da Requerente, viria a ser a reunião reagendada para o dia 17 de junho de 2024, data em que teve lugar, com audição da testemunha arrolada pela Requerida, o Senhor B..., Inspetor Tributário e Aduaneiro, da Direção de Finanças de Braga, Chefe da Equipa que interveio na procedimento de inspeção tributária em que foram efetuadas correções à dotação do RFAI do exercício de 2019, e de duas das testemunhas indicadas pela Requerente, o Senhor Engenheiro C..., Responsável Industrial da Requerente e a Senhora Dr.ªD..., Consultora na Área Fiscal, no regime de prestação de serviços, tendo ficado agendada nova reunião para audição das restantes testemunhas a inquirir em 18 de setembro de 2024 e prorrogado por dois meses o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 21.º do RJAT. Foi notificada a Requerente para, no prazo de 10 dias, apresentar os contratos de trabalho de 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, bem como as faturas de energia do estabelecimento do polo de Guimarães referentes ao último trimestre dos anos 2019, 2020, e 2021. A Requerida foi notificada para, num prazo de cinco dias a contar da junção dos documentos, se pronunciar sobre os mesmos.
As testemunhas arrolas pela Requerente, dadas as funções que desempenham na empresa, demonstraram ter conhecimento direto dos factos. A testemunha indicada pela Requerida depôs em função da perceção dos factos adquirida no âmbito do procedimento de inspeção tributária.
Em 28 de junho de 2024, a Requerente fez juntar aos autos sete documentos, relativamente aos quais a Requerida exerceu o contraditório no prazo para o efeito designado.
Em 9 de julho de 2024, a Requerente juntou mais dois documentos, referentes à criação e manutenção dos postos de trabalho na empresa.
Pelo Despacho Arbitral de 2 de setembro de 2024 foi marcada nova reunião de inquirição de testemunhas para 8 de outubro de 2024, notificada a AT para se pronunciar sobre os documentos enviado pela Requerente e prorrogado, por dois meses, o prazo para decisão, nos termos do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT.
Em 18 de setembro de 2024, foi proferido Despacho Arbitral de adiamento da reunião, a pedido da Requerente, ficando a mesma agendada para o dia 21 de outubro de 2024, data em que se realizou, com inquirição das restantes testemunhas, a Senhora Dr.ª E..., contabilista certificada e diretora financeira da Requerente, e a Senhora F..., funcionária administrativa da Requerente, notificando-se a Requerente para, no prazo de 5 dias, juntar aos autos documentos comprovativos da evolução dos custos de manutenção suportados nos dois anos anteriores a 2019, e nos dois anos posteriores, podendo a Requerida, se assim o entendesse, pronunciar-se sobre os mesmos no prazo de 5 dias.
Mais foram as partes notificadas para apresentação de alegações escritas facultativas no prazo simultâneo de 20 dias, bem como da prorrogação do prazo referido no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, por dois meses.
Em 7 de novembro de 2024, foi o Tribunal Arbitral notificado da junção, pela Requerente, de 17 documentos.
Ambas as partes apresentaram alegações escritas, tendo a AT, no âmbito das mesmas, exercido o contraditório sobre os documentos juntos pela Requerente.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 2 de janeiro de 2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não padece de vícios que o invalidem. Não foram suscitadas exceções que caiba apreciar, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.
III. MATÉRIA DE FACTO
A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao PPA e a PA, bem como dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Requerente e pela Requerida, fixa-se como segue:
Factos Provados
1. A Requerente é uma sociedade comercial que se carateriza como PME e que exerce, a título principal, a atividade de fabricação de linhas de costura, a que corresponde o CAE 13104, e que, dispondo de contabilidade organizada e informatizada nos termos da lei comercial e fiscal, está enquadrada no regime normal de tributação de IRC (Factos não controvertidos).
2. A Requerente desenvolve a sua atividade em dois estabelecimentos, um sito na União de Freguesias de ... ... e ... (... e...), e outro na freguesia de ..., concelho de Guimarães (Factos não controvertidos).
3. As instalações de ... foram adquiridas em 2013 à empresa concorrente “G...”, que havia deixado de produzir em 2011 e passado a vender produtos fabricados pela Requerente (Prova testemunhal).
4. No início do ano de 2016, a Requerente iniciou dois novos projetos de investimento, que se prolongaram até 2020: (i) o Projeto A - Criação de um novo estabelecimento, através do investimento em novas instalações em...– Guimarães, cuja produção se destinou essencialmente ao mercado nacional (têxteis lar), efetivado em 2019, mas cuja implementação teve início em 2016; (ii) o Projeto B - Diversificação da atividade no seu estabelecimento de Barcelos, através da aposta numa nova linha de produção para novos produtos, essencialmente destinados a exportação (Prova testemunhal).
5. A fim de instalar uma unidade produtiva em Guimarães, embora mantendo o ponto de venda e armazém, foi necessária uma remodelação do edifício, designadamente quanto às instalações elétricas, com instalação de um quadro elétrico trifásico a fim de as dotar de potência para suportar as máquinas industriais (Doc. 8 junto ao PPA e prova testemunhal).
6. Para além dos já existentes, a Requerente adquiriu, para o estabelecimento de ...- Guimarães (Projeto A), diversos equipamentos conexos com a atividade ali desenvolvida, designadamente:
a. Duas máquinas têxteis (8 embalagens) que lhe foram expedidas pela empresa italiana H..., SRL, em 22.06.2018, transportadas pela “I..., Ld.ª” a bordo da viatura de matrícula ... (Doc. 16, junto aos autos em 12.11.2024);
b. Uma máquina têxtil (9 embalagens) expedida pela mesma sociedade italiana em 07.07.2018, transportada pela “J..., Ld.ª” (Doc. 16, junto aos autos em 12.11.2024).
7. No exercício de 2019, foram adquiridas e transportadas diversas matérias-primas para o estabelecimento de ... (Doc. 5 junto aos autos em 28.06.2024).
8. Tendo em vista a distribuição dos produtos fabricados em ... pelos seus clientes (linhas de costura das marcas ..., ..., ... e ...), a Requerente adquiriu em 2019 as viaturas ligeiras de mercadorias de matrícula ... e ... (Doc. 10 junto ao PPA), que efetuaram os percursos indicados nos Docs. 11 e 12 juntos ao PPA.
9. No exercício de 2019, foram ainda efetuados outros investimentos relativos ao estabelecimento de Guimarães:
a. Obras de reparação do edifício (Docs. 27 e 28 juntos ao PPA; prova testemunhal);
b. Montagem de iluminação de emergência (Docs. 25 e 26 juntos ao PPA; prova testemunhal);
c. Aquisição de um porta-paletes (Docs. 15 e 16 juntos ao PPA; prova testemunhal);
d. Aquisição de um leitor biométrico com teclado LCD (Docs. 17 e 18 juntos ao PPA; prova testemunhal);
e. Aquisição de um computador portátil (Docs. 19 e 20 juntos ao PPA; prova testemunhal);
f. Obras de reparação e montagem do sistema de ventilação (Docs. 21 a 23 juntos ao PPA; prova testemunhal).
10. As máquinas industriais alocadas ao estabelecimento de Guimarães foram transferidas para Barcelos nos meses de abril e maio de 2020, por efeito da pandemia Covid 19, com casos ativos no primeiro dos estabelecimentos indicados, prosseguindo a produção no estabelecimento de Barcelos (Docs. 4 a 6 juntos ao PPA; prova testemunhal).
11. O consumo de energia elétrica no estabelecimento de ... nos últimos quatro meses dos anos de 2019 a 2021, é a que consta da tabela infra (Docs. 1 e 2 juntos aos autos em 27.06.2024):
N.º de Fatura Período de faturação Valores faturados Σ quadrimestral
50191002050 18.09.2019 a 19.10.2019 € 263,62
50191102056 19.10.2019 a 18.11.2019 € 363,91
50191202057 19.11.2019 a 18.12.2019 € 550,01
50200102066 19.12.2019 a 17.01.2020 € 464,52 € 1 642,06
50201002095 16.09.2020 a 15.10.2020 € 236,62
50201102099 16.10.2020 a 16.11.2020 € 384,96
51201202168 17.11.2020 a 16.12.2020 € 451,54
50210200223 17.12.2020 a 15.01.2021 € 430,37 € 1 503,49
50211002065 16.09.2021 a 15.10.2021 € 275,12
50211102104 16.10.2021 a 15.11.2021 € 337,12
50211202152 16.11.2021 a 15.12.2021 € 520,39
50220102099 16.12.2021 a 31.01.2022 € 558,87 € 1 691,50
12. O consumo energético das máquinas instaladas em Guimarães antes de 2020 era, exemplificativamente, o seguinte (Doc. 3 junto aos autos em 28.06.2024):
a. “Roccatrice 6 Teste” (Enrolador de fio com 6 posições), fabricada pela empresa italiana H..., SRL – 1,7 Kw;
b. “Bobinadoras de precisão” da marca SSM – 0,10 Kw e < 15 w por posição.
13. O Projeto B, que a Requerente qualificou como sendo de diversificação da atividade no estabelecimento de Barcelos, traduziu-se na fabricação de novos produtos até aí não existentes no mercado nacional – a produção de “cocoons” – que lhe permitiu aceder a novos setores do mercado internacional (Prova testemunhal).
13. A implementação do Projeto B passou pela criação de I&D interno, com base na qual a Requerente apresentou candidatura ao apoio SIFIDE de 2018 e que foi validado pela ANI – Agência Nacional de Inovação (Doc. 42 junto ao PPA; prova testemunhal).
14. Para o Projeto B, a Requerente adquiriu máquinas novas (“Ringfeeder System” e “Circulation Pump” – Docs. 31, 34 e 35 juntos ao PPA, e WINDER MACHINE HACOBA 003 TT – Doc.s 40 e 41 juntos ao PPA), para além de outros materiais necessários à adaptação de máquinas já existentes (o já citado “Ringfeeder System”, uma “bancada de serralharia” – Doc. 39 junto ao PPA), e diversas “peças para motores” – Docs. 29 e 30 juntos ao PPA), que permitiram uma valorização das máquinas já existentes em mais de 90% (prova testemunhal).
15. No exercício de 2019, a Requerente afetou 1 funcionário ao Projeto A e 8 funcionários ao Projeto B, todos com contrato de trabalho sem termo, tendo-se registado, no mesmo ano, a saída de 3 trabalhadores com contrato de trabalho sem termo (um deles afeto ao Projeto B) (Docs. 44 a 47 juntos ao PPA; Docs. juntos aos autos em 09.07.2024, prova testemunhal, e pág. 107 do PA).
16. A Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo externo, realizado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2022..., de 01.04.2022, da direção de Finanças de Braga, visando o “controle de sujeitos passivos que usufruíram de benefícios fiscais”, com referência ao ano de 2019, cujo RIT lhe foi notificado através do ofício n. ..., da DIT II, de 06.06.2023, por carta registada com AR, rececionada em 19.06.2023 (Cfr. PA);
17. Do referido RIT consta, designadamente, o seguinte:
“III. Informações complementares
(…)
O sujeito passivo não possui na presente data processos em execução fiscal ativos.
(…)
V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades
V.1. Em sede de IRC
V.1.1. Dotação RFAI
a) Elegibilidade das aplicações relevantes
O RFAI, que se encontra estabelecido no capítulo III do novo CFI, artigos 22.º a 26.º, constitui um regime de auxílio com finalidade regional aprovado nos termos do Regulamento (UE) nº 651/2014 da Comissão, de 17 de maio de 2017, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L187, de 26 de junho de 2016 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC).
O sujeito passivo exerce uma atividade económica enquadrada num dos setores previstos na Portaria nº 282/2014, de 20 de dezembro e o investimento foi realizado numa região assistida.
No que respeita ao investimento propriamente dito, há que realçar que o mesmo só pode ser considerado elegível se integrar o conceito de “investimento inicial”, previsto no ponto 49) do artigo 2.º do RGIC. A Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º, vem determinar, que são considerados investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do ponto 49 do artigo 2.º do RGIC, todos os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um
estabelecimento existente.
Em caso afirmativo, há que atender, ainda, ao disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI, segundo o qual os ativos fixos tangíveis só são considerados aplicações relevantes se (I) forem afetos à exploração da empresa, (II) tiverem sido adquiridos em estado novo e (III) não se encontrarem excecionados nas respetivas subalíneas i) a vi).
Com o objetivo de se validar os pressupostos referidos, solicitou-se ao sujeito passivo, para efeitos de controlo de benefícios fiscais, os documentos de aquisição dos bens, bem como a demonstração do cumprimento dos requisitos quanto à criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto do investimento.
Dos elementos remetidos, verificou-se que:
No início do ano de 2016, o sujeito passivo iniciou dois novos projetos de investimento, os quais se prolongaram até ao final do ano de 2020:
- Projeto A - Criação de um novo estabelecimento, através do investimento em novas instalações em Guimarães;
- Projeto B - Diversificação da atividade do seu estabelecimento com sede em Barcelos, através da aposta numa nova linha de produção para novos produtos.
Por forma a reforçar a sua capacidade de resposta às necessidades dos seus clientes, a empresa realizou em 2019 um conjunto de investimentos adicionais ao abrigo do projeto “Criação de um novo estabelecimento”, no valor de 24.164,44 EUR.
Com vista ao desenvolvimento de uma nova gama de produtos- cocoons- de diferentes espessuras e numa alargada paleta de cores, com superiores caraterísticas técnicas ao nível da resistência, tenacidade, elasticidade e alongamento em diversas composições, a empresa realizou em 2019, um conjunto de investimentos realizados ao abrigo da tipologia de investimento inicial “Diversificação da atividade de estabelecimento já existente”, os quais ascenderam a 200.054,07 EUR.
Além da dotação gerada no período, o sujeito passivo declarou saldo não deduzido em períodos anteriores (anos 2017 e 2018), tendo inscrito no quadro 074 do anexo D da sua declaração de rendimentos modelo 22, relativa ao período de tributação de 2019, os seguintes montantes relativos ao RFAI:
No âmbito das ações de inspeção efetuadas ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2011... e OI2020..., com incidência temporal para os anos de 2017 e 2018, foram efetuadas correções às dotações de RFAI geradas nesses anos, nos montantes de 24.913,30 EUR e 47.124,19 EUR respetivamente, que reduziram o saldo que transitou para o ano de 2019, facto que o sujeito passivo não relevou no quadro 074 do anexo D da declaração modelo 22 de IRC do ano de 2019.
Tendo em atenção que, por sentença proferida em 2022-12-12, no âmbito do processo n.º 113/2022-T, foi emitida pela Arbitragem Tributária, decisão de julgar parcialmente improcedente o pedido de anulação total do ato tributário de liquidação de IRC do ano de 2017, apresentado pelo sujeito passivo, mantendo parte (11.456,27 EUR) da dotação de RFAI corrigida (24.913,30 EUR), os saldos que transitam dos anos de 2017 e 2018, corresponderão aos valores seguintes:
No que respeita aos investimentos relevantes para efeitos de RFAI no ano de 2019, solicitou-se ao sujeito passivo, os documentos de aquisição dos bens para análise mais detalhada dos mesmos. O sujeito passivo facultou a listagem dos bens considerados relevantes, que se transcrevem:
Da análise efetuada à listagem relativa aos investimentos considerados relevantes para efeitos de RFAI, do ano de 2019, concluímos que parte dos mesmos não integram o conceito de “investimento inicial”, legalmente previsto no nº 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21/09.
Senão, vejamos,
No que se refere às despesas associadas ao Projeto A – Criação de um novo estabelecimento,
Não tendo o sujeito passivo evidenciado que em Guimarães funcionou uma unidade produtiva destinada à criação de novos produtos (…), não é possível estabelecer uma ligação entre as despesas realizadas e o investimento inicial em Guimarães. De qualquer forma, sempre se dirá, e no que às obras realizadas no edifício localizado em ... diz respeito, as mesmas referem-se a despesas de conservação e manutenção do imóvel, que não contribuíram para um aumento do seu valor real e para a sua durabilidade, cujo fim último se destinou ao armazenamento de produtos oriundos das instalações fabris sitas na sede da empresa localizada em Barcelos.
A “criação de um novo estabelecimento industrial” tem que ter um caráter totalmente incremental, não podendo confundir-se com mera substituição, atualização ou complemento da capacidade existente (investimentos que teria sempre que fazer devido a desgaste, obsolescência, etc.), ainda que permita ganhos de eficiência ou aumentos marginais de capacidade.
Por conseguinte, de acordo com o disposto no artigo 22.º, n.º2, al.a), subalínea ii) do CFI, não devem ser aceites as despesas infra discriminadas, por se considerar que as mesmas não reúnem as condições para serem integradas no conceito de investimento inicial:
Quanto ao projeto B –Diversificação da atividade do seu estabelecimento com sede em Barcelos, através da aposta numa nova linha de produção para novos produtos,
Da análise efetuada à listagem dos investimentos considerados relevantes para efeitos de RFAI, do ano de 2019, concluímos que parte dos mesmos não integram o conceito de “investimento inicial”, legalmente previsto na alínea d) do nº 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21/09, na medida em que consubstanciam investimentos necessários que decorrem do normal funcionamento de uma atividade industrial.
(…)
Com efeito, verificou-se que foram consideradas elegíveis despesas como peças e motores consentâneos com reparações e melhorias de máquinas já existentes, assim como aquisições de equipamentos diversos para as linhas de produção e/ou outros equipamentos de substituição, as quais traduzem gastos resultantes da atividade normal da empresa, cujo fim último será a substituição de material de desgaste rápido, atualização ou complemento da capacidade existente (investimentos que teria sempre de fazer, devido a desgaste, obsolescência, adaptação a novas marcas ou novos modelos, etc), não enquadráveis no conceito de investimento inicial, conforme vem definido na al d), do nº1, do art.º 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21/09 e, portanto, não elegíveis para efeitos de RFAI:
(…) o sujeito passivo não demonstrou a verificação da condição subjacente à tipologia do investimento inicial indicada no o n.º2 do artigo 3.º da referida portaria, a qual estabelece que “nos casos em que o investimento inicial consista na diversificação da atividade de um estabelecimento existente, as aplicações relevantes devem exceder em, pelo menos, 200% o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, tal como registado no período de tributação anterior ao do início da realização do investimento”.
Em suma, decorrente dos motivos já expostos, as aplicações relevantes a desconsiderar para efeitos de elegibilidade na atribuição do benefício fiscal RFAI, no ano de 2019, totaliza o valor de 32.505,64 EUR.
Por conseguinte, o benefício fiscal RFAI que se reporta ao ano de 2019 não aceite fiscalmente, por falta de elegibilidade das aplicações relevantes, ascende a 8.126,42 EUR, correspondente à aplicação da taxa de 25%, legalmente prevista na subalínea ii), da alínea a), do n.º 1 do artigo 23.º do CFI, ao valor das aplicações a desconsiderar.
b) Criação líquida de postos de trabalho
Uma das condições para a obtenção do direito ao benefício fiscal relaciona-se com a criação de postos de trabalho, requisito sempre imposto em todas as redações do regime do RFAI.
Esta condição encontra-se prevista, desde logo, na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, a qual estabelece que os investimentos relevantes têm de proporcionar a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).
(…) o espírito subjacente à permissão destes auxílios de Estado, regidos pelo Regulamento (CE) n.º 800/2008 da Comissão, de 6 de agosto, e Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, insere-se num objetivo fulcral de alcançar uma melhoria do rendimento per capita nas regiões menos desenvolvidas da União Europeia.
Veja-se, ainda, o § 40 do preâmbulo do Regulamento (CE) n.º 800/2008 da Comissão, de 6 de agosto, que determina que os “auxílios estatais com finalidade regional, destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável”. E, no mesmo sentido, o § 31 do preâmbulo do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014.
Assim, tendo em vista este desiderato, as diferentes redações do RFAI, desde 2009 até à data, sempre exigiram que o investimento realizado, para ser elegível, “proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento”, pois só assim se alcança o objetivo de incremento do rendimento per capita das regiões identificadas como desfavorecidas, no desejado contexto sustentável (duradouro). Ou seja, não releva todo e qualquer investimento, mas somente o investimento que proporcione a criação de postos de trabalho específicos, e que os postos de trabalho criados aumentem o nível de empregabilidade na empresa e na região, medido pelo aumento líquido do número de trabalhadores ao serviço.
(…) para poder usufruir do benefício fiscal no âmbito do RFAI, a condição relativa à criação de postos de trabalho proporcionada pelo investimento relevante e à sua manutenção, face ao disposto na alínea f) do n.º 4 do artigo 22º do CFI, tem que ser cumprida “à custa” de contratos de trabalho sem termo e os postos de trabalho criados (criar é incrementar em relação ao existente) têm que garantir um acréscimo efetivo do número global de trabalhadores admitidos na empresa em determinado período, salvaguardando assim os valores subjacentes aos auxílios com finalidade regional, nos quais se inscreve o RFAI, designadamente, no § 31 do preâmbulo do RGIC.
(…) tem que haver real criação de emprego aferida no seu todo, ou seja, os postos de trabalho especificamente criados pelo investimento têm que garantir o aumento líquido do número de trabalhadores ao serviço da empresa (nível de empregabilidade).
Esta condição de “aumento líquido do número de trabalhadores” encontra-se definida no § 32 do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, no qual se estabelece ter de existir um “aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento em causa em comparação com a média durante um determinado período de tempo”. Por sua vez, a alínea a) do n.º 9 do artigo 14.º, do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, estipula que deve ocorrer “um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período”.
O conceito de “criação de emprego” consta da alínea k) do ponto 1.2 (Definições) das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR), onde se esclarece que deve entender-se como “«Criação de emprego», um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do número aparente de postos de trabalho criados”.
Também o § 32 do artigo 2.º do RGIC refere que se entende por “«Aumento líquido do número de trabalhadores», o aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento em causa em comparação com a média durante um determinado período de tempo, devendo os postos de trabalho suprimidos durante esse período ser, por conseguinte, deduzidos e o número de trabalhadores a tempo inteiro, a tempo parcial e sazonais ser considerado segundo as respetivas frações de trabalho anual.”
(…)
Ou seja, as condições de acesso ao RFAI relacionadas com o objetivo de criação de emprego, não se resumem às condições específicas previstas no CFI:
i) Identificação e demonstração do nexo de causalidade entre o investimento relevante para efeitos de RFAI e os postos de trabalho criados estritamente em razão desse investimento – 1ª condição específica;
ii) Os quais devem ser mantidos pelo período definido na alínea c) do n.º 4 do artigo 22º do CFI – 2ª condição específica),
Implicando que, em simultâneo, sejam igualmente cumpridas as condições gerais exigíveis para que os auxílios com finalidade regional possam ser considerados como compatíveis com o mercado interno, nomeadamente:
i) que se verifique um aumento efetivo do número de postos de trabalho do estabelecimento, ou seja, que se verifique, em termos líquidos, uma efetiva “criação de emprego” – 1ª condição geral,
ii) E que essa criação de emprego ocorra “num contexto sustentável”, ou seja, que os seus efeitos perdurem, sejam duradouros – 2ª condição geral.
(…)
(…) foram solicitados elementos que evidenciassem o cumprimento quer das condições específicas (postos de trabalho criados estritamente em razão desse investimento, os quais devem ser mantidos pelo período definido na alínea c) do n.º 4 do art.º 22º do CFI), quer das condições gerais exigíveis para que os auxílios com finalidade regional possam ser considerados como compatíveis com o mercado interno, nomeadamente que se verifique um aumento efetivo do número de postos de trabalho do estabelecimento, ou seja, que se verifique, em termos líquidos, uma efetiva criação de emprego, e que essa criação de emprego ocorra num contexto sustentável, ou seja, que os seus efeitos perdurem, sejam duradouros.
Quanto ao cumprimento das condições específicas de acesso ao benefício, previstas no CFI, nomeadamente quanto aos quesitos de identificação e demonstração do nexo de causalidade entre o investimento relevante para efeitos de RFAI e os postos de trabalho criados estritamente em razão desse investimento, e sua manutenção durante o período mínimo de três anos, também prevista na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI,
O sujeito passivo apresentou uma listagem com a identificação dos funcionários afetos, em 2019, a cada um dos projetos de investimento, demonstrando o nexo de causalidade entre o investimento e os postos de trabalho criados, com contratos de trabalho sem termo (…)
De acordo com os elementos facultados pelo sujeito passivo, verifica-se, durante o ano de 2019, a afetação de 1 funcionário ao projeto A e a afetação de 8 funcionários ao projeto B, todos com contrato de trabalho sem termo.
Tendo-se registado, durante o ano de 2019, a saída de 3 trabalhadores com contrato de trabalho sem termo (um deles afeto ao projeto B), verifica-se a criação líquida de 6 postos de trabalho com contrato de trabalho sem termo.
Quanto ao cumprimento da condição de manutenção dos postos de trabalho durante o período mínimo de três anos, também prevista na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, apesar de, entre os anos de 2020 e 2021, se ter verificado a saída dos quadros da empresa de alguns dos colaboradores admitidos em razão do investimento, confirmou-se, no entanto, a manutenção, até 31 de dezembro do ano de 2021, do número médio de postos de trabalho criados com contratos de trabalho sem termo, admitindo-se a substituição dos colaboradores admitidos em razão do investimento que saíram:
Quanto ao cumprimento da 1.ª condição geral (criação de emprego) exigível para que os auxílios com finalidade regional possam ser considerados como compatíveis com o mercado interno,
Com base nos elementos facultados pelo sujeito passivo (anexo 1), o número de trabalhadores ativos entre dezembro do ano de 2018 e dezembro do ano de 2019 foi o seguinte:
Ou seja, verifica-se que os investimentos considerados relevantes pelo sujeito passivo para efeitos de RFAI, no ano de 2019, não cumpriram com a condição relativa à criação de emprego, (…).apesar de se ter registado, no ano de 2019, a criação de postos de trabalho (com contratos de trabalho sem termo), conexos com os investimentos realizados, não se verifica um acréscimo efetivo do número global de trabalhadores a 31 de dezembro de 2019 (53), face à média do número de trabalhadores a laborar na empresa nos 12 meses anteriores (52,75), uma vez que o acréscimo registado é inferior à unidade.
Quanto ao cumprimento da condição de manutenção do nível de empregabilidade durante o período mínimo de três anos, também prevista na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI (2.ª condição geral),
Apesar de, entre os anos de 2020 e 2021, se ter verificado a saída dos quadros da empresa de alguns dos colaboradores admitidos em razão do investimento, confirmou-se, no entanto, a manutenção, até 31 de dezembro do ano de 2021, do número médio de postos de trabalho criados com contratos de trabalho sem termo, admitindo-se a substituição dos colaboradores admitidos em razão do investimento que saíram.
O mesmo já não sucede com o nível de empregabilidade global (2ª condição geral), o qual decresceu nos anos de 2020 e 2021.
(…)
Com base nos elementos facultados pelo sujeito passivo (...) o número de trabalhadores ativos entre janeiro do ano de 2020 e dezembro do ano de 2021 foi o seguinte:
Na listagem facultada pelo sujeito passivo constam trabalhadores em regime de estágio profissional, os quais, face à sua natureza, não integram a moldura geral das relações laborais. A este respeito refere-se a Portaria n.º 206/2020, de 27 de agosto, que regula o apoio à inserção de jovens no mercado de trabalho ou à reconversão profissional de desempregados. De acordo com o n.º 2 do artigo 1.º da referida portaria, “…entende-se por estágio o desenvolvimento de uma experiência prática em contexto de trabalho, não podendo consistir na ocupação de postos de trabalho.”. Por conseguinte, tais trabalhadores não serão considerados para efeitos de mensuração do nível de empregabilidade.
Conforme já mencionado anteriormente, em 31 de dezembro do ano de 2019, não se verifica o cumprimento da condição da criação de emprego.
(…) mesmo que se verificasse o cumprimento da condição de criação de emprego, em 31 de dezembro do ano de 2019, o que não é o caso, não se verificou, até 31 de dezembro do ano de 2021, o cumprimento da manutenção do nível de empregabilidade, o qual se exige se mantenha em número igual ou superior ao mínimo exigível para o cumprimento da condição de criação de emprego no ano da conclusão do investimento relevante (a média dos 12 meses precedentes à conclusão do investimento acrescida de, pelo menos, um posto de trabalho).
Com efeito, o nível de empregabilidade aferido em 31 de dezembro dos anos de 2020 (51) e 2021 (52) é inferior ao nível mínimo exigível para que fosse cumprida a condição de criação de emprego em 2019: média dos 12 meses precedentes à conclusão do investimento relevante realizado em 2019, acrescido de um posto de trabalho [54 (52,75+1)].
(…) os investimentos considerados relevantes pelo sujeito passivo para efeitos de RFAI, no ano de 2019:
1. Não cumpriram, desde logo, com a condição relativa à criação de emprego proporcionada pelo investimento relevante, uma vez que os postos de trabalho criados na razão do investimento, nos termos da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI [esta condição tem de ser cumprida “à custa” de contratos de trabalho sem termo e dos postos de trabalho criados (…)], têm que garantir um acréscimo efetivo do número global de trabalhadores admitidos na empresa em determinado período, (…)].
2. Mesmo que tivesse sido cumprida a condição de criação de emprego, também não teria sido cumprida a condição de manutenção do nível de emprego proporcionada pelo investimento realizado, isto é, a manutenção do número médio de postos de trabalho permanentes (contratados sem termo) e, bem assim, do nível de empregabilidade alcançado pelo investimento, nos termos anteriormente referidos, que não foi cumprido logo em 2020 face ao ano anterior.
Por conseguinte, a dotação de RFAI gerada no ano de 2019, não será aceite fiscalmente na sua totalidade:
VI. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos
Não aplicável.”
18. Na sequência das correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária, a AT emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2023..., e a demonstração de acerto de contas n.º 2023..., referentes ao exercício de 2019, de que resultou o valor a reembolsar de € 65.409,02.
Factos não provados
Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Na Decisão Arbitral, o Tribunal discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. o artigo 596.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos dados como provados resultaram da análise crítica dos documentos juntos ao PPA e ao PA, dos depoimentos das testemunhas inquiridas, bem como das posições assumidas pelas Partes nos respetivos articulados.
IV. MATÉRIA DO DIREITO
As questões decidendas
As questões que o Tribunal Arbitral é chamado a decidir tendo em vista a composição do litígio que opõe Requerente e Requerida são as seguintes:
A – Se os investimentos efetuados pela Requerente no exercício de 2019, seja no denominado Projeto A, seja no Projeto B, integram o conceito de investimento inicial, nas modalidades, respetivamente, de “criação de um novo estabelecimento” e de “diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento”, para efeitos do disposto no § 49 do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 651/2014 (“RGIC” – Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia L 187, de 26.06.2014), no artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento (“CFI”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro.
B – Em caso afirmativo, se as despesas incorridas pela Requerente, naquele exercício, consubstanciam “aplicações relevantes”, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, que procedeu à regulamentação do regime fiscal de apoio ao investimento (“RFAI”) e do regime da dedução por lucros retidos e reinvestidos (“DLRR”) estabelecidos, respetivamente, nos Capítulos III e IV do CFI.
C – Se se encontram, ou não, cumpridos todos os requisitos de que depende o acesso ao benefício fiscal RFAI, nos termos do artigo 22.º do CFI.
D – Se a AT violou o princípio da verdade material.
Dos conceitos de “investimento inicial” e de “aplicações relevantes” na legislação nacional e europeia
O articulado do CFI referente ao benefício fiscal RFAI (artigos 22.º a 26.º) não contém, no seu elemento literal, a definição de “investimento inicial”, que há de ser recortado das disposições de direito da União Europeia relativos aos Auxílios de Estado, ou seja, dos artigos 107.º e 108.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) e, em regulamentação destes, do RGIC e da Comunicação da Comissão Europeia que contém as “Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020” (“OAR”), publicada no Jornal Oficial da União Europeia C 209, de 23.7.2013, disposições para as quais remetem a Lei de Autorização Legislativa n.º 44/2014, de 11 de julho (artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e c), n.º 2, alínea a) e n.º 3), o CFI (artigo 1.º, n.º 2, e artigo 2.º, n.º 2), bem como os artigos 1.º, n.º 1, e 2.º, da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.
Dispõe a alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, designadamente, que “Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC (…)”. Por sua vez, nos termos da alínea a) do § 49 do artigo 2.º do RGIC, é considerado “investimento inicial”:
“49) «Investimento inicial»,
a) Um investimento em ativos corpóreos e incorpóreos relacionado com a criação de um novo estabelecimento, aumento da capacidade de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente (…)”.
Quanto ao conceito de aplicações relevantes, dispunha o n.º 2 do artigo 22.º do CFI, na redação à data dos factos:
“Artigo 22.º - Âmbito de aplicação e definições
(…)
2 - Para efeitos do disposto no presente regime, consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa:
a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:
i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na indústria extrativa;
ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas;
iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;
iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;
v) Equipamentos sociais;
vi) Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa;
b) Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente (…)”.
Também o artigo 3.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, que regulamentou o RFAI, menciona as aplicações consideradas relevantes para este benefício fiscal:
“Artigo 3.º - Aplicações relevantes
1 — Nos casos em que o investimento inicial respeite a uma alteração fundamental do processo de produção, o montante das aplicações relevantes deve exceder o montante das amortizações e depreciações dos ativos associados à atividade a modernizar contabilizadas nos três períodos de tributação anteriores ao do início da realização do projeto de investimento.
2 — Nos casos em que o investimento inicial consista na diversificação da atividade de um estabelecimento existente, as aplicações relevantes devem exceder em, pelo menos, 200 % o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, tal como registado no período de tributação anterior ao do início da realização do investimento.
3 — Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento, independentemente da forma que assuma o investimento inicial, apenas se consideram aplicações relevantes os ativos aí previstos que:
a) Sejam exclusivamente utilizados no estabelecimento objeto dos benefícios fiscais;
b) Sejam amortizáveis, nos termos das regras contabilísticas em vigor;
c) Sejam adquiridos em condições de mercado a terceiros não relacionados com o adquirente; e
d) Permaneçam associados ao investimento a favor do qual o auxílio é concedido durante pelo menos cinco anos, ou três anos no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003.”
Contudo, configurando-se o RFAI como um benefício fiscal ao investimento que, enquanto auxílio de Estado, obedece aos instrumentos de Direito da União Europeia já identificados (o RGIC e as OAR), não poderão as normas nacionais ser interpretadas fora dos parâmetros neles definidos.
Assim, na interpretação das normas nacionais citadas, há que ter em conta o n.º 6 do artigo 14.º do RGIC e o ponto 94 das OAR, que dispõem, respetivamente, o seguinte:
“Artigo 14.º Auxílios regionais ao investimento
(…)
6. Os ativos adquiridos devem ser novos, exceto no que se refere às PME e à aquisição de um estabelecimento (…)
9. Quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b), devem ser preenchidas as seguintes condições:
a) O projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período”
“3.6.1.1. Custos elegíveis calculados com base nos custos de investimento
94. Os ativos adquiridos devem ser novos, salvo no caso das PME ou na eventualidade de aquisição de um estabelecimento”.
Da qualificação dos investimentos efetuados pela Requerente no exercício de 2019
Projeto A
Resulta, quer do RIT, quer das peças processuais apresentadas pelas Partes, que a Requerente qualificou o investimento realizado em 2019 no estabelecimento de ...– Guimarães como “investimento inicial”, na modalidade de “criação de um novo estabelecimento”.
A este respeito, consideraram os Serviços de Inspeção Tributária que não eram relevantes as aplicações relativas à aquisição, no exercício de 2019, de duas viaturas ligeiras de mercadorias, um porta-paletes, um leitor biométrico para gestão de assiduidade, um computador portátil e as despesas com obras de reparação da unidade fabril, do sistema de ventilação e da iluminação de emergência, no valor global de € 24.164,44, tendo procedido à correção do crédito fiscal a elas associado, no montante de € 6.041,12.
A justificação para esta correção foi a de não ter “o sujeito passivo evidenciado que em Guimarães funcionou uma unidade produtiva destinada à criação de novos produtos, nomeadamente, de quantidade de bens produzidos, de volume de negócios, de aquisição de matéria-prima e de guias de transporte, não é possível estabelecer uma ligação entre as despesas realizadas e o investimento inicial em Guimarães. De qualquer forma, sempre se dirá, e no que às obras realizadas no edifício localizado em ... diz respeito, as mesmas referem-se a despesas de conservação e manutenção do imóvel, que não contribuíram para um aumento do seu valor real e para a sua durabilidade, cujo fim último se destinou ao armazenamento de produtos oriundos das instalações fabris sitas na sede da empresa localizada em Barcelos.” (cf. RIT, a fls. 103/104 do PA).
Já em sede arbitral, viria a Requerente juntar cópias das guias de transporte das matérias-primas que lhe foram entregues em ... durante o exercício de 2019, bem como das guias de transporte de duas máquinas industriais adquiridas à empresa italiana H..., SRL, com destino à mesma unidade fabril, assim demonstrando a criação de um estabelecimento naquelas instalações.
Também em sede arbitral, com o propósito de confirmar a existência (ou não) de um estabelecimento industrial em ..., viria a ser pedida à Requerente prova da evolução do consumo de energia elétrica nos últimos meses de cada um dos anos de 2019, 2020 e 2021.
A diminuição pouco significativa do consumo de energia elétrica nos períodos considerados, veio justificada pela Requerente, por um lado, com (i) a baixa potência de algumas das máquinas que haviam laborado em ... e que, em 2020, foram transferidas para Barcelos, dada a concentração da atividade produtiva neste último estabelecimento, motivada pela crise pandémica Covid 19; (ii) o maior consumo derivado da alteração da unidade produtiva para uma instalação de armazenamento de produtos da empresa, que obrigou, designadamente, (a) à utilização da iluminação instalada durante períodos mais longos e de forma mais generalizada e (b) à instalação de uma empilhadora elétrica que necessitava de carregamentos constantes; e, por outro, com o aumento do preço da energia elétrica no período pós-pandémico, justificações que se afiguram plausíveis a este Tribunal Arbitral, face à restante factualidade levada ao probatório, tanto mais que se está perante um tipo de indústria não pesada e que não se conhecem os correlativos aumentos ou diminuições de consumo de energia elétrica no estabelecimento de Barcelos, após a concentração de toda a produção da Requerente nesse estabelecimento.
Retira a AT a conclusão de que não pode “ter existido de facto uma laboração industrial nas instalações de Guimarães” (cf. artigos 75.º e seguintes, do requerimento de Contraditório/Alegações).
Contudo, não pode tal conclusão proceder num contencioso de mera legalidade, como é o contencioso tributário, em que não é admissível a fundamentação sucessiva ou a posteriori, devendo o Tribunal Arbitral apreciar o ato como ele foi produzido, ou seja, à luz dos fundamentos contidos no RIT, e não de acordo com a fundamentação posterior à sua prática.
Demonstrada que está a existência de um novo estabelecimento da Requerente em Guimarães, ao qual foram afetas máquinas industriais e para o qual foram endereçadas matérias primas compatíveis com a atividade exercida, conclui-se que os investimentos não aceites pela AT, na origem da correção à dotação do RFAI para o Projeto A, no exercício de 2019, não se encontram excecionados pela alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI, uma vez que estão em causa ativos fixos tangíveis afetos à exploração da empresa: (1) duas viaturas ligeiras de mercadorias (abrangidas pela subalínea iii)); (2) obras de reparação da unidade fabril, do sistema de ventilação, da iluminação de emergência (abrangidas pela subalínea ii)), por se tratar de uma instalação fabril e respetivas partes integrantes (cf. artigos 204.º, n.º 3, do Código Civil); (3) o porta-paletes e o computador portátil, afetos à exploração.
Assim sendo, desde que cumpridos os demais requisitos legais, deverá ser aceite a totalidade da dotação do RFAI declarada pela Requerente no exercício de 2019, no que respeita ao Projeto A.
A este propósito, cumpre aqui referir que apesar de, por motivos relacionados com a pandemia Covid 19, toda a produção da Requerente se ter concentrado nas instalações de Barcelos e de o estabelecimento de Guimarães ter sido reconvertido em armazém, não invalida a condição prevista no artigo 22.º, n.º 4, alínea c), do CFI, uma vez que, ao que tudo indica, os ativos adquiridos pela Requerente para o Projeto A se mantiveram na empresa e na região Norte (classificada como NUT II pelo n.º 1 do artigo 43.º do CFI) durante o período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos.
Projeto B
O Projeto B, desenvolvido pela Requerente no estabelecimento de Barcelos, que embora, tal como o Projeto A, tenha amplitude plurianual, com início em 2016 e termo em 2020, vem por esta qualificado com sendo um “investimento inicial”, na modalidade de “diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento”.
Efetivamente, a Requerente passou a produzir um novo produto, os cocoons (casulos, ou seja, cones ou novelos de linha que não têm suporte interno e em que o fio se entrelaça sobre si próprio), para a implementação de cujo processo de produção foi necessária a aquisição de máquinas específicas (por exemplo, um “Ringfeeder system and circulation pump”) fornecidas por entidades externas, mas também pelo desenvolvimento de I&D a nível interno, do qual resultou a acoplação de diversos itens (peças diversas para motores, como vêm identificados no RIT) a máquinas já existentes que, desse modo, sofreram um upgrade indutor de um aumento de valor funcional dificilmente quantificável, por se tratar de inovação relativamente à disponibilidade do mercado.
No âmbito do Projeto B, não foi aceite a dotação referente ao “Ringfeeder system and circulation dumb”, às “Peças diversas para motores”, a uma “Bancada de serralharia” e a “Paletes”.
A fundamentação para a não aceitação da dotação referente àqueles itens foi a de que “consubstanciam investimentos necessários que decorrem do normal funcionamento de uma atividade industrial” e que “foram consideradas elegíveis despesas como peças e motores consentâneos com reparações e melhorias de máquinas já existentes, assim como aquisições de equipamentos diversos para as linhas de produção e/ou outros equipamentos de substituição, as quais traduzem gastos resultantes da atividade normal da empresa, cujo fim último será a substituição de material de desgaste rápido, atualização ou da capacidade existente (investimentos que teria sempre de fazer, devido a desgaste, obsolescência, adaptação a novas marcas ou novos modelos, etc.), não enquadráveis no conceito de investimento inicial, conforme vem definido na al d), do nº1, do art.º 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21/09 e, portanto, não elegíveis para efeitos de RFAI”, para além de que “o sujeito passivo não demonstrou a verificação da condição subjacente à tipologia do investimento inicial indicada no o n.º2 do artigo 3.º da referida portaria, a qual estabelece que “nos casos em que o investimento inicial consista na diversificação da atividade de um estabelecimento existente, as aplicações relevantes devem exceder em, pelo menos, 200% o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, tal como registado no período de tributação anterior ao do início da realização do investimento” (cfr. o RIT, a fls. 103/104 do PA).
Analisemos cada um dos itens cuja dotação não foi aceite pela AT:
1. O “Ringfeeder system and circulation dumb” é uma máquina adquirida em estado novo à empresa K... GmbH, que, ainda que destinada a acoplação a uma máquina já existente à qual acrescentou valor funcional, é essencial ao processo produtivo no que respeita à produção de cocoons.
Trata-se, pois, de um ativo fixo tangível, detido para uso na produção de bens, que se espera ser usado durante mais de um período, conforme a definição da NCRF 07 e, cujas despesas, por se destinar a integrar a “exploração de resultados de trabalhos de investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos, com vista à descoberta ou à melhoria substancial de matérias-primas, produtos, serviços ou processos de produção”, podem ser consideradas como “gasto fiscal no período de tributação em que sejam suportadas”, nos termos do artigo 17.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro.
Os novos produtos fabricados pela Requerente nada mais são do que o resultado de “trabalhos de investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos, com vista à descoberta ou à melhoria substancial de matérias-primas, produtos, serviços ou processos de produção” decorrentes de I&D gerado internamente, procedimento esse que, por ser interno, não deu lugar a despesas com ativos intangíveis relativas a “transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente”, despesas que seriam elegíveis para o RFAI, nos termos do artigo 22.º, n.º 2, alínea b), do CFI.
Todavia, sendo esses produtos o resultado de I&D gerado internamente, não podem as despesas com os ativos tangíveis necessários à sua produção ser consideradas como inelegíveis para efeitos do benefício fiscal RFAI.
2. Mutatis mutandis, o raciocínio antes expendido para o “Ringfeeder system and circulation pump” inteiramente transponível para a rubrica de “Peças diversas para motores”, também elas integradas no processo de fabrico resultante de I&D gerado internamente e que, integrando as máquinas já existentes, as transformaram, tornando-as aptas para a produção de cocoons.
3. Quanto à “Bancada de serralharia”, desconhece-se o motivo concreto para a respetiva exclusão da dotação para efeitos de RFAI.
De acordo com a prova testemunhal produzida e com a fatura emitida pelo fabricante (Doc. 39 junto ao PPA), este item não é uma “bancada de serralharia”. Trata-se antes de duas unidades de “Mesa constituída por ferro 60x40 e madeira Betula medida 3000x600x770”, que não constitui uma peça de mobiliário excluída do âmbito de aplicação do RFAI pelo artigo 22.º, n.º 2, alínea a), subalínea iv), do CFI, mas sim um suporte necessário ao manuseio das máquinas de reduzida dimensão, como é o caso das bobinadoras identificadas no Doc. 3 junto aos autos em 28.06.2024.
4. Paletes, no valor de € 4.163,00, não podem ser consideradas como bens de substituição, porquanto constam da fatura emitida pela empresa italiana H..., SRL, em 29.05.2019, identificadas como “trave” e integram o custo de aquisição “máquina de enrolamento” (Precision Winder Suitable for Rewind Cone Hacoba TK 1250c Adapt at Cone 4 Traverse – cuja dotação de RFAI não foi liminarmente excluída pelos Serviços de Inspeção Tributária), porquanto serviram para o seu acondicionamento durante o transporte de Itália para o estabelecimento de Barcelos (cf. alínea b) do § 17, da NCRF 7, que inclui nos elementos do custo “Quaisquer custos diretamente atribuíveis para colocar o ativo na localização e condição necessárias para o mesmo ser capaz de funcionar da forma pretendida”).
A conclusão de que nenhum dos itens do ativo imobilizado cuja dotação foi excluída do âmbito do RFAI para o exercício de 2019 consubstancia bens de manutenção ou de substituição, pelos motivos antes expostos, dispensa a comparação com as despesas de reparação e manutenção incorridas pela Requerente em exercícios anteriores ou posteriores ao que está em análise nos presentes autos.
Nem se afigura estar em causa a alegada não verificação da condição subjacente à tipologia do investimento inicial indicada no n.º 2 do artigo 3.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, de acordo com o qual, sempre que “o investimento inicial consista na diversificação da atividade de um estabelecimento existente, as aplicações relevantes devem exceder em, pelo menos, 200% o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, tal como registado no período de tributação anterior ao do início da realização do investimento”. Se a AT não rejeitou liminarmente a dotação relativa a outros ativos fixos tangíveis adquiridos pela Requerente no exercício de 2019, é porque, certamente, terá considerado verificada aquela condição.
Por maioria de razão se considerará a verificação da mesma condição com o aumento do valor da dotação do RFAI, resultante da consideração dos itens inicialmente não aceites.
Da criação de postos de trabalho
O subcapítulo do RIT em que é analisada a criação de emprego pela Requerente tem por epígrafe “b) Criação líquida de postos de trabalho”, remetendo expressamente para o § 32 do artigo 2.º do RGIC e para a alínea k) do ponto 1.2 (Definições) das OAR para o período 2014-2020, nos quais e estabelece, respetivamente, o seguinte:
“32) «Aumento líquido do número de trabalhadores», o aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento em causa em comparação com a média durante um determinado período de tempo, devendo os postos de trabalho suprimidos durante esse período ser, por conseguinte, deduzidos e o número de trabalhadores a tempo inteiro, a tempo parcial e sazonais ser considerado segundo as respetivas frações de trabalho anual”.
“k) «Criação de emprego», um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do número aparente de postos de trabalho criados”.
Consideraram os Serviços de Inspeção Tributária, no RIT, que as condições de acesso ao RFAI relacionadas com o objetivo de criação de emprego, não se resumem às condições específicas previstas no CFI, devendo ainda ser cumpridas as condições gerais de (i) “aumento efetivo do número de postos de trabalho do estabelecimento, ou seja, que se verifique, em termos líquidos, uma efetiva “criação de emprego” – 1ª condição geral” e, (ii) “que essa criação de emprego ocorra “num contexto sustentável”, ou seja, que os seus efeitos perdurem, sejam duradouros – 2ª condição geral”.
Após análise dos elementos solicitados à Requerente, concluiu a AT que, apesar de se ter registado, no ano de 2019, a criação de postos de trabalho (com contratos de trabalho sem termo) conexos com os investimentos realizados, um afeto ao Projeto A e oito ao Projeto B, não se verifica um acréscimo efetivo do número global de trabalhadores a 31 de dezembro de 2019 face à média do número de trabalhadores nos 12 meses anteriores.
Cabe, a este respeito, salientar que o requisito de atribuição do benefício RFAI a que se refere a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI não pressupõe a criação líquida de postos de trabalho, como resulta da alínea a) do n.º 9 do artigo 14.º do RGIC – “Auxílios regionais ao investimento”, porquanto esta apenas exige o aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa quando os custos elegíveis para o benefício fiscal sejam aferidos por referência aos custos salariais, o que não é o caso do RFAI.
Refere-se ainda no RIT que, tendo por comparação o número de trabalhadores ao serviço da Requerente ao longo de 2020 e a 31 de dezembro de 2021, não se verifica, nesta última data, manutenção do nível de empregabilidade, ou seja, a manutenção dos postos de trabalho em 2019.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, alínea f), do CFI, o que se exige é a manutenção dos postos de trabalho causalmente relacionados com o investimento relevante até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c), que, no caso da Requerente (como PME), é de três anos a contar da data dos investimentos. Neste sentido, pode ler-se no sumário do Acórdão do Douto Supremo Tribunal Administrativo, de 08-11-2023, processo n.º 0411/16.0BEPN: “No âmbito do RFAI 2009, nem a letra nem a ratio legis da alínea f) do n.º 3 do art. 2.º autorizam a interpretação da expressão aí utilizada de criação de postos de trabalho com o sentido de criação líquida de emprego”.
Cumpre, por fim, deixar duas notas:
A. Apesar de os investimentos efetuados pela Requerente em 2019 integrarem projetos de investimento plurianuais – o Projeto A, na modalidade de criação de um novo estabelecimento em ..., e o Projeto B, na modalidade de diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento de Barcelos, com início em 2016 e término em 2020, os pressupostos de atribuição do benefício fiscal em sede de IRC, como é o caso do RFAI, devem ser aferidos relativamente a cada um dos exercícios em obediência ao princípio da periodização estabelecido pelo artigo 18.º do Código do IRC e pelos n.ºs 5 e 6 do artigo 22.º do CFI.
Nesse pressuposto, o requisito da manutenção dos postos de trabalho pelo período de três anos, não poderia ser aferido antes do término do terceiro período de tributação após 2019, ou seja, a 31 de dezembro de 2022, o que a AT não respeitou.
B. Por outro lado, tendo os atos de inspeção decorrido após a alteração introduzida ao RGIC pelo Regulamento (UE) 2021/1237 da Comissão, de 23 de julho de 2021, publicado no Jornal Oficial da União Europeia L 270, de 29.07.2021, em que se considerou que “não se deve considerar que os beneficiários de auxílios regionais ao investimento que tenham colocado, temporária ou permanentemente, pessoal em lay-off devido à pandemia de COVID-19 no período compreendido entre 1 de janeiro de 2020 e 30 de junho de 2021 tenham incumprido a obrigação de manter esses postos de trabalho na região em causa durante um período de cinco anos a contar da data em que o lugar foi preenchido pela primeira vez, ou de três anos no caso das pequenas e médias empresas («PME»)”, dando nova redação à alínea c) do n.º 8 do artigo 14.º, do RGIC, em que se passou a dispor:
“c) Cada posto de trabalho criado através do investimento deve ser mantido na zona em causa durante um período mínimo de cinco anos a contar da data em que a vaga foi preenchida pela primeira vez, ou de três anos no caso das PME, exceto se o posto de trabalho tiver sido perdido entre 1 de janeiro de 2020 e 30 de junho de 2021.”
Em face dos dois considerandos que antecedem, não pode deixar de se dar por cumprido pela Requerente o requisito da manutenção dos postos de trabalho criados e causalmente relacionados com os investimentos realizados no exercício de 2019.
Dos restantes requisitos de acesso ao benefício fiscal RFAI
O artigo 22.º do CFI exige, para além dos requisitos já analisados, do investimento em ativos ao serviço do sujeito passivo de IRC e da criação e manutenção de postos de trabalho, que (i) a atividade deste se enquadre nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo (n.º 1); (ii) o sujeito passivo disponha de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade (n.º 4, alínea a)); (iii) o seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos (n.º 4, alínea b)); (iv) o sujeito passivo não seja devedor ao Estado ou à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado (n.º 4, alínea d)), e (v) não sejam consideradas empresas em situação económica difícil nos termos da legislação da UE (n.º 4, alínea e)).
A atividade exercida pela Requerente a título principal, com o CAE 13104, corresponde a uma indústria transformadora, enquadrada na alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, portaria aprovada em execução do n.º 3 do artigo 2.º do CFI.
De acordo com o RIT, a Requerente dispõe de contabilidade organizada e informatizada nos termos da legislação comercial e fiscal (fl. 94 do PA), não possuía, à data da inspeção, processos em execução fiscal ativos (fl. 95 do PA), o que significa que tinha a sua situação fiscal regularizada e as correções efetuadas foram de natureza meramente aritmética, sem recurso a métodos indiretos (fl. 91 do PA), não se fazendo qualquer referência à situação contributiva perante a Segurança Social ou à situação económica da empresa.
Ante o exposto, temos que nada obsta a que a Requerente possa beneficiar do RFAI no exercício de 2019, o que justifica a anulação das correções efetuadas em sede inspetiva, bem como da liquidação a que deram origem, o que se determina. Fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas pelas Partes, como seja a violação do princípio da verdade material, por inútil.
V. DECISÃO
Com base nos fundamentos enunciados supra, julga-se totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e determina-se:
a. A declaração de ilegalidade e anulação da totalidade das correções efetuadas pela AT à dotação do RFAI declarada pela Requerente para o exercício de 2019;
b. A declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRC n.º 2023 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2023..., referentes ao exercício de 2019, de que resultou o valor a reembolsar de € 65.409,02, com todas as consequências legais.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 65.409,02 (sessenta e cinco mil, quatrocentos e nove euros e dois cêntimos), indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida.
CUSTAS ARBITRAIS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 2.448,00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), a cargo da Requerida, em razão do decaimento.
Notifique-se.
CAAD, 2 de janeiro de 2025
O Tribunal Arbitral,
Rita Correia da Cunha
(Presidente)
Filomena Oliveira
(Vogal)
Mariana Vargas
(Vogal/Relatora)