Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 845/2024-T
Data da decisão: 2024-12-05   Outros 
Valor do pedido: € 10.710,00
Tema: Adicional de solidariedade sobre o sector bancário. Princípio da igualdade. Princípio da capacidade contributiva. Inconstitucionalidade.
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Sumário:

As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Hélder Faustino (Adjunto) e Marcolino Pisão Pedreiro (Adjunto), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 13 de Setembro de 2024, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

A..., S.A., titular do número de identificação de pessoa colectiva ..., com sede na Avenida ..., n.º ..., ...-... Lisboa, doravante designado por Requerente, apresentou, em 5 de Julho de 2024, pedido de pronúncia arbitral, tendo por objecto a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa (processo n.º ...2023...) apresentada contra a liquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário n.º ..., referente ao ano de 2021, no valor de € 725.324,88, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso do imposto pago e no pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 8 de Julho de 2024 e automaticamente notificado à AT.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 26 de Agosto de 2024, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes alguma coisa viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 13 de Setembro de 2024.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, a Requerida apresentou resposta na qual defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo junto o “processo administrativo” (adiante designado apenas por PA).

Não havendo controvérsia sobre qualquer questão de facto e não tendo sido suscitada matéria de excepção, o Tribunal Arbitral, por despacho de 26 de Novembro de 2024, ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), dispensou a reunião do artigo 18.º do RJAT, e não havendo novos elementos sobre que as Partes se devessem pronunciar, a apresentação de alegações.

Em 2 de Dezembro de 2024, o Requerente requereu a rectificação de alguns lapsos de escrita ínsitos no pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 146.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e do artigo 249.º do Código Civil.

 

II.        Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral é tempestivo.

O Tribunal Arbitral é competente.

 

III. Matéria de facto

1. Factos provados

Dão-se como provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

  1. O Requerente é uma instituição de crédito com sede em Portugal, e cujo objecto social consiste no exercício da actividade bancária, incluindo todas as operações compatíveis com essa actividade e permitidas por lei;
  2. Atenta a sua qualidade de instituição de crédito com sede em Portugal, o Requerente foi sujeita ao pagamento do ASSB;
  3. No dia 30 de Junho de 2022, o Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB relativo ao ano de 2021, através da submissão da Declaração Modelo 57, na qual foi apurado um valor de € 725.324,88. (Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  4. Em 15 de Dezembro de 2023, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra o referido acto de autoliquidação, que deu origem ao processo n.º ...2023... (cfr., PA junto aos autos);
  5. A referida reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 27 de Março de 2024, proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (cfr., PA junto aos autos);
  6. Em 5 de Julho de 2024, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2. Fundamentação da matéria de facto dada como provada

            Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).

            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

Os factos provados acima elencados baseiam-se nos documentos juntos pelo Requerente com o pedido de pronúncia arbitral, atrás identificados, cuja autenticidade não foi colocada em causa, no PA, e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Factos não provados e fundamentação

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

  1.  Matéria de Direito

É objecto do presente processo um acto de autoliquidação de ASSB relativo ao ano de 2021.

 

1.1. Posições das Partes

Para fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

– o ASSB constitui um imposto e um imposto especial sobre o sector bancário;

– o ASSB enferma de:

  • inconstitucionalidade, por desvio do poder tributário, por violação do princípio da igualdade fiscal e da liberdade de empresa, incluindo as vertentes da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo lucro real;
  • inconstitucionalidade, por tributação desproporcionada e em duplicado.

– o ASSB é incompatível com o Direito suprapositivo, designadamente, com os princípios básicos ordenadores da praxis social.

– o ASSB é ilegal por violação da lei de valor reforçado que é a Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), por haver violação do princípio geral da não consignação de receitas.

            A AT alega, em suma, o seguinte:

– a criação do ASSB está indissociavelmente relacionada com o contexto histórico da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2;

– o ASSB foi uma das várias medidas fiscais previstas no Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 41/2020, de 6 de Junho, com vista a mitigar os impactos económicos e sociais decorrentes da resposta pública à crise sanitária;

– a RCM n.º 41/2020, de 6 de Junho, determinou que a receita do ASSB fosse integralmente “(...) adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social [FEFSS]”, atento o impacto directo e significativo que, como é notório, as diversas medidas adoptadas em contexto pandémico tiveram no financiamento do sistema de Segurança Social.

– conceptualmente, o ASSB apresenta-se como um tributo que assume natureza de imposto indirecto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras.

– a sujeição das instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável às operações e serviços financeiros não acarreta uma diferenciação de tratamento arbitrária do sector bancário em relação aos demais sectores de actividade;

– a opção do legislador de sujeitar as instituições de crédito ao ASSB assenta num critério distintivo objectivo, razoável e materialmente justificado;

– pelo que a tributação das instituições de crédito em sede de ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do sector financeiro em geral e, em particular, das instituições de crédito;

– no âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo sector financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais sectores de actividade sujeitos e não isentos de IVA;

– considerando que o IVA constitui, per se, uma das fontes de financiamento da Segurança Social, através da consignação de uma parcela da sua receita para essa finalidade (“IVA social”), a criação do ASSB como forma de contrabalançar a isenção de IVA associada aos serviços e operações financeiras, com a consequente consignação da sua receita ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), apresenta-se como uma opção natural e, certamente, coerente do legislador;

– em razão da isenção de que a esmagadora maioria dos serviços e operações financeiras beneficia ao abrigo do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, o “IVA social” onera, pelo menos essencialmente, apenas os sectores não financeiros;

– sendo, por isso, razoável e materialmente justificado que um sector reconhecidamente subtributado em matéria de fiscalidade indirecta, como é o caso do sector financeiro e, em concreto, das instituições de crédito, seja, também ele, chamado a contribuir para o sistema de Segurança Social;

– a par do “IVA social”, novas fontes de financiamento da Segurança Social têm sido criadas, contando-se, entre as mais recentes, as receitas do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) - cfr., n.º 2 do artigo 1.º do Código do IMI - e a, partir de 2018, a consignação de 2 p.p. das taxas previstas no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) ao FEFSS;

– a razão-de-ser da isenção de IVA aplicada genericamente aos serviços e operações financeiras não decorre, como na generalidade das isenções de IVA, da prossecução de quaisquer objectivos específicos de política económica, social ou ambiental, mas tão-somente da dificuldade técnica, que se mostrava particularmente desafiante nos anos 70, aquando da génese do IVA, em determinar o valor tributável na maioria desses serviços e operações;

 – a opção legislativa em conceder, a nível europeu, esse isenção de IVA não se limita a minimizar as dificuldades de determinação da base tributável, tendo ainda o efeito de beneficiar, em termos de carga fiscal, o exercício de actividades financeiras, de modo a evitar um aumento do custo do crédito ao consumo;

– este benefício é ainda mais patente no caso dos serviços e operações financeiras que,

apesar de também estarem isentas de IVA, proporcionam o direito a dedução do imposto suportado a montante;

– não se pode ignorar que a isenção de IVA desonera objectivamente de tributação o valor acrescentado a final no sector bancário, em detrimento de outros sectores cujas actividades estão sujeitas e não isentas de tributação indirecta em sede de IVA que contribuem para o FEFSS através do “IVA social”;

– em Portugal, somente uma parte diminuta da actividade financeira das instituições de crédito está sujeita a tributação indirecta, mais concretamente em sede de Imposto do Selo, o qual, aliás, desde a reforma do Código do Imposto do Selo levada a cabo pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, apresenta um mecanismo de funcionamento semelhante ao do IVA, porquanto o imposto é liquidado e entregue ao Estado pelo sujeito passivo e repercutido no adquirente;

–  a receita do Imposto do Selo incidente sobre os serviços e operações financeiras é, em termos comparativos, consideravelmente mais baixa do que aquela que seria arrecadada com a tributação, em sede de IVA, do valor acrescentado pela actividade bancária;

– a receita do Imposto do Selo não está, nem mesmo parcialmente, consignada à Segurança Social, diversamente do que sucede com o IVA e o ASSB;

– a justificação aduzida pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo sector financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais sectores de actividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficiam e que é apenas parcialmente colmatada, em matéria de fiscalidade indirecta, pela tributação em sede de Imposto do Selo;

– pelo que as instituições de crédito são, também elas, chamadas a contribuir, na medida da

sua capacidade contributiva, para as receitas públicas, mais especificamente para o financiamento do sistema de segurança social, tal como sucede, por exemplo, com os restantes sectores de actividade através do “IVA social”;

– podendo-se concluir que a criação do ASSB apenas violaria o princípio da igualdade se os sectores não financeiros não estivessem sujeitos a uma tributação indirecta equivalente ou, pelo menos, comparável;

– sendo evidente que o critério distintivo utilizado pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do sector bancário, uma vez que a diferença de tratamento em causa é justificada com base num fundamento material objectivo, racional e razoável;

– não havendo, por isso, razões para concluir que o legislador possa ter extravasado os limites da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa;

– no que respeita à violação do princípio constitucional da capacidade contributiva, enquanto corolário do princípio da igualdade tributária, a capacidade contributiva concretiza, de facto, o princípio da igualdade fiscal, na sua vertente da uniformidade, pressupondo que todos paguem impostos segundo o mesmo critério, objectivando uma justa repartição dos encargos de acordo com a capacidade real e efectiva de cada um;

– assegurando, em suma, um tratamento legal-fiscal uniforme em situações substancialmente iguais, e desigual quanto a situações dissemelhantes;

– para que tenhamos um sistema fiscal equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua real capacidade contributiva;

– o que o princípio da capacidade contributiva determina é que a carga económica inerente ao imposto seja regulada de modo a acompanhar as variações de poder aquisitivo do sujeito passivo que se encontra adstrito ao pagamento do mesmo, sem nunca olvidar a finalidade do tributo;

– o ASSB assume-se como um imposto que visa colmatar a ausência do IVA (também ele um imposto indirecto) tendo como alvo um determinado sector que dele é isento, assumindo um recorte idêntico ao da CSB, no que toca à incidência objectiva – abarca operações registadas no passivo e instrumentos financeiros derivados fora do balanço;

– os elementos subjectivos e objectivos de incidência da CSB se ajustam perfeitamente aos objectivos prosseguidos por um imposto sobre as actividades financeiras (caso do ASSB);

– ao fazer coincidir a base de incidência do ASSB com a da CSB, logrou o legislador alcançar significativos ganhos de eficiência, desde logo ao mitigar custos de implementação e contexto, que se afiguram como sendo, desde logo, uma das principais dificuldades na criação de impostos de consumo nos serviços financeiros;

– não nos cabe o papel de ajuizar se o critério adoptado pelo legislador, trata do mais certo, ou do mais adequado, ou até de indagar se existiriam outros critérios mais capazes;

– o legislador agiu dentro do escopo da liberdade de conformação fiscal, e encontrou como fundamento para delinear o âmbito de incidência do novo ASSB, a ausência ou a menor tributação num imposto indirecto – IVA e Imposto do Selo – de determinadas operações;

– ainda que se compreenda a opção do legislador, no que toca ao âmbito da incidência objectiva do ASSB, não nos compete fazer qualquer consideração acerca das escolhas que o mesmo adopta dentro do espetro da sua liberdade de conformação;

– a opção tomada, para além de válida, encontra inscrição na ampla margem de conformação do legislador fiscal, sendo insusceptível de fundar autónoma censura constitucional;

– ao contrário do que propugna o Requerente, o ASSB permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva, que se propõe enquanto imposto que visa compensar a isenção do IVA nas operações financeiras, sendo até possível enquadrá-lo em experiências internacionais, sempre com inteiro respeito pelo princípio constitucional da igualdade tributária.

 

1.2. Questões a decidir e ordem de conhecimento dos vícios

            Nos presentes autos está em causa o regime jurídico do adicional de solidariedade sobre o sector bancário (ASSB), criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de Julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de Março) e cujo regime jurídico consta do Anexo VI a essa Lei.

Considerando as questões a decidir, tal como resultam da causa de pedir e do pedido, constata-se que o Requerente fundamenta o seu pedido em violação de normas constitucionais, em violação de princípios básicos ordenadores da praxis social e de lei de valor reforçado.

De harmonia com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que, segundo o prudente critério do julgador, se revele mais estável ou eficaz à tutela dos interesses ofendidos.

Como está ínsito no artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, julgado procedente um vício que assegure a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

Na apreciação dos vícios imputados ao acto cuja declaração de ilegalidade é pedida deverá começar-se pelos “vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” (artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), já que “a arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes” (artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).

Posto isto, retornando ao caso concreto, o Requerente optou por alegar vícios de inconstitucionalidade, de violação de princípios e de lei de valor reforçado. Porém, segundo o princípio enunciado no supracitado artigo 124.º, n.º 2 do CPPT, a tutela mais eficaz e estável dos interesses ofendidos impõe que sejam conhecidas em primeiro lugar as inconstitucionalidades, atendendo, desde logo, a que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta matéria.

Com efeito, nos termos do disposto o artigo 204.º da CRP, “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.

No âmbito da actividade jurisdicional, os tribunais têm, em razão da sua competência, o dever de examinar se as normas relevantes para a decisão da questão submetida à sua apreciação estão, ou não, em conformidade com as normas e princípios constitucionais. Dito por outras palavras “(…) a questão ou questões constitucionais que se colocam na decisão do caso a resolver pelos tribunais devem ser por eles conhecidas e respondidas.” “(…)  a obrigação de não aplicar normas inconstitucionais vale para todos os tribunais, incluindo os tribunais arbitrais…”.  Neste sentido, cfr. J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª, Revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pp. 517 a 521.

Segundo os mesmos autores e obra citada, a fiscalização concreta emerge caracterizada por ser um controlo difuso, incidental e oficioso, na medida em que “o tribunal pode -e deve- conhecer ex officio da inconstitucionalidade, independentemente de impugnação das partes”. (cfr. ob cit., p. 940).

Conjugando o disposto no artigo 204.º da CRP com a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a omissão de pronúncia quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas conduz à nulidade de sentença.

            Por isso, o Tribunal Arbitral irá começar pela análise das inconstitucionalidades invocadas.

A discussão sobre a qualificação jurídico-tributária do ASSB e dos vícios aqui em análise foi já objecto de análise por vários tribunais a funcionar no CAAD[1], mas seguimos de perto em toda a sua extensão, o consignado na decisão arbitral de 21 de Março de 2023, proferida no âmbito do processo n.º 598/2022-T, como foi já objecto de confirmação recente pelo Tribunal Constitucional, como melhor se verá adiante.

 

1.3. Regime jurídico do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário

 

“O adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB) foi criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março) e cujo regime jurídico consta do Anexo VI a essa Lei.

O ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores (artigo 1.º, n.º 2) e tendo como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1).     

O ASSB tem como âmbito de incidência objetiva o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos, com as especificações constantes do artigo 3.º.        

O artigo 4.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020 refere-se à quantificação da base de incidência, definindo, no seu n.º 1, como passivo o “conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros”, com as exceções constantes das diversas alíneas desse número, e  como instrumento financeiro derivado o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente (artigo 4.º, n.ºs 1, 2 e 3). O n.º 4 desse artigo 4.º esclarece ainda que [a] base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.

Os artigos 5.º, 6.º. 7.º e 8.º referem-se, respetivamente, às taxas aplicáveis à base de incidência e aos procedimentos de liquidação e cobrança, e o artigo 9.º, sob a epígrafe “Consignação da Receita”, declara que a receita do adicional de solidariedade sobre o setor bancário constitui receita geral do Estado, sendo integralmente consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social

Resta referir que a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 33/XIV, que originou a Lei n.º 27-A/2020, em consonância com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de junho de 2020, limita-se a assinalar que “é igualmente criado um adicional de solidariedade sobre o setor bancário, cuja receita é adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.”

 

1.4. Qualificação jurídica do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário

Analisado, em traços gerais, o regime jurídico do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, cabe ainda uma referência preliminar quanto à qualificação jurídica que lhe poderá ser atribuída.           

A LGT, aprovada em 1998, no seu artigo 3.º, passou a incluir entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.

Aí se explicita que “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património” (n.º 1), e as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares” (n.º 2).

No que se refere às contribuições especiais, o n.º 3 desse artigo apenas especifica que “[a]s contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade são consideradas impostos”.   

Em tese geral, o imposto constitui uma “prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida por uma entidade pública com o propósito de angariação de receita”, ao passo que a taxa se caracteriza como “prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo”, distinguindo-se essas duas espécies de tributos pelo seu carácter de unilateralidade ou bilateralidade (cfr., na linha de outros Autores, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, págs. 214 e 240).

Por seu lado, a constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.

A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade pública a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos  e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas” (Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095).

Neste sentido, as contribuições são tributos com uma estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas (Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 287).

Trata-se, neste caso, de tributos de natureza bilateral ancorados numa lógica grupal ou de equivalência de grupo, por oposição ao que sucede com a figura das taxas, que se alicerça num princípio de equivalência estrita ou individual, e que, nessa medida, são uma categoria de tributo cujo facto tributário se constitui em função de um nexo bilateral derivado para o qual influem os sujeitos passivos do grupo a que pertencem (cfr. Filipe de Vasconcelos Fernandes, O (Imposto) Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, pág. 86-87 e nota 132). E que dependem, do mesmo modo, do preenchimento de três diferentes requisitos: a homogeneidade do grupo, que pressupõe uma distinção face à carga impositiva geral que incide sobre a generalidade dos contribuintes, a responsabilidade de grupo, que implica uma relação específica entre o cada grupo homogéneo e certas necessidades de ordem financeira, e a utilidade de grupo, que tem por base o facto de estes tributos assentaram num princípio de equivalência de grupo, de forma a que a receita é utilizada no interesse de todo o grupo, e não especificamente de um contribuinte individual (idem, págs. 87-90).

Como se deixou dito, o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e constitui receita geral do Estado que é integralmente consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

E, assim, ao contrário do que sucede com a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), que foi consensualmente caracterizada como uma contribuição financeira (cfr., por último o acórdão do STA de 25 de janeiro de 2023, Processo n.º 01622/20, e a jurisprudência nele citada), não pode ser atribuída essa mesma natureza ao ASSB, na medida em que não existe conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do sector bancário, como também não há uma relação específica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. E, nesses termos, não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caracterização do ASSB como contribuição financeira (idem, págs. 91-96).

E, por maioria de razão, está excluído que o ASSB possa integrar o conceito de taxa, uma vez que não estão em causa qualquer dos pressupostos enumerados no artigo 4.º, n.º 2, da LGT que permitam evidenciar o carácter de bilateralidade do tributo.

Em face a todo o exposto, o ASSB constitui um imposto especial sobre o sector bancário, que, não obstante apresentar um âmbito de incidência semelhante à Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), não se limita a estabelecer uma nova taxa sobre a matéria coletável dessa contribuição, nem um novo imposto sobre a coleta, e, nesse sentido, não corresponde a um adicional ou a um adicionamento, mas a um imposto autónomo (sobre o conceito de adicional e de adicionamento, cfr. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª edição, Coimbra, pág. 79; no sentido da qualificação do ASSB como imposto, Filipe de Vasconcelos Fernandes, ob. cit., pág. 92, e a decisão arbitral proferida no Processo n.º 504/2021-T).”

 

1.5. Questão da inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

Para dar resposta a esta questão deve começar por efectuar-se, ainda que em termos sucintos, a caracterização dos princípios constitucionais da igualdade fiscal e da capacidade contributiva.

Conforme refere Casalta Nabais, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 11ª edição, Coimbra, 2021, págs. 154-155).

Configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva – segundo o mesmo autor - enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece de um específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respetiva “constituição fiscal” e, em especial, aqueles que decorrem já dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103.º e 104.º da Constituição (ob. cit., pág. 155).

Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva – dentro da mesma linha de entendimento - «afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação o dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto» (ob. cit., pág. 157).

Também o Tribunal Constitucional tem analisado o princípio da igualdade fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, como se pode constatar designadamente no acórdão n.º 142/2004, onde se consigna que «[o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação».

O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adotadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará «a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo».

O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adotar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.

Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e n.º 695/2014).

Como se deixou exposto, o Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e incide sobre instituições de crédito sediadas em território português e filiais ou sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigos 1.º e 2.º).

Tem uma estrutura de incidência objetiva e subjetiva similar ao previsto para a Contribuição sobre o Sector Bancário (artigo 3.º), com a significativa diferença de a receita do adicional de solidariedade sobre o sector bancário constituir receita geral do Estado, consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (artigo 9.º).

Importa fazer notar, num primeiro momento, que, não obstante a similitude de incidência com a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), o ASSB não pode ser entendido como uma tributação acessória ou adicional do CSB, nem constitui uma contribuição de estabilidade financeira.

A Contribuição sobre o Sector Bancário foi criada pelo artigo 141.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011, entretanto alterada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, como uma contribuição extraordinária, que constitui receita do Fundo de Resolução, criado mediante a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, ao Regime das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (artigo 153.º-F, alínea a)) e definido como pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, que funciona junto do Banco de Portugal (artigo 153.º-B). O Fundo tem por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas (artigo 153.º-C) e nele participam obrigatoriamente, entre outras entidades, as instituições de crédito com sede em Portugal (artigo 153.º-D).

O próprio Relatório do Orçamento de Estado para 2011 explica a génese da Contribuição sobre o Sector Bancário em termos suficientemente elucidativos quanto aos objetivos que se pretendiam atingir, aí se afirmando (pág. 73):

«A Proposta do Orçamento do Estado para 2011 procede ainda à criação de uma contribuição sobre o sector bancário na linha daquelas que foram já́ introduzidas noutros Estados Membros, com o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos, protegendo também, assim, os trabalhadores do sector e os mecanismos de segurança social.

A contribuição incide, assim, sobre as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, sobre as filiais de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e sobre as sucursais, instaladas em território português, de instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração em Estados terceiros».

Face ao seu regime jurídico, a CSB tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto dos regulados à respetiva entidade ou agência de regulação. Não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respetivos sujeitos passivos, nem se caracteriza como um imposto, pois que não se verifica o requisito de unilateralidade: não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita (não se destina a que «as instituições participantes concorram para os gastos da comunidade, em cumprimento de um qualquer dever de solidariedade»), antes se pretendendo que o sector financeiro contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua actividade.

E a sua natureza não é afastada pela circunstância de as receitas provenientes da CSB serem consignadas ao Fundo de Resolução, porquanto o Fundo tem por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas pelo Banco de Portugal e visa a prevenção dos riscos sistémicos do sector bancário. Esse mesmo objetivo é assinalado na nota preambular da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, onde se refere que os elementos essenciais da CSB são definidos «em termos semelhantes aos de contribuições já introduzidas por outros Estados Membros da União Europeia, com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados».

Como se concluiu no acórdão do STA de 19 de Junho de 2019 (Processo n.º 02340/13), a motivação legislativa constante dos diplomas que regularam a contribuição para o sector bancário e o Fundo de Resolução legitima a ilação de que a contribuição visou, em primeiro lugar e desde o início, atenuar as consequências resultantes das intervenções públicas no sector financeiro, face à situação de crise financeira então desencadeada no âmbito desse mesmo sector, reconduzindo-se a um instrumento de apoio na prevenção dos inerentes riscos do sistema, não se destinando a colmatar necessidades genéricas de financiamento do Estado.

Trata-se, nestes termos, de um tributo que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efectiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades financeiras das entidades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira (cfr., neste preciso sentido, a decisão arbitral proferida no Processo n.º 706/2018-T).

Contrariamente, o ASSB é um verdadeiro imposto que constitui receita geral do Estado e se encontra consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, e, embora destinado a fazer face de modo indistinto às necessidades de financiamento da segurança social, se carateriza como um imposto sectorial na medida em que incide exclusivamente sobre o sector financeiro.

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de Junho de 2020, que, na sequência da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, aprovou o Programa de Estabilização Económica e Social, refere-se no ponto 4.3.5 à criação de um adicional de solidariedade sobre o sector bancário, “cuja receita é adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise”. Esse mesmo propósito é mencionado na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 33/XIV, que originou a Lei n.º 27-A/2020, e a que, num momento anterior, já se fez referência.

O artigo 1.º, n.º 2, do Regime do ASSB, já referido, refere ainda que o tributo tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo sector financeiro à que onera os demais sectores.

No entanto, o próprio Relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), incidente sobre a proposta de alteração da lei orçamental para 2020 (Relatório n.º 13/2020), consigna que “a iniciativa legislativa não tem justificação no contexto COVID-19, antes sendo apresentada pelo Governo para contribuir, de modo permanente, para a diversificação das fontes de financiamento das pensões pagas pelo sistema previdencial da Segurança Social Pública” e acrescenta que, “do ponto de vista técnico, não se entende a necessidade de justificar publicamente a criação do imposto como sendo uma compensação por o sector das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras estar isento de IVA nas transmissões efetuadas”, quando “deveria também dizer-se que as operações deste sector são tributadas por uma miríade de taxas do imposto do selo”.  

E, com efeito, dificilmente se compreende a justificação fornecida pelo legislador quando pretende associar a sujeição das instituições de crédito ao ASSB à despesa fiscal decorrente da isenção aplicável a serviços e operações financeiras.

A isenção de IVA relativamente a operações bancárias e financeiras está expressamente prevista na Diretiva 2006/112/CE (artigo 135.º) e artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA limita-se a efetuar a transposição dessa regra para o direito interno. E, por outro lado, o conteúdo das isenções não pode ser alterado pelos Estados Membros, dado que estão em causa conceitos autónomos de direito europeu que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA, devendo ainda ser objeto de uma interpretação restritiva, na medida em que constituem derrogações ao princípio geral segundo o qual o imposto sobre o valor acrescentado é cobrado sobre todas as prestações de serviços efetuadas a título oneroso por um sujeito passivo (cfr. acórdãos do TJUE, nos Processos n.ºs C-348/1987 e C-455/05).

Acresce que, como esclarece Clotilde Celorico Palma, “as isenções em sede de IVA assumem uma natureza objetiva, ou seja, para efeitos da sua concessão releva essencialmente a natureza da atividade prosseguida e não a natureza jurídica da entidade que prossegue a atividade”. Além de que as isenções em IVA têm uma lógica diferente das isenções concedidas no âmbito dos impostos sobre o rendimento. Como refere a mesma Autora, “ao passo que nestes impostos, a isenção libera o beneficiário do pagamento do imposto, no IVA as situações de isenção clássica traduzem-se na não liquidação do imposto nas operações ativas por parte sujeito passivo beneficiário (o beneficiário paga imposto mas não liquida). Isto é, nas suas operações passivas (aquisições de bens e prestações de serviços) os sujeitos passivos de IVA não beneficiam de isenção” (Introdução sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 6.ª edição, págs. 172-174).

Na situação prevista no artigo 135.º da Diretiva IVA, como explica ainda Sérgio Vasques, trata-se de “isenções simples ou incompletas que não conferem direito à dedução do imposto suportado a montante, pelo que o sujeito passivo, não liquidando IVA imposto sobre a operação isenta, não deduz o imposto em que incorra nas aquisições destinadas à sua realização”. E, nesse sentido, “o sujeito passivo passa a ocupar posição idêntica à do consumidor final, suportando na sua esfera o imposto relativo às suas aquisições”, pelo que a isenção não representa um verdadeiro benefício para o sujeito passivo, como sucede com a generalidade das isenções de imposto, na medida em que acaba por suportar o peso do imposto por via das suas aquisições, originando um imposto oculto pela incorporação do IVA incorrido a montante no preço dos bens e serviços prestados a terceiros (O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 2015, págs. 312-313; em idêntico sentido, Angelina Tibúrcio, Código do IVA e RITI Notas e Comentários, Coimbra, 2014, pág. 160). 

Por outro lado, como refere o Autor citado, as isenções de IVA relativas a serviços financeiros são motivadas por razões de ordem técnica que respeitam à dificuldade em apurar o valor acrescentado inerente a essas operações e, em especial, no que se refere à determinação da matéria colectável e do montante do IVA dedutível (ob. cit., págs. 318-319, e ainda o acórdão do TJUE, no Processo n.º C-455/05, considerando 24.)

Num outro plano de análise, importa ainda reter que a isenção de IVA para serviços e operações financeiras tem como contraponto a sujeição das operações financeiras a imposto do selo, nos termos da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sendo sintomático, quanto ao nível de dependência entre os dois impostos, que o artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo exclua do âmbito de incidência objectiva do imposto “as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas”. Como assinala Saldanha Sanches, “o imposto do selo assume a sua vocação de tributar aquilo que não pode ser tributado de outra forma” e ao contribuinte assiste o direito de ser tributado da forma que melhor se adequa ao normal funcionamento da economia de mercado e ao princípio da tributação segundo a capacidade contributiva do sujeito passivo (Manual de Direito Fiscal, 3ª edição, Coimbra, pág. 435).

Em todo este contexto, não é possível determinar objetivamente o critério de diferenciação que conduziu o legislador a sujeitar as instituições de crédito a um imposto especial sobre o sector bancário, nem é possível discernir qual a sua real fundamentação.

Encontrando-se a medida legislativa descrita como sendo um tributo destinado a compensar a isenção de IVA de que beneficia o sector financeiro, não se compreende que, simultaneamente, sejam excluídas outras categorias de actividades que se encontram igualmente isentas e que poderão revelar idêntica ou superior capacidade contributiva. E não é tido em devida consideração, na aplicação da medida, que as isenções previstas na Directiva, e transpostas para o direito interno pelo artigo 9.º do Código do IVA, são de carácter obrigatório, e, no que se refere aos serviços e operações financeiras previstos no artigo 135.º da Diretiva, essas isenções são motivadas pelas dificuldades práticas de apuramento do valor acrescentado e de aplicação do imposto, e não por qualquer propósito de favorecimento fiscal. O legislador desconsidera ainda que a isenção simples, que é aplicável ao caso, não confere o direito à dedução do imposto a montante, e não representa, por isso, uma efetiva vantagem para o sujeito passivo, que acaba por suportar a incidência do imposto através das suas aquisições. Além de que não se tem em linha de conta que essa isenção, no direito nacional, já é contrabalançada pelo imposto do selo, que abrange a generalidade das operações financeiras, tal como sucede, em geral, na legislação dos Estados-Membros, em que as operações relativamente às quais se afasta a aplicação da diretiva, são sujeitas a impostos especiais (cfr. Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, citado, pág. 317).

Em todo este condicionalismo, a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.

As condicionantes da criação do ASSB justifica ainda que se recoloque a questão sob o prisma da capacidade contributiva.

Como ressalta do disposto no artigo 4.º, n.º 1, da LGT, em linha com o artigo 104.º da Constituição, “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”, pelo que são esses os indicadores possíveis do critério de repartição dos impostos. Nesse mesmo sentido, Sérgio Vasques considera que, em razão do princípio da capacidade contributiva, “os impostos devem adequar-se à força económica do contribuinte e por isso o seu alcance mais elementar está na exigência de que o imposto incida sobre manifestações de riqueza e que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas”. E sublinha que, “para que o imposto corresponda à força económica de quem o paga, é forçoso que incida sobre realidades economicamente relevantes, realidades que se podem reconduzir sinteticamente ao rendimento, ao património e ao consumo” (Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 295).  

Como explicita Filipe de Vasconcelos Fernandes (ob. cit., págs. 107-109), o rendimento corresponde ao produto imputável, regularmente e durante um certo período, a uma fonte durável, designadamente ao trabalho (salários, comissões, etc.), ao património (rendas, juros, etc.) ou a uma combinação integrada de trabalho e património (lucros de uma exploração industrial ou comercial). Por outro lado, o rendimento pode corresponder, além do rendimento consumido, à diferença, num determinado período, entre o património final e inicial do contribuinte, compreendendo o rendimento não consumido ou aforrado, os bens adquiridos a título gratuito ou aleatório e as valorizações do ativo, na conceção de rendimento-acréscimo. Os impostos sobre o consumo tributam o rendimento através da sua manifestação em atos de despesa, ou seja, o rendimento propriamente gasto com a aquisição de bens ou serviços. Podem revestir a forma de impostos gerais (IVA) ou de impostos especiais (IEC), apresentando em comum a circunstância de onerarem a transmissão de bens ou serviço. Os impostos sobre o património incidem sobre o rendimento acumulado que, entretanto, foi transformado em valor patrimonial tributário, quer considerado estaticamente o património em si mesmo (IMI), quer numa perspetiva dinâmica, tributando-se o património apenas no momento da respetiva transmissão (IMT).

No caso do ASSB, como conclui o mesmo Autor, não está em causa qualquer modalidade de tributação do rendimento, mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do passivo. Do mesmo modo que não se trata da oneração de actos de despesa, que pudesse reconduzir-se a um imposto sobre actividades financeiras ou sobre transações financeiras. E, por outro lado, ainda que pudesse dizer-se, de um ponto de vista contabilístico e financeiro, que os elementos do passivo que são objeto de tributação por via do ASSB integram o balanço dos sujeitos passivos, não poderá entender-se que estamos aí perante modalidade de tributação do património.

A ausência de uma cabal correspondência entre o ASSB e um concreto índice de valoração de capacidade contributiva coloca em causa a viabilidade constitucional do imposto, na medida em que impossibilita o estabelecimento de qualquer tipo de relação causal entre o objeto da tributação que é imposto aos sujeitos passivos e um efectivo incremento de capacidade contributiva, sobretudo quando não está em causa uma contrapartida pela prevenção de riscos sistémicos em que as instituições de crédito possam estar envolvidas (como sucedia com a CSB), mas uma exclusiva medida de angariação de receita.

Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 217/15, o princípio da capacidade contributiva assume um valor paramétrico fundamentalmente como condição da tributação, de molde a impedir que determinado imposto atinja uma riqueza ou rendimento que não existe, vedando a exação de uma capacidade de gastar que verdadeiramente não se verifica. Em idênticos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 142/2004 consigna que a capacidade contributiva preenche o critério unitário da tributação, entendendo-se esse critério como sendo aquele em que “a incidência e a repartição dos impostos se deverá fazer segundo a capacidade económica ou capacidade de gastar (-) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)”.

No caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os factores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam.

Assim sendo:

As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

A decisão arbitral de 21 de Março de 2023, proferida no âmbito do processo n.º 598/2022-T, seguida de muito perto pelo Tribunal Arbitral, como se referiu acima, foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional.

O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho de 2024  (rectificado pelo Acórdão 507/24), na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, proferido no âmbito do Processo n.º 405/2023, veio julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão arbitral em crise.

Neste Acórdão, o Tribunal Constitucional veio julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

Em concreto, no Acórdão do Tribunal Constitucional, é referido:

“Com o que terá de se concluir, com a decisão recorrida, que “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.

Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária.

2.4.3. As considerações precedentes conduzem, sem dificuldade, à análise da violação do princípio da capacidade contributiva. (…)

Em suma, como se afirma na decisão recorrida, “[no] caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.

Mostra-se, enfim, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional do acórdão recorrido referido à violação do princípio da capacidade contributiva.” (…)

E, acrescente-se, sobre o Direito da União Europeia, o Tribunal Constitucional ainda decidiu: 

2.5. Às conclusões precedentes não constitui entrave o decidido no âmbito do Tribunal de Justiça da União Europeia (no caso protagonizado pelo Tribunal de Justiça – TJ) no processo n.º C‑340/22 (acórdão de 21/12/2023).

(…)

Não obsta, desde logo, tal decisão no segmento em que concluiu que a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.º 1093/2010 e (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução. Para assim concluir, considerou o TJUE (§§ 22. a 27.):

“[…]

22. Primeiro, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Diretiva 2014/59, esta estabelece regras e procedimentos relativos à recuperação e resolução das entidades enumeradas nessa disposição.

23. Segundo, como resulta dos considerandos 1 e 5 desta diretiva, esta foi adotada na sequência da crise financeira, que demonstrou a necessidade de prever instrumentos adequados para tratar a insolvência, nomeadamente, das instituições de crédito, fazendo suportar os riscos correspondentes aos seus acionistas e credores, e não aos contribuintes. Em conformidade com o considerando 103 da referida diretiva, incumbe com efeito ao setor financeiro, no seu conjunto, financiar a estabilização do sistema financeiro.

24. Terceiro, neste contexto, as contribuições pagas por estas instituições ao abrigo da mesma diretiva não constituem impostos, mas procedem, pelo contrário, de uma lógica baseada na garantia (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.º 113).

25. A Diretiva 2014/59 não tem, portanto, de forma alguma por finalidade harmonizar a fiscalidade das instituições de crédito que exercem uma atividade na União.

26. Por conseguinte, a Diretiva 2014/59 não pode obstar à aplicação de um imposto nacional, como o ASSB, que incide sobre o passivo das referidas instituições e cujas receitas visam financiar o sistema nacional de segurança social, sem apresentar nenhuma relação com a resolução e a recuperação dessas mesmas instituições. A circunstância de a forma de cálculo desse imposto apresentar semelhanças com a das contribuições pagas por força da Diretiva 2014/59 é irrelevante a este respeito.

27. Assim, importa responder à primeira questão que a Diretiva 2014/59 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução.

[…]”.

Dito de outro modo, o TJ considerou que o Direito da União Europeia não se opõe, genericamente, à criação de um imposto com as características do ASSB, desde logo porque a Diretiva 2014/59 não tem por finalidade harmonizar a fiscalidade das instituições de crédito que exercem uma atividade na União. Como tal, é matéria que fica na livre disponibilidade dos Estados, o que não significa que o TJ tenha validado o tributo à luz de outros parâmetros, designadamente os atrás referidos, relativamente aos quais não tomou – nem tinha de tomar – qualquer posição.

Já no segmento do Acórdão (correspondente aos § 28. a 65.) em que o TJUE concluiu que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito com sede situada no território desse Estado‑Membro, das filiais e das sucursais das instituições de crédito cuja sede se situa no território de outro Estado‑Membro, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais, importa sublinhar que o decidiu, em síntese, porquanto “[…] a República Portuguesa escolheu não tributar as instituições de crédito residentes e as filiais de instituições de crédito não residentes no que respeita aos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios. Assim sendo, este Estado‑Membro não pode invocar a necessidade de assegurar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros para justificar a tributação das sucursais de instituições de crédito não residentes no que respeita a esses instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios” (§ 62). Trata-se de uma dimensão do problema que não está em causa nos presentes autos, seja porque o Banco recorrente não tem a natureza de sucursal de instituição de crédito não residente (cfr. https://www.bportugal.pt/entidadeautorizada/banco-..-sa), seja porque, ao concluir pela inconstitucionalidade do tributo (que, por via da confirmação da decisão recorrida, se repercutirá na invalidação da respetiva liquidação), a presente decisão concorre – no efeito induzido pela interpretação do TJ do Direito da União – para a eliminação do referido tratamento desigual.

2.6. Em face do exposto, prefiguram-se razões bastantes para fundar um juízo de inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, com a consequente improcedência do recurso, também nesta parte.”(…).

A finalizar, importa referir que o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 529/2024, de 2 de Julho de 2024, na 1.ª Secção, proferido no âmbito do Processo n.º 1058/2023, veio novamente   julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, o acto de liquidação de ASSB aqui em crise, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzida, são ilegais.

Este vício justifica a anulação da liquidação impugnada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

O indeferimento expresso da reclamação graciosa enferma do mesmo vício, já que mantém a liquidação, com os fundamentos que constam do despacho de indeferimento.

 

1.6. Questões de conhecimento prejudicado

            Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da autoliquidação que é objecto do presente processo, por vício que impede a renovação do acto, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pelo Requerente.

Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pelo Requerente.

 

2. Reembolso de quantia paga

O Requerente pede reembolso do montante indevidamente pago no valor de € 725.324,88.

É consequência da anulação da autoliquidação o reembolso da quantia paga indevidamente, o que se insere no dever de plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, que se refere no artigo 100.º da LGT e no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT.

 

3. Juros indemnizatórios

O Requerente formula ainda pedido de pagamento de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43.º n.º 1 e 100.º da LGT.

A Requerida defende que que não são devidos juros indemnizatórios, alegando:

A AT está vinculada ao princípio da legalidade previsto no art. 55º da LGT, e o art. 3º n.º 1 do CPA (que é aplicável subsidiariamente às relações jurídico-tributárias ex vi alínea c) do art. 2.º da LGT) especifica que “Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins.”.

Da citada norma «resulta que o princípio da legalidade, consubstanciando-se na obediência à lei e ao direito, não se limita ao dever de acatamento da lei em sentido estrito, abrangendo também a subordinação a todos os valores jurídicos, normativos ou não, como as normas e princípios de direito internacional e comunitário, as normas regulamentares, as situações definidas judicial ou administrativamente e as obrigações contratualmente assumidas.» (Diogo Leite Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “Lei Geral Tributária Comentada e Anotada”, Encontro da Escrita, 4ªa Edição, 2012 - pág. 446).

Acresce ainda que, «na aplicação da legalidade, tanto pela administração como pelos tribunais, não pode ser encarada isoladamente cada norma que enquadra uma determinada actuação da administração, antes terá de se atender à globalidade do sistema jurídico com primazia para o direito constitucional.» (veja-se os referidos Autores na obra citada, pág. 451). A subordinação da atividade da Administração à Constituição e à lei emerge, desde logo, do disposto no n.º 2 do art. 266º da CRP.

Pelo que, é inequívoco, que a AT está obrigada a aplicar os diplomas legais criados pela  Assembleia da República e pelo Governo, estando-lhe, consequentemente, vedado anular a autoliquidação em crise, dado que não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em

inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (arts. 281º e 282º da CRP), ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (art. 18º da CRP), o que não é o caso.

Pelo que, contrariamente ao afirmado pela Requerente, o erro não pode ser imputável à AT, mesmo tendo sido chamada a pronunciar-se em sede de Reclamação Graciosa, e tendo decidido indeferir o pedido feito pela Requerente naquela.

Assim, a ser procedente a impugnação judicial, o que somente se concebe por hipótese de raciocínio, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43º n.o 1 da LGT é totalmente ilegal, porque inexistiu erro imputável aos Serviços.

Acrescidamente, afigura-se ainda que também a AT não pode ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43º n.º 3 al. d) da LGT, por esta condenação ser ilegal, decorrente da inconstitucionalidade daquela norma, por violação dos arts. 281º, 282º e 18º da CRP, nos termos supra referidos, dado que a AT não tinha disponibilidade legal de decidir de modo diferente, sob pena de violação dos identificados preceitos constitucionais.

Nesta exata medida, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, em caso de vencimento na impugnação, é violadora do princípio da proporcionalidade (art. 18o n.º 2 da CRP), uma vez que não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu, sendo, contudo, sancionada com o pagamento de juros indemnizatórios. (...)”

Vejamos,

O direito à indemnização consagrado no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa encontra-se concretizado no regime resultante da conjugação dos artigos 43.º, 100.º e 102.º da LGT e 61.º do CPPT, por via da previsão de juros indemnizatórios.

O Artigo 61.º n.º 5 do CPPT determina que:

“Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos.”

O artigo 100.º LGT estabelece que, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, a Administração Tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo a liquidação de juros indemnizatórios.

O artigo 43.º da LGT, ao reconhecer o direito a juros indemnizatórios, não vem reconhecer um direito novo em consequência de um acto da AT, antes vem consagrar uma forma especifica de concretização do direito indemnizatório constitucionalmente garantido.

De acordo com o citado artigo 43.º da LGT o direito a juros indemnizatórios implica a verificação cumulativa dos respetivos seguintes:

1.° Que haja um erro na liquidação de um tributo;

2.° Que tal erro seja imputável aos serviços;

3.° Que a sua existência seja determinada em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial e

4.° Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

O artigo 43, n.º 3 d) determina que são também devidos juros indemnizatórios em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

Nesta última situação, foi a Lei 9/2019, de 01/02 (em vigor a 02/02/2019), por via do seu artigo 2.º aditou a alínea d) ao n.º 3 do artigo 43.º da LGT, nos termos da qual são, também, devidos juros indemnizatórios, “Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determina a respetiva devolução”.

Aderimos ao decido no STA de 23-10-2024, proferido no Processo 0430/22.7BEBRG:

“II- Por considerarmos que a aplicação do 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, não exige que exista uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, concluímos que estão reunidos os pressupostos legais para que seja devido à recorrente o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento indevido do tributo até à data do processamento da respetiva nota de crédito (nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT e da Portaria n.º 291/2003, de 08.04, aprovada ao abrigo do disposto no artigo 558.º, n.º 1, do CC, aplicável ex vi dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

(...)

“A recorrente veio ainda requerer o pagamento de juros indemnizatórios. Com efeito, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, são também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução.

Consideramos que a disposição que referimos não exige, para ser aplicada, que exista uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, como decorre, aliás, da jurisprudência deste Supremo Tribunal, designadamente do recente acórdão de 2 de outubro, processo n.º 91/23.6BEBJA, de cuja fundamentação nos apropriamos:

«…a norma em apreço não contempla a exigência de uma declaração com força obrigatória geral (sendo de notar que o contribuinte não terá legitimidade para desencadear um processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade ao abrigo do artigo 281º nº 3 da CRP, estando esse impulso processual apenas na disponibilidade dos Juízes Conselheiros ou do Ministério Público, nos termos do artigo 82.º da LTC, podendo o mesmo, no limite, solicitar ao Ministério Público que promova esse processo) e, muito menos, uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto (até porque as próprias partes podem conformar-se com a pronúncia deste Tribunal em função daquilo que é, nesta altura, a jurisprudência do Tribunal Constitucional), o que repugna ao simples bom senso, dado que, tendo sido reconhecida a bondade da pretensão das Recorrentes nos termos e pelos fundamentos apontados, não faz sentido recusar a aplicação da norma em análise - art. 43º nº 1 al. d) da LGT…»

Para concluirmos, também, que estão reunidos os pressupostos legais para que seja devido à recorrente o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento indevido do tributo até à data do processamento da respetiva nota de crédito (nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT e da Portaria n.º 291/2003, de 08.04, aprovada ao abrigo do disposto no artigo 558.º, n.º 1, do CC, aplicável ex vi dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

De mencionar o Acórdão do TCAS de 24-01-2024, proferido no Processo 905/10.0 BELRS, que consta do sumário:

I - À luz do disposto na alínea d) do n.º 3, do art.º 43.º da LGT, preceito aditado à LGT pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, é hoje inquestionável que, em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução, são devidos juros indemnizatórios.”

(...)

O STA tem, todavia, entendido, de forma reiterada e consistente, que não pode ser considerado “erro imputável aos serviços” a emissão de liquidação com base em normas que venham a ser judicialmente desaplicadas com fundamento na sua inconstitucionalidade, na medida em que a Administração Tributária não pode recusar-se a aplicar uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral ou esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias [Cfr. Acórdãos de 12/10/2011, processo n.º 860/10, e, seguindo a mesma orientação, entre outros, Acórdãos de 22/03/2017, processo n.º 0471/14; de 30/10/2019, processo n.º 1344/11.1BELRS; e de 27/11/2019, processo n.º 02000/07.0BEPRT].
Nestes casos, afirma o STA que “não podendo a Administração Tributária decidir de outro modo, também não lhe pode ser assacada a responsabilidade por decidir no sentido em que decidiu” e, consequentemente, “não pode ser condenada no pagamento dos juros indemnizatórios, por falta de um dos requisitos de que depende a atribuição deste direito: a imputação do erro respetivo aos serviços” [Cfr. Acórdão de 30/10/2019, processo n.º 1344/11.1BELRS].

Neste conspecto, cabe julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Impugnante, o que se fará igualmente no dispositivo da sentença.».

Que dizer?

A questão a dirimir consiste em saber se a anulação da liquidação baseada na inconstitucionalidade da norma legal em que se fundou aquele acto tributário confere à impugnante o direito a juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º da LGT.

A questão, que suscitou controvérsia está, hoje, legislativamente resolvida pela introdução no n.º 3 daquele artigo – «São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias» – de uma alínea d), com o seguinte teor: «Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução».

A introdução desta alínea d) no n.º 3 do art.º 43.º da LGT foi efectuada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro (vd. seu art.º 4.º), ou seja, anteriormente à prolação da sentença recorrida, sendo aplicável à situação dos autos.

Assim, não há que chamar à colação a disposição de direito transitório prevista no art.º 3.º da Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, segundo a qual, «A redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica -se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011», cujo escopo é alargar o novo regime às decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor (2 de Fevereiro de 2019, de acordo com o respectivo art.º 4.º).

Por outro lado, se bem interpretamos, referindo a norma do art.º 43.º, n.º3 alínea d), da LGT, «…decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária…», não permite restringir o seu campo de aplicação ao juízo de inconstitucionalidade efectuado pelo Tribunal Constitucional, abrangendo antes todas as decisões judiciais, nelas se incluindo a dos tribunais tributários, em que tal juízo seja feito a título concreto incidental, com efeitos inter partes, nos termos do art.º 204.º da CRP, que foi o caso.

 Em face dos preceitos legais transcritos, é hoje inquestionável que, em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução, são devidos juros indemnizatórios.

Como assim, é de conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida no segmento em que julgou improcedente o pedido de juros indemnizatórios.

IV - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e reconhecer serem devidos à impugnante, ora Recorrente, juros indemnizatórios nos precisos termos estatuídos no art.º 43.º/3/ d) da LGT, desde o pagamento indevido do tributo, nos termos do estatuído no art.º 61.º/5 do CPPT.”

Neste processo está em causa a declaração de ilegalidade de um acto de autoliquidação do ASSB em resultado da declaração de inconstitucionalidade das normas em que aquele se fundamenta.

E, de acordo com o disposto no artigo 24.º b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Pelo exposto entende este Tribunal Arbitral que na sequência da declaração de inconstitucionalidade da norma em que se fundou o acto de autoliquidação do ASSB, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que o Requerente pagou indevidamente, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

  1. Decisão

Em face do exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Declarar inconstitucionais as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva;
  3. Declarar ilegal e anular o acto tributário de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário referente ao ano de 2021, no valor de € 725.324,88, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzida;
  4. Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia paga e condenar a AT a pagar à Requerente a quantia de € 725.324,88;
  5. Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito;
  6. Condenar a AT no pagamento das custas nos termos do decidido em VII.

 

VI. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 725.324,88 (setecentos e vinte e cinco mil trezentos e vinte e quatro cento e noventa e quatro euros e oitenta e oito cêntimos), indicado pelo Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

VII. Custas

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 10.710,00 (dez mil, setecentos e dez euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

VIII. Notificação ao Ministério Público

Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público junto do Tribunal competente, para efeito do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.

 

Lisboa, 5 de Dezembro de 2024

 

Os Árbitros

 

________________

(Regina de Almeida Monteiro – Presidente)

 

 

_______________

(Hélder Faustino - Adjunto e Relator)

 

 

____________

(Marcolino Pisão Pedreiro – Adjunto)

 



[1]    Vd. entre outras: o Acórdão arbitral proferido no processo n.º 14/2024–T, de 17.07.2024 e o Acórdão arbitral proferido no processo n.º 530/2024–T, de 16.10.2024.