Decisão Arbitral
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ACÓRDÃO
I - RELATÓRIO
A..., SA, contribuinte fiscal n.º…, com sede na Rua …, vem, nos termos do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011 (doravante “RJAT” - Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), requerer a constituição de tribunal arbitral coletivo, pedindo que este declare a ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRC nº 2011… e respetivos juros compensatórios relativos ao exercício de 2007, no valor de € 66.947,52 e, em consequência, determine:
a) A anulação do ato de liquidação adicional abrangendo IRC e juros compensatórios;
b) A devolução da garantia bancária prestada pela requerente e
c) O pagamento de indemnização pela prestação de garantia bancária.
Fundamentos do pedido
Alega a requerente a fundamentar o pedido:
A… é uma sociedade de direito português que na altura a que os factos se reportam era detida em 100% pela sociedade de direito espanhol B... España, SA e, por sua vez, detinha 100% do capital da sociedade de direito português denominada C... Renting, SA, pessoa coletiva número …, ambas constituindo, ao tempo, um “Grupo Fiscal”, sendo-lhes aplicável o correspondente regime de tributação
Em 2011 foi efetuada uma inspeção ao exercício de 2007 (de 1/12/07 a 30/11/08) a qual, considerando a oposição da Requerente às suas conclusões, deu origem aos seguintes factos e documentos:
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Relatório de Inspeção Tributária, que se junta como Documento I;
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Reclamação graciosa, que se junta como Documento II;
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Despacho de indeferimento da reclamação graciosa, que se junta como Documento III;
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Demonstração de liquidação de IRC nº 2011 …, que se junta como Documento IV;
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Demonstração de acerto de contas, nº de compensação 2011 …, que se junta como Documento V;
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Garantia bancária, que se junta como Documento VI;
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Recurso hierárquico, que se junta como Documento VII;
E ao que agora, com a petição, se adiciona:
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Notas sobre as provisões no SNC, que se juntam como Documento VIII, 1 /2 e 2/2;
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Organograma da A... Portugal, que se junta como Documento IX;
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Declaração da B... España, que se junta como Documento X;
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Organograma da B... España, que se junta como Documento XI;
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Descritivo das funções dos trabalhadores afectos a tempo inteiro à A... Portugal, que se junta como Documento XII;
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Descritivo das funções dos trabalhadores afectos a tempo parcial à A... Portugal, que se junta como Documento XIII;
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Extrato de conta dos abates de equipamento e facturas de venda, que se juntam como Documento XIV, 1 /3, 2/3 e 3/3
Os Técnicos da Inspeção Tributária (TIT) concluíram pela existência das três seguintes irregularidades, tendo efetuado os correspondentes ajustamentos positivos na determinação da matéria coletável da sociedade Requerente e do grupo de sociedades em que a mesma se inseria:
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Dedução no quadro 07 da declaração modelo 22 de uma utilização direta de uma provisão para outros riscos e encargos no valor de € 520.060,06;
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Insuficiente fundamentação dos custos suportados com serviços prestados pela B... España, SA, no valor de € 313.894,70, e
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Reforço não justificado da provisão para depreciação de existências, no valor de € 95.011,23,
O que totalizou uma correção positiva de € 928.965,99 e o apuramento de imposto adicional e juros compensatórios no valor global de € 66.947,52.
Os valores inicialmente apresentados na declaração modelo 22 da Requerente e na declaração de Grupo Fiscal em que a mesma se inseria, foram assim alterados nos termos que se sintetizam no quadro seguinte:
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A... Portugal
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C... Renting
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Soma
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Prejuízos transitados
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Grupo fiscal
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Imposto
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Autoliquidação
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-521,845.63
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262,864.24
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258,981.39
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-486,097.35
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- 745,078.74
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25,436.52
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Correção AT
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928,965.99
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0.00
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928,965.99
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0.00
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928,965.99
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92,384.04
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Valores finais
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407,120.36
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262,864.24
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669,984.60
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-486,097.35
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183,887.25
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66,947.52
|
[Cf. Documento I , págs 6, 29, 103 e Documento IV].
Dedução da utilização direta de uma provisão no valor de € 520.060,06
Relativamente à questão referida no Ponto 5º a)[Dedução no quadro 07 da declaração modelo 22 de uma utilização direta de uma provisão para outros riscos e encargos no valor de € 520.060,06] transcreve-se como segue o essencial da argumentação dos TIT:
“Na movimentação daquela provisão, apenas foram utilizadas contas de balanço (débito da conta Provisões …e crédito da conta 41 – Investimentos financeiros).
Para que a dedução que a entidade A... efetuou no quadro 07 (…) possa ser considerada fiscalmente, teria que ter sido considerado o respetivo proveito, na conta 796 – Redução de amortizações e provisões.
Nestes pressupostos, estamos perante uma dedução indevida no quadro 07 (…) pelo que se procederá à sua correção”.
[Cf. Documento I - Relatório de Inspeção Tributária – págs. 15, # 5, 6 e 7].
Decerto, por lapso, o Relatório de Inspeção Tributária refere “conta 281 – Provisões para clientes de cobrança duvidosa” quando certamente pretendia dizer “conta 29 – Provisão para outros riscos e encargos”.
Na apreciação da reclamação graciosa aquela ideia é reforçada nos seguintes termos:
“4.6 – Cumpre referir que (…) os acréscimos ou deduções ao Resultado Líquido do exercício, materializados no quadro 07, resultam dos ajustamentos fiscais do Resultado Contabilístico.
4.7 – Significa isto que, a dedução ao Resultado Líquido pretendida pelo Impetrante (…) só seria aceite se, tal montante o tivesse influenciado, ou seja, tivesse sido contabilizado o respetivo proveito.
4.8 – Ora, esta última premissa, não aconteceu, não se verificou.
4.9 – Assim, ao fazer utilização do Método Direto, tal valor não é dedutível para efeitos de determinação do Resultado Fiscal por, como antes aludido, não haver influenciado as contas de Proveitos, na demonstração de resultados. “
[ Cf. Documento III - Despacho de indeferimento da reclamação graciosa, pág 5/6.]
O que está em causa nesta suposta incorreção é um lamentável desconhecimento de princípios elementares de articulação entre a contabilidade e a fiscalidade por parte dos TIT destacados para esta fiscalização.
Nas circunstâncias, métodos alternativos de contabilização de provisões conduzem ao mesmo resultado contabilístico e fiscal. [cfr Ponto 28º e seguintes do pedido de pronúncia arbitral]
Insuficiente fundamentação dos custos suportados com serviços prestados pela B... España, SA
Relativamente à questão referida no Ponto 5º b), transcreve-se como segue o essencial da argumentação dos TIT:
“Os documentos de suporte dos custos inerentes à imputação de gastos, por parte da B... España, SA à A... Portugal, SA derivados da utilização a 100% de trabalhadores da primeira empresa por parte da segunda, não demonstram a indispensabilidade dos mesmos.
Situação idêntica se verifica com a imputação de gastos em diferentes percentagens, por não ter sido demonstrada a forma de cálculo e justificação das mesmas.
Não tendo sido possível à Administração fiscal aferir inequivocamente que tais custos foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, não poderão os mesmos ser aceites nos termos do artº. 23º do Código do IRC.”
[Cf Documento I - Relatório de Inspeção Tributária – pág. 18, # 2, 3 e 4].
A atividade da Requerente consiste na venda e aluguer de equipamentos de impressão gráfica, bem como na respetiva assistência técnica/reparações.
Para esta atividade, ao tempo a que se reportam os factos, dispunha de uma equipa de cerca de 55 colaboradores, na quase totalidade dedicados à assistência técnica/reparações e às vendas (Cf. Documento IX).
Esta estrutura mínima resultou de uma operação de regionalização ocorrida em 2004, a qual centralizou em Espanha a maioria das funções comuns às operações na Península Ibérica (Cf. Documento X).
De facto, a simples comparação dos organogramas das duas empresas evidencia claramente que a A... Portugal, SA não poderia exercer a sua atividade sem a contratação externa das funções de que não dispõe em Portugal (Cf. Documentos IX e XI).
Ao longo da fiscalização, do direito de audição e da reclamação graciosa, a Requerente demonstrou os seguintes factos:
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Que os serviços prestados pela B... España, SA são fundamentais para a sua atividade em Portugal;
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Que esses serviços são prestados por apenas 16 dos mais de 500 colaboradores que a A... empregava em Espanha;
-
Que, por esta via, obteve significativos ganhos de produtividade por comparação com os cerca de 120 colaboradores de que dispunha antes da reorganização;
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Que a definição das tarefas de cada um dos colaboradores da B... España, SA afetos à prestação de serviços à A... Portugal, SA está claramente formalizada na descrição de funções de cada um deles (Cf. Documentos XII e XIII)
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Que os serviços faturados têm uma base de cálculo objetiva, decorrente dos custos salariais globais dos colaboradores alocados, total ou parcialmente, à prestação de serviços a Portugal, incluindo ordenados, prémios, subsídios de férias e de Natal, segurança social, seguros, etc. (Cf. Documento I - págs. 50 a 55)
Reforço não justificado da provisão para depreciação de existências
Relativamente à questão referida no Ponto 5º c) transcreve-se como segue o essencial da argumentação dos TIT:
“Em reunião ocorrida no dia 21-10-2011, na sede da empresa, o TOC apenas esclareceu que os motivos que levaram à constituição desta provisão estão relacionados com máquinas usadas retiradas de clientes e já não passíveis de nova venda. Não foram apresentados elementos concretos que evidenciassem que o preço de mercado era inferior ao custo constante do balanço (…)”
[Cf. Documento I - Relatório de Inspeção Tributária - pág. 19, # 2].
No exercício da sua atividade, a Requerente retoma equipamentos em duas situações:
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No fim do contrato de aluguer, ou
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Antes do fim do contrato, por incumprimento no pagamento das rendas.
Em ambos os casos, trata-se de equipamentos muito desvalorizados, não só pelo uso, mas principalmente, pela depreciação tecnológica, à semelhança do que acontece com o equipamento informático, por exemplo.
Existia a convicção de que seria difícil encontrar compradores interessados naqueles equipamentos, pelo que se justificava a constituição de uma provisão que antecipasse o expectável prejuízo na sua venda.
Dada a ausência no nosso país de um mercado ativo de máquinas de impressão gráfica em segunda mão, a partir do qual seria fácil estimar os preços de venda, a Requerente seguiu as indicações que para o efeito obteve junto dos fabricantes estrangeiros.
Constatando posteriormente a inexistência de compradores, a maior parte dos equipamentos acabou por ser destruída.
O mapa seguinte sistematiza a provisão constituída e o destino das máquinas:
...
...
[Cf. Documento XIV – Extrato de conta dos abates, págs 1 a 3]
Verifica-se assim que na maioria das situações as máquinas retomadas não encontraram comprador, acabando por ser destruídas no ano seguinte.
A requerente procura depois demonstrar e concluir, à luz do Direito, que houve “erro no apuramento na liquidação adicional de IRC e juros a pagar” porquanto, segundo alega, não só as correções efetuadas carecem de fundamento legal como o próprio imposto adicional apurado pela AT está errado.
Assim é que o valor adicional a pagar de € 66.947,52 está prejudicado por erro fundamental: a verba de € 262.864,24 é a matéria coletável da declaração individual da subsidiária C... Renting, SA [Cfr Doc I – pgs 98/99 e Doc V] em vez da matéria coletável do “Grupo Fiscal” e que seria ou deveria ser de € 183.887,25 caso as correções efetuadas pela AT eventualmente se justificassem [Cf. Documento I , págs 6, 29, 103 e Documento IV].
Dedução da utilização direta de uma provisão
Quanto à perentória afirmação de que “os acréscimos ou deduções ao Resultado Líquido do exercício, materializados no quadro 07, resultam dos ajustamentos fiscais do Resultado Contabilístico”, lembremos apenas três situações em que tal não acontece, ou seja, em que os ajustamentos fiscais não decorrem de movimentos contabilísticos:
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Os lucros ou prejuízos fiscais imputados por ACE ou AEIE (CIRC, artº 6º, modelo 22, Quadro 07, Linhas 205 e 227),
-
A atualização de encargos de explorações silvícolas (CIRC, artº 18º, nº 6, modelo 22, Quadro 07, Linha 233),
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O aumento da antiguidade de créditos de cobrança duvidosa que anteriormente tivessem ultrapassado os limites fiscais (Cf. Modelo 22, Quadro 07, Linha 272).
O conteúdo das provisões e a sua movimentação têm-se alterado ao longo dos anos, desde o período anterior à normalização contabilística, passando pelo POC 1977, pelo POC 1989 e, mais recentemente, pelo SNC. Contudo, do mesmo modo que os diferentes métodos de contabilização não alteram o resultado contabilístico, também o resultado fiscal não pode variar em função deste ou daquele método de contabilização.
Por isso, se a utilização do método indireto, no qual se credita uma conta de proveitos (por contrapartida de uma conta de custos, pelo que é neutro do ponto de vista contabilístico), permite uma dedução no quadro 07, o método direto também o há-de permitir.
A norma contabilística atualmente em vigor, o SNC, retomou a utilização direta das provisões, pelo que, por vontade dos técnicos que fiscalizaram a A... Portugal, SA, nunca mais se fariam deduções no quadro 07 pela utilização de provisões tributadas! [Cf. Documento XIV, págs 1 a 3].
As provisões visam prevenir uma provável ocorrência / responsabilidade futura (princípio da prudência), reduzindo os resultados do exercício em que é conhecida essa provável ocorrência ou responsabilidade (princípio da especialização dos exercícios).
Se essa provisão está prevista e segue as regras estabelecidas no Código do IRC (provisão dedutível), é um custo/gasto simultaneamente contabilístico e fiscal. Se não está prevista ou excede os limites fiscais, há que fazer a respetiva correção fiscal: o valor dessa provisão, ou de parte dela, é expurgado para efeitos fiscais (é esse o sentido da adição no quadro 07), pelo que o resultado fiscal é, nesse ano, superior ao resultado contabilístico.
Se o evento, ainda que provável, não se materializa, a provisão deve ser anulada, aumentando o resultado do exercício em que se confirma a não ocorrência do evento.
Se era uma provisão dedutível, é um proveito simultaneamente contabilístico e fiscal. Se não estava prevista ou excedia os limites fiscais, há que fazer a correção fiscal inversa (é esse o sentido da dedução no quadro 07), pelo que nesse ano o resultado fiscal é inferior ao resultado contabilístico.
Numa visão dinâmica, agregando o ano da constituição e o ano da anulação, as diferenças fiscais anulam-se, sendo os resultados contabilístico e fiscal idênticos.
Concretizando-se o evento provisionado, a ocorrência/responsabilidade futura deixa de ser uma eventualidade para se transformar numa certeza; a provisão/passivo contingente dá lugar a um passivo certo, o qual por sua vez será eliminado pela redução de um ativo.
A lei fiscal ignora algumas provisões à data da sua constituição, mas aceita o gasto quando o facto ocorre (desde que seja um custo fiscal); como na contabilidade o gasto ocorreu em ano anterior, a forma de agora reconhecer esse gasto no resultado fiscal consiste em deduzi-lo no quadro 07 (nada de novo desde que em 1964 entrou em vigor o Código da Contribuição Industrial!).
Em face do exposto, só pode concluir-se pela ilegalidade do ajustamento de € 520.060,90 efetuado pela AT.
Insuficiente fundamentação dos custos suportados com serviços prestados pela B... España, SA
O CIRC estabelece que são custo fiscal “os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto (…), nomeadamente os encargos de natureza administrativa” (CIRC, artº 23º, al. d).
O Relatório de Inspeção Tributária confunde o conceito de custos com o pessoal, que respeita aos vencimentos e outros gastos incorridos com os trabalhadores empregados por uma entidade patronal com a forma de valorizar uma prestação de serviços. Assim, contrariamente ao que se afirma no Relatório, o tema em discussão não respeita a custos com o pessoal mas à facturação dos serviços prestados pela B... España.
Quanto aos colaboradores por intermédio dos quais a B... España, SA presta esses serviços, há que distinguir duas situações:
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Os que prestam apoio a tempo inteiro, e
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Os que prestam apoio em tempo parcial.
Os primeiros, que são apenas seis, incluem três colaboradores ligados à contabilidade e serviços administrativos; atendendo a que a A... Portugal faturava mais de 9 milhões de euros e que tinha uma área de negócio ligada a alugueres mensais, só pode concluir-se pela elevada produtividade daqueles colaboradores. Dos outros três, dois pertenciam à área de televendas e o terceiro à gestão de produto. A simples consulta dos documentos descritivos das suas tarefas evidencia o rigor, o profissionalismo e o elevado grau de exigência que lhes é solicitado, não havendo qualquer motivo que permita duvidar “ (…)do seu regime de exclusividade no apoio à”[sic, artigo 51º, da petição inicial] (Cf. Documento XII).
Os outros dez colaboradores despendem apenas uma pequena parte do seu tempo no apoio a Portugal, conforme também decorre dos documentos descritivos das suas tarefas, o que denota, uma vez mais, uma grande eficácia organizativa e funcional (Cf. Documento XIII).
O valor anual faturado associado aos serviços dos seis colaboradores permanentes é de € 232.500,00, ou seja, 73% do total facturado, ao qual corresponde um valor médio mensal individual de € 3.228,00; trata-se de um valor que inclui custos salariais totais e uma margem de 5%, sendo perfeitamente razoável dadas as funções e especialização requeridas (Cf. Documento I, pág 16)
O custo médio mensal dos serviços dos dez colaboradores que não prestam apoio a tempo inteiro é de apenas € 634,00, sendo responsáveis apenas por 27% da facturação anual (Cf. Documento I, pág 16).
Não tem qualquer justificação aceitável a exigência dos TIT para que se apresentem mais provas de que os colaboradores a tempo inteiro efetivamente trabalham a tempo inteiro, ou para que se demonstre que aqueles que têm uma pequena colaboração de 5% ou 10% ou 25% efetivamente têm esses níveis de colaboração.
Ficou por demais demonstrada a necessidade da contratação dos serviços prestados pela B... España, SA, bem como a razoabilidade do respetivo custo, e por justaposição, a irrazoabilidade da posição dos TIT ao considerarem que o disposto nos contratos de trabalho e nos descritivos individuais das funções atribuídas, documentos com valor jurídico, não constituem prova suficiente da base de cálculo dos valores faturados.
A liquidação efetuada contraria assim o disposto sobre não discriminação previsto na Convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e Espanha, que a seguir se transcreve:
“As empresas de um Estado Contratante cujo capital, total ou parcialmente, direta ou indiretamente, seja possuído ou controlado por um ou mais residentes do outro Estado Contratante não ficarão sujeitas, no Estado primeiramente mencionado, a nenhuma tributação ou obrigação com ela conexa diferente ou mais gravosa que aquelas a que estejam ou possam estar sujeitas as empresas similares desse primeiro Estado” (Convenção, artigo 24º, nº 4).
É, segundo alega, manifesta a ilegalidade do ajustamento de € 313.894,70 efetuado pela AT.
Reforço não justificado da provisão para depreciação de existências
Segundo o princípio da especialização dos exercícios, “os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito” (CIRC, artº 18, nº1).
A Requerente procedeu assim corretamente ao constituir uma provisão que antecipasse um prejuízo expectável na venda do equipamento usado.
Para efeitos fiscais, a provisão para depreciação de existências é dada pela diferença positiva entre o custo de aquisição e o preço de venda (CIRC, artigo 36º, nº 1 e 2). Porém,
A inexistência de um mercado de usados e a ausência de preços amplamente conhecidos não pode ser fator impeditivo da aceitação fiscal daquela provisão, desde que se use a melhor estimativa possível, comprovada pela realidade posterior.
A utilização dos preços de venda que para o efeito foram indicados pelos fabricantes dos equipamentos constitui assim um procedimento correto do ponto de vista fiscal.
Aliás, a posterior venda por preços abaixo do custo e, acima de tudo, o abate dos equipamentos, enquanto reflexo de um preço de venda nulo, constituem os indesmentíveis comprovativos da adequacidade das provisões constituídas.
As provisões em análise seguiam as normas fiscais à data em vigor, pelo que, em consequência, fica demonstrada a ilegalidade do ajustamento de € 95.011,23 efetuado pela AT.
Devolução da garantia e juros indemnizatórios
A Requerente apresentou, em 12 de março de 2012, garantia bancária nº…, sobre o …, no valor de € 85.581,93, para suspender o processo de execução fiscal nº …2012….
Tendo-se verificado erro, imputável à AT, na liquidação do tributo, a Requerente deverá ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da sua prestação de garantia, conforme artigo 53º, nº 2 da LGT (Cf. Documento VI).
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Cumprida a necessária, legal e regulamentar tramitação, foi constituído este Tribunal Arbitral em 21-5-2013
Determinada a notificação do Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para os fins previstos no artigo 18º, do RJAT, apresentou resposta ao pedido de pronúncia arbitral, alegando, em síntese:
POR EXCEÇÃO
Da caducidade parcial do direito de ação
Por requerimento apresentado a 2012-05-24, a ora Requerente deduziu Reclamação Graciosa contra o ato tributário supra identificado, pugnando pela anulação deste último em toda a sua extensão (Cfr. fls. 2 e 14 do Processo Administrativo de Reclamação Graciosa).
Para tanto, a Requerente alicerçou a sua pretensão em três linhas argumentativas:
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Provisão para outros riscos e encargos (vide artigos 7.º e ss. do articulado de reclamação – Cfr. fls. 3 e ss. do Processo Administrativo de Reclamação Graciosa);
-
Custos com pessoal cedido pela B... España, S.A. (vide artigos 34.º e ss. do articulado de reclamação – Cfr. fls. 9 e ss. do Processo Administrativo de Reclamação Graciosa); e
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Provisão para depreciação de existências (vide artigos 54.º e ss. do articulado de reclamação – Cfr. fls. 13 e ss. do Processo Administrativo de Reclamação Graciosa).
Por decisão da Requerida proferida a 2012-09-17, aquela Reclamação Graciosa veio a ser indeferida na sua totalidade (Cfr. fls. 182 a 184 do Processo Administrativo de Reclamação Graciosa).
Inconformada, a 2012-10-19 a Requerida interpôs Recurso Hierárquico contra o indeferimento daquela reclamação (Cfr. fls. 2 do Processo Administrativo de Recurso Hierárquico).
Desta vez, porém, a Requerente alicerçou a sua pretensão em apenas duas linhas argumentativas:
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Provisão para outros riscos e encargos (vide artigos 21.º e ss. do articulado de recurso – Cfr. fls. 4 e ss. do Processo Administrativo de Recurso Hierárquico); e
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Custos com pessoal cedido pela B... España, S.A. (vide artigos 46.º e ss. do articulado de recurso – Cfr. fls. 7-verso e ss. do Processo Administrativo de Recurso Hierárquico).
E pugnou, consequentemente, pela revogação parcial do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, conforme resulta inequivocamente da leitura do petitório. (Cfr. fls. 11-verso do Processo Administrativo de Recurso Hierárquico).
A Requerente não suscitou em sede do procedimento administrativo de 2.º grau a questão da provisão para depreciação de existências que inicialmente havia levantado no procedimento administrativo de 1.º grau, daqui se inferindo que a mesma se conformou parcialmente com a decisão proferida no âmbito da Reclamação Graciosa no que tange àquela específica questão.
A Requerente pretende assim, por via do pedido de constituição de tribunal arbitral, reagir contra o indeferimento tácito do Recurso Hierárquico por si interposto, invocando, porém, um argumento adicional face ao seu articulado recursório: o 3.º argumento invocado em sede de Reclamação Graciosa.
Considerando que o objeto imediato da presente processo arbitral é o indeferimento tácito do Recurso Hierárquico e que não foi neste último suscitada a questão da provisão para depreciação de existências, então naturalmente que tal questão não pode aqui ser apreciada.
Dito de outra forma, ficou parcialmente consolidada na ordem jurídica a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa no que tange à questão da provisão para depreciação de existências face à sua não suscitação em sede recursória, não mais sendo passível a sua discussão na presente instância arbitral sob pena de fraude à lei.
Impõe-se então absolvição parcial do pedido deduzido por aquela face à Requerida.
POR IMPUGNAÇÃO
Quanto à dedução da utilização direta de uma provisão
Não assiste razão à Requerente quanto a esta matéria.
Efetivamente, como dispunha o ponto 2.9 das Considerações Técnicas do POC na sua versão originária (Decreto-Lei 410/89, de 21 de novembro) relativamente às provisões, «a sua constituição deve respeitar apenas às situações a que estejam associados riscos e em que não se trate apenas de uma simples estimativa de um passivo certo.
Atendendo à conveniência de não considerar indevidamente custos e proveitos, abandonou-se o procedimento de utilização das provisões, pelos métodos directo ou indirecto, constando de nota anexa as variações ocorridas.
Não se considera o procedimento de anulação e sequente constituição de uma provisão.»
Por seu turno, acrescentava a Nota Explicativa referente à “Conta 29 – Provisões” o seguinte:
«Esta conta serve para registar as responsabilidades cuja natureza esteja claramente definida e que à data do balanço sejam de ocorrência provável ou certa, mas incertas quanto ao seu valor ou data de ocorrência. Será debitada na medida em que se reduzam ou cessem os motivos que originaram a sua constituição.»
A aludida Consideração Técnica veio a ser objeto de alteração por via do Decreto-Lei 35/2005, de 17 de fevereiro, a qual passou assim a dispor que:
«As provisões têm por objecto reconhecer as responsabilidades cuja natureza esteja claramente definida e que à data do balanço sejam de ocorrência provável ou certa, mas incertas quanto ao seu valor ou data de ocorrência.
O montante das provisões não pode ultrapassar as necessidades.
As provisões não podem ter por objecto corrigir os valores dos elementos do activo.»
Contrariamente ao alegado pela Requerente, o POC não consagrava o recurso a qualquer método direto ou indireto no tocante ao tratamento contabilístico e fiscal de uma “provisão para outros riscos ou encargos”.
E não consagrando o POC tais métodos, naturalmente que o tratamento contabilístico e fiscal realizado pela Requerente e ora por si defendido não tem qualquer suporte legal.
Na realidade, as provisões poderiam ser ou não ser fiscalmente dedutíveis, consoante respetivamente observassem ou não observassem o estabelecido nos então artigos 34.º e 35.º do Código do CIRC.
Daqui resulta(va) a possibilidade de existirem provisões registadas na contabilidade que não seriam aceites como custo fiscal, dado o facto de, relativamente a esta questão, as regras fiscais se afastarem das regras contabilísticas, assumindo aquelas uma política mais restritiva atento o perigo de, por via da constituição de provisões excessivas, se adiar a tributação sobre o sujeito passivo.
As provisões fiscalmente constituídas pelo sujeito passivo mas não dedutíveis, tinham de ser acrescidas ao quadro 07 da Declaração Modelo 22 do IRC.
De acordo com o então artigo 34.º/1-a) do CIRC, podiam ser fiscalmente dedutíveis as provisões que…
«(…) Tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade (…)».
Para tanto, estabelecia o então artigo 35.º/1, do CIRC que “(…)para efeitos da constituição da provisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considera devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente;
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento (…)”
Nenhuma das situações elencadas na norma fiscal ora transcrita se encontrava evidenciada na sua contabilidade.
Na realidade, verificou-se que, no tocante aos valores não faturados, o sujeito passivo constituiu no final do exercício em causa uma provisão correspondente a 2% do saldo da conta n.º 41 – Investimentos financeiros, ou seja, independentemente do que viesse a suceder, a Requerente presumia desde logo perder o equivalente a 2% do valor dos contratos ainda não faturado aos seus clientes.
Esta forma de constituição de provisão não se subsume em nenhuma das situações elencadas no referido artigo 35.º/1 do CIRC. Como explicam Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes1, “(…)de facto, para efeitos da constituição de provisão, decorre deste artigo que os créditos de cobrança duvidosa serão os resultantes da actividade normal da empresa e não quaisquer outros, desde que o risco da incobrabilidade se considere devidamente justificado:
Tem-se entendido que os créditos resultantes da actividade normal da empresa são os saldos devedores de clientes e fornecedores no final do exercício, devidamente evidenciados em contas apropriadas.
Esta disposição previne, assim, o gestor de que não pode, para efeitos fiscais considerar todo e qualquer crédito para efeitos da constituição da provisão.
A justificação do risco da incobrabilidade assenta, pois, em qualquer das circunstâncias referidas nas três alíneas do n.º 1 deste artigo, que só por si apontam, a improbabilidade do pagamento por parte do devedor.
Além disso, é necessário que os créditos sejam evidenciados como créditos de cobrança duvidosa na contabilidade, e, para os clientes que não estão em contencioso, há que dispor de prova documental de terem sido feitas diligências tendentes ao recebimento dos créditos em mora relativamente aos quais foram constituídas as provisões (…)”.
Tal como é referido na informação da Direção de Serviços sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (Cfr. fls. 295 do processo administrativo de Recurso Hierárquico), ainda que pelo dito “método direto” a utilização da provisão não se tenha consubstanciado no registo de uma perda, e, por isso, não ter contabilizado a provisão anulada em conta de proveitos, certo é que o efeito da sua atuação é a consideração de um custo de € 512.354,43 evidenciado na demonstração de resultados.
E muito embora a Requerente tenha anulado o custo registado, ao acrescer ao quadro 07 da declaração Modelo 22 o valor da provisão constituída no exercício, certo é que, ao deduzir o mesmo valor, voltou a considerar como custo o valor da provisão.
Quanto à insuficiente fundamentação dos custos suportados com serviços prestados pela B... España, S.A.
Dá-se aqui por reproduzido, para todos os efeitos legais, o vertido a fls. 295 a 298 na já aludida informação elaborada pela Direção de Serviços sobre o Rendimento das Pessas Coletivas, na qual se concluiu pela anulação parcial da correção, no valor de € 300.664,70, mantendo-se, porém, a não consideração como custo do remanescente de € 13.230,00 referente a “Seg. Social …”, atenta a insuficiência de prova quanto a este.
Quanto ao reforço não justificado da provisão para depreciação de existências
À cautela e sem conceder, considerando a defesa por exceção supra, alega a requerida que a lei fiscal admite a constituição de provisão para depreciação de existências quando o preço das existências constante do balanço no fim do exercício for superior ao respetivo preço de mercado (artigos 34.º/1-b] e 36.º/1 do CIRC).
Trata-se, porém, de um tipo de provisão sob a qual pende alguma subjetividade no que concerte ao conceito de “preço de mercado” relativamente a alguns setores de atividade, cujo controlo e idoneidade se tornam tanto mais difíceis quanto mais recrudesce a liberalização dos mercados e a preponderância da lei da oferta e da procura na determinação dos preços de mercado.
Nestas linhas, no fundo, se insere a argumentação da Requerente, ao referir a inexistência de um mercado de usados e a ausência de preços conhecidos.
Sobre esta questão recaiu o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a 2003-09-30, no âmbito do processo n.º 05461/01, o qual começa por referir que “(…)mas constituição da provisão é uma coisa e a sua utilização é outra diversa, sendo que é aquela primeira a que releva para efeitos da al. h), do artº. 23º (consideração como custo de exercício).
Resta, pois, saber, se a recorrente apresentou os elementos que permitissem aferir os preços de mercado, no final do exercício em questão, das mercadorias, de forma credível e controlável pela AT, para se poder aferir do seu montante inferior ao de custo.
Ora, como é manifesto não existem elementos oficiais, pelo menos no âmbito da DGCI, que permitam aferir quais eram os preços correntes no mercado para aquele tipo de mercadorias, aqui em causa; Assim sendo, para que pudesse ser constituída a provisão era necessário, ou que os últimos preços, naquelas corrente circunstâncias correntes, praticados pela recorrente, ou os correntes no mercado, tivessem sido inferiores aos de custo, que, obviamente, hão de ser revelados pela contabilidade e respectiva documentação de suporte, a não ser que à mesma seja, fundadamente, imputada falta de credibilidade em tal domínio (…)”
E acrescenta mais adiante o mesmo aresto “(…)ora, como se referiu já, o que está em causa, são mercadorias para venda e não para a produção, pelo que as facturas e tabelas de preços que importariam ser apresentadas, como idóneas e adequadas, eram, a existirem, as emitidas/praticadas pela recorrente, no final do exercício para aquela espécie de mercadorias, e que eram as que, como temos por evidente, possibilitariam o apuramento do preço corrente de venda de tais bens àquela data, situação diversa das que pudessem ter por objecto bens de produção, já que aí, sendo o preço de mercado o da respectiva reposição é manifesto que seriam aquele tipo de documentos, mas referentes aos fornecedores, que teriam relevância àquele mesmo desiderato (…)”.
Estava ao alcance da Requerente fornecer elementos suficientes para fazer face à ausência de elementos oficiais relativos ao setor de atividade onde aquela se insere.
Contudo, assim não o fez a Requerente em sede do procedimento gracioso – assim como não o faz no presente processo arbitral –, na medida em que se limitou a brandir com “normas internas” relativas ao período de vida útil dos equipamentos por si comercializados (Cfr. fls. 112 a 115 do processo administrativo de Reclamação Graciosa).
Ou seja, normas internas que, na realidade, apenas corporizam uma tabela com algumas percentagens, mas desacompanhada de qualquer explicação ou justificação.
Normas internas, portanto, que não configuram um meio idóneo e adequado, não permitindo, por isso, à Requerida realizar qualquer tipo de controlo ou verificação.
A utilização dos preços de venda indicados pelos fabricantes não constituía o procedimento correto, mas sim, à luz da citada Jurisprudência, os preços efetivamente praticados pela Requerente.
Também aqui padece de razão a Requerente quanto ao ato tributário colocado em crise.
Quanto à devolução da garantia e juros indemnizatórios
Caso a pretensão da Requerente venha a ser julgada procedente, importa salientar, quanto a este ponto, que a Requerente não alega e muito menos demonstra qual o prejuízo (v.g., comissões bancárias) em que incorreu em consequência da prestação de garantia bancária prestada para suspensão do processo de execução fiscal.
Assim, desconhecendo-se os montantes dos custos em que a Requerente incorreu com a referida prestação de garantia, não se mostram provados os pressupostos em que assenta o reconhecimento da peticionada indemnização.
De todo o modo, o pedido não deve ser formulado nesta sede, mas antes em sede de execução de julgado, caso a pretensão da Requerente obtenha o vencimento nos autos e a AT não cumpra o julgado no respetivo prazo legal.
Consequentemente, também por aqui deve improceder o pedido da Requerente.
Teve lugar em 9-7-2013 a reunião a que alude o citado artigo 18º, do RJAT, tendo sido admitida a junção aos autos de um resumo escrito da pronúncia oral do requerente sobre a exceção invocada pela requerida na sua resposta, sendo relegada para a decisão final a apreciação da mencionada exceção – cfr ata respetiva.
No mesmo ato foi requerida a junção de documentos pela requerente que, cumprido o contraditório, o Tribunal admitiu a sua junção ao processo por acórdão de 11-9-2013.
Procedeu-se à inquirição de testemunha arrolada pela requerente em 11-9-2013 e, após, ambas as partes produziram oralmente as suas alegações, foram então ambas as partes convidadas a apresentar, querendo, uma síntese escrita das mesmas (Cfr ata respetiva).
SANEAMENTO
Este Tribunal é competente para dirimir o litígio.
O processo é o próprio e as partes são legítimas e têm personalidade e capacidade jurídica, estando devidamente representadas.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi tempestivo.
A - Exceção: caducidade (parcial) do direito de ação.
Por requerimento apresentado a 2012-05-24, a ora Requerente deduziu Reclamação Graciosa contra o ato tributário supra identificado, pugnando pela anulação deste último em toda a sua extensão (Cfr. fls. 2 e 14 do Processo Administrativo de Reclamação Graciosa).
Para tanto, a Requerente alicerçou a sua pretensão em três linhas argumentativas:
a) Provisão para outros riscos e encargos (vide artigos 7.º e ss. do articulado de reclamação – Cfr. fls. 3 e ss. do Processo Administrativo de Reclamação Graciosa);
b) Custos com pessoal cedido pela B... España, S.A. (vide artigos 34.º e ss. do articulado de reclamação – Cfr. fls. 9 e ss. do Processo Administrativo de Reclamação Graciosa); e
c) Provisão para depreciação de existências (vide artigos 54.º e ss. do articulado de reclamação – Cfr. fls. 13 e ss. do Processo Administrativo de Reclamação Graciosa).
Por decisão da Requerida proferida a 2012-09-17, aquela Reclamação Graciosa veio a ser indeferida na sua totalidade [Cfr. fls. 182 a 184 do Processo Administrativo de Reclamação Graciosa].
Inconformada, a 2012-10-19 a Requerida interpôs recurso hierárquico contra o indeferimento daquela reclamação [Cfr. fls. 2 do Processo Administrativo de Recurso Hierárquico] apenas quanto a dois dos três fundamentos que invocara:
a) Provisão para outros riscos e encargos e
b) Custos com pessoal cedido pela B... España, S.A.,
pugnado, consequentemente, pela revogação parcial do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, conforme resulta inequivocamente da leitura do petitório. (Cfr. fls. 11-verso do Processo Administrativo de Recurso Hierárquico).
A Requerente não suscitou assim, atempadamente, em sede do procedimento administrativo de 2.º grau, a questão da provisão para depreciação de existências que inicialmente havia levantado no procedimento administrativo de 1.º grau, conformando-se deste modo parcialmente com a decisão proferida no âmbito da Reclamação Graciosa no que concerne àquela específica questão que, deste modo, se tornou caso decidido.
Ou seja, conforme alega a requerida, ficou parcialmente consolidada na ordem jurídica a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa no que respeita à questão da provisão para depreciação de existências face à sua não suscitação em sede recursória, não mais sendo passível a sua discussão na presente instância arbitral.
Procede assim a exceção suscitada.
Absolve-se, em consequência, a requerida relativamente a essa parte do pedido.
B – Inutilidade superveniente, parcial, da lide
Por despacho de 25-3-2013 - posterior, portanto, ao pedido de pronúncia arbitral formulado neste processo (18-3-2013) – proferido no recurso hierárquico interposto pela requerida, foi deferido, parcialmente, o pedido de anulação da correção na parte de €300.664,70 [313.894,70-13.230,00].
Há assim, quanto ao pedido nesta parte, inutilidade superveniente da lide na medida em que apenas fica a subsistir controvérsia quanto à importância remanescente de € 13.230,00.
Termos em que se declara superveniente e parcialmente inútil a apreciação do pedido, declarando-se, nesta parte [anulação da correção de €300.664,70], extinta a instância. [cfr artigos 29º-1/e), do RJAT e 277º-e), do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26-6].
Não há outras questões prévias ou exceções a apreciar agora, para além da invocada e que adiante será apreciada e decidida.
Cumpre apreciar o mérito da causa.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A – OS FACTOS PROVADOS
Os factos essenciais para o objeto do litígio que se mostram provados são seguintes:
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A Requerente é uma sociedade de direito português que na altura a que os factos se reportam era detida em 100% pela sociedade de direito espanhol B... España, SA e, por sua vez, detinha 100% do capital da sociedade de direito português denominada C... Renting, SA, pessoa coletiva número …, ambas constituindo, ao tempo, um “Grupo Fiscal”, sendo-lhes aplicável o correspondente regime de tributação
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Em 2011 foi efetuada uma inspeção tributária ao exercício de 2007 (de 1/12/07 a 30/11/08), em resultado de que a AT procedeu à liquidação adicional de IRC nº 2011… e juros compensatórios relativa ao exercício de 2007, na importância de € 66.947,52 – Cfr relatório – Doc 1, junto com a PI;
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A requerente, nesse exercício de 2007, constituiu “Provisões para Outros Riscos e Encargos”, na importância de € 512.354,43, relacionados com o saldo ainda não faturado de contratos de financiamento de equipamento, o qual se encontrava pendente na conta 41 – Investimentos Financeiros.
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O referido montante de € 512.354,43 contabilizado como custo na conta # 67, foi acrescido na totalidade no quadro 07 da declaração modelo 22 desse exercício.
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Nesse mesmo exercício, a Requerente deduziu no Quadro 07 da mesma declaração de rendimentos, Campo 228 – redução de provisões tributadas, um montante total de € 520.060,06, referente à utilização da provisão para outros riscos e encargos, correspondendo € 512.354,43 à utilização do reforço ocorrido no ano e os remanescentes € 7.705,63 à utilização de saldo transitado do ano anterior.
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Na utilização da referida provisão apenas foram movimentadas contas de balanço: débito da conta de provisões2 em contrapartida de um crédito numa conta de balanço.3
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A B… España S.A. imputou à Recorrente custos com pessoal que inicialmente suportou (conforme Relatório de Inspecção Tributária, nomeadamente, p. 15 e ss., não contestado);
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Os montantes imputados, que ascenderam a 313.894,70 Euros, foram registados na conta #622372 a título de comparticipação de gastos com pessoal (conforme Relatório de Inspecção Tributária, nomeadamente, Quadro 4 da p. 17, p. 15 e ss. e Anexo 8 do mesmo documento, não contestado quanto ao montante ou à existência dos débitos);
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A Requerida, no decurso da acção inspetiva efectuada, entendeu não ter sido demonstrada inequivocamente a indispensabilidade destes gastos, não aceitando a respectiva dedução com base no artigo 23.º do Código do IRC (conforme proposta de correcção constante do Relatório de Inspecção Tributária, pp. 16 e 17, mantida após a devida audição da Requerente, pp. 23 e 24);
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Esta imputação de gastos decorre do facto de alguns trabalhadores da B… España S.A. terem sido alocados (em parte ou na totalidade do seu tempo de atividade) à A… Portugal (conforme previsto no Management Service Agreement celebrado entre a B… España S.A., e suportado pelos documentos n.º 9 e 13 – denominados descripcion del puesto de trabajo - juntos ao recurso hierárquico apresentado pela Requerente).
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A Requerente apresentou, em sede de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, documentação comprovativa da referida alocação de trabalhadores à A… Portugal relativamente aos trabalhadores identificados previamente pela Requerida em sede de inspeção tributária, com a excepção de um trabalhador, identificado pela Requerida como …, relativamente ao qual não foi fornecida documentação de suporte até à constituição do presente tribunal arbitral (cfr. os mesmos documentos n.º 9 e 13 – denominados descripcion del puesto de trabajo - juntos ao Recurso Hierárquio apresentado pela Requerente e o Quadro 4 da p. 17 do Relatório de Inspecção Tributária);
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Posteriormente ao pedido de pronúncia arbitral, a Autoridade Tributária e Aduaneira notificou a Requerente da decisão expressa ao recurso hierárquico, de deferimento parcial, pela dedutibilidade (parcial) destes custos e no sentido de anulação da correção efetuada na parte de 300.664,70 Euros (313.894,70 – 13.230,00).
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A Requerente apresentou, em 12 de março de 2012, garantia bancária nº…, sobre o …, no valor de € 85.581,93, para suspender o processo de execução fiscal nº …2012….
Motivação
A convicção do Tribunal relativamente aos factos dados como assentes, fundou-se na análise crítica de todos os documentos juntos ao processo, designadamente no processo administrativo junto pela AT (e respetivo relatório dos Serviços de Inspeção Tributária) e no despacho de 25-3-2013 que defere parcialmente o recurso hierárquico interposto pela requerente.
As questões decidendas originais4
A requerente vem sindicar a legalidade do ato de liquidação adicional de IRC, relativo ao exercício de 2007 [nº 2011… e respetivos juros compensatórios] na medida em que a Autoridade Tributária e Aduaneira funda essa liquidação adicional nos seguintes ajustamentos positivos [perfazendo € 928.965,99] na determinação da matéria coletável e consequente apuramento de IRC adicional e juros compensatórios, no valor global de € 66.947,52:
a) Indevida dedução no quadro 07 da declaração modelo 22 de uma utilização direta de provisão para outros riscos e encargos no valor de € 520.060,06;
b) Insuficiente fundamentação dos custos suportados com serviços prestados pela empresa mãe [B... España, SA] no valor de € 313.894,705 e
c) Reforço, não justificado da provisão para depreciação de existências no valor de € 95.011,236.
Pede, em consequência, para além da anulação do ato de liquidação adicional:
d) A devolução da garantia bancária prestada e indemnização pela prestação desta para suspender a execução.
Vejamos cada uma destas questões de per si.
I – A “indevida” dedução no quadro 07 da declaração modelo 22 de uma utilização direta de provisão para outros riscos e encargos no valor de € 520.060,06.
Como alega a Requerida as provisões em causa não têm enquadramento nos artigos 34º e 35º do CIRC, não sendo pois provisões fiscalmente dedutíveis. Idêntica é a posição assumida pela Requerente, que reconhece estarmos perante uma provisão não dedutível para efeitos fiscais, tendo o custo correspondente sido ignorado na determinação do resultado tributável do exercício (€ 512.354,43 no próprio exercício e € 7.705,63 em anos anteriores).
Trata-se aqui de constituição de uma provisão para outros riscos e encargos, constituída pela Empresa para cobrir riscos de perdas inerentes ao contratos de locação de equipamento que se subsumem no conceito de contratos de locação financeira. E a concretização dessas perdas verificar-se-á se e quando o locador não venha a recuperar o valor total do equipamento locado. Por conseguinte, uma provisão que visa cobrir o risco de não recuperação do valor de capital que a Requerida esperava vir a receber ao longo do contrato.
Mas esse valor não consubstancia uma dívida do cliente, na medida em que o incumprimento do contrato tem como consequência a sua anulação, com retoma do equipamento pela Requerida, deixando de ser emitidas novas faturas ao locatário relativamente à parte vincenda do capital inicialmente contratado.
Não restam dúvidas quanto ao facto de a referida provisão não ter acolhimento na legislação fiscal, não sendo por isso dedutível, tendo a Requerida procedido de harmonia com a Lei ao acrescer, na determinação do seu resultado fiscal, o custo contabilizado aquando da constituição dessa provisão, anulando, por essa via, os seus efeitos fiscais.
Não está, assim, em causa ajuizar acerca da dedutibilidade da provisão constituída pela Requerente; trata-se antes de apurar se tem enquadramento legal o tratamento fiscal considerado pela Requerente quando procedeu à anulação da provisão por si constituída, por considerar verificados os riscos que lhe estavam subjacentes.
E sobre esta matéria há duas questões distintas que importa equacionar: (i) uma sobre a possibilidade de se deduzir, para efeitos fiscais, a utilização direta de uma provisão fiscalmente não dedutível; e (ii) outra, quanto à prova da relevância fiscal do encargo deduzido, sua quantificação e imputabilidade ao exercício de 2007
Vejamos:
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Dedução de uma utilização direta de uma provisão
Para além da redação originária da consideração técnica nº 2.9 do POC não se encontrar em vigor à data da ocorrência dos factos, pelo que não está provado que nesse exercício a Requerente estivesse, à luz do normativo contabilístico, inibida de recorrer à utilização de uma provisão pelo método direto, importará analisar se o recurso ao mesmo conduziu a um resultado tributável distinto daquele que seria apurado utilizando uma metodologia alternativa.
Materializando-se o risco que originou a constituição de uma provisão não fiscalmente dedutível, e assumindo que o mesmo constitui um encargo fiscalmente dedutível, conclui-se que a metodologia utilizada pela Requerente para movimentação da provisão e consideração dos seus efeitos no apuramento do seu resultado tributável produz os mesmos efeitos que se verificariam mediante qualquer método alternativo contabilístico, como demonstrado pela Requerente nos processos de Reclamação e de Recurso Hierárquico.
Qualquer das duas alternativas apontadas pela Requerente conduz ao mesmo resultado fiscal, sendo certo que verificando-se a utilização direta de uma provisão não dedutível, a única forma de reconhecer a perda verificada no exercício em que a mesma adquire relevância fiscal será pela dedução da provisão que havia sido anteriormente constituída (e tributada). A não consideração dessa dedução traduzir-se-ia na não aceitação de um encargo fiscalmente dedutível, contrária ao princípio de tributação dos contribuintes pelo lucro real.
Verificando-se que a provisão não dedutível é constituída no próprio ano em que a perda se materializa com efeitos fiscais, haverá lugar, na determinação do resultado tributável, a um ajustamento positivo (valor a acrescer na declaração Modelo 22) relativo ao custo contabilizado com a constituição da provisão não dedutível, e a um ajustamento negativo (valor a deduzir na declaração Modelo 22 do IRC) pela utilização direta da provisão, correspondente à materialização da perda.
Tudo isto, como foi dito, assente no pressuposto que a perda ocorrida, e relativamente à qual havia sido constituída uma provisão não dedutível, consubstancia um encargo fiscalmente dedutível.
Também sobre a afirmação constante da apreciação da reclamação graciosa de que “os acréscimos ou deduções ao Resultado Líquido do exercício materializados no quadro 07, resultam dos ajustamentos fiscais do Resultado Contabilístico”, significando isto que “a dedução ao Resultado Líquido pretendida pela Impetrante (…) só seria aceite se, tal montante o tivesse influenciado, ou seja, tivesse sido contabilizado o respetivo proveito”, poderão ser contrapostas várias situações, nomeadamente as referidas pela Requerente, mas também, por exemplo, o caso de encargos relativos a Fundos de Pensões, em que a sua eficácia fiscal apenas é reconhecida no momento em que a contribuição é financeiramente realizada. Nesta situação, quando o pagamento das contribuições para o Fundo de Pensões ocorre em exercício posterior ao do reconhecimento do respetivo custo (originariamente não dedutível, por não ter sido efetuada contribuição), a dedução do encargo é feita mediante dedução no Quadro 07 do valor pago ao Fundo, sem que tal pagamento tenha tido qualquer reflexo no resultado contabilístico da entidade.
Em conclusão: o recurso ao método de utilização direta de uma provisão, em detrimento de metodologias alternativas, não deverá constituir razão impeditiva da aceitação de um encargo fiscalmente dedutível, o que teria como consequência a obtenção de um resultado fiscal distinto do que seria obtido por diferente método contabilístico.
(ii) Dedutibilidade da perda reconhecida pela Requerente
Tal como é referido no capítulo IV, ponto 4.2.1 (8), do Despacho sobre o processo de Recurso Hierárquico, impõe-se “ressalvar que, a dedução no caso de utilização da provisão por via do evento provisionado, só é possível, se a perda a registar for fiscalmente aceite”.
Ora a Requerente não fez prova que a utilização da provisão consubstancia a materialização de uma perda fiscalmente dedutível imputável ao exercício de 2007 na medida em que:
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Como consta do ponto III.1.1.2 do Relatório de Inspeção Tributária, nos contratos de aluguer com obrigação de compra, aquando da celebração do contrato, o valor de venda do equipamento é reconhecido como proveito por contrapartida da conta do ativo 41 – Investimentos Financeiros. Idêntica informação se extrai através da consulta à nota 3.6.2 do Anexo às Demonstrações Financeiras do exercício de 2007, mediante consulta das contas publicadas pela Requerente: “Financiamento de equipamentos (conta 41.91) – Outra das modalidades utilizadas pela empresa é o aluguer de máquinas com obrigatoriedade de compra no fim do contrato. Para a contabilização destas operações é efetuado um estudo prévio da viabilidade comercial, assegurando que cada novo contrato assinado cumpra o seu vencimento sem ser revocado pelo cliente. Nestes casos, reconhece-se no início da operação um resultado pela venda do montante total da máquina (conta 71.123). O valor atual das rendas futuras é registado como um investimento financeiro (conta 41.91) e a diferença entre estes dois valores (valor total das rendas – valor de venda da máquina) é registado como juro diferido (contas 27.43 e 27.44). A totalidade do custo das vendas também se reconhece igualmente no início de cada operação. Durante a vigência do contrato, as rendas vão sendo faturadas mensalmente, anulando-se a parte correspondente a investimentos financeiros (conta 41.91) ”.
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Não consta do processo uma versão dos contratos em causa, pelo que se ignoram as condições particulares que regem as situações em que se verifica um incumprimento do contrato, nomeadamente, resolução do contrato, extinção da dívida mediante entrega do equipamento locado, eventuais cláusulas indemnizatórias ou outras consequências.
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Consta, no entanto, dos autos que havendo lugar ao cancelamento do tipo de contratos em questão, “cessa a emissão de faturas, interrompe-se a prestação do serviço e retoma-se o equipamento cedido”.
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Confirma-se, assim, tal como alega a Requerente, que a provisão para fazer face ao risco de incumprimento dos contratos de locação não respeita a faturas emitidas e não pagas, pelo que a sua utilização não tem a natureza de um perdão de dívida. De fato, não existe qualquer dívida, pelo que também não há qualquer perdão da mesma por parte da Requerente.
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A Requerente alega que, “nas situações em que o proveito associado a um contrato de locação é reconhecido pela totalidade à data da sua celebração, qualifica como um custo dedutível a anulação daquele proveito na parte relativa ao cancelamento do contrato pois deixa de haver prestação do serviço contratado”.
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No entanto, não obstante o cancelamento do contrato ter como consequência para a Requerente a interrupção da prestação do serviço e a cessação da emissão de faturas ao locatário, não é possível determinar, desde logo, que daí advém para a Requerente um prejuízo correspondente à importância do valor de capital ainda não faturado, nem tão pouco confirmar que essa perda seja de imputar, no todo ou em parte, para efeitos fiscais, ao exercício de cancelamento do contrato. Isto porque, havendo cancelamento do contrato, a Requerente retoma o equipamento locado.
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E esse equipamento retomado pela Requerente poderá, ou não, originar um novo retorno, consoante o destino que lhe for dado pela Requerente.
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Assim sendo, só será possível determinar, com certeza, o resultado –positivo ou negativo – decorrente da anulação deste tipo de contratos, após se conhecer o destino dado ao bem retomado – venda, locação, destruição – em função da contrapartida daí auferida, ou não, pela Requerente.
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Importa ter em conta que a parte ainda não faturada ao locatário do proveito inicialmente reconhecido pela Requerente foi por ela registado a débito de uma conta 41 – Investimentos Financeiros. O que significa que o resultado global realizado pela Requerente será dado pela diferença entre o valor deste ativo à data de interrupção do contrato e o que vier a ser realizado com o ativo (equipamento) retomado.
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É certo que, potencialmente, o valor máximo da perda nestes contratos, caso a Requerente não venha a obter qualquer retorno do bem locado, será o valor total da importância que deixa de ser faturada. No entanto, o valor real da perda só poderá ser determinado tendo presente o destino dado ao bem retomado e os fluxos financeiros gerados com essa retoma.
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Mas nada consta dos autos que permita concluir sobre os registos contabilísticos efetuados aquando da retoma do equipamento, respetivos montantes contabilizados e destino dado a esse equipamento e correspondente resultado apurado.
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Verificando-se que a Requerente não fornece qualquer informação a esse respeito no processo, não é possível concluir qual a importância da perda efetivamente por ela realizada, pelo que não se pode confirmar que o montante de € 520.060,06, deduzido no Quadro 07 da Declaração Modelo 22 do exercício de 2007 corresponda a uma perda realizada relativamente aos contratos cancelados.
Concluindo nesta parte:
A constituição, em 2007, de uma provisão para outros riscos e encargos, na importância de € 512.354,43, não constitui um encargo fiscalmente dedutível, tendo a Requerente procedido bem ao acrescer essa mesma verba no Campo 228 do Quadro 07 da declaração Modelo 22 desse exercício.
Todavia, não está provado – e a requerente é que tinha esse ónus - que a importância de € 520.060,06, deduzida no Campo 228 da declaração Modelo 22 do IRC do exercício de 2007 corresponda à perda realizada em consequência da anulação dos contratos de locação em causa.
Consequentemente, tem de julgar-se improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na parte que respeita à correção promovida pela Administração Tributária e Aduaneira relativamente a essa dedução [€520.060,06].
b) Insuficiente fundamentação dos custos suportados com serviços prestados pela empresa mãe [B... España, SA] no valor de € 313.894,70.
Atenta a procedência, parcial [€300.664.70], do recurso hierárquico interposto relativamente a esta questão [cfr despacho saneador supra], subsiste apenas a apreciação do pedido remanescente: a consideração ou não como custo da importância de €13.230,00 referente a “Seg Social …”.
A questão a decidir deve, assim, em consonância com a delimitação operada pelas partes no presente processo, circunscrever-se à apreciação da aceitabilidade deste custo à luz do artigo 23.º do Código do IRC.
Não obstante esta delimitação, afigura-se difícil de acompanhar a argumentação da Autoridade Tributária em certos pontos, o que se explicará como consequência de alguma deficiência na aplicação da lei na fase inicial do procedimento, nomeadamente, pela sobreposição entre a questão da razoabilidade do quantum do gasto (quando exigiu a demonstração do cálculo das percentagens de imputação de custos, sem contudo invocar o artigo 63.º do Código do IRC ou outra disposição) e a questão (prévia em nosso entender) da sua aceitabilidade/indispensabilidade, mas sendo sempre a correcção realizada apenas ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC.
Apenas por este afastamento, pela Autoridade Tributária, da questão da indispensabilidade do gasto, embora sem nunca sair do âmbito de aplicação do artigo 23.º do Código do IRC, se compreende que, já na decisão ao Recurso Hierárquico, a Autoridade Tributária refira que “a correcção em apreço tem, unicamente, como fundamento, a não indispensabilidade do custo – art. 23.º do CIRC – por falta de demonstração do cálculo das percentagens de imputação de custos” (v. p. 10 do referido documento).
Cumpre, nesta sequência, reiterar que o objecto do processo (na parte do pedido susceptível de decisão) se encontra limitado à matéria suscitada pelas partes, a qual se encontra balizada pela apreciação da questão decidenda à luz do artigo 23.º do Código do IRC, excluindo-se do presente litígio a análise à razoabilidade da alocação dos custos (ou da aplicação de margem sobre os custos imputados em operação que aparenta configurar uma cedência de pessoal), a qual pressuporia necessariamente que a correcção efectuada pela Autoridade Tributária partisse das regras de preços de transferência, o que manifestamente não ocorreu7.
Dispunha, à data, o artigo 23.º do Código do IRC, no seu n.º 1, que se “Consideram(-se) custos ou perdas os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (…)”.
Não esteve em causa a existência ou a periodização desses custos, tal como declarado na matéria de facto provada8 (refira-se que tal nem chegou a ser alegado pela Requerida), pelo que o thema decidendum está reduzido à indispensabilidade de tais custos e sua demonstração.
Da indispensabilidade dos custos
O artigo 23.º contém um conceito indeterminado – o da indispensabilidade do custo - que carece de preenchimento no caso concreto.
Está hoje assente entre a doutrina9 e a jurisprudência10 que a indispensabilidade do custo deve ser aferida, objetivamente, por referência ao interesse da empresa e à suscetibilidade do custo para, direta ou indiretamente, gerar proveitos.
Resumidamente, dir-se-á, com Saldanha Sanches, que a despesa deve ter um fim empresarial11, sendo de excluir juízos de oportunidade ou sobre critérios de gestão quanto aos recursos dispendidos.
Estabelecido o critério de interpretação que deverá presidir à decisão, analisar-se-ão os elementos que estão ao dispor do presente Tribunal tendentes a comprovar, com base nesse critério, a aceitabilidade dos custos.
Da demonstração da indispensabilidade dos custos
A Requerida, no decurso da inspecção tributária realizada, e embora ainda em relação à totalidade dos gastos que pretendia desconsiderar, concluiu que os documentos de suporte aos custos inerentes à imputação dos gastos não demonstraram a indispensabilidade dos mesmos, e que os “elementos concretos e objetivos do cálculo das percentagens utilizadas, por cada trabalhador, para a imputação dos gastos em causa”12.
Posteriormente, como referido na matéria de facto (cfr supra, 11 e 12, do elenco de factos provados) a Recorrida proferiu o entendimento de que “o custo recorrido só não seria indispensável à realização de proveitos se ficasse demonstrado que, no quadro de pessoal da A... Portugal, existiam trabalhadores a desempenharem as mesmas funções que as exercidas pelo pessoal espanhol alocado, parcialmente ou a tempo inteiro, ao seu serviço”; “ora, no RIT (Relatório de Inspecção Tributária) nada é referido quanto a uma eventual duplicação da mesma tarefa, efetuada pelo pessoal português e pelo pessoal espanhol”13.
Com o que, segundo a Recorrida, não ficou demonstrada a indispensabilidade do custo (apenas) relativamente aos 13.230,00 Euros imputados relativos a “Seg. Social …”.
O custo (13.230,00 Euros) surge no contexto de um conjunto de despesas associadas à referida imputação de gastos com pessoal realizada pela B… España, S.A..
A razão da distinção desta despesa face às outras cuja aceitabilidade acabou por ser reconhecida pela Requerida (logo na decisão ao recurso hierárquico) reside no plano da prova da indispensabilidade da mesma, em concreto, porque este gasto é o único em relação ao qual a Requerente não apresentou o documento “Descripción del puesto de trabajo”.
Em relação a todos os outros trabalhadores cedidos, a Requerente apresentou tal documento, que continha uma descrição sumária do “posto de trabalho” (para além da indicação do trabalhador cedido em questão), nomeadamente, o departamento e as funções exercidas e a indicação da percentagem do tempo de trabalho imputável ao serviço da Requerente.
Não parecem ter estado em causa as justificações da Requerente para a existência destas cedências de trabalhadores. A razoabilidade das explicações quanto à centralização em Espanha de funções comuns às operações na Península Ibérica e à opção por “utilizar” recursos do grupo por contraposição a subcontratar os mesmos (fora do grupo), certamente terão influenciado a decisão da Requerida de aceitar a dedutibilidade dos outros custos.
Por outro lado, a Requerente ofereceu cópia de um contrato (intitulado “Management Service Agreement”), cuja genuinidade não foi contestada pela Requerida (como não foi relativamente a qualquer outro documento, não obstante ter questionado a utilidade de alguns) que, genericamente, prevê a cedência de pessoal da B… España S.A. para a A... Portugal para o desempenho de funções especializadas nas áreas de “support services”, “product services” e “special projects”.
No entanto, não é possível, pelos elementos de que se dispõe, estabelecer qualquer relação entre estas áreas funcionais especializadas (em relação às quais as partes no contrato previram a cedência de trabalhadores) e a actividade desempenhada pelo trabalhador a que respeita o custo objecto de diferendo.
Percebe-se, então, que a relutância da Autoridade Tributária em aceitar a dedutibilidade deste custo se deve, por contraposição, aos referentes a outros trabalhadores cedidos (cuja dedutibilidade foi aceite), a não ter logrado comprovar que efetivamente ocorreu a cedência do trabalhador.
A Requerente requereu a junção aos autos de dois documentos adicionais destinados a fazer prova da indispensabilidade deste custo14:
- o primeiro (“Prorroga acuerdo de expatriacion”) é a cópia de um acordo de prorrogação de transferência celebrado entre a B... España S.A. e … através do qual é possível pressupor, na falta de elementos que façam supor a não genuinidade do documento, a existência de uma situação de cedência à empresa portuguesa do trabalhador em causa, ao contrário do que sustenta a Requerida15, o que não se compreende, por uma questão de coerência na apreciação dos elementos probatórios uma vez que, conforme referido, outros documentos de força probatória similar – nomeadamente, cópias dos documentos de “Descripción del puesto de trabajo”- foram suficientes para a Requerida previamente fundar a aceitabilidade dos custos relacionados com os outros trabalhadores.
No entanto, pese embora o Tribunal entender que fica comprovada a existência de uma cedência em relação ao trabalhador em questão, este acordo de prorrogação prevê a cessação da sua vigência a 1 de Junho de 2008, nada se dispondo no sentido de se poder concluir pela sua renovação.
Ora, sucede que o ano fiscal da Requerente, a que respeita o custo em crise, se iniciou em 1 de Dezembro de 2007 e terminou a 30 de Novembro de 2008, como notou a Requerida.
Em contraditório, a Requerida argumentou que “a sua duração efectiva traduzida na permanência em Portugal daquele trabalhador só vem documentada até 21/07/2007, ou seja, antes do exercício fiscal em discussão”.
Só que o acordo de prorrogação da cedência do trabalhador prevê a sua vigência até 1 de Junho de 2008, como referido. Então, a Requerida baseou-se em informação do segundo documento junto pela Requerente para afirmar acerca do termo do período documentado para a permanência em Portugal daquele trabalhador.
Em relação a este segundo documento, refira-se que o mesmo contempla um conjunto de formulários, ofícios, correspondência e mapas relacionados com a situação contributiva do trabalhador em causa (e de outros) perante a Segurança Social espanhola.
Deste conjunto consta, efectivamente, um “Oficio” do Ministério de Trabajo e Asuntos Sociales, destinado a comprovar a situação contributiva perante a Segurança Social espanhola junto da entidade competente portuguesa, com referência ao período de 22-07-2006 a 21-07-2007.
Contudo, o conteúdo deste documento não oblitera o conteúdo do acordo de prorrogação da cedência, quanto à questão temporal. Ou seja: não se deduz do teor do último documento que o destacamento do trabalhador tenha forçosamente terminado em 21 de Julho de 2007. Tanto quanto é possível concluir, percebe-se apenas que o tal “Oficio” se reporta a atestar a situação contributiva de um sujeito, durante um período que corresponde a exatamente um ano.
Por outro lado, aceita-se, em concordância com a Requerida, quando, referindo-se a este segundo documento, alega que “não se retira dos documentos juntos com o n.º 2 qualquer conteúdo relevante para a prova pretendida (…)”16.
Neste sentido, também não relevarão estes documentos para inferir alguma conclusão quanto à cessação da prorrogação da cedência do trabalhador em apreço.
Em resultado do que restará ao Tribunal tomar em consideração o acordo de prorrogação de cedência que, para além de pressupor uma situação de cedência, prevê a cessação dos seus efeitos a 1 de Junho de 2008.
Se é, então, verdade que este acordo de prorrogação prevê a cessação antes do final do exercício fiscal a que respeita o custo, também é legítimo concluir que prevê a sua existência durante todo o período do ano fiscal até essa data – 1 de Junho de 2008 (ou seja, desde 1 de Dezembro de 2007, o início do ano fiscal da Requerente), portanto, durante seis meses do ano fiscal.
Consequentemente, o Tribunal conclui que a Requerida não tem fundamento sólido para recusar ou negar que, pelo menos em parte do ano fiscal (metade), o trabalhador tenha estado cedido à empresa portuguesa.
Reitera-se, a este propósito, a afirmação de que, caso fosse intenção da Autoridade Tributária objetar contra a realização desta operação por outras razões fiscais (seja pelo montante de custos redebitados, pelo critério que presidiu à alocação desses custos, pela deslocação de proveitos tributáveis para outra jurisdição, por qualquer razão que se prenda uma eventual dupla (não-)tributação entre jurisdições), não pode fazê-lo a coberto (apenas) do artigo 23.º do Código do IRC.
Mesmo em termos de importância, pode dizer-se que há plausibilidade no montante de custo que se pretendeu deduzir (13.230,00 Euros) face à contrapartida salarial e extra-salarial, anual, acordada com o trabalhador (constante do acordo de prorrogação da transferência).
Concluindo:
Nada permite a afastar a conclusão da não indispensabilidade do gasto cuja dedutibilidade foi negada pela Requerida.
É certo que o ónus de prova da indispensabilidade deste gasto impende sobre a Requerente, daí ter-se colocado a questão da comprovabilidade dessa indispensabilidade.
O que não invalida a proposição de que, quando em causa esteja a indispensabilidade de um custo, o ónus de prova se aproxima do seu sentido material ou objectivo17, o que culmina num reforço dos deveres de cooperação por parte do contribuinte, maxime, no sentido de que este forneça elementos que afastem a dúvida quanto à indispensabilidade do custo.
Nestes termos, o Requerente correspondeu a esta necessidade de intensificação dos seus deveres de cooperação. Os elementos por si apresentados comprovam a afetação do trabalhador em causa à empresa portuguesa, mesmo que essa comprovação apenas tenha sido possível relativamente a parte do exercício em questão, o que originou o custo cuja dedutibilidade foi negada.
Interpretando-se o conceito de custo indispensável, na aceção do artigo 23.º do Código do IRC, como o custo de carácter não alheio à empresa, ou seja, que o custo seja suportado no interesse da empresa e seja susceptível de, direta ou indiretamente, gerar proveitos, os elementos permitem ao tribunal concluir que o custo em causa foi suportado no interesse da empresa.
E se assim é, então a despesa imputada no montante de € 13.230,00, deve ser considerada como custo fiscal, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, sendo, em consequência, ilegal a liquidação adicional ora sindicada, por violação do artigo 23.º do Código do IRC.
Procederá assim esta parte do pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2007, constante do despacho de 7 de Dezembro de 2011 [parte em que aplicou a correção à matéria coletável no montante de 13.230,00 Euros].
c) Devolução da garantia bancária e indemnização pela sua prestação.
Em caso de prestação de garantia indevida, o devedor, que a tenha prestado para suspender a execução, tem direito a indemnização total ou parcial, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a a dívida garantida ou, independentemente deste prazo, quando, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, se comprove erro imputável aos serviços – artigo 53º-1 e 2, da LGT.
O “erro imputável aos serviços” considera-se verificado se o sujeito passivo obtém vencimento na reclamação ou na impugnação os factos em que se fundamenta a anulação do tributo não lhe são imputáveis [cfr, Diogo Leite Campos e outros, LGT Anotada e Comentada, 4ª Ed./2012, pg. 433].
O pedido indemnizatório é requerido no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda – Cfr artigo 171º, CPPT.
Pode ser peticionada indemnização por garantia indevida mesmo em execução do julgado anulatório – como vem sido reiterada e pacificamente reconhecido pelo STA (cfr., entre outros, os Acórdãos de 24 de Novembro de 2010, rec. n.º 1103/09 e 299/10, de 13 de Abril de 2011, rec. n.º 1032/10, de 22 de Junho de 2011, rec. n.º 216/11 e de 2 de Novembro de 2011, rec. n.º 620/11. Cfr ainda conexionados com esta temática os Acs. do STA de 9/10/2002, rec nº 09/02, de 24/11/2010, rec nº 01103/09, de 24/11/2010, rec nº 0299/10, de 13/4/2011, rec nº 01032/10, de 29/6/2011, rec nº 0889/10, de 22/6/2011, rec nº 0216/11)18.
Conforme sumariado no Ac do STA de 24-11-2010 [Proc nº 299/2010] “(…) no âmbito do pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, da conjugação do disposto nos arts. 171º do CPPT e 53º, 100º e 102º da LGT resulta que, não tendo sido exercido tal direito através de pedido apresentado no procedimento ou processo tributário, pode ainda formular-se esse pedido em execução coerciva do julgado anulatório da respectiva liquidação (…)”.
Por outro lado, quem exige indemnização não necessita de indicar a importância exata em que avalia os danos – Cfr artigo 569º, do Cód Civil.
Subsumindo:
No caso, pede a requerente indemnização por prestação de garantia bancária em processo de execução relativa à liquidação adicional objeto do processo (não estando claramente documentada a relação entre a dívida exequenda garantida e a liquidação, a verdade é que a requerida não pôs em causa essa conexão).
Posto em causa é apenas o quantum indemnizatório uma vez que não está alegado e demonstrado qual o prejuízo (v. g., comissões bancárias) em que terá incorrido a requerente em consequência da prestação – cfr artigos 51º e ss., da resposta.
Está verificado19, na perspetiva ou interpretação apontada, o erro imputável aos serviços decorrente da desconsideração fiscal, por alegada “insuficiente fundamentação dos custos suportados com serviços prestados pela empresa mãe [B... España, SA] no valor de € 313.894,70”.
Assim é que a liquidação tornou-se indevida na respetiva proporção e consequentemente a garantia bancária incluiu indevidamente, por erro imputável aos serviços, um valor de liquidação excessivo e inexigível.
Ora sendo facto público e notório que os Bancos cobram comissões pela prestação de garantias em função do valor, a requerente terá pago pela prestação da garantia em causa um valor superior ao que seria devida se a garantia tivesse sido prestada pelo valor da liquidação feita sem o erro que veio a comprovar-se no recurso hierárquico e neste processo arbitral.
Não sendo possível quantificar o prejuízo que terá sofrido a requerente, terá de em execução de julgado ser comprovado.
d) Do alegado "erro no apuramento na liquidação adicional"
A liquidação adicional, tal como fundadamente alega a requerente, teve por base a matéria coletável relativa a uma empresa do grupo fiscal, a C... Renting, SA - €262.864,24 - e não, como devia, a do próprio Grupo Fiscal - €183.887,25 - cfr. Doc I, págs. 6, 29, 103 e Doc IVA)
Sendo um notório erro, a sua correção decorrente desta decisão, deverá ser tomada em linha de conta pela requerida na execução do julgado.
III - DECISÃO
Em consequência do exposto e sem prejuízo das decisões supra relativas à procedência da exceção de caducidade do direito de ação e da inutilidade parcial superveniente da lide, acordam os árbitros que constituem este Tribunal Arbitral em:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRC nº 2011… na parte em que não considera a dedutibilidade à matéria coletável da importância de € 13.230,00;
b) Anular a liquidação decorrente da mencionada não dedutibilidade e juros compensatórios proporcionais;
c) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização decorrente da prestação de garantia bancária pelo valor excedente ao que deveria ter sido efetivamente liquidado e decorrente da presente decisão e da que foi proferida no recurso hierárquico;
d) Condenar a requerida no pagamento à requerente de indemnização correspondente aos encargos bancários suportados pela prestação da garantia no excedente ao que seria devido e que deverá ser fixado em execução de julgado e
e) Julgar improcedente o pedido no mais peticionado, absolvendo, em consequência, a requerida.
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Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2 do CPC e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 66.947,52.
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Custas: Fixa-se o montante das custas em € 2.448,00 (artigo 2º-1, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa), ficando o respetivo pagamento a cargo de requerente e requerida na proporção de 4/5 e 1/5, respetivamente.
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Lisboa e CAAD, 25 de outubro de 2013
Os Árbitros
(José Poças Falcão)
(José Manuel Parada Ramos)
(António Rocha Mendes, com declaração de voto)
[Texto elaborado em computador – artigo 135º, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29º-1/e), do RJAT].
Declaração de Voto
Não subscrevo a decisão que fez vencimento, na parte que decidiu pela procedência da excepção invocada pela Requerida, de caducidade do direito de acção, relativamente a (reforço de) provisão para depreciação de existências (doravante, abreviadamente, a “Questão”), pelos motivos que passo a expor.
A excepção invocada pela Requerida fundou-se no facto de a Requerente não ter suscitado a sua pretensão anulatória quanto à Questão (que agora veio alegar em sede jurisdicional) em sede de recurso hierárquico, quando o havia feito em sede de reclamação graciosa (que foi indeferida totalmente).
A decisão que fez vencimento assentiu que esta questão “ficou parcialmente consolidada na ordem jurídica” com a decisão à Reclamação Graciosa que se tornou “caso decidido, (…) não mais sendo passível a sua discussão na presente instância arbitral”.
Com o devido respeito, e salvo opinião mais sustentada, entendo, diferentemente, que a decisão do presente Tribunal Arbitral deveria fazer improceder a excepção invocada pela Requerida e concluir, consequentemente, pela admissibilidade desta Questão.
Se é verdade que o objecto imediato do processo é o indeferimento tácito do Recurso Hierárquico (delimitado sem invocação desta Questão), não é menos verdade que o mesmo processo tem por referência um acto tributário cuja invalidade foi invocada pelo contribuinte fazendo o mesmo parte portanto, ainda que mediatamente, do objecto do processo. Assim, o pano de fundo do presente processo será sempre a discussão quanto à legalidade do acto tributário originário. Neste sentido, não considero que o acto de liquidação em crise se tenha cristalizado na ordem jurídica, pelo que entendo que não se deverão ter por esgotados quaisquer caminhos para a sua impugnabilidade.
Esta interpretação encontra apoio no elemento literal da norma (artigo 99.º do CPPT) que prevê que “constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”.
Por outro lado, da perspectiva da coerência sistemática que sempre deverá nortear o critério interpretativo, parece que não admitir a invocação de vício, porque não previamente alegado em Recurso, faria denegrir as etapas procedimentais prévias, meios garantísticos de defesa do contribuinte a instâncias (demasiado) delimitadoras da fase de impugnação, com o efeito de bloquear a invocação de qualquer vício que fosse notado/suscitado a posteriori de uma das etapas procedimentais, o que notoriamente não pareceu estar na mente do legislador quando erigiu como princípio estruturante da relação jurídico-tributária o princípio do acesso à justiça tributária (vertido no artigo 9.º da LGT – “Todos os actos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos são impugnáveis ou recorríveis nos termos da lei”).
Assim, no plano lógico, a não admissão da invocação tardia de um vício, faria com que o uso da fase procedimental pelo contribuinte acarretasse, para além de uma defesa – no imediato, um risco – futuro - de tornar não impugnável qualquer alegação não suscitada previamente. Nesta hipótese, em abstracto, pode prejudicar-se um contribuinte pelo simples facto de se ter defendido na via procedimental, por contraposição a outro que se defenda directamente “por impugnação”.
Este efeito limitativo embate ainda, voltando ao prisma sistemático, no princípio da prevalência absoluta concedida pela lei ao processo jurisdicional face à via administrativa (art. 68.º, n.º 2 do CPPT), na medida em que permite uma influência da via administrativa sobre a jurisdicional que impede a última de se lhe sobrepor nomeadamente no que diz respeito ao conhecimento de determinados vícios, não invocados na via administrativa, que possam enformar o acto.
Esta linha interpretativa é acompanhada por doutrina autorizada (o Conselheiro Lopes de Sousa, v. CPPT Anotado pp. 127 e 197, por exemplo, refere, com bastante clareza, “Na impugnação judicial subsequente a reclamação graciosa ou recurso hierárquico interposto da respectiva decisão, poderão ser invocados quaisquer vícios do acto de liquidação e não apenas os invocados na reclamação ou no recurso hierárquico”)20.
Do mesmo modo, este entendimento parece ter sido proferido em jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. A título exemplificativo, vejam-se os seguintes trechos (que contêm remissões para jurisprudência adicional):
“Pelo que há, desde logo, que definir o objecto da impugnação contenciosa do indeferimento da reclamação e do subsequente recurso hierárquico: se a própria liquidação, se a decisão do procedimento gracioso, se ambas. Segundo dispõe o artigo 68.º, n.º 1, do CPPT, a reclamação «visa a anulação total ou parcial dos actos tributários» e - artigo 70.º, n.º 1 - «pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial». (…) Propendemos, até, ao entendimento de que esta constitui o seu objecto imediato e a liquidação o seu objecto mediato - cfr. o acórdão deste STA, de 7 de Junho de 2000 – recurso n.º 21.556. Todavia, tal diferenciação não tem relevo uma vez que, assim sendo, os dois integram o conhecimento do tribunal: o acórdão do STA de 6 de Novembro de 1996 – recurso n.º 20.519, seguido pelo aresto daquela mesma data proferido no recurso n.º 24.803, considera objecto imediato da impugnação o acto de liquidação mas logo acrescenta que aí se conhece tanto dos aspectos atinentes aos vícios próprios do indeferimento da reclamação como das ilegalidades imputadas ao acto tributário que aquele considerou não existirem. (sublinhado nosso) (…) E o mesmo se diga, mutatis mutandis, relativamente à decisão e subsequente impugnação contenciosa do recurso hierárquico. Ainda aí está em causa a legalidade da liquidação” 21 22.
Nos termos agora expostos, concluo pela improcedência da excepção invocada pela Requerida, de caducidade do direito de acção, relativamente a (reforço de) provisão para depreciação de existências.