SUMÁRIO
I - Os contribuintes titulares de rendimentos de pensões registados como Residentes Não Habituais (RNH) ao abrigo do regime anterior à Lei n.º 2/2020, de 31 de março, mantiveram e mantêm, em sede de IRS, o regime de tributação de que beneficiavam em Portugal, por um período de 10 (dez) anos contados nos termos da lei.
II - Não obstante a denúncia, pela Suécia, da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada com Portugal (a “CDT”), e o facto de os rendimentos de pensões dos Requerentes respeitantes ao ano de 2022 terem sido tributados na Suécia, através de retenção na fonte por força dessa denúncia, em Portugal foi mantida a isenção na liquidação impugnada, em sintonia com a opção formulada pelos Requerentes na declaração Mod.3 de IRS.
III - Independentemente de se entender ou não que é de equacionar, nesta situação, uma violação do princípio da confiança, não se vislumbra enquadramento legal para a liquidação ser efetuada de forma diferente da que foi feita, designadamente atribuindo aos Requerente um crédito de imposto.
IV - Relativamente aos rendimentos da categoria H obtidos no estrangeiro por RNH, está prevista a aplicação do método da isenção, no n.º 6 do artigo 81.º do Código do IRS, na redação anterior à Lei n.º 2/2020, tendo os sujeitos passivos a faculdade de optar por esse regime, como fizeram os Requerentes.
V- No contexto global do regime de eliminação de dupla tributação, mesmo quando é aplicável o método do crédito de imposto, a sua aplicação é limitada à suficiência de coleta no período de tributação em que os rendimentos obtidos no estrangeiro foram incluídos no rendimento coletável, como decorre dos n.ºs 1 e 3 do artigo 81.º do CIRS, pelo que, quando não haja coleta, é inviável a atribuição de qualquer crédito de imposto, pelo que não havia suporte legal para incluir na liquidação de IRS relativa ao ano de 2022 dos Requerentes qualquer crédito de imposto.
VI - O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa apreciar a legalidade ou ilegalidade de atos de liquidação, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele]. A responsabilidade do Estado por violação da Constituição da República Portuguesa ou do direito da União Europeia a que aludem os Requerentes, designadamente a decorrente de atos de natureza legislativa ou sua omissão (inclusivamente, a não inclusão no Código do IRS de uma norma que permitisse atribuir um crédito de imposto na situação em análise) tem meios próprios para ser efetivada, não sendo meio adequado o processo arbitral, em face da sua vocação restrita à apreciação a legalidade de atos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Pedro Guerra Alves, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído em 29-07-2024, decide o seguinte:
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Relatório
A... e B..., doravante “Requerente ou Requerentes”, contribuintes fiscais número ... e ..., respetivamente, ambos com nacionalidade sueca e com residência na Rua ..., Lote..., ...-... Albufeira, Portugal, vieram, em 17-05-2024, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA") contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) relativo ao ano de 2022, e contra o ato de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2023..., pretendendo a respetiva declaração de ilegalidade e anulação.
É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”).
Os Requerentes fundamentam a sua pretensão, em síntese, nos seguintes termos:
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Com efeito, após se terem reformado, os Requerentes mudaram-se para Portugal a título permanente.
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A decisão de se mudarem para Portugal foi apenas a concretização de um objetivo que os Requerentes, depois de terem tido conhecimento do regime do RNH, tinham estabelecido.
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Na verdade, a escolha de Portugal, de entre vários países potencialmente elegíveis, prendeu-se, sobretudo, com o regime fiscal oferecido a pensionistas.
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Com efeito, quer nos termos da lei em vigor na altura, quer até da informação disponível em sites ligados ao Governo português e difundidas pela rede consular portuguesa, os reformados do setor privado residentes em Portugal que beneficiassem do RNH, seriam isentos de qualquer imposto sobre as suas pensões de fonte estrangeira (tanto em Portugal como no estado da fonte da pensão).
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Não sendo os Requerentes consultores fiscais, - mas seguindo na perfeição o standard do homem médio -, a única mensagem que resultava da informação pública divulgada pelo Governo português e por outras entidades que atuaram em representação do Estado Português era clara: após a alteração de residência para Portugal as suas pensões não seriam tributadas durante 10 (dez) anos.
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Deste modo, a convicção dos Requerentes de que não seriam tributados nos seus rendimentos de pensões se estivessem abrangidos pelo estatuto de RNH teve um impacto muito significativo quanto aos seus planos para a reforma, tendo em conta que decidiram abandonar o seu país de origem e mudar a sua residência para Portugal.
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Naturalmente, não sendo o RNH um regime artificial, a sua aplicação implica a mudança efetiva de residência para Portugal e uma alteração muito substancial do enquadramento pessoal dos Requerentes que se verificam em diferentes planos.
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Assim, no plano puramente profissional, os Requerentes abdicaram de todos os cargos que detinham nos órgãos sociais na empresa C..., sociedade da qual eram acionistas e que prestava serviços na área da consultoria tecnológica.
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Adicionalmente, os Requerentes optaram por requerer que o montante que lhes é devido a título de reforma fosse pago no período de 5 (cinco) anos, sendo que esta decisão foi tomada com base no pressuposto de que, por força da aplicação do regime do RNH e do ADT, os rendimentos decorrentes da pensão nunca seriam tributados, nem em Portugal nem na Suécia.
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Note-se que, por força das disposições suecas aplicáveis nesta matéria, esta opção é irreversível, pelo que, embora se tenha verificado um cenário de alteração das circunstâncias, os Requerentes estão impedidos de modificar o plano de pagamento da sua reforma no prazo de 5 (cinco) anos.
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Paralelamente, quanto aos bens imóveis de que eram proprietários na Suécia, os Requerentes alienaram, em 2018, aquela que tinha sido a sua habitação própria e permanente na Suécia durante mais de 18 (dezoito) anos.
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Por sua vez, e tendo em conta os requisitos exigidos pelo regime do RNH, os Requerentes celebraram, ainda no ano de 2017, um contrato promessa de compra e venda relativo a um imóvel ainda em fase de construção localizado na cidade de Albufeira.
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Sendo que este imóvel veio a tornar-se a habitação própria e permanente dos ora Requerentes em Portugal, após a celebração da respetiva escritura pública realizada em 2019.
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No que diz respeito à sua vida pessoal, os Requerentes cortaram quase todos os laços que tinham com a Suécia, abdicando, por conseguinte, de uma parte muito significativa da sua vida familiar e social.
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Com efeito, os Requerentes apenas se deslocam à Suécia pontualmente e em ocasiões especiais para estar em contacto com os membros da sua família, passando a grande maioria do ano em Portugal.
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Nesse sentido, tendo-se tornado residentes fiscais em Portugal, os Requerentes deslocaram para Portugal o seu centro de interesses vitais.
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Todas estas mudanças foram feitas apenas porque os Requerentes tinham a certeza de que durante 10 (dez) anos o seu rendimento de pensões não seria tributado, hipótese que apenas se verificou, contudo, durante os primeiros anos enquanto residentes fiscais em Portugal.
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Com efeito, em 2018, a Suécia manifestou a sua intenção de alterar o ADT celebrado com Portugal, em especial, no que respeita à disposição aplicável à tributação das pensões privadas.
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Após um ano de negociações, os dois países chegaram a um consenso sobre a redação de um novo Protocolo que alteraria o ADT e que foi assinado pelos antigos Ministros das Finanças Mário Centeno e Magdalena Andersson, em Bruxelas, à margem da reunião do ECOFIN, em 16 de maio de 2019. Esta última tornou-se, posteriormente, primeira-ministra da Suécia entre novembro de 2021 e outubro de 2022
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Contudo, o referido Protocolo não chegou a entrar em vigor, porque não foi ratificado pelo Parlamento português.
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Na ausência de ratificação por Portugal, em junho de 2021, a Suécia denunciou o ADT. O Aviso n.º 2/2022, do Ministério dos Negócios Estrangeiros português, de 1 de janeiro de 2022, tornou público que, "por Nota Verbal datada de 16 de junho de 2021, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa recebeu notificação de denúncia pelo Reino da Suécia da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino da Suécia para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento".
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Nos termos do Aviso, a denúncia produziu efeitos a partir de 1 de janeiro de 2022.
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Ora, a revogação do ADT teve um impacto imediato no enquadramento tributário aplicável aos Requerentes, na medida em que anteriormente as suas pensões encontravam-se totalmente isentas de tributação, passando atualmente a serem tributadas por retenção na fonte.
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Assim, e tal como resulta do quadro 5 do anexo L da Modelo 3 relativamente aos rendimentos de pensões, os Requerentes tiveram de suportar um montante de € 51.025,29 (cinquenta e um mil e vinte e cinco euros e vinte e nove cêntimos) a título de retenção na fonte, ao passo que a Requerente teve de suportar um montante de €493,92 (quatrocentos e noventa e três euros e noventa e dois cêntimos) a título de retenção na fonte.
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Concluem os Requerentes, a peticionar a anulação do ato de liquidação de imposto impugnado.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 20-05-2024, e subsequentemente notificado à AT.
Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou o ora signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 09-07-2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 29-07-2024, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.
A Requerida apresentou a sua resposta, com defesa por impugnação e exceção, e juntou o processo administrativo (“PA”) em 30-09-2024, alegando, em síntese, o seguinte:
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Está aqui em causa, tão somente, a tributação que o Reino da Suécia faz às pensões recebidas pelos Requerentes, na sequência da denúncia do Acordo/Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrado entre a República portuguesa e o Reino da Suécia.
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Sendo que os Requerentes, por força do Regime dos RNH não são, de todo, tributados em Portugal pelas pensões recebidas.
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Ademais, e porque contende diretamente com o que aqui vai ser decidido, sublinhe-se que os Requerentes não identificaram a base legal que fundamenta o pedido, simplesmente, porque não existe, na medida em que, tanto na legislação nacional, in casu, o n.º 1 do art.º 81.º do Código do IRS, como nas convenções para evitar a dupla tributação jurídica internacional, não é acolhido o método do crédito de imposto integral.
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Com efeito, em momento algum os Requerentes provam o que caucionam ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral
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Desde logo, não é minimamente crível (ainda que tais factos não influam, de todo, no julgamento das exceções que infra se invocam, nem, tão-pouco, na análise de mérito, se aí se chegar, o que não se concede e que apenas por exercício intelectual se cogita) que: i. Estejamos perante “contribuintes médios” como veicula o PPA ii. Os Requerentes se tenham mudado para Portugal apenas com base nos prospetos do Estado Português. iii. Na ponderação da sua decisão para vir para Portugal não tenham sido alvo de consultoria por parte de consultores/advogados/solicitadores suecos e/ou portugueses.
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Conclui a Requerida, que deverão ser julgadas procedentes a exceções invocadas, ou, não se entendendo assim, o que não se concede e apenas por mero exercício intelectual se cogita, deverá o pedido de reenvio prejudicial ser indeferido, deverá ser indeferido o pedido de prova por declarações de parte, por inadmissível, deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado e por notoriamente inconstitucional na interpretação que propugna, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
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No dia 05-11-2024, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, para efeito de declarações de parte dos Requerentes. As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas finais e o Tribunal indicou a data previsível para prolação da decisão arbitral, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente pelos Requerentes até essa data (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).
Requerentes e Requerida apresentaram as suas alegações em 20-11-2024, reafirmando, no essencial, as posições assumidas nos respetivos articulados.
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Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar da legalidade de atos de liquidação de IRS, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 (noventa) dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, contado da data de notificação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, fixada em 19 de fevereiro de 2024, tendo a presente ação sido proposta em 17 de maio de 2024.
O processo não enferma de nulidades.
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Matéria De Facto
§3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:
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Após se terem reformado, os Requerentes mudaram-se para Portugal a título permanente. Cf. Declarações de parte.
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Os Requerentes são cidadãos suecos que auferiam pensões de reforma. Cf. Declarações de parte.
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Os Requerentes abdicaram de todos os cargos que detinham nos órgãos sociais na empresa C... sociedade da qual eram acionistas e que prestava serviços na área da consultoria tecnológica. cf. documento 3 e 4 do PPA.
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Os Requerentes optaram por requerer que o montante que lhe é devido a título de reforma fosse pago no período de 5 (cinco anos). cf. documento 5, 6 e 7 do PPA.
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Os Requerentes alienaram, em 2018, aquela que tinha sido a sua habitação própria e permanente na Suécia. cf. documento 8 do PPA.
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Os Requerentes tornaram-se residentes fiscais em Portugal, tendo deslocado para Portugal o seu centro de interesses vitais. Cf. Declarações de parte.
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Em 21 de Junho de 2023, os Requerentes procederam à submissão da declaração de rendimentos de IRS (Modelo 3) relativa ao ano fiscal de 2022, à qual foi atribuída o número de identificação ... e o código de validação ... . cf. documento 1 do PPA.
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Na referida declaração, os Requerentes declararam rendimentos de pensões (categoria H) no valor de € 204.103,63 (duzentos e quatro mil cento e três euros e sessenta e três cêntimos) e € 6.626,36 (seis mil seiscentos e vinte e seis euros e trinta e seis cêntimos), e imposto pago no estrangeiro no valor de € 51.025,91 (cinquenta e um mil e vinte e cinco euros e noventa e um cêntimos) e € 493,42 (quatrocentos e noventa e três euros e quarenta e dois cêntimos). Cf. PA.
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No anexo L da referida declaração, relativo a «Residente Não Habitual» os Requerentes indicaram, quanto a «OPÇÕES POR REGIMES DE TRIBUTAÇÃO» que foram fiscalmente residentes em território português até 31-03-2020 (campo 6B 1), e que não optavam pelo novo regime de tributação dos rendimentos obtidos no estrangeiro, nos termos do n.º 12 do art.º 72 do CIRS (campo 6B 2). Cf. PA.
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No campo C1 do referido anexo L, relativo a RENDIMENTOS OBTIDOS NO ESTRANGEIRO – ELIMINAÇÃO DA DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL, os Requerentes indicaram, para efeitos do regime transitório dos anos de 2020 e seguintes, que pretendiam que fosse aplicado o método de isenção. Cf. PA.
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Os Requerentes foram notificados da demonstração da liquidação de IRS com o n.º 2023... . cf. documento 2 do PPA.
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Os Requerente apresentaram Reclamação Graciosa contra a demonstração de liquidação de IRS: n.º 2023..., à qual foi atribuído número ...2023.... Cf. PA.
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Por meio do ofício n.º ... do Serviço de Finanças de Albufeira, os ora Requerentes foram notificados para exercerem o direito de audição prévia no âmbito do procedimento de reclamação graciosa. Cf. PA.
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Em 19-02-2024 os Requerentes foram notificados da decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa. Cf. PA.
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Em 16-05-2019, foi assinado um protocolo para alteração à Convenção entre a República Portuguesa e o Reino da Suécia para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento.
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Na ausência de ratificação por Portugal, em junho de 2021, a Suécia denunciou a Convenção para Evitar a Dupla Tributação referida (CDT).
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Em 01-02-2022, foi publicado no Diário da República n.º 22/2022, de 01-02-2022, o Aviso n.º 2/2022, do Ministério dos Negócios Estrangeiros português, que tornou público que "por Nota Verbal datada de 16 de junho de 2021, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa recebeu notificação de denúncia pelo Reino da Suécia da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino da Suécia para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento”, assinada em Helsinborg em 29 de agosto de 2002 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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Nos termos do Aviso, a denúncia produziu efeitos a partir de 1 de janeiro de 2022.
§3.2. Factos não provados
Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.
Não foram identificados outros factos que devam ser considerados não provados.
§3.3. Fundamentação da matéria de facto
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e das declarações de parte.
Em relação as declarações de parte de A... e B..., que prestaram declarações sobre os factos elencados nos artigos 21.º a 37.º da PPA. Ambos referiram que se mudaram para Portugal a título permanente e que deslocaram para Portugal o seu centro de interesses vitais. A respetiva mudança se deveu em parte ao regime fiscal oferecido a pensionistas. Mais referiram, que nesta mudança, no âmbito profissional abdicaram dos cargos que detinham em órgãos sociais, bem como procederam a venda do imóvel que eram proprietários na Suécia. Igualmente referiam que optaram requerer que o montante que lhe é devido a título de reforma fosse pago no período de 5 (cinco) anos, e referiram que esta decisão foi tomada com base no pressuposto de que, por força da aplicação do regime do RNH e do ADT, os rendimentos decorrentes da pensão nunca seriam tributados, nem em Portugal nem na Suécia. E que não teriam tomado essa decisão, e vendido o seu imóvel e feito as demais alterações na vida pessoal e profissional se soubesse das futuras alterações à legislação. Mencionaram que no ano de 2017 celebraram um contrato de promessa de compra e venda de um imóvel localizado na cidade de Albufeira, e que em 2019 celebram a escritura de compra e venda do mesmo. Referenciaram que se deslocam à Suécia pontualmente e em ocasiões especiais para estar em contacto com os membros da sua família, passando a grande maioria do ano em Portugal.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
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Matéria de Direito
§4.1. Delimitação das questões a decidir:
Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:
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Questões de incompetência e de ilegitimidade passiva da Autoridade Tributária e Aduaneira;
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Ilegalidade daa liquidação de demonstração de liquidação de IRS: n.º 2023... .
§4.2. Questões de incompetência e de ilegitimidade passiva da Autoridade Tributária e Aduaneira
A Requerida alegou que os Requerentes não pretendem sindicar a legalidade de um ato tributário praticado pela AT, mas no fundo, ao que se consegue entrever, esmiuçado o ppa aqui em análise, pretende sindicar uma qualquer Responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função político-legislativa. O ppa dos Requerentes pretende sindicar a responsabilidade política do Reino da Suécia pela sua decisão política de denunciar o ADT e tributar as pensões por si pagas.
Em concreto o PPA pretende sindicar os atos tributários de retenção na fonte efetuados pela autoridade tributária do Reino da Suécia sobre as pensões dos Requerentes.
A Requerida, sustenta a incompetência absoluta deste centro de arbitragem. Assim, estamos perante imposto liquidado, devido e cobrado no Reino da Suécia, pelo que é silogística a conclusão de que estamos perante matéria cuja competência é exclusiva das jurisdições suecas. E da consequente e imediata ilegitimidade passiva da AT. O objeto processual encontra-se delimitado pelo respetivo pedido e causa de pedir, nos termos delineados pelos Requerentes no seu ppa. A Requerida é uma entidade totalmente estranha e alheia às retenções na fonte efetuadas pelo reino da Suécia.
A Requerente, apresentou resposta as exceções invocadas, na qual argumentou, que a pretensão dos Requerentes se traduz na anulação do ato de liquidação de IRS relativo ao ano de 2022, por força da não atribuição de um crédito de imposto no montante associado à retenção na fonte paga no Reino da Suécia. Ora, a pretensão anulatória dos ora Requerentes é clara e encontra-se abrangida pelo artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. E não se centra na legalidade/ilegalidade do imposto liquidado, devido e cobrado no Reino da Suécia, mas na aplicação da lei portuguesa e na legalidade da metodologia seguida, em Portugal, para o efeito.
Neste sentido cumpre decidir.
Decorre do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos.
Assim, independentemente dos fundamentos de anulação invocados, está-se perante um pedido de apreciação da legalidade de uma liquidação emitida pela AT, pelo que o pedido se insere na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
Por outro lado, tratando-se de uma liquidação relativa a IRS, emitida pela AT, é à sua dirigente máxima que cabe a competência para a representar no processo arbitral, como decorre do artigo 17.º do RJAT.
O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa apreciar a legalidade ou ilegalidade de atos de liquidação, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele]. A responsabilidade do Estado por violação da Constituição ou do direito da União Europeia a que aludem os Requerentes, designadamente a decorrente de atos de natureza legislativa ou sua omissão (inclusivamente, a não inclusão no Código do IRS de uma norma que permitisse atribuir um crédito de imposto na situação em análise) tem meios próprios para ser efetivada, não sendo meio adequado o processo arbitral, em face da sua vocação restrita à apreciação a legalidade de atos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT.
Pelo exposto, improcedem as exceções de incompetência e ilegitimidade passiva invocadas pela AT.
§4.3. Ilegalidade da liquidação de demonstração de liquidação de IRS: n.º 2023...
Os Requerentes mudaram a sua residência para Portugal e ambos obtiveram o estatuto de Residente Não Habitual (RNH), beneficiando, então, de total exclusão da tributação dos rendimentos de pensões provenientes da Suécia.
Na verdade, por força do disposto no artigo 18.º da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino da Suécia para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/2003, publicada no Diário da República, I Série, de 19-03-2003 (doravante “CDT, «as pensões e outras remunerações similares pagas a um residente de um Estado Contratante em consequência de um emprego anterior só podem ser tributadas nesse Estado», isto é, só podiam, ser tributadas Estado da residência e não no da fonte, o que está em sintonia com o artigo 18.º da Convenção Modelo da OCDE.
Por outro lado, em Portugal, o estatuto de RNH que os Requerentes obtiveram, era garantido pelo período de 10 (dez) anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português, desde que fossem considerados residentes em território português, em qualquer momento de cada um desses anos (artigos 16.º, n.ºs 9 e 11, do CIRS), assegurava-lhes a isenção de tributação em IRS desses rendimentos de pensões, por via da alínea b) do n.º 6 do artigo 81.º do CIRS, na redação anterior à Lei n.º 2/2020, de 31 de Março.
Apesar de este regime de isenção ter sido revogado por aquela Lei n.º 2/2020, ele continuou a ser aplicável aos Requerentes, que se encontravam inscritos como RNH, à data da sua entrada em vigor, por força da disposição transitória do n.º 2 do seu artigo 329.º e a opção que fizeram, relativamente ao ano de 2022, no campo 6B do anexo L da respetiva declaração modelo 3 que apresentaram.
Com a denúncia pela Suécia da CDT referida, os rendimentos de pensões dos Requerentes respeitantes ao ano de 2022 foram tributados na Suécia, através de retenção na fonte, mas em Portugal, na liquidação impugnada, foi mantida a isenção, em sintonia com a opção formulada pelos Requerentes no campo C1 do referido anexo L.
Independentemente de se entender ou não que é de equacionar, nesta situação, uma violação do princípio da confiança, não se vislumbra enquadramento legal para a liquidação ser efetuada de forma diferente da que foi feita, designadamente atribuindo aos Requerentes um crédito, como pretendem.
Os contribuintes titulares de rendimentos de pensões registados como RNH ao abrigo do regime anterior à Lei n.º 2/2020, de 31 de março, mantiveram e mantêm, em sede de IRS, o regime de tributação de que beneficiavam em Portugal, por um período de 10 (dez) anos contados nos termos da lei.
Não obstante a denúncia, pela Suécia, da CDT, e o facto de os rendimentos de pensões dos Requerentes respeitantes ao ano de 2022 terem sido tributados na Suécia, através de retenção na fonte por força dessa denúncia, em Portugal foi mantida a isenção na liquidação impugnada, em sintonia com a opção formulada pelos Requerentes na declaração Mod.3 de IRS.
Independentemente de se entender ou não que é de equacionar, nesta situação, uma violação do princípio da confiança, não se vislumbra enquadramento legal para a liquidação ser efetuada de forma diferente da que foi feita, designadamente atribuindo aos Requerentes um crédito de imposto.
Relativamente aos rendimentos da categoria H obtidos no estrangeiro por RNH, está prevista a aplicação do método da isenção, no n.º 6 do artigo 81.º do Código do IRS, na redação anterior à Lei n.º 2/2020, tendo os sujeitos passivos a faculdade de optar por esse regime, como fizeram os Requerentes.
Por outro lado, no contexto global do regime de eliminação de dupla tributação, mesmo quando é aplicável o método do crédito de imposto, a sua aplicação é limitada à suficiência de coleta no período de tributação em que os rendimentos obtidos no estrangeiro foram incluídos no rendimento coletável, como decorre dos n.ºs 1 e 3 do artigo 81.º do CIRS, o que se reconduz, na situação dos autos, em que não há qualquer coleta no ano de 2022, à inviabilidade de atribuição de qualquer crédito de imposto, neste ano.
Por isso, tem de se concluir que não há suporte legal para incluir na liquidação de IRS relativa ao ano de 2022, qualquer crédito de imposto, e que a AT, obrigada a observar o princípio da legalidade (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), não podia deixar de emitir a liquidação nos termos em que o fez.
Sendo assim, a liquidação impugnada não enferma de qualquer vício que justifique a sua anulação.
Isto não significa que não se possam equacionar, com pertinência, como fazem os Requerentes, as questões da violação do princípio constitucional da confiança e dos princípios de Direito da União Europeia da não discriminação, da liberdade de estabelecimento e liberdade de circulação de trabalhadores.
Mas, o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa apreciar a legalidade ou ilegalidade de atos de liquidação, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].
A responsabilidade do Estado por violação da Constituição ou do direito da União Europeia a que aludem os Requerentes, designadamente a decorrente de atos de natureza legislativa ou sua omissão (inclusivamente, a não inclusão no CIRS de uma norma que permitisse atribuir o crédito que os Requerentes pretendem) tem meios próprios para ser efetivada, não sendo meio adequado o processo arbitral, em face da sua vocação restrita à apreciação a legalidade de atos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT.
Neste sentido, veja-se igualmente as decisões arbitrais n.ºs 756/2023 – T; 757/2023 – T; 758/2023 – T; 759/2023-T; 760/2023 – T.
Neste contexto, tem de se concluir que não se justifica o reenvio prejudicial sugerido pelos Requerentes, pois a decisão das questões de Direito da União sugeridas não tem qualquer relevância para a decisão da causa.
Nestes termos improcede o pedido de pronúncia arbitral.
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Decisão
De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral, decide em:
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Julgar improcedentes as exceções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
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Indeferir o pedido de reenvio prejudicial;
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Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação;
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Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios;
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Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.
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Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 3.176,20 (três mil cento e setenta e seis euros e vinte cêntimos), indicado pelos Requerentes e não contestado pela Requerida, correspondente ao valor daa liquidação de IRS cuja anulação constitui o objeto desta ação.
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Custas Arbitrais
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, cabendo à Requerente em razão do respetivo decaimento.
Notifique-se.
Lisboa, 4 de dezembro de 2024
O Árbitro
Pedro Guerra Alves