SUMÁRIO:
Dando a Administração Tributária total satisfação às pretensões que os Requerentes formularam nestes autos, com a anulação da liquidação reclamada e emissão do competente reembolso, a decisão arbitral que normalmente seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, afigura-se destituída de qualquer efeito útil, não se justificando a sua prolação por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1.A..., contribuinte n.º ..., e B..., contribuinte n.º ..., ambos residentes na ..., n.º..., ..., ...-..., Maia, vêm, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 102.º do CPPT, aplicável ex vi n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, apresentar o presente Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral (doravante PPA) na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa, apresentada em 29-11-2023, quanto ao ato de liquidação de IRS n.º 2023..., do ano de 2022, no valor de € 5.505,08 (cinco mil quinhentos e cinco e oito cêntimos).
Vem peticionar que o presente processo seja considerado procedente anulando-se consequentemente a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa acima mencionada, bem como a Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2023, determinando-se igualmente a emissão de uma nova nota de Liquidação de IRS na qual seja aplicada o Regime Fiscal aplicável a ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, AT.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral (doravante PPA) foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.°da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitra do Tribunal Arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído, em 02-09-2024.
Em 03-09-2024, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da Administração Tributária para apresentar Resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, e em 03-10-2024, esta apresentou a Resposta, juntando o Processo Administrativo (doravante PA), na mesma data.
Por despacho arbitral, de 12-11-2024, proferido nos termos do artigo 18.º, notificaram-se as partes, em 14-12-2024, da dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, da audição de testemunhas e declarações de parte, bem como da apresentação de alegações escritas, com base no princípio processual geral da proibição da prática de atos inúteis, enunciado em termos gerais pelo artigo 130.º do CPC, aplicável ao processo arbitral ex vi o artigo 29.º do RJAT.
Estimava ainda o mesmo despacho a prolação de decisão arbitral dentro do prazo previsto no n.º 1, do artigo 21.º do RJAT, convidando-se os Requerentes a pagar a taxa arbitral subsequente prevista no artigo 4.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Na mesma data, foi proferido despacho arbitral, convidando-se a AT a atualizar a referida informação ao abrigo do princípio da cooperação previsto na alínea f) do artigo 16.º do RJAT. Ordenava ainda o referido despacho que dos resultados da diligência deve ser dado conhecimento à outra parte, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 2 do CPC, aplicável ao processo arbitral ex vi artigo 29.º do RJAT.
Em 19-11-2024, a AT vem responder apresentando requerimento.
Por despacho arbitral, de 19-11-2024, foram os Requerentes notificados para se pronunciarem no prazo de dez (10) dias sobre o requerimento apresentado pela AT, nada vindo a declarar.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Cabe apreciar e decidir.
3. Questão prévia.
O Requerente atribui ao processo o valor de € 5.505,08.
Assinala a AT na sua Resposta que, nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), quando seja impugnada a liquidação, o valor do processo é o da importância cuja anulação se pretende.
Defende ainda, que os Requerentes pretendem a anulação da liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022, no valor de que foi reembolsado de € 2.604,73, pelo que deve ser este o valor do processo, requerendo a respetiva retificação.
A questão encontra-se ultrapassada com o reconhecimento por parte da AT de que o valor a reembolsar aos Requerentes, resultante do Estorno - Liquidação 2023 5..., é de € 5.505,08, conforme “Detalhe” do reembolso.
A situação do reembolso é a de regularizado por transferência bancária no montante de € 5.274,08, com data-valor de 28-10-2024.
II - Fundamentação
A matéria do PPA prende-se com a eventual aplicação do regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS – Regime fiscal aplicável a ex-residentes -, o qual exclui de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º do mesmo Código, observem os requisitos contidos naquela norma legal.
Os Requerentes consideram que preenchem os requisitos de terem sido residentes em Portugal, em data anterior a 31 de dezembro de 2018, e não residente nos três anos anteriores ao ano de 2022, pelo que deveriam ser tributados ao abrigo daquele regime e, consequentemente, beneficiar da exclusão de tributação de 50% dos rendimentos auferidos no ano de 2022 e nos quatro anos seguintes.
Verifica-se que, em 2023-05-16, foi entregue a declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2022, na qual foi mencionado serem os Requerentes residentes em território nacional, e terem auferido rendimentos nos respetivos Anexos A e B, da qual resultou a liquidação n.º 2023..., de 2023-08-09, com o valor a receber no montante de € 2.604,73.
Por consulta ao Sistema de Gestão de Divergências, verifica-se igualmente que aquela declaração deu origem aos erros B88 e Z10–Regime Fiscal Ex-Residente não permitido/Reside em PT nos últimos 3 anos, a qual findou sem correções.
Por discordarem da liquidação que não considerou o regime aplicável aos ex residentes, previsto no artigo 12.º- A do CIRS, em 2022-08-05, os Requerentes apresentaram o procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023... .
Na sequência da formação do indeferimento tácito quanto ao pedido apresentado, vieram os Requerentes reiterar o seu pedido apresentando pedido de pronúncia arbitral.
Por consulta ao SICAT, verificou a AT que por despacho da Chefe do Serviço de Finanças do Porto – ... ..., de 2024-08-13, foi o pedido dos Requerentes deferido porque, em síntese, “foi demonstrado que os reclamantes, antes de 2018/12/31, eram residentes em território português, tendo-se tornado fiscalmente residentes, no ano de 2022, pelo que poderão beneficiar do regime aplicável neste normativo legal”.
Por despacho, de 13-08-2024, a Senhora Chefe do Serviço de Finanças do Porto-..., deferiu o pedido dos Requerentes tendo sido notificado aos mesmos através de ofício da mesma data, registado e rececionado, em 19-08-2024.
Ulteriormente a liquidação de IRS impugnada ainda se encontrava em vigor, pelo que a Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso dirigiu-se ao Serviço de Finanças do Porto-3 para que prestasse esclarecimentos sobre esta questão.
O SF respondeu como se segue: “(…) Mais se informa que já foi efetuada a produção de efeitos do despacho de deferimento proferido, com a elaboração do respetivo Documento de Correção (...- 2022 -...– ...) em 2024/08/13. O mesmo foi validado centralmente em 2024/09/17 e liquidado em 2024/09/20.
A referida liquidação encontra-se em análise de divergência (...) por coerência de rendimentos de categoria B, tendo sido indicado por este Serviço que o Documento de Correção foi recolhido para produção de efeitos da decisão de deferimento proferida no procedimento de reclamação graciosa ...2023..., considerando a isenção prevista no art.º 12.º-A do CIRS (Regressar), encontrando-se em conformidade com tal decisão, conforme e-mail em anexo. Aguarda-se a conclusão do processo de divergência (mail em anexo), por forma a que a liquidação evolua para o sistema de cobrança, com a competente anulação da liquidação reclamada e respetivo reembolso. (…).” 11. Pelo exposto, e estando a decorrer o procedimento de divergências e só com a conclusão deste é que será anulada a liquidação ora contestada e emitido o respetivo reembolso.” (sublinhado nosso).
No seguimento dos esclarecimentos prestados pela AT na sua Resposta ao Tribunal Arbitral, face ao tempo decorrido, e considerando o princípio da celeridade consagrado no n.º 2 do artigo 29.º do RJAT, foi proferido despacho arbitral, em 12-11-2024, convidando-se a AT a atualizar a referida informação ao abrigo do princípio da cooperação previsto na alínea f) do artigo 16.º do RJAT, nomeadamente esclarecendo:
(i) Se o procedimento de divergências se encontra concluído com vista à anulação da liquidação ora contestada e emissão do respetivo reembolso;
(ii) Se foi proferido despacho de anulação do competente ato de liquidação.
Em resposta ao solicitado informou a AT, em 19-11-2024:
“1 - O procedimento de divergência foi concluído em 2024/10/20. 2 - Foi emitido o reembolso correspondente à liquidação de substituição em 2024/10/23, tendo sido recebido pelos s.p's através de transferência bancária concretizada em 2024/10/28. (…).”
Cabe analisar os efeitos processuais das referidas declarações.
1. O artigo 168.º do CPA, que define os condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa, no seu n.º 3, estabelece que “quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão”. Deve entender-se como encerramento da discussão, em correspondência com o estabelecido no artigo 604.º, n.º 3, alínea e), do CPC, o momento em que as partes produzam alegações orais ou o termo do prazo para alegações escritas ou o termo da fase dos articulados quando as partes tenham dispensado as alegações finais e o estado do processo permita sem necessidade de mais indagações a apreciação do pedido.
Haverá de concluir-se, assim, que o CPA alargou os poderes de disposição da Administração na pendência do processo, permitindo, na linha do que já vinha sugerido pela doutrina, que a anulação administrativa, quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, possa ter lugar até ao encerramento da discussão, e não apenas até à resposta, como estava previsto no artigo 141.º, n.º 1, do CPA de 1991.
A AT informou dentro do prazo para apresentação de Resposta que o ato anulatório iria ser praticado, e este ocorreu com a subsequente regularização do reembolso por transferência bancária no montante de € 5.274,08, com data-valor de 28-10-2024, por conseguinte ainda antes de qualquer novo desenvolvimento processual, havendo de atribuir-se à anulação, nesse condicionalismo, os correspondentes efeitos de direito.
Pese embora a notificação do Tribunal Arbitral, apenas em 19-11-2024, de que o ato tinha sido praticado, e dispensadas as alegações na sequência do despacho proferido nos termos do artigo 18.º do RJAT, influencie o andamento do processo pela necessidade de assegurar aos Requerentes a possibilidade de se pronunciarem, o referido prazo terminou em data muito anterior àquela que foi anunciada para prolação da decisão arbitral, não se afigurando que tenha perturbado de forma significativa o regular andamento do processo.
2. Dispõe o artigo 277.º do Código de Processo Civil (doravante CPC), que são causas de extinção da instância: a) O julgamento; b) O compromisso arbitral; c) A deserção; d) A desistência, confissão ou transação; e) A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Nos termos do disposto na alínea e), do artigo 277.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Segundo Lebre de Freitas, “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios” — Cfr. “Código de Processo Civil Anotado”, pág. 633. No mesmo sentido, Lopes do Rego, Comentários, pág. 611 e Remédio Marques, “Curso de Processo Executivo Comum”, pág. 381”.
A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.
É consabido que “A instância inicia-se pela proposição da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria do CAAD, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral (artigo 259.º, n.º 1, do CPC, adaptado ao processo arbitral)” (cfr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, 3.ª Edição, pág. 155).
A anulação do ato de liquidação controvertida do imposto proveio de um ato da AT, praticado na pendência da presente instância e notificado ao tribunal arbitral, em 19-11-2024, após a constituição do mesmo, como vimos, em 02-09-2024 –, o qual determinou a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido da respetiva declaração de ilegalidade e anulação.
III – Das Custas
Colocada a questão das Custas, atendamos ao disposto no artigo 536.º, n.º 3 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT:
Nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (fora das situações expressas no n.º 2 da mencionada norma), a responsabilidade pelas custas fica a cargo do Requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável à Requerida, caso em que é esta a responsável pela totalidade das custas.
Ficou claro que anulação do ato de liquidação controvertida do imposto, proveio de um ato da AT, praticado na pendência da presente instância –, e notificado ao tribunal arbitral após a constituição do mesmo.
Por todo o exposto, as custas deste processo devem ser imputáveis à Requerida.
IV – Decisão
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Termos em que o presente Tribunal Arbitral declara verificada a causa de extinção da instância arbitral, prevista no artigo 277.º, alínea e) do CPC, por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide.
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De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 5.505,08 (cinco mil quinhentos e cinco euros e oito cêntimos).
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Fixa-se o valor da taxa de arbitragem, nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, em € 612,00 (seiscentos e doze euros) a cargo da Requerida.
Lisboa, 4 de novembro de 2024
A Árbitra
Alexandra Iglésias
Notifique-se.
Texto elaborado em computador.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.