Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 416/2024-T
Data da decisão: 2024-11-05  IRC  
Valor do pedido: € 308.877,20
Tema: CPPT e RJAT – prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral.
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SUMÁRIO:

  1. No termos do art. 10.º al. a) do RJAT, o pedido de constituição de tribunal é apresentado no prazo de 90 dias contados a partir dos factos previstos nos nº 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
  2. Sendo o objeto imediato do pedido de constituição do arbitral a decisão de indeferimento de reclamação graciosa, remetida através de correio registado simples, o prazo de 90 dias conta-se desde a respetiva notificação, que ocorre, de acordo com o n.º 1 do artigo 39.º do CPPT ex vi alínea a) do artigo 29.º do RJAT, no terceiro dia posterior ao do registo de expedição ou no primeiro dia útil seguinte a esse (se não for útil).
  3. Os poderes de cognição do tribunal são delimitados pelos factos alegados, salvo quanto a questões de conhecimento oficiosa (art. 99º, nº 1, da LGT e art. 13º, nº 1, do CPPT).

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A..., S.A., NIPC..., com sede na ... n.º..., ...-... Lisboa, veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

  • RELATÓRIO

 

  1. O Pedido

 

O Requerente peticiona a anulação parcial da decisão de indeferimento de reclamação graciosa e a anulação parcial da liquidação adicional de IRC n.º 2022 ..., referente ao exercício de 2019, bem como a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2022 ... e a demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., no que se refere à correção da retenção na fonte de IRC relativa à distribuição de rendimentos de unidades de participação de fundo de investimento imobiliário.

Está em causa uma correção à matéria coletável do Requerente (acréscimo ao rendimento tributável), aquando da receção de rendimentos em resultado da extinção de um fundo de investimento imobiliário, em valor correspondente ao IRC suportado pelo Fundo (€ 308.877,20).

Não obstante terem sido contestadas em sede de reclamação graciosa diversas outras correções, o presente pedido de pronúncia arbitral circunscreve-se apenas à referida correção. 

Consequentemente, o Requerente pede, nesta parte, a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e do respetivo ato tributário de IRC.

 

 

 

  1. O litígio

 

No ano em causa, o Requerente recebeu rendimentos resultantes da liquidação de um fundo de investimento imobiliário em que detinha participações. Tais rendimentos haviam sido tributados na esfera do fundo, de acordo com o regime legal então vigente.

O Requerente contabilizou tal rendimento pelo valor efetivamente recebido (valor líquido do imposto pago pelo fundo).

Os SIT entenderam que deveria ser aplicada a norma prevista no artigo 68.º do Código do IRC, relativa a correções nos casos de crédito de imposto e retenção na fonte, do que resultaria a inscrição como rendimento do valor bruto de tais rendimentos (incluindo o valor de imposto suportado pelo fundo).

 

  1. Tramitação processual

 

O pedido foi aceite em 26/03/2024.

Os árbitros foram nomeados pelo Conselho Deontológico do CAAD, aceitaram as nomeações, as quais não foram objeto de oposição.

O tribunal arbitral ficou constituído em 05/06/2024.

A Requerida apresentou resposta e juntou o PA.

O Requerente, apesar de notificado para tal, não replicou à matéria das exceções invocadas pela Requerida.

Por despacho de 16/09/2024, foi prescindida a realização da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT e fixado prazo para alegações. Só a Requerida apresentou alegações, reafirmando o constante do seu requerimento inicial.

 

  1. Saneamento

 

O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.

A Requerida invocou duas exceções, que adiante se analisarão, às quais a Requerente não respondeu.

Não existem outras questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

II - PROVA

 

Consideram-se provados os seguintes factos

 

  1. O Requerente é uma instituição de crédito.
  2. O Requerente declarou (declaração de substituição apresentada 18 de julho de 2021) um prejuízo fiscal de € 905.085.222,35 e imposto a pagar no montante total de € 419.694,43, valor este correspondendo a tributações autónomas líquidas de retenções na fonte.
  3. No âmbito da sua atividade, o Requerente procedeu à subscrição/aquisição de unidades de participação de B...- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado.
  4. Em 2019, o Requerente obteve rendimentos decorrentes da liquidação de tal fundo, os quais contabilizou como rendimento pelo valor recebido (valor líquido do imposto suportado pelo fundo).
  5. As importâncias em causa respeitam a rendimentos gerados até 30 de junho de 2015.
  6. O Requerente deduziu, a título de pagamento por conta, o imposto suportado pelo fundo, em função das unidades de participação por si detidas, no montante de € 308.877,20.
  7. O que fez por ter considerado aplicável o regime previsto no artigo 22.º, nº 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), na redação vigente até 30 de junho de 2015.
  8. O Requerente foi sujeito a uma ação inspetiva externa da qual resultaram diversas correções ao lucro tributável, entre as quais a ora impugnada.
  9.  Consequentemente, o Requerente foi notificado da liquidação adicional de IRC, que ora impugna parcialmente, num valor a pagar de € 10.200,91.
  10.  Em 1 de fevereiro de 2023, o Requerente procedeu ao pagamento daquele montante.
  11. A correção impugnada é resultado de os Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”) entenderem que o Requerente não procedeu corretamente ao apuramento do lucro tributável do período porquanto (citamos do RIT) «o Banco não revelou contabilisticamente

pelo valor ilíquido, nem procedeu a qualquer ajustamento extra contabilístico consubstanciado num acréscimo à matéria tributável, no quadro 07 – Apuramento do Lucro Tributável, da Declaração de Rendimentos de IRC – Modelo 22, do IRC suportado pelo fundo “B..., FIIF”, atinente à distribuição de rendimentos e posterior liquidação do fundo (com extinção de UP’s), conforme factos relatados e suportes documentais disponibilizados pelo Banco» (…) no montante de € 308.877,20, pelo facto deste não ter demonstrado que havia considerado aquele rendimento distribuído pela respetiva importância ilíquida, nos termos da aplicação conjugada do n.º 2 do art. 68.º do Código do IRC com o n.º 3 do art.º 22 do EBF, na redação vigente antes de 30 de junho de 2015”.

  • O Requerente apresentou reclamação graciosa em 12 de junho de 2023, a qual foi tramitada sob o nº ...2023... e foi expressamente indeferida por despacho notificado ao mandatário do Requerente, por carta registada, com o registo n.º RF...PT, de 19-12-2023.
  • Conforme consta da plataforma eletrónica do CAAD, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 22-03-2024.

 

 

 

II.2- Factos não provados

Não foram considerados não-provados quaisquer factos tipos por relevantes para a decisão da causa.

 

 

II. 3- Fundamentação da matéria de facto

 

Os factos dados como provados resultam da documentação junta aos autos, não tendo suscitado quaisquer divergências entre as partes.

 

III. DO DIREITO

 

 

  III.1) Da Intempestividade do Pedido de Pronúncia Arbitral

 

A Requerida alega a intempestividade do pedido arbitral sustentando que aquele foi apresentado para além do prazo legal.

 

Apreciando,

 

O Requerente refere no pedido de constituição de tribunal arbitral que foi legalmente notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contando com a “(…) dilação legal de 3 dias (…) em 25 de dezembro de 2023”. Mas não tem razão, como se demonstra de seguida.

 

Determina o artigo 39.º, n.º 1, do CPPT que as notificações efetuadas por carta registada se presumem efetuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (sublinhado nosso).

 

Portanto, estando em causa o correio registado simples, o que releva é o registo de expedição – data em que a carta dá entrada no serviço de correios.

 

Como decorre da factualidade dada como provada, na situação vertente, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada através do Ofício n.º ...-DJT/2023, de 19-12-2023, através de carta registada, sendo o número de registo que consta do respetivo envelope (junto pelo Requerente): RF ... PT.

Por consulta ao website dos CTT, em concreto, na parte da “pesquisa de objetos” utilizando o referido número de registo, resulta o seguinte:

 

 

 

 

 

Assim, a expedição da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ocorreu no dia 19-12-2023, motivo pelo qual a respetiva notificação presume-se efetuada no dia 22-12-2023 (uma sexta feira), considerada a dilação referente ao terceiro dia posterior ao do registo, presunção que não foi ilidida.

 

Foi nessa sequência que o Requerente apresentou o presente pedido de constituição de tribunal arbitral.

 

Ora, o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT estabelece:

1 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:

a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nº 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.

 

Como bem explica Carla Castelo Trindade[1], o prazo para apresentar o pedido de constituição de tribunal arbitral é um prazo substantivo, aplicando-se, para determinar o modo da sua contagem, o disposto no artigo 279.º do Código Civil. O mesmo decorre da aplicação subsidiária do artigo 20.º do CPPT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT. O que significa que o prazo de 90 dias se conta de forma contínua, não se incluindo o dia em que ocorreu a notificação, e transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte caso aquele termine a um sábado, domingo ou feriado.

 

Assim sendo, o referido prazo de 90 dias, iniciado em 23-12-2023, dia seguinte àquele em que se presume ter sido notificada a decisão, terminou no dia 21-03-2024.

Tendo a ação arbitral sido interposta em 22-03-2024, a mesma é intempestiva.

 

É verdade que desde 2013 (Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro) que o art.º 102.º
do CPPT, relativo ao prazo de apresentação da impugnação judicial tem a redação seguinte:

1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes (…)

 

Ou seja, temos duas normas dispondo diferentemente quanto ao prazo de apresentação de uma petição de impugnação em processo tributário: 90 dias (tal como previsto no RJAT) ou 3 meses (tal como previsto no CPPT).

 

Face ao disposto no CPPT, a petição inicial (ou pedido de pronúncia arbitral) deste processo seria considerada como tendo sido tempestivamente apresentada, atento o disposto no art. 279º do Código Civil[2]: um prazo de 3 meses iniciado em 23-12-2023 termina em 23 de março do ano seguinte, ou seja, no dia em que o PPA foi apresentado.

 

É altamente criticável esta previsão legal de dois diferentes prazos para a prática de um mesmo ato consoante o tribunal em que seja praticado. Mas este tribunal arbitral está obrigado a decidir consoante a lei vigente, independentemente do que considere ser a sua bondade e do que considera ser a melhor solução de iure condendo.

 

Em resumo, à luz do disposto no RJAT, a petição inicial (o pedido de constituição do tribunal arbitral) foi intempestiva; mas não seria assim caso a mesma impugnação tivesse sido apresentada num tribunal estadual.

 

Admite-se a hipótese de o sujeito passivo ter sido induzido em erro pela notificação que lhe fez a AT, nomeadamente havendo nela omissão de referência à possibilidade de apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral e indicação do prazo para tal.

A ser assim, estaríamos perante uma violação pela AT do dever de indicar os «meios de reação contra o ato notificado», tal como é exigido pelo art. 37.º, n.º 1, do CPPT. Se da notificação apenas constava, como é habitual, uma referência ao art. 102.º do CPPT, poder-se-ia entender que «a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, em virtude de a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro», em sintonia com o preceituado no art. 59.º, n. 3, al. b), do CPTA.

Todavia, mesmo sem a indicação da arbitragem tributária como meio possível de reação contra a decisão de indeferimento, o Requerente optou por esse meio. O que significa que, sem prejuízo da eventual omissão na notificação o Requerente tinha conhecimento dessa possibilidade e a exerceu, pelo que tal irregularidade da notificação deveria considerar-se sanada.

 

Ao que acresce que a existência de um erro do sujeito passivo imputável à insuficiência da notificação recebida não é algo de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.

O tribunal só pode conhecer dos vícios invocados pelas partes. Diferente é o poder-dever que ao tribunal investigar oficiosamente a factualidade suscetível de dar corpo a vícios que hajam sido alegados. Como determina o art. 99º, nº 1, da LGT, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.

 

Ora, o Requerente, apesar de expressamente alertado por duas vezes (por despacho arbitral de 16/09/2024 e, posteriormente, no despacho arbitral que determinou a produção de alegações) nada disse quanto à alegada intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, optando por não invocar quaisquer fundamentos que permitissem a sua defesa quanto a essa exceção

 

Pelo que este tribunal arbitral é obrigado, não obstante o princípio pro actione, a concluir pela  intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, o mesmo é dizer pela invocada caducidade do direito à ação, o que determina a absolvição da instância , nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 278.º, alínea e), do Código de Processo Civil, e do artigo 89.º, n.º 1, 2 e 4, al. k) do CPTA, ex vi, artigo 2.º alínea e) do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Em face do exposto, dão-se por prejudicadas as demais questões suscitadas nos presentes autos.

 

 

 

IV - DECISÃO ARBITRAL

 

Por se verificar a exceção da caducidade do direito à ação, absolve-se a Requerida da instância.

 

 

 

 

Valor: € 308.877,20 (o da correção à matéria coletável cuja anulação se requereu).

 

Custas, no montante de € 5.508,00, a cargo do Requerente por ter sido total o seu decaimento.

 

 

5 de novembro de 2024

 

 

Os árbitros

 

 

 

Rui Duarte Morais (relator)

 

 

 


Maria Antónia Torres

 

 

 


João Taborda da Gama 

 

 

 



[1] Carla Castelo Trindade, “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, Almedina, 2016 pp. 262 e 263.

[2] Art. 279º, al. c) do Código Civil: O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data;