Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 435/2024-T
Data da decisão: 2024-12-11  IRS  
Valor do pedido: € 59.524,82
Tema: Extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
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SUMÁRIO:

Verifica-se a inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância se o Requerente obteve a plena satisfação do seu pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do ato de liquidação que havia impugnado.

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

A..., NIF ..., com domicílio fiscal na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, veio solicitar a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), apresentando pedido de pronúncia arbitral relativo á  parcialmente (in)deferida Reclamação graciosa respeitante á liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., de 2021, por preterição de formalidades essenciais e erro sobre os pressupostos de facto, requerendo e a sua consequente anulação  e condenação da AT, no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, computados desde a data do pagamento do imposto indevido até data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

1.1- O pedido de constituição do Tribunal foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 01 de abril de 2024.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitro o signatário desta decisão.

O Tribunal foi regularmente constituído em 14 de junho de 2024 e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

1.2- Por requerimento de 28-06-2024, a Requerida veio juntar despacho de 24-06-2024 da Exma Subdiretora Geral dos impostos, de revogação do acto tributário.

 

1.3- Ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.

Por outro lado, estando, em causa, matéria que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer noutros requerimentos, dispensou, ainda o Tribunal, a produção de alegações escritas seguindo o processo para a prolação da sentença/decisão. 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

a- Relativamente ao exercício controvertido, ano 2021, em sede de apuramento IRS, verificou-se a emissão de uma 1ª liquidação em 02.07.2022, tendo por base a informação constante do mod. 3 apresentado pela Requerente.

b- Tendo os serviços tributários apurado, numa apreciação prévia, em JUL2022, divergência entre a informação declarada e a constante dos modelos declarativos que as entidades pagadoras dos rendimentos, foi promovida, pela AT, a correção oficiosa – DC de 28.10.2022, que deu lugar à liquidação nº 2022.... que apurou um montante de imposto a pagar de €59 524,82. Foi corrigido o montante de retenção de 93.741€ para 53.641€ e acrescido rendimento disponibilizado por uma outra entidade patronal, com o NIPC ... .

c- Foi interposto, emMAR2023, pela contribuinte o procedimento gracioso de reclamação nº ...2023..., objeto de análise e despacho de deferimento parcial, proferido em 19.12.2023. Os serviços consideraram neste procedimento gracioso ser de corrigir a liquidação oficiosamente emitida em 04.11.2022, mantendo o rendimento total de 280.000€ que correspondia a 246.666,69€ pagos pela entidade com o NIPC..., com retenção de 53.641€ e o rendimento de 33.333€ pago pela entidade patronal com o NIPC..., mas agora considerando como provado ter sido também suportada a retenção na fonte de 9.260€.

d- Discordando do despacho da RG e, da parte que foi objeto de indeferimento, a Requerente deduziu o presente pedido arbitral.

e- Por despacho proferido pela Subdiretora Geral em 24.06.2024, a AT, procedeu á revogação do acto tributário. Foi considerado que, seria de corrigir o rendimento disponibilizado pela entidade com o NIPC..., mostrando-se comprovado no montante de 146.666,69€, tal como fora requerido ordenando a notificação do representante legal da requerente, e envio para cumprimento à DF de Lisboa.

f- Através do Ofício n.º ... de 25.6.24, da Direção de Serviços de IRS, foi a Requerente notificada da demonstração de liquidação de IRS n.º 2024 ..., respeitante ao ano 2021.

 

2.1.1 Factos Não Provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, nomeadamente os factos invocados no RI, que não mereceram contestação relevante, o Requerimento da AT e prova documental constante dos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

3. Matéria de direito

3.1- Entende a Requerente, no que aqui interessa, ou seja, relativamente ao despacho de Revogação do acto tributário, ocorrida:

Em data posterior à apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral na génese dos presentes autos, e já transcorrido o prazo previsto no art.º 13.º, n.º 1, do RJAT, foi a Requerente notificada (i) da demonstração de liquidação de IRS n.º 2024..., respeitante a 2021, e (ii) do Ofício n.º..., de 25.6.24, da Direção de Serviços de IRS (cfr. Documentos n.º 1 e 2). 2. Quanto à primeira - a liquidação de IRS n.º 2024..., referente ao ano de 2021 – consta daquela que esta foi “resultante da execução da decisão proferia no processo de Reclamação Graciosa com o n.º ...2023...” – cfr. Documento n.º 1. 3. A Requerente apresentou reclamação graciosa daquela liquidação, alegando que, pelo previsto no art.º 13.º, n.º 1 e n.º 3, do RJAT, a apresentação de pedido de constituição de tribunal arbitral circunscreve a atuação da AT, quanto ao ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, à sua revogação, ratificação, reforma ou conversão, ficando impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos, que in casu inexistem – cfr. Documento n.º 3. 4.

Tendo a Requerente requerido a constituição de tribunal arbitral na sequência da decisão proferida no âmbito do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023..., por força daquele preceito, não poderia ter sido emitida a liquidação em causa, que assim deve ser anulada, em consequência da respetiva ilicitude e anulabilidade.

Não obstante, na pendência destes autos e daquela reclamação graciosa, foi a Requente notificada do Ofício n.º..., de 25.6.24, da Direção de Serviços de IRS, pelo qual “foi revogado o ato que constitui o objeto do pedido de constituição do (presente) tribunal arbitral”

Atalhando ao segmente decisório daquele ofício, nele refere-se que “parece assistir razão ao pedido ela requerente e, consequentemente, deve promover-se a correção da liquidação oficiosa vigente no sentido de o rendimento disponibilizado em 2021 pela entidade patronal com o NIPC ... à contribuinte, ser de 146.666,69€, mantendo-se no demais a factualidade inscrita” – cfr. Documento 2. 7. Contrapostos os diversos planos de atuação da AT quanto à matéria controvertida nestes autos, com o devido respeito, a Requerente não consegue entender qual a posição da AT quanto àquela matéria, nem que ato ou atos de liquidação estão vigentes à presente data, porquanto (i) a AT não fez uso da faculdade prevista no art.º 13.º, n.º 1, do RJAT, (ii) mas emitiu novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação, (iii) aquele novo ato tributário tem subjacente o indeferimento da pretensão formulada nos presentes autos, (iv) indeferimento este que a AT revogou por despacho de 26.6.24

A contraditoriedade destes termos não permite à Requerente, com certeza e segurança, conhecer a sua situação tributária no que se relaciona com o objeto dos presentes autos, termos em que se requer ao Douto Tribunal que oficie a AT no sentido de esta indicar aos autos que ato ou atos de liquidação se encontram vigentes e que posição tem quanto à matéria controvertida – sem prejuízo de, querendo, remeter tais esclarecimentos para a resposta.

 

Decidindo 

3.2.- QUESTÃO PREVIA – Inutilidade superveniente da lide

Centremo-nos, pois, na questão liminar, a decidir, que é a de saber se estamos perante um caso de inutilidade superveniente da lide, com a consequente extinção da instância.

Sabemos, que a Requerente, apresentou pedido de pronuncia arbitral, pedindo declaração da ilicitude da liquidação parcialmente deferida da reclamação graciosa apresentada da liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., sindicada, por preterição de formalidades essenciais e erro sobre os pressupostos de facto, determinando-se a sua consequente anulação da AT.

E, no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, computados desde a data do pagamento do imposto indevido até data do processamento da respetiva nota de crédito, contabilizados à taxa legal Requerida a AT.

Sabemos, também, entretanto, a Requerida, informou o Tribunal da revogação do ato, (entretanto corrigido renovado) vigente, tendo procedido a nova liquidação, notificada á Requerente, já no decurso dos presentes autos.

 

Vejamos

Compulsado o pedido inicial, verifica-se que a Requerente questiona o indeferimento, meramente parcial, da Reclamação Graciosa do ato tributário de liquidação de IRS n.º 2022.../....

Ora, nas causas de extinção da instância do processo declarativo, as quais são aplicáveis aos autos, está prevista a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide no art.º 277.º, alínea e) do CPC.

Como refere o acórdão do STA n.º 02321/17.4BEPRT de 06.06.2022 “(…) De acordo com a doutrina e a jurisprudência a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo ou, por outro lado, porque encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida.

Num e noutro caso, a causa deixa de interessar - além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/01/2013, rec.1208/12; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/11/2019, rec.873/07.6BELSB; José Lebre de Freitas e Outro, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 4ª. Edição, Almedina, 2021, pág.561 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.307 e seg.).

Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica.

A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente. (…)”

 

Nos autos, face ao pedido efetuado e aos argumentos expendidos no Requerimento inicial, a Recorrente formulou o pedido de anulação do ato praticado e reembolso das importâncias pagas, acrescidas de juros, por as considerar ilegais.

Pelo que, tendo a AT revogado o ato, (vigente), considera-se que a Recorrente viu satisfeita a sua pretensão e a solução do litígio nestes autos deixando de interessar por ter sido atingida por outro meio.

Acresce que, apesar de a AT não se ter pronunciado na decisão revogatória, sobre reembolso do montante pago e ao pagamento de juros indemnizatórios, resulta do art. 100.º da LGT que a mesma AT está obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

Logo, a AT está obrigada a proceder à restituição do montante anulado e do pagamento dos respetivos juros indemnizatórios nos termos e condições previstos na lei.

O eventual incumprimento dessas obrigações é uma questão de execução da decisão administrativa e não de prolação de sentença por este Tribunal.

No caso, em apreço, como se referiu, a AT procedeu à anulação do ato de liquidação, como pedia a Requerente, pelo que viu, portanto, satisfeita a sua pretensão.

 Juridicamente, falando, a solução do litígio destes autos deixou de interessar por ter sido atingida por outro meio (arts. 278.º, alínea e), do CPC, ex vi 2.º, alínea e), do CPPT).

Assim, o Tribunal julgará extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, sendo a extinção da instância imputável à Requerida, para efeito de custas, por força do art. 536.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, uma vez que foi ela que deu causa à inutilidade.

 

Acresce que, naturalmente, este Tribunal não tem que se pronunciar relativamente á liquidação posterior, efetuada pela AT, respeitante ao mesmo ano 2021. A sua eventual contestação terá/poderá ser apreciada noutra(s) sede(s), (o que, aliás, terá já ocorrido). Não, no processo que nos ocupa.

 Acresce, ainda, que o Requerente não apresentou articulado próprio a requer expressa e concretamente a extensão do petitório inicial, sendo certo que tal intenção de ampliação objetiva da instância só poderia, claro está, ser equacionada nos rigorosos termos previstos no art. 63.º, n.ºs 1 e 4 do CPTA

 

Face às considerações e solução a que se chega, fica prejudicado o conhecimento dos vícios invocados.

 

4. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Singular:

- julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

- condenar a Requerida nas custas do processo, por ter dado causa à inutilidade.

 

5. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €59 524,82, valor económico do dissenso e indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

6. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.142.00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a integral cargo da Requerida.

 

Lisboa, 11dec2024

 

O árbitro

 

Fernando Miranda Ferreira