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SUMÁRIO:
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O enquadramento de um gasto para efeitos de dedução ao lucro tributável de IRC não depende apenas da existência de suporte documental, da verificação dos requisitos formais previstos legalmente e do cumprimento do business purpose test. É admissível à AT efetuar diligências e requerer elementos adicionais que permitam construir um juízo valorativo dos meios envolvidos nas operações subjacentes a esses gastos e, desse modo, concluir com grau de razoabilidade da sua substância ou efetividade. Este exercício é especialmente relevante num contexto de partes relacionadas;
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São imputáveis ao contribuinte as desconformidades verificadas nos suportes do pagamento de quilómetros por deslocações em viatura própria, não sendo censurável o raciocínio posterior da Autoridade Tributária e Aduaneira ao determinar que aqueles mapas não merecem credibilidade e, em consequência, requalificar fiscalmente parte do montante pago aos colaboradores com base nos mesmos;
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Não é suficiente defender que a atribuição com carácter geral de um benefício o enquadra, desde logo, no n.º 1 do artigo 43.º do Código do IRC. É igualmente necessário, conforme expressamente referido nessa norma, que tal benefício não revista «a natureza de rendimentos do trabalho dependente ou, revestindo-o, sejam de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários».
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Rui Duarte Morais (Presidente), Ricardo Gomes Pedro (relator) e Arlindo José Francisco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I – RELATÓRIO
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A..., LDA., pessoa coletiva n.º..., com sede no ..., ..., Rua..., N.º..., ...-... ..., doravante designada por “A...” ou “Requerente”, veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e, bem assim, dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a Constituição de Tribunal Arbitral Tributário.
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A Requerente peticiona ainda a declaração de ilegalidade:
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Da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2023..., incluindo juros compensatórios, no montante global de €68.337,26,
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De diversas liquidações de adicionais do Imposto sobre Valor Acrescentado (“IVA”), incluindo juros compensatórios, no montante total de €57.059,57; e
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De liquidações adicionais de Retenção na Fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“RFIRS”), incluindo juros compensatórios, no montante total de €10.217,51,
todas referentes ao exercício de 2020. Pugna ainda pelo reconhecimento do direito ao reembolso dos encargos suportados com a prestação indevida de garantia e à condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento integral das custas de arbitragem.
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É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada somente por “AT” ou “Requerida”).
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Em causa nos presentes autos está:
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A desconsideração, para efeitos de IRC, de gastos incorridos pela Requerente com a prestação de serviços de consultoria e programador pela Empresa C... Unipessoal Lda., com Número de Identificação Fiscal (NIF)..., no montante de €87.550,00, bem como a não dedução do IVA correspondente (€20.136,50);
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A desconsideração, para efeitos de IRC, de gastos incorridos pela Requerente com a prestação de serviços de consultoria e programador pela Empresa D..., Unipessoal, Lda., com NIF..., no montante de €112,690.00, bem como a não dedução do IVA correspondente (€25.918,70);
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A desconsideração, para efeitos de IRC, de gastos relacionados com serviços de consultoria imobiliária prestados pela Empresa B..., Lda., NIF..., no montante de €2.000,00, bem como a não dedução do IVA correspondente (€460,00);
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Desconsideração, para efeitos de IRC, de gastos relacionados com deslocações em viatura própria pagos aos sócios gerentes da Requerente, no montante global €26.130,34, resultando ainda numa liquidação de RFIRS de €7.316,50, calculadas à taxa de 28%;
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Liquidação de TA no montante de €4.852,73, relativamente aos encargos suportados pela Requerente com viaturas ligeiras de passageiros;
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Desconsideração, para efeitos de IRC, de um gasto incorrido pela Requerente contabilizado enquanto Publicidade e Propaganda, no montante de €1.540,00 e um acréscimo de TA correspondente a 50% desta quantia (€770,00);
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Desconsideração, para efeitos de IRC, de um gasto incorrido pela Requerente contabilizado enquanto Publicidade e Propaganda, no montante de €206,91 e a não dedução do IVA correspondente (€47,59);
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Desconsideração, para efeitos de IRC, de gastos relacionados com depreciações de uma viatura ligeira de passageiros, no montante de €1.750,00;
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Desconsideração, para efeitos de IRC, de um conjunto de gastos com a aquisição de serviços de um ginásio para usufruto dos colaboradores da Empresa, no montante de €2,158.44, bem como a dedução do IVA correspondente (€157,46); e
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Não dedução de IVA relacionado com despesas de aquisição, manutenção e alugueres de viaturas ligeiras de passageiros, no montante de €4.599,33;
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RFIRS (€1.801,68) incidente sobre o montante global de €23.931,92, pago a diversos colaboradores a título de deslocações em viatura própria;
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TA (€1.235,06) incidente sobre o montante global de €24.701,22, suportado pela Requerente a título de deslocações em viatura própria;
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TA (€739,74) incidente sobre o montante global de € 7.397,38, suportado pela Requerente a título de despesas de representação; e
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Acréscimo de TA em €6.000,00 relativamente a uma despesa no montante de €12.000,00 relacionada com creche de filhos de colaboradores da Requerente.
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 01-04-2024.
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A Requerida foi notificada da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral em 05-04-2024.
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Os signatários foram designados como árbitros pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos dos números 2, alínea a) e 3 do artigo 6.º do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e nos termos legalmente previstos.
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Em 22-05-2024 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 14-06-2024.
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Em 15-06-2024 foi a Requerida notificada para apresentar Resposta.
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A Requerida juntou o processo administrativo e apresentou Resposta em 06-09-2024, na qual se defende por impugnação e informou os autos de que o ato impugnado fora parcialmente anulado por Despacho da Subdiretora-Geral, proferido por delegação de competências e datado de 31-07-2024, no que respeita à correção em sede de TA das despesas não documentadas (creche), no montante de €6.000,00, mantendo todas as restantes correções com base nos argumentos aduzidos em sede de inspeção.
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Em 16-09-2024 o Tribunal proferiu despacho arbitral no qual dispensou a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, determinou que o processo prosseguisse com a apresentação de alegações escritas facultativas, no prazo simultâneo de 15 dias, indicando à Requerente a junção aos autos da documentação que protestou juntar.
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As Partes não apresentaram alegações.
II – SANEAMENTO
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A apresentação do pedido de pronúncia arbitral ocorreu no dia 28-03-2024.
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Não obstante a emissão de liquidações adicionais de IRC (nela se incluindo a TA), IVA, RFIRS e respetivos juros compensatórios, com prazos de pagamento diferenciados, as mesmas resultam do mesmo relatório de inspeção.
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A Requerente no PPA requereu cumulação de pedidos e entende o Tribunal estarem verificados os pressupostos de Direito quanto a esta questão, atendendo à identidade de tributos – conforme tipologia prevista no n.º 2 do artigo 3.º da Lei Geral tributária (LGT) – e ao disposto nos números 1 e 2 do artigo 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
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Considerando que a Demonstração de Acerto de Contas relativa à liquidação adicional de IRC tem como data limite de pagamento o dia 02-01-2024 e o prazo para interposição do PPA é equiparado ao prazo para a interposição de impugnação judicial, é entendimento deste Tribunal que o PPA é tempestivo.
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As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas.
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Atendendo a que a Subdiretora-Geral anulou parcialmente o ato de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios contestados no PPA, na parte relativa à correção, no montante de €6.000,00, de TA incidente sobre uma despesa relacionada com o pagamento de creche de filhos de colaboradores da Requerente, verifica-se, nesta parte, a inutilidade superveniente da lide.
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Conforme referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele ter sido atingido por outros meios” (Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, Almedina, Coimbra, 4ª edição, reimpressão 2021, página 561).
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A inutilidade superveniente da lide configura uma exceção dilatória, a qual é causa de extinção da instância e implica a absolvição da Requerida da instância, nos termos dos artigos 277.º, alínea e), e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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Assim, tendo sido anulado parcialmente [conforme terminologia adoptada no artigo 165.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT], pela Requerida, o ato impugnado, está satisfeita a pretensão da Requerente quanto a esta parte, verificando-se, quanto à mesma, a inutilidade superveniente da lide e, consequentemente, a absolvição da Requerida dessa parte da instância arbitral, conforme resulta dos artigos 277.º, alínea e), e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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Não foram alegadas outras exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Não se verificam nulidades.
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Pelo que importa conhecer do mérito da causa na parte não abrangida pela anulação administrativa parcial dos atos contestados.
III – FACTOS RELEVANTES
§1. Factos provados
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Consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade comercial com sede em território nacional, constituída em 23-02-2015 e encontra-se coletada para o exercício das seguintes atividades:
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De acordo com a informação disponível no Portal Societário (https://publicacoes.mj.pt/Index.aspx), a Requerente tem como objeto social a «consultoria na área de marketing e outras atividades inerentes ao marketing e na área de estratégia de negócios. Atividades de concepção, desenvolvimento, modificação, teste e assistência a programas informáticos (software), de acordo com as necessidades de um cliente específico. Programação de sistemas, de aplicações, de bases de dados e de páginas Web. Consultoria em equipamento, programas informáticos e outras tecnologias da informação»;
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No âmbito do IRC, a Requerente enquadra-se no regime geral de tributação e adota um período de tributação coincidente com o ano civil e em termos de IVA, encontra-se registada no regime normal com periodicidade mensal desde 01-01-2019;
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Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2023..., de 10-01-2023, os SIT promoveram um procedimento de inspeção externa de âmbito geral ao período de tributação de 2020 da Requerente, que iniciou a 07-02-2023 que, para o que aqui importa, culminou nas correções constantes do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), e cujo mapa resumo se apresenta infra:
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Em 2020, a Requerente contabilizou o montante de € 74.763,48 relativo a compensação de quilómetros por utilização de viatura própria, que registou nas contas 6319 – Remunerações dos Órgãos Sociais – Ajudas de Custo e 6329 – Remunerações do pessoal – Ajudas de Custo e considerado nos recibos de vencimento dos trabalhadores e reportado na Declaração Mensal de Remunerações (DMR).
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Foi solicitado à Requerente a apresentação dos mapas de suporte àquele montante, por mês de pagamento e funcionário. Da análise efetuada a estes mapas, a Requerida constatou:
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Pagamentos desta rubrica a funcionários que não utilizavam a viatura própria, seja porque se tratava de viatura de propriedade ou alugada pela A... ou porque utilizavam viaturas de familiares;
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Dias em que a informação reportada nos mapas de suporte ao pagamento de compensações por deslocação em viatura própria não era coerente com informação retirada dos extratos de Via Verde das mesmas viaturas ou em que para os mesmos dias em que eram registadas deslocações própria, o colaborador tinha viagem de avião e/ou estadia marcada em alojamento situado em localidade diferente da indicada nos mapas.
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Do total de 21 colaboradores da Requerente a quem foram pagas compensações por deslocações em viatura própria, foram detetadas incoerências nos mapas de 10 colaboradores, ou seja, cerca de 48% do total.
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Em virtude daquelas incoerências:
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A Requerida requalificou enquanto adiantamento por conta de lucros o montante de €26.130,34, correspondente aos quilómetros em viatura própria pagos durante todo o exercício de 2020 aos sócios gerentes da Requerente, sujeitando-o a 28% de RFIRS;
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Aos restantes 8 colaboradores, a quem foi pago o montante de €23.931,92, foi apurada RFIRS em falta, no montante de €1.801,67 tendo por base a informação reportada em cada uma das DMR’s dos meses do recebimento.
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Verificou-se ainda que o montante remanescente pago a título de compensação por deslocações em viatura própria não foi sujeito a tributação autónoma (n.º 9 do artigo 88.º do Código do IRC).
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Foram contabilizados na conta 6221 – Trabalhos Especializados, diversas faturas de 3 entidades relacionadas – na acepção do artigo 63.º do Código do IRC – com a A..., no montante total de €202.240,00 e deduzido o IVA associado (€46.515,20).
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Com exceção do montante de €2.000,00 faturado pela B..., Lda., as restantes operações foram faturadas pela C... Unipessoal Lda. e D..., Unipessoal, Lda., com o descritivo de “serviços de consultoria e programador”, tendo a Requerida solicitado informações mais detalhadas acerca da tipologia, pricing, local de execução, etc.
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Os serviços faturados por estas duas últimas entidades foram executados pelos seus sócios gerentes –E... e F...– e por profissionais subcontratados.
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De acordo com os extratos retirados dos ERP’s das Empresas fornecedoras, verificam-se incompatibilidades em alguns dias em que os serviços foram prestados, pois colidem com dias em que os sócios gerentes da Requerente estiveram deslocados no estrangeiro (p.e.), para além dos diversos técnicos indicados como tendo executado os serviços, não terem qualquer tipo de relação (ex. laboral, de prestação de serviços) com aquelas entidades relacionadas da A... .
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Quanto aos serviços de consultoria imobiliária faturados pela B..., Lda., não foi indicado quem os executou nem explicado o motivo porque tendo a aquisição do terreno ocorrido em 2023, aquela faturação ter tido lugar em 2020.
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Foi contabilizado na conta 6222 – Publicidade e Propaganda o montante de €1.540,00, que não se encontra suportado por um documento com eficácia externa à Empresa, não identifica a Requerente, fazendo apenas referência a um evento relacionado com tecnologia (software SAP) em Espanha.
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Foi igualmente registado na mesma conta, o montante de € 206,91 e deduzido IVA de €47,59 respeitante à aquisição de diversos artigos hípicos.
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Foi contabilizado na conta 6332 – Gastos com Pessoal – Outros Benefícios o montante de €2.158,44 e deduzido IVA de €157,46 relativamente a serviços de ginásio contratados para benefício do pessoal da Requerente, estando inscritos 15 colaboradores.
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A Requerente registou depreciações de uma viatura ligeira de passageiros superiores ao limite legal em €1.750,00.
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Foi realizada uma despesa no montante de €12.000,00, correspondente ao pagamento de uma fatura de 2018 emitida por uma creche, cujo descritivo dos serviços é «atividades e serviços de acompanhamento de crianças e babysiting para os funcionários na A...».
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Não foi paga tributação autónoma sobre os encargos de viaturas ligeiras de passageiros suportados pela Requerente, que totalizam €24.694,36.
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Não foi paga tributação autónoma sobre encargos que configuram despesas de representação e suportados pela Requerente, que totalizam €7.397,38.
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Não foi paga tributação autónoma sobre as compensações por deslocações em viatura própria que não foram contestadas pela Requerida, que totalizam €24.701,22.
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Foi deduzido IVA pela Requerente, no montante de €4.599,33 referente a despesas de aquisição, manutenção e alugueres de viaturas ligeiras de passageiros.
§2. Factos não provados
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Com relevo para a decisão, não foram juntos pela Requerente os Documentos 7 e 9 referentes às seguintes correções:
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Desconsideração para efeitos de apuramento do lucro tributável de IRC, de um gasto reconhecido na conta 6222 – Publicidade e Propaganda, no montante de €1.540 e a subsequente sujeição a TA à taxa de 50% enquanto despesa não documentada (€770,00);
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A reconfiguração efetuada pela Requerida, enquanto adiantamento por conta de lucros, do montante de €26.130,34 e a sua sujeição a RFIRS à taxa de 28% (€7.316,50).
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Embora alegado pela Requerente, não se encontra provado que o objeto dado em garantia para suspensão do processo de execução fiscal tenha sido uma garantia bancária, desconhecendo este Tribunal qualquer detalhe sobre a mesma.
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Não foi provado que as liquidações adicionais de RFIRS emitidas por cada período de retenção na fonte (mês) tenham sido notificadas à Requerente.
§3. Motivação quanto à matéria de facto
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Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada [artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT].
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Os factos pertinentes para a decisão são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito [cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT].
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Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos e as posições assumidas pelas Partes e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.
IV – MATÉRIA DE DIREITO
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Questões decidendas
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Nos presentes autos importa decidir se é, ou não, ilegal:
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A desconsideração para efeitos de apuramento do lucro tributável de IRC e a não dedutibilidade do IVA associado (€46.515,20) a diversos gastos suportados por faturas referentes a serviços de consultoria e programador e consultoria imobiliária registados na conta 6221 – Trabalhos Especializados, no montante de €202.240,00;
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A reconfiguração efetuada pela Requerida, enquanto adiantamento por conta de lucros, do montante de €26.130,34, a sua sujeição a RFIRS à taxa de 28% (€7.316,50) e ainda a TA (€4.852,73);
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A desconsideração para efeitos de apuramento do lucro tributável de IRC, de um gasto reconhecido na conta 6222 – Publicidade e Propaganda, no montante de €1.540,00 e a subsequente sujeição a TA à taxa de 50% enquanto despesa não documentada (€770,00);
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A desconsideração para efeitos de apuramento do lucro tributável de IRC e a não dedutibilidade do IVA associado (€157,46) a um gasto reconhecido na conta 6332 – Gastos com Pessoal – Outros Benefícios, no montante de €2.158,44.
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A Requerente pede ainda:
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a anulação das liquidações adicionais de IVA, por falta de fundamentação e violação de lei por erro de interpretação ou aplicação de norma, por não lhe ter sido possível identificar qual a Declaração Periódica de IVA alvo de correção, a medida da correção feita, nem tão pouco relacionar essa correção com a operação concreta a que diz respeito, ainda que com suporte do Relatório de Inspeção;
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a anulação das liquidações adicionais de RFIRS, pelas mesmas razões acima apontadas e pelo facto de não lhe terem sido notificadas as liquidações propriamente ditas, mas apenas uma demonstração “resumo” incompleta, nos termos do artigo 161.º, n. 1, alínea d) e n.º 2, ambos do CPA; e
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a declaração da ilegalidade e a anulação das liquidações de juros compensatórios alegando vícios de forma essenciais e violação de lei, nos termos da alínea a), c) e d) do artigo 99.º do CPPT.
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Em caso de procedência do pedido de pronúncia arbitral, o tribunal deverá, ainda, apreciar e decidir o pedido, formulado pela Requerente, de condenação da Requerida no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
b) Posição das Partes
b.1.) Posição da Requerida
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Entende a Requerida que se devem manter as correções fiscais sub judice com os fundamentos já apresentados no RIT, com exceção da anulada em sede de Resposta, podendo resumir-se no seguinte:
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Defende que os atos se encontram devidamente fundamentados, remetendo para o disposto no n.º 1 do artigo 77.º da LGT, que determina que a «decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária», bem como para o n.º 1 do artigo 63.º do RCPITA, que dispõe que «os actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório», concluindo
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Que o ato de liquidação, enquanto ato tributário que traduz o culminar de um procedimento de inspeção tributária (assente nos atos preparatórios praticados pelos serviços de inspeção tributária), poderá fundamentar-se nas conclusões do RIT.
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Quanto às faturas registadas na conta 6221 – Trabalhos Especializados, no montante de €202.240,00:
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As mesmas foram emitidas por três sociedades por quotas, detidas isolada ou conjuntamente por sócios gerentes da Requerente, configurando, assim uma relação especial;
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As faturas emitidas pela C... Unipessoal, Lda. e D... Unipessoal Lda. têm como descritivo «serviços de consultoria e programador» e as emitidas pela sociedade B..., Lda. referem «Consultoria Imobiliária»;
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Pela relevância daquelas faturas na sua estrutura de gastos operacionais em 2020, «por se tratarem de descrições demasiado genéricas» e por terem sido emitidas por sociedades com sócios comuns, a Requerente foi questionada sobre «o tipo de serviço que foi prestado, as horas despendidas, quem o prestou, onde e quando foi executado»;
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Face à resposta, a Requerida verificou que as informações que recebeu em relação às sociedades C... Unipessoal, Lda. e D... Unipessoal Lda. eram contraditórias entre si no que respeita ao número de horas trabalhadas por cada elemento em cada projecto, para além de representarem o que considera um anormal número médio de horas trabalhadas, por dia útil em 2020, por cada recurso indicado pela Requerente;
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Quanto aos serviços faturados pela B..., Lda., não ficou claro para a Requerida que serviços em concreto foram prestados em 2020, tendo em conta que esta Empresa comprou um terreno em 2019 que vendeu à Requerente em 2023;
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Acresce que, por consulta às bases de dados da AT, a Requerida verificou que alguns dos profissionais indicados pela Requerente não mantiveram qualquer relação de trabalho ou de prestação de serviços com aquelas Empresas fornecedoras no período a que respeitam os serviços facturados;
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Como referido em sede de Resposta, «não foi apenas a questão formal dos documentos que justificou a posição da AT (Documentos emitidos sem menção da quantidade dos serviços realizados (nº de horas), preço unitário (em função da quantidade / horas) e a data em que os serviços foram realizados), mas a par com esse facto, a ausência de evidência material da realização dos serviços não demonstrada pelo SP. A associação de todos os factos conduz necessariamente à não dedutibilidade das faturas da C..., D... e B..., uma vez que competia à Requerente o ónus da prova da realização dos trabalhos mencionados nas faturas e não o fez até ao momento»;
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Deste modo, a Requerida concluiu que as informações transmitidas pela Requerente não são credíveis – para o que contribuiu decisivamente o facto de alguns dos colaboradores das Empresas fornecedoras serem simultaneamente seus sócios seus gerentes e, por esta razão, ser de esperar um elevado grau de exatidão e coerência nas explicações solicitadas – negando a dedução daqueles gastos para efeitos de apuramento do lucro tributável de 2020.
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Quanto ao montante de €26.130,34 registado na conta 6319 – Remunerações dos Órgãos Sociais – Ajudas de custo, as correções operadas pela Requerida resultam de:
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Diversas incongruências entre a informação das deslocações que consta dos mapas de quilómetros / ajudas de custo preparados pela Requerente e os extratos de Via Verde das viaturas indicadas nesses mesmos mapas;
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As viaturas utilizadas não serem propriedade dos colaboradores a quem foram pagos quilómetros por deslocações em viatura própria, mas sim, da Requerente ou de Empresas externas;
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Do «facto de, para diversos dias identificados nos mapas, se verificar a coincidência com viagens ao estrangeiro ou estadias em hotéis pelos mesmos intervenientes»;
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Em resultado, a Requerida requalificou aquele montante enquanto adiantamento por conta de lucros – atenta a definição prevista na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS – sujeitando-o a uma retenção na fonte de 28%, tendo, em consequência, apurado o montante em falta de €7.316,50.
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O gasto de €1.540,00 registado na conta 6222 – Publicidade e Propaganda não se encontra suportado em documento fiscalmente aceite, o que obsta à sua consideração como gasto fiscal em IRC e determina a sua sujeição a TA.
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Correção em sede de TA sobre a totalidade dos encargos suportados pela Requerente com viaturas ligeiras de passageiros (€24.694,36), apurando a quantia em falta de €4.852,73.
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A correção, como gasto fiscal, relativa a gastos com um ginásio destinado aos colaboradores da Empresa, no montante de €2.158,44 e a não dedução do IVA relacionado (€157,46) resulta do seguinte entendimento:
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Este gasto não tem enquadramento no n.º 1 do artigo 43.º do Código do IRC enquanto realização de utilidade social, por não ter ficado demonstrado que o mesmo reveste carácter geral, não obstante ter sido solicitado à Requerente a listagem completa dos beneficiários deste benefício;
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Adicionalmente, a opinião anterior poderia ser revertida caso a Requerente demonstrasse a tributação, em sede de IRS de cada um dos colaboradores, do benefício em causa, tendo concluído que tal não ocorreu.
b.2.) Posição da Requerente
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Entende a Requerente que todas as correções fiscais efetuadas em sede de inspeção devem ser anuladas por falta de fundamentação, com base nos argumentos já aduzidos.
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Subsidiariamente, peticiona que a maior parte das correções fiscais sejam anuladas, cujos fundamentos são os seguintes:
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Quanto às faturas registadas na conta 6221 – Trabalhos Especializados, no montante de €202.240,00:
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Entende que as operações que respeitam estas facturas se encontram devidamente documentadas e que têm enquadramento na actividade da Requerente;
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Considera que estando verificado o business purpose test, estes custos devem ser considerados fiscalmente na sua esfera;
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Que os juízos de valor formulados pela Requerida sobre a efetividade da prestação desses serviços são débeis e carecem de prova,
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Na medida em que não compete à AT efetuar juízos de valor sobre o número de horas trabalhadas num determinado ano civil por um colaborador em concreto (14 horas por dia útil, em média, num caso e 19 horas noutro);
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Adicionalmente, a Requerente não pode ser prejudicada na sua esfera patrimonial pelo facto dos colaboradores de Empresas por si contratadas não declararem os seus impostos,
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Terminando a sua argumentação que a Requerida se deve abster de ajuizar a bondade das decisões de gestão da Requerente, nomeadamente, em contratar ou não determinado serviço e os termos e condições em que o faz.
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Já relativamente ao montante de €26.130,34 registado na conta 6319 – Remunerações dos Órgãos Sociais – Ajudas de custo, entende a Requerente que:
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Não é admissível a AT considerar um gasto de uma sociedade como respeitante a um sócio-gerente e, simultaneamente, pretender tributar esse mesmo enquanto adiantamento por conta dos lucros;
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É inconcebível que a AT não considere um gasto como fiscalmente dedutível, por qualquer razão que seja, e simultaneamente, tribute autonomamente esse gasto;
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Os pressupostos seguidos pela AT para descredibilizar os mapas de suporte a estes custos são falaciosos, na medida em que podem ter existido deslocações em vias não concessionadas à Via Verde e que diversas falhas no que respeita a datas e distâncias apresentadas nos referidos não devem ser extrapoladas para todos os gastos com a mesma natureza.
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Quanto à liquidação adicional de TA (€4.852,73) incidente sobre encargos suportados em viaturas ligeiras de passageiros, a Requerente concorda com esta correcção, no pressuposto que o gasto de €26.130,34 (vide ponto anterior) seja dedutível e anulada a liquidação de RFIRS, no montante global de € 10.217,51.
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No que respeita ao montante de €1.540,00 registado na conta 6222 – Publicidade e Propaganda, argumenta que de trata de um gasto efectivamente suportado no âmbito da atividade da Empresa, cfr. Documento 7, que afirma juntar aos autos, pelo que toda a correção deve ser anulada.
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A correção respeitante ao montante de €2.158,44 registado na conta 6332 – Gastos com Pessoal – Outros Benefícios deve ser anulada, tendo por base:
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O disposto no n.º 1 do artigo 43.º do Código do IRC, que permite que a Requerente deduza os gastos incorridos com o ginásio contratado para benefício dos seus trabalhadores, uma vez que se trata de um benefício de carácter geral e não tem a natureza de retribuição de trabalho dependente;
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Termina a sua argumentação deste ponto, sustentando que ainda que o disposto no ponto anterior não proceda, o gasto em causa deve ser considerado dedutível fiscalmente considerando, por analogia, opiniões do CAAD proferidas no âmbito da atribuição de vales infância.
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Não é feita qualquer contestação no PPA relativamente:
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À desconsideração, para efeitos de IRC, de um gasto incorrido pela Requerente e contabilizado enquanto Publicidade e Propaganda (equipamentos de equitação), no montante de €206,91 e a não dedução do IVA associado (€47,59);
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À desconsideração, para efeitos de IRC, de gastos relacionados com depreciações de uma viatura ligeira de passageiros, no montante de €1.750,00;
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À não dedução de IVA relacionado com despesas de manutenção e alugueres de viaturas ligeiras de passageiros, no montante de €309,83; e
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Ao apuramento de TA, em €1.235,06, incidente sobre o montante global de €24.701,22, contabilizado a título de deslocações em viatura própria.
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Aceita a correção relativa à não dedução de IVA relacionado com a aquisição intracomunitária de uma viatura ligeira de passageiros, no montante de €4.289,50.
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Aceita a correção relativa à TA incidente sobre ajudas de custo pagas a colaboradores, no montante de €1.801,68.
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Aceita a corricão relativa à TA incidente sobre despesas de representação, no montante de €739,74.
c) Apreciação
c.1) Questão prévia – falta de fundamentação
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Não acompanhamos a posição da Requerente acerca da alegada falta de fundamentação apontada às liquidações adicionais de IVA e de RFIRS.
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Em primeiro lugar, as liquidações de IVA mencionam as Declarações / períodos de IVA que corrigem e os fundamentos de cada correção facilmente se encontram por remissão ao RIT elaborado no seguimento da inspeção a que respeita a Ordem de Serviço n.º OI2023..., que consta de forma expressa em cada uma das liquidações.
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A título de exemplo, a correção operada pela liquidação adicional de IVA do período de Setembro de 2020, no montante de € 11.932,37, consta no quadro resumo da página 210 do RIT e corresponde, na íntegra, ao montante inscrito no Campo 41 da Declaração Periódica de IVA do mesmo período, cfr. pág 3 do Documento 2 anexo ao PPA.
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A fundamentação para todas as correções operadas em sede de IVA na esfera da Requerente consta nos capítulos V.5.1 e V.5.2 do RIT.
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No que respeita às liquidações de RFIRS, não encontramos suporte para declarar ilegal o procedimento adaptado pela AT de emitir uma liquidação adicional “resumo” contendo todas as correções efetuadas nesta sede.
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Desde logo porque esta liquidação “resumo” não se substitui às liquidações individualmente consideradas, cuja identificação consta na própria (na coluna à esquerda).
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Além do mais, esta liquidação “resumo” respeita apenas a um exercício fiscal (2020) e não obstante compreender correções de vários meses, o cálculo do montante corrigido em cada um desses períodos é facilmente verificável no RIT que lhe serve de suporte (pág. 11, com a fundamentação a constar nas págs. 16 a 38).
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Não constituindo facto provado a notificação à Requerente de cada uma das liquidações de RFIRS individualmente consideradas, ainda que tal possa ter acontecido, não descortinamos em que medida esse facto fere os direitos e as garantias legalmente protegidos da Requerente, nomeadamente o de impugnação, como o presente pedido de pronúncia o prova.
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Nessa mesma liquidação “resumo” constam as datas de início e fim para efeitos de contagem dos dias considerados no cálculo de juros compensatórios, com indicação expressa da referida taxa (4%).
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Nas liquidações de juros compensatórios remanescentes – relativos ao IVA e às liquidações adicionais de IRC – a nossa apreciação sobre a fundamentação de tais actos é a seguinte:
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No caso do IRC, a liquidação autónoma de juros compensatórios abrange dois factos tributários: a (aparente) não entrega dos Pagamentos por Conta de IRC e a não liquidação de IRC em razão das correções operadas pela AT em sede de Inspeção.
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Quanto ao cálculo de juros compensatórios devidos pela não entrega de pagamentos por conta, partilhamos da visão da Requerente de que, nesta parte, a liquidação autónoma de juros compensatórios de IRC não se encontra fundamentada, pois não é feita qualquer referência no RIT sobre este facto.
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Na parte relativa ao IRC não liquidado em virtude das correções da AT, entendemos que a liquidação de juros tem todos os elementos legalmente exigidos para uma correta apreciação e validação por um destinatário normal, com indicação do facto tributário a que respeita, assim como as datas de início e fim de contagem do período de juros e a respectiva taxa.
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De igual modo, encontramos a mesma informação nos cálculos autónomos de juros em cada liquidação adicional de IVA.
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Face ao exposto:
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Improcede a pretensão da Requerente quanto aos alegados vícios de falta de fundamentação nas liquidações de IVA e RFIRS;
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Procede parcialmente a pretensão da Requerente quanto ao vício de falta de fundamentação na liquidação autónoma de juros compensatórios de IRC, na parte correspondente aos apurados pela não entrega dos Pagamentos por Conta de IRC, devendo tal acto ser parcialmente anulado, devendo manter-se na ordem jurídica todas as restantes liquidações de juros compensatórios.
c.2) Do mérito das correções
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A correção mais substancial em discussão no presente processo prende-se com a desconsideração para efeitos fiscais de diversas faturas emitidas por Empresas relacionadas à Requerente, relativas a «serviços de consultoria e programador» e «consultoria imobiliária».
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Contrariamente ao referido pela Requerida, parte destas faturas mencionam o tipo de serviço prestado.
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De todo o modo, é convicção deste Tribunal que a avaliação da dedutibilidade dos gastos relativos estas faturas não se deve cingir ao cumprimento de requisitos formais e ao seu enquadramento na atividade da Empresa.
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Deve igualmente ser demonstrado com um razoável grau de certeza que as operações em causa – que se resumem a prestações de serviços e, portanto, lhes está associada uma maior dificuldade em verificar diretamente a sua ocorrência e o valor acrescentado gerado – foram efetivamente realizadas.
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Respondendo a diversas questões colocadas pela Requerida em sede inspetiva (as quais, a nosso ver, não configuram uma ingerência na gestão da A..., mas tão só um instrumento para verificação do referido na parte final do ponto anterior – que se subsume à descoberta da verdade material, nos termos do artigo 6.º do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) –) as afirmações da Requerente apresentam um conjunto de incongruências que levantam fundadas dúvidas sobre a efetividade dos serviços, com a particularidade da Requerente e as Empresas fornecedoras de tais serviços terem sócios conjuntos, o que legitimamente cria a expectativa das respostas a tais questões deverem ser desprovidas de incoerências. Contudo, não foi isso que se verificou.
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Por outro lado, não partilhamos o entendimento de que a AT não pode consultar os dados de que dispõe para avaliar se as Empresas prestadoras de tais serviços têm uma estrutura adequada à realização do seu objeto social, nem que isso constitua – como pareceu transparecer da argumentação aduzida no PPA – uma inspeção a essas mesmas Empresas.
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Esse exercício com vista à avaliação da existência dessa estrutura – seja ela própria ou constituída por via da contratualização de serviços a terceiros – insere-se no âmbito da descoberta da verdade material e, neste âmbito, fica patente que quer a C... Unipessoal Lda., quer a D..., Unipessoal, Lda., não detinham uma estrutura adequada de meios para as prestações de serviços que faturaram durante o exercício de 2020 à Requerente.
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Ainda que se conceda na questão das horas trabalhadas – apenas por mera hipótese de raciocínio, atendendo ao substancial número médio de horas apurado durante um ano civil completo – o facto de não se ter demonstrado que tais Empresas detinham uma estrutura adequada para a prestação dos serviços faturados é um indício relevante da ausência da efetividade destes últimos.
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No que respeita aos serviços prestados pela B..., Lda., e ainda que as faturas mencionem o tipo de serviço prestado – consultoria imobiliária – não ficou devidamente demonstrado em que medida esse gasto deve ser imputado ao exercício de 2020, considerando que nos termos contratuais, tal serviço está relacionado com a aquisição de um terreno e essa operação apenas veio a ter lugar em 2023.
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Ficou também por esclarecer porque razão este gasto não foi contabilizado enquanto investimento em curso (conta 45 do Sistema de Normalização Contabilística). Neste caso, é entendimento do Tribunal que face aos elementos apresentados, aquele montante não reúne condições para ser custo fiscal em 2020 ou em qualquer outro exercício económico da Requerente, devendo contabilisticamente ser imputado como custo de aquisição do activo a que respeita.
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Quanto à correção operada em sede de compensação por deslocações em viatura própria pagas aos sócios gerentes da Requerente, é entendimento deste Tribunal que:
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O montante em causa não tem suporte documental credível que justifique a natureza e a subsequente contabilização feita ab initio pela Requerente;
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Não acompanhamos, assim, o referido pela Requerente no PPA de que «estas despesas da Empresa foram realizadas por compensação de utilização de viatura pessoal dos sócios-gerentes» e de que «não há dúvida sobre a substância económica do facto tributário»;
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O exercício efetuado pela AT em sede de inspeção foi suficiente para colocar em causa a credibilidade dos mapas apresentados pela Requerente. Para além de diversas incongruências entre a informação reportada nos mapas e os extractos da Via Verde para os mesmos dias – verificado em diversos meses e em relação aos 2 sócios gerentes – há a circunstância de nenhuma das viaturas indicadas nos mapas ser propriedade dos beneficiários.
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E a Requerente em sede de PPA manteve o seu entendimento de se estar perante compensação por deslocações em viatura própria, mas a falta de credibilidade dos mapas justificativos, pelos motivos já indicados, invalidam esse enquadramento, falha que apenas lhe pode ser assacada, concordando-se com a requalificação operada pela Requerida enquanto adiantamento por conta de lucros e, em consequência, com a sua sujeição a RFIRS à taxa de 28% e desconsideração do gasto de €26.130,34 em sede de IRC;
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Conforme resulta da factualidade provada, a Requerente não pagou a TA devida sobre os encargos que suportou relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, pelo que a sua sujeição a TA (€4.852,73) conforme apurado no RIT não merece censura. Acresce, aliás, referir que o n.º 3 do artigo 88.º do Código do IRC – norma que sustenta esta correção – não faz depender a mesma dos encargos que lhe estão subjacentes serem dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável.
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No que respeita às correções operadas na conta de Publicidade e Propaganda, e não obstante o protesto juntar em sede de PPA e o Despacho Arbitral nesse sentido, até à presente data não foi apresentado o documento justificativo da despesa incorrida com a SAP SMB Innovation Summit 2020, pelo que no entender do Tribunal se está na presença de uma despesa indevidamente documentada, devendo o seu gasto ser desconsiderado para efeitos fiscais, mas não ser sujeito a TA, pois o documento de suporte à despesa identifica a sua finalidade.
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Quanto ao gasto suportado pela Requerente com o ginásio a favor dos seus colaboradores, entende o Tribunal que se trata de um gasto que não reúne as condições para ser enquadrável no n.º 1 do artigo 43.º do Código do IRC, pois ainda que tenha aplicação generalizada – facto que não ficou demonstrado – é de fácil individualização e, portanto, apenas poderia ser aceite como gasto nos termos do antedito normativo se fosse tivesse sido tributado em sede de IRS. Não tendo sido esse o caso, a correção operada pela Requerida não merece reparo em sede de IRC. Em sede de IVA, entendemos que se trata de um montante não dedutível, à luz do artigo 20.º do respectivo Código.
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No conjunto das correções que fazem parte da causa de pedir mas sobre as quais a Requerente não apresentou qualquer argumento para suportar a sua contestação – e elencadas no ponto 71. – entende este Tribunal estar perante uma aceitação tácita dessas correções, nos termos do n.º 2 do artigo 574.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
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No conjunto das correcções que fazem parte da causa de pedir mas sobre as quais a Requerente não apresentou qualquer argumento para suportar a sua contestação –
elencadas no ponto 71. – entende este Tribunal estar perante uma aceitação tácita
dessas correções, nos termos do n.º 2 do artigo 574.º do CPC, aplicável ex vi alínea e)
do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
c.3) Prestação indevida de garantia
A Requerente pede a final o pagamento dos encargos suportados com a prestação de garantia indevida no âmbito do processo de execução com vista à sua suspensão e respeitante à dívida em litígio nos presentes autos. Esta matéria vem contemplada no artigo 53º da LGT e artigo 171º do CPPT. É inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até será o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação subjacente. Porém, a Requerente para além de não quantificar o valor dos encargos suportados também não fez prova sobre o tipo de garantia prestada o que impede o Tribunal de avaliar sobre o seu enquadramento pelos normativos antes referidos. Por outro lado, a Requerida refere que o processo de execução fiscal foi suspenso em virtude de Processo de Recuperação.
Face a estas circunstâncias o Tribunal considera o pedido improcedente, sem prejuízo do assunto vir a ser suscitado na execução de julgados do decido neste processo, no âmbito do processo de execução fiscal onde a garantia foi prestada e, de acordo com o nº 2 do artigo 103º da LGT, a apreciação dos atos administrativos praticados nos processos de execução fiscal pelos órgãos da administração tributária, cabe ao Juiz de Execução, termos em que consideramos improcedente o pedido.
V – DECISÃO
Decide este Tribunal Arbitral coletivo:
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Julgar procedente a inutilidade superveniente da lide na parte relativa à correção referente à TA incidente sobre despesas com creche, no montante de €6.000,00, acrescida dos juros compensatórios associados, com a consequente absolvição da Requerida dessa parte da instância arbitral, nos termos acima expostos, mas condenando-a às custas, na parte proporcional.
-
Julgar procedente o pedido arbitral quanto às seguintes matérias, determinando‑se:
-
A anulação parcial de TA (€770,00) e dos juros compensatórios, apurados proporcionalmente, sobre a despesa incorrida pela Requerente com a inscrição na SAP SMB Innovation Summit 2020;
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A anulação parcial dos juros compensatórios (€231,13) apurados sobre Pagamentos por Conta de IRC.
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Julgar improcedente o pedido arbitral quanto às restantes matérias.
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Declarar improcedente o pedido de pagamento dos encargos suportados pela Requerente no âmbito do processo de execução fiscal.
-
Condenar a Requerente e a Requerida nas custas do processo, nas percentagens de 94,41% e 5,59%, respetivamente.
VI – VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €135.614,34.
VII – CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente e Requerida nas percentagens de 94,41% e 5,59%, respetivamente.
Notifique-se.
25 de Novembro de 2024
O Árbitro Presidente,
Rui Duarte Morais
O Árbitro Adjunto,
Ricardo Gomes Pedro
O Árbitro Adjunto,
Arlindo José Francisco
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