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SUMÁRIO:
I – O princípio da liberdade contratual (artigo 405.º do Código Civil) permite a celebração de contratos atípicos ou a combinação de contratos.
II – Contratos em que a locação de um imóvel seja acompanhada pela prestação de outros serviços, anteriores, contemporâneos ou até posteriores, podem ter o seu centro gravitacional na locação ou em outro contrato, seja qual for o nomen iuris que adoptem.
III – Sendo celebrado mais do que um contrato, todos orientados para o mesmo fim ainda que sucedendo-se no tempo, o apuramento dos direitos e deveres das partes só pode ser apurado com a consideração de todos.
IV – Para distinguir, do ponto de vista da tributação em IVA, os contratos de locação de outros contratos de prestação de serviços, é corrente recorrer à noção de “paredes nuas”.
V – Nessa noção estão implícitas a ideia de que são só as utilidades proporcionadas pelo imóvel que são fornecidas e desejadas, ou a de que quaisquer outras utilidades associadas são marginais.
VI – Nos contratos de arrendamento ditos built to suit – ie, quando o que está em causa é a criação do próprio objecto da locação – a locação é derivada da criação do seu objecto e dilui-se num contrato mais amplo.
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
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No dia 19 de Fevereiro de 2024, A..., LDA, contribuinte com o NIF..., com sede na ..., ..., ..., ...-... ... (Requerente), apresentou requerimento de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT).
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Pretendia impugnar a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), respeitante ao período de Novembro de 2022 (Liquidação n.º..., de 19 de Julho de 2023, com Documento Correção n.º ...), bem como o indeferimento tácito do processo de reclamação graciosa interposta daquela liquidação.
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Nomeados os presentes árbitros, que aceitaram a designação no prazo aplicável, e não tendo a Requerente, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida), suscitado qualquer objecção, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 2 de Maio de 2024.
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Seguindo-se os normais trâmites, em 11 de Junho a AT apresentou resposta e juntou o processo administrativo (PA).
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Em 2 de Setembro, foi proferido despacho em que, entre o mais, se fixou prazo para que a Requerente esclarecesse quais os pontos da matéria de facto sobre os quais pretendia fazer ouvir as testemunhas e recolher depoimento de parte.
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Face aos esclarecimentos prestados, o Tribunal Colectivo considerou que as audições requeridas se não justificavam, pelo que, em 17 de Setembro, foi proferido despacho a, entre o mais, dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a produção de alegações.
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PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
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O tribunal arbitral foi regularmente constituído e o pedido de pronúncia contém-se no âmbito das suas atribuições.
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As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.
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O pedido de pronúncia arbitral (PPA) foi tempestivamente interposto e não foram invocadas excepções, nem o Tribunal as divisou.
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MATÉRIA DE FACTO
III.1. FACTOS PROVADOS
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A Requerente foi constituída em 1983 como Sociedade Anónima, com o capital social de € 50.000,00 e sede na Rua ... n.º...– ...-... Porto, com o objeto social de promoção de empreendimentos imobiliários, realização de projetos e engenharia, construção de imóveis (Relatório de Inspecção Tributária - RIT);
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Depois de várias vicissitudes, em 19 de Novembro de 2018 reduziu e aumentou o capital social, alterou a sua natureza para sociedade por quotas e mudou de sede (RIT);
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Em 30 de Dezembro de 2021 a sociedade aumentou o seu capital social de € 50.000,00 para € 950.000,00 (RIT);
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A Requerente encontra-se colectada, desde 11 de Abril de 2016, para o exercício da atividade principal “Promoção Imobiliária (Desenvolvimento Projeto de Edifícios)”, CAE 41100 e, desde 11 de Novembro de 2022, para o exercício de actividades secundárias de “Arrendamento de Bens Imobiliários”, CAE 068200 (RIT);
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Por se ter colectado para a prática de operações isentas nos termos dos n.os 29 e 30 do artigo 9.º do Código do IVA, a Requerente estava enquadrada no regime de isenção de IVA (RIT);
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A Requerente é proprietária de um prédio urbano com 13.413m2 /[1], inscrito na matriz predial sob o n.º ... da freguesia do ..., concelho de Vila do Conde, no qual está implantado um pavilhão industrial com 8.209m2 (RIT e contrato junto no PPA como Doc. 1);
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A Requerente celebrou com a B... SA (NIF...)[2] um contrato com 107 páginas, incluindo anexos, intitulado “CONTRATO PROMESSA DE ARRENDAMENTO URBANO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS COM PRAZO CERTO”, nos termos do qual se obrigava, até 31 de Março de 2022, a realizar um conjunto de obras no imóvel referido na alínea anterior, obter as respectivas licenças, disponibilizar nele uma série de equipamentos e assegurar os seguros especificados nesse contrato durante a vigência do contrato de arrendamento prometido (que seria celebrado por um prazo de 10 anos, ainda que pudesse ser denunciado ao fim de 5 – apenas pela arrendatária)[3] (Contrato junto no PPA como Doc. 2);
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Nos termos da sua Cláusula Terceira, “3.1. Constituem pressuposto essencial da vontade de contratar das partes, e consequentemente, constituem condições essenciais do negócio ora acordado os seguintes itens:
3.1.1. Aprovação, pela Câmara Municipal de Vila do Conde, dos processos de licenciamento em curso e referentes às obras de alteração do Edifício e à obra de infraestrutura viária, por forma a que o Edifício reúna as características técnicas, jurídicas e de lay out identificadas no ponto 1.2 da Cláusula Primeira e nos Anexos 1, 2 e 3 juntos ao presente Contrato, até 15 de fevereiro de 2022, data até à qual deverão ser obtidas as competentes licenças de construção;
3.1.2. Conclusão, pela Promitente Senhoria, das obras e trabalhos de alteração do Edifício, nas exatas condições acordadas no presente Contrato – incluindo a conclusão dos trabalhos previstos em 1.3 a) supra – e conclusão das obras de infraestrutura viária, com a respectiva recepção pela Câmara Municipal de Vila do Conde, em ambos os casos até 31 de Março de 2022;
3.1.3. Entrega do Edifício à B..., nas condições previstas no presente contrato – incluindo a colocação de racks prevista em 1.3.b) supra - até 31 de Março 2022;
3.1.4. Licenciamento da utilização do Edifício para armazém, com a emissão do competente alvará de licença de utilização e certificado energético, até 31 de Março de 2022;
3.1.5. Conclusão integral, na data de entrega do Edifício referida em 3.1.3, de todos os trabalhos envolventes ao Edifício (obras de urbanização e infraestruturas, designadamente estacionamento, circulação exterior e acessos, se aplicável), sendo a verificação desta condição da responsabilidade da Promitente Senhoria.
3.2. O prazo para obtenção das licenças de construção referidas em 3.1.1 poderá ser prorrogado por um único período de 30 (trinta) dias, não implicando tal prorrogação a alteração ou prorrogação de qualquer dos prazos estipulados em 3.1.2 a 3.1.5, que constituem datas fixas.” (Contrato junto no PPA como Doc. 2);
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Tal contrato incluía, nos termos da sua Cláusula Vigésima Quinta, abaixo reproduzida, os seguintes anexos:
“São anexos ao presente Contrato, dele fazendo parte integrante, os seguintes documentos:
Anexo 1 - Plantas do Edifício atual;
Anexo 2 - Características e especificações técnicas do Edifício;
SINTESE DA OBRA A EXECUTAR
Aspetos gerais e materiais
Reabilitação de Armazém
Rua ... ... ... Vila Do Conde
ÍNDICE
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TRABALHOS PREPARATÓRIOS
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ESTALEIRO
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ESCAVAÇÃO E MOVIMENTO DE TERRAS
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DEMOLIÇÕES
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ALVENARIAS
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REBOCOS
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REVESTIMENTOS
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CARPINTARIAS
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SERRALHARIAS DE FERRO E ALUMÍNIO
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PINTURAS
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EQUIPAMENTOS DE CASAS DE BANHO
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REDE PREDIAL DE ÁGUAS
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REDE PREDIAL DE ÁGUAS RESIDUAIS
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REDE PREDIAL DE ÁGUAS PLUVIAIS
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REDE AVAC
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ELETRICIDADE
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SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIOS
Anexo 2 A - Planta de racks e requisitos estantaria ... Portugal.
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Configurações dos sistemas de armazenamento;
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Configuração zona de armazenamento;
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Requisitos de estantaria: definições e lay-out;
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Requisitos de SHT
Anexo 2 B - Planta zona de resíduos e publicidade
Anexo 3 - Planta de layout interior
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Infratestruturas – estudos de lay-out;
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Áreas operacionais, administrativas, sociais e técnicas;
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Mapeamento geral dos fluxos físicos,
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Configuração dos sistemas de armazenamento;
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Zona de armazenamento,
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Lay-out´s 3D.”
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Antes da realização de obras, o Valor Patrimonial Tributário do imóvel referido em f) era de 3.319.880,00€, segundo a avaliação efetuada em 22 de Fevereiro de 2022, com base na Mod. 1 do IMI n.º ... - Ficha de Avaliação n.º ... (RIT);
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As obras licenciadas pela Câmara de Vila do Conde em 4 de Maio de 2022 tiveram orçamentos de € 600.000,00 (orçamento da empresa “C..., SA”) e de € 449.002,21 (orçamento da “D...ª”) (RIT);
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As obras implicaram um gasto total superior ao da soma dos dois orçamentos[4];
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Em 22 de Julho de 2022 foi celebrado um aditamento de 4 páginas ao contrato promessa de arrendamento referido em g) nos termos do qual a Requerente se comprometia a instalar no imóvel a arrendar os seguintes equipamentos adicionais:
- 650 unidades de vigas (2,7 mts);
- 220 unidades de bastidores (4,5mts);
- 220 unidades de protectores de poste;
- 1200 unidades de grades de 1,1 mts X 8,90 mts para último nível;
- 420 unidades de espaçadores entre bastidores de 3 mts. (Doc. 3 junto com o PPA);
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A última factura emitida pelos empreiteiros que realizaram as obras tem data de 11 de Agosto de 2022 (RIT);
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O único cliente da Requerente é a B... SA (NIF...), com quem em 31 de Janeiro de 2023 celebrou o CONTRATO DE ARRENDAMENTO URBANO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS COM PRAZO CERTO (E...- VILA DO CONDE) referente ao referido imóvel[5], com 102 páginas, incluindo anexos (Doc. 1 junto com o PPA);
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Nos termos do ponto 2.1. da Cláusula Segunda desse contrato, “O Edifício destina-se à instalação e operação/exploração, pela B..., de uma plataforma logística e armazém, designadamente para armazenamento de material técnico (incluindo racks), materiais de bricolage, construção, decoração e jardim, e arquivo administrativo.” (Doc. 1 junto com o PPA);
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Nos termos do ponto 1.4. da Cláusula Primeira desse contrato, “é reconhecido pelas Partes que a Senhoria deverá:
a. até ao dia 31/03/2023, executar, a expensas suas, os trabalhos e procedimentos ainda pendentes de realização/conclusão, designadamente os seguintes: - correcção ao sistema de águas pluviais, uma vez que se verifica que as águas pluviais saírem fora da caixa de visita; - ligação da chamada de emergência da casa de banho de mobilidade condicionada; - protocolo para entrega de chaves; - formação de equipamentos (cais niveladores, entre outros); - testes e ensaios de segurança.
b. até ao dia 31/5/2023, concluir as obras de infraestrutura viária, com a respectiva recepção pela Câmara Municipal de Vila do Conde, e todos os trabalhos envolventes ao Edifício (obras de urbanização e infraestruturas, designadamente estacionamento, circulação exterior e acessos, se aplicável);
c. até ao dia 31/08/2023, obter a licença de utilização referente ao Edifício;” (Doc. 1 junto com o PPA);
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Nos termos do ponto 1.5. da Cláusula Primeira desse contrato, “O não cumprimento do prazo acordado nos termos da alínea a) do ponto 1.4 antecedente fará incorrer a Senhoria na obrigação de indemnizar a B... em valor equivalente a 1/30 avos (um trinta avos) do valor de renda mensal por cada dia de atraso, computando-se o atraso por referência ao prazo aí indicado, e podendo a B..., para o efeito, proceder à compensação dos valores que desse modo vier a suportar com os montantes que vierem a ser devidos à Senhoria, a titulo de renda” (Doc. 1 junto com o PPA);
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Nos termos do ponto 1.6. da Cláusula Primeira desse contrato, “Sem prejuízo do disposto em 1.5 supra, caso os trabalhos previstos em 1.4.a) não se mostrem integralmente concluídos até 31.5.2023, poderá a B... mandar executar os trabalhos em falta, imputando o custo respectivo à Senhoria e podendo para o efeito proceder à compensação dos valores que desse modo vier a suportar com os montantes que vierem a ser devidos à Senhoria, a título de renda.” (Doc. 1 junto com o PPA);
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Nos termos do ponto 1.7. da Cláusula Primeira desse contrato, “Sem prejuízo do direito à indemnização previsto no número 1.5 anterior, caso em 01/09/2023 os trabalhos previstos em 1.4 b) ainda não se encontrem concluídos e recepcionados, nos termos aí previstos, e a licença de utilização referida em 1.4 c) ainda não se encontre emitida, ficará a B... dispensada do pagamento das rendas vincendas desde essa data (01/09/2023) até verificação integral das condições em causa.” (Doc. 1 junto com o PPA);
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Nos termos do ponto 1.8. da Cláusula Primeira desse contrato, “Sem prejuízo do disposto nos números 1.5 a 1.7 supra, caso os atrasos se prolonguem por período superior a 6 (seis) meses, a B... poderá igualmente, a qualquer momento e enquanto se verificar a situação de incumprimento, resolver o presente contrato, com o consequente direito ao ressarcimento dos danos que tal tenha causado, devidamente comprovados e fundamentados. Caso a B... não opte pela imediata resolução do Contrato, manter-se-á sempre o direito à indemnização/dispensa de pagamento de rendas previstas nos números 1.5 a 1.7 e supra, sem prejuízo de, em qualquer momento e enquanto se verificar a situação de atraso, se manter o direito à resolução.” (Doc. 1 junto com o PPA);
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Nos termos do ponto 1.9. da Cláusula Primeira desse contrato, “1.9. Não obstante o disposto no número anterior, fica assente entre as Partes que caso a licença de utilização referida em 1.4 c) não seja emitida até 31 de Dezembro de 2023 e se mostre objetivamente impossível a sua obtenção, o presente contrato cessará os seus efeitos automaticamente, ficando a Senhoria obrigada a suportar as despesas em que a B... tenha que incorrer para retirada de todo o material do Edifício, até ao montante máximo de €50.000,00 (cinquenta mil euros), e a realizar todos os esforços no sentido de ajudar a B... a encontrar um edifício alternativo, sem prejuízo do direito da B... ao ressarcimento dos demais danos que tal cessação lhe cause, devidamente comprovados e fundamentados.” (Doc. 1 junto com o PPA);
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Nos termos do ponto 1.10. da Cláusula Primeira desse contrato, “Em qualquer dos casos, a Senhoria será sempre a única e exclusiva responsável pelas consequências, pecuniárias ou de outra natureza, que decorram da falta de licença de utilização do Edifício.” (Doc. 1 junto com o PPA);
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Nos termos do ponto 1.11. da Cláusula Primeira desse contrato, “Caso as entidades competentes ordenem a interdição ou encerramento do Edifício e proíbam a operação da B... no mesmo em virtude da falta de licença de utilização, ainda que tal venha a ocorrer antes do prazo referido no número 1.4.c) supra, a B... fica dispensada do pagamento da renda mensal (dispensa que será aplicável durante o número de meses que decorram até emissão da licença de utilização) e terá direito a ser indemnizada no valor dos prejuízos comprovadamente suportados em virtude do encerramento/inibição de operação, com o mínimo de 4/30 avos (quatro trinta avos) do valor de renda mensal acordado por cada dia de encerramento do Edifício e sendo a indemnização devida até à data em que seja novamente possível à B... realizar a sua normal operação no Edifício. Caso a interdição/ encerramento se prolongue por período superior a 45 (quarenta e cinco) dias, a indemnização mínima prevista no parágrafo anterior será incrementada em 50% (cinquenta por cento). A indemnização prevista nos parágrafos antecedentes apenas será devida até um máximo de 90 (noventa dias), sendo que caso a interdição/ encerramento se prolongue por período superior a 90 (noventa) dias, o presente contrato cessará os seus efeitos automaticamente, ficando a Senhoria obrigada a suportar as despesas em que a B... tenha que incorrer para retirada de todo o material do Edifício, até ao montante máximo de €50.000,00 (cinquenta mil euros), e a realizar todos os esforços no sentido de ajudar a ...a encontrar um edifício alternativo, sem prejuízo do direito da B... ao ressarcimento dos demais danos que tal cessação lhe cause, devidamente comprovados e fundamentados” (Doc. 1 junto com o PPA);
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Nos termos do ponto 4.1. da Cláusula Quarta desse contrato, “A renda mensal devida pelo arrendamento é de € 23.000,00 (vinte e três mil euros), acrescida de IVA à taxa legal em vigor.” (Doc. 1 junto com o PPA);
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Nos termos do ponto 4.8. da Cláusula Quarta desse contrato, “A Senhoria autoriza expressamente a B... a compensar com o valor da renda ou de outras quantias por si devidas à Senhoria quaisquer montantes que tenha direito a receber da Senhoria ao abrigo do presente Contrato, como sejam, a título meramente exemplificativo, os montantes referentes a obras de conservação ou reparação que, sendo da responsabilidade da Senhoria, venham a ser custeadas pela B... .” (Doc. 1 junto com o PPA);
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Nos termos do ponto 5.1. da Cláusula Quinta desse contrato, “Os actos de conservação e manutenção do Edifício e do Prédio e bem assim as despesas inerentes a tal conservação/manutenção, serão assegurados por cada uma das Partes nos exactos termos constantes do Plano de Manutenção que constitui o Anexo 4 ao presente Contrato e dele faz parte integrante e, nos itens não especificados no mesmo, nos termos da legislação aplicável, acordando desde já as Partes que:
…
5.1.2. as reparações da estrutura, da fachada, do telhado/cobertura e de quaisquer equipamentos que façam parte integrante da estrutura do Edifício, nos termos da lei, do presente Contrato e dos Anexos que o constituem, as intervenções nas vias de acesso e no parque de estacionamento, e bem assim as demais reparações que se mostrem necessárias em virtude da verificação de defeitos de construção do Edifício serão sempre e em qualquer caso da responsabilidade da Senhoria.
5.1.3. faz parte integrante do presente contrato a colocação no Edifício, pela Senhoria, de um empilhador elétrico, o qual deverá ser disponibilizado à B... durante toda a vigência do presente contrato e cujos custos de aquisição ou aluguer e de manutenção são da responsabilidade da Senhoria, devendo esta celebrar e manter em vigor contrato de manutenção adequado. Decorridos que sejam 30 (trinta) dias após o inicio de vigência do presente contrato sem que o referido equipamento seja disponibilizado pela Senhoria, nos termos acima referidos, poderá a B... proceder ao aluguer do referido equipamento, com manutenção incluída no aluguer ou contratada separadamente, sendo os custos correspondentes da responsabilidade da Senhoria e assistindo à B... a faculdade de proceder à dedução de tais custos do valor mensal da renda devida pelo arrendamento.” (Doc. 1 junto com o PPA);
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Nos termos do ponto 6.1. da Cláusula Sexta desse contrato, “Compete à Senhoria, desde a data da entrega e durante toda a vigência do contrato, a subscrição e manutenção, em seu próprio nome, a suas expensas e junto de seguradora de reputada solvabilidade, de uma apólice de seguro referente ao Edifício, designadamente à parte estrutural do mesmo, pelo valor de reconstrução/substituição, que inclua obrigatoriamente os riscos referidos em 6.1.1 e 6.1.2.” – incluindo os primeiros “mas não se limitando aos seguintes riscos: - incêndio, trovoada, explosão, queda de aviões ou aeronaves; - danos elétricos; - ataques, movimentos populares, greves e motins; - catástrofes naturais; - danos causados pela água; - roubo e vandalismo; - fumo e colisões de veículos; - tempestades, furacões, danos decorrentes de neve, granizo e tornados; - quebra de vidros; - riscos adicionais relacionados que a Proprietária escolha ainda assegurar (por exemplo, taxas de peritos).”, e os segundos “as consequências pecuniárias da sua responsabilidade resultantes da propriedade do Edifício, da gestão e execução dos serviços coletivos e dos danos que possam ser causados pelas pessoas pelas quais é responsável e, em particular, do pessoal empregado ou subcontratado para a realização desses serviços.” (Doc. 1 junto com o PPA);
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Em 15 de Setembro de 2022, com base no contrato promessa referido em g), a Requerente solicitou a renúncia à isenção de IVA para essa operação de locação, nos termos e condições previstos nos n.os 4 e 6 do artigo 12.º do Código do IVA e no Decreto-Lei n.º 21/2007, 29 de Janeiro (RIT);
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Isso mesmo ficou consignado no Considerando D) do contrato de arrendamento mencionado em n)[6] (Doc. 1 junto com o PPA);
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O Anexo 7 desse mesmo contrato é constituído por uma cópia do Certificado emitido pelo Chefe de Finanças de ..., com data de 15 de Setembro de 2022, em que este declara que
“O presente certificado destina-se a justificar a opção pela tributação em IVA no momento da celebração do contrato, mas não produzirá efeitos se, no exercício dos seus poderes de controlo, a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA - AT apurar que não se verificaram os pressupostos legais para a renúncia à isenção.” (Doc. 1 junto com o PPA);
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Em 19 de Março de 2023, a Requerente apresentou um pedido de reembolso de IVA referente ao período de Janeiro de 2023, nos seguintes termos (RIT):
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Os SIT elaboraram o seguinte Quadro das despesas incorridas e do IVA pretendido deduzir (RIT):
As notas assinaladas na sétima coluna tinham a seguinte redacção:
“(a) No IVA deduzido o sujeito passivo, além do IVA suportados com as referidas obras de renovação do armazém, procedeu à dedução do IVA da fatura emitida pela empresa F... UNIPESSOAL LDA, NIF..., relativa à compra de painéis de cobertura, esta compra foi efetuada no ano de 2021, muito antes da licença de construção (Anexo 4).”
(b) De igual modo, o sujeito passivo “aproveitou” o mecanismo da renúncia à isenção, para indevidamente proceder à dedução das despesas com serviços de contabilidade, sendo que quando existe o pedido de renuncia à isenção só pode ser deduzido o IVA suportado na construção/renovação ou na aquisição dos imóveis.” (RIT);
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Em 20 de Abril de 2023, o representante da Requerente comunicou aos SIT, por e-mail, o seguinte: “após fazer um melhor enquadramento do arrendamento por parte da A... à B... cujo pedido de reembolso do IVA foi solicitado, consideramos que esta operação não está isenta ao abrigo do nº 29 do artigo 9º do CIVA dado que o imóvel foi construído à medida da B... "Build-to-suit", ou seja, o contrato extravasa a mera locação do imóvel, já que o referido contrato (que já esta na posse da AT) e para além de ter sido construido/adapatado com desenhos técnicos e todas as imposições por parte da B..., tais como lay-out, escritórios, cais de carga, etc, que fazem parte integrante do contrato promessa. Ou seja à sua medida, para além disso engloba outros equipamentos tais como racks, estantes, fornecimento de empilhador, manutenção de espaços bem como fornecimento de energia ((até um determinado limite). O contrato extravasa a locação pura e simples integrando outros elementos indissociáveis.
Assim, somos de opinião que a presente "locação" não está enquadrada na isenção prevista no nº 29 do artº 9º do CIVA, assim sendo o imóvel encontra-se afeto a atividade sujeita e não isenta pelo que a A... terá direito à dedução do IVA e correspondente reembolso.” (RIT);
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A Requerente não apresenta trabalhadores no seu quadro de pessoal (RIT);
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A Requerente foi objecto de acção inspectiva externa de âmbito parcial, com origem no pedido de reembolso de IVA referente ao período de Janeiro de 2023, tendo sido emitida a Ordem de Serviço n.º OI2023... dos Serviços de Inspecção Tributária (SIT), da Direcção de Finanças do Porto (RIT);
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Os SIT concluíram que a Requerente “não cumpre com uma das condições objetivas estipuladas na alínea b) n.º2 do artigo 2.º, isto é, após as obras não se verificou em acréscimo do VPT em 30%;”[7] e que “Quanto às condições subjetivas o contribuinte não cumpre com o estipulado na alínea a) do nº 1 ou no n.º 3 do artigo 3º do citado Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, ou seja 80% das operações realizadas conferirem direito à dedução ou realizar operações com imóveis com carater de habitualidade” (RIT);
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Em 29 de Junho, presumiu-se o recebimento pela Requerente da notificação electrónica do RIT, que deu origem à Liquidação n.º..., de 19 de Julho de 2023, com Documento Correcção n.º... (PA);
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Em 12 de Outubro de 2023 a Requerente interpôs reclamação graciosa (PA);
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Não se conformando com a demora na decisão do pedido de reclamação graciosa, no dia 19 de Fevereiro de 2024 a Requerente dirigiu ao CAAD requerimento de constituição de tribunal arbitral.
III.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Tendo em conta as posições de Requerente e Requerida e, consequentemente, a matéria relevante para a decisão da presente causa, não há factos não provados.
III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados resultam dos documentos disponíveis nos autos e, ou, do acordo de Requerente e Requerida.
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DIREITO
IV.1. Questões a decidir
A primeira questão a decidir é a da natureza jurídica do conjunto de contratos celebrados entre a Requerente e a B..., uma vez que é da sua conjugação que resultam os direitos e deveres das contratantes e é dessa natureza que resulta o essencial da divergência entre Requerente e Requerida[8]. Caso se conclua que se está perante um contrato de locação, como foi defendido pela Requerida, haverá que apreciar se seria possível à Requerente renunciar à isenção de IVA na execução desse contrato, como pretendeu fazer para poder obter a devolução do IVA suportado a montante.
Na eventualidade de a posição da AT ser julgada substancialmente correcta, haverá ainda que averiguar de foi suficientemente fundamentada, uma vez que a Requerente invoca que não foi.
Finalmente, como consequência do decidido haverá que apurar, como pedido, quais são “todas as consequências legais”.
IV.2. Posição da Requerente
A Requerente entendeu, essencialmente, que:
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Os contratos celebrados com a B... configuram uma operação sujeita a IVA e dele não isenta, pelo que estando o imóvel afecto a uma actividade sujeita a IVA, a Requerente tinha o direito à regularização do mesmo ao abrigo do artigo 25.º do CIVA;
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Invoca que há dois modelos de locação que ficam fora do âmbito da isenção de IVA na locação: o do “office-centre” (em que o senhorio se obriga perante o arrendatário a prestar uma certa gama de serviços – vg, limpeza, segurança, manutenção, recepção, etc –, cobrando em contrapartida um preço único) e o do “build-to-suit” (em que se constrói ou remodela um edifício à medida do futuro locatário ou adquirente adaptado à prossecução da sua atividade);
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Segundo a Requerente, “Para além das obras exigidas pelo cliente, dotou-se o imóvel com todo o lay-out, empilhadores, maquinaria, cais de carga e descarga, estantes, planos de manutenção, entre outros.”;
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“o elemento preponderante do contrato é a sua construção à medida da B..., para além de o dotar dos equipamentos que muitos fazem parte integrante da obra de construção civil, mas também de praticamente, senão todos os equipamentos específicos ao desenvolvimento à sua atividade.”;
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“a prática conhecida da Administração Tributária tem sido no sentido de aplicar a isenção apenas à locação de imóveis «paredes nuas», como se reconhece no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13-07-2021, proferido no processo n.º 1991/16.5BEPRT.”;
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“O conceito de paredes nuas não se limita ao facto da locação ser acompanhada, ou não, de bens de equipamento, mobiliário ou utensílios, estando intrinsecamente relacionado com a aptidão produtiva do imóvel, ou seja, a preparação para o exercício de uma atividade empresarial.”;
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O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) já entendeu que “deverão ser excluídos da isenção de IVA todos os contratos que se caracterizem por uma prestação de serviços conexa à fruição do imóvel, em que o senhorio não assuma uma posição meramente passiva face ao mesmo contrato.”;
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Assim, a “prestação de serviços efetuada pela Requerente à B... tem de distinguir-se das atividades que têm quer natureza e por objeto a simples colocação à disposição de um bem.”;
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Invoca que o TJUE também já entendeu, na decisão do Processo C-55/14 (Acórdão Régie communale autonome du stade Luc Varenne, de 22 de Janeiro de 2015), que
“23. O artigo 13.º, B, alínea b), da Sexta Diretiva constitui uma derrogação ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo, e os seus termos são, portanto, de interpretação estrita. Na falta de um dos requisitos enunciados no número anterior, esta disposição não pode ser aplicada por analogia com fundamento em que é a uma locação na aceção desta disposição que se assemelha mais a utilização do bem imóvel em causa (v., neste sentido, Acórdão Medicom e Maison Patrice Alard, EU:C:2013:479, n.º 27).”,
e que
“Para apreciar se uma determinada convenção responde a esta definição, devem tomar se em consideração todas as características da operação e as circunstâncias em que se desenvolve. A este respeito, o elemento decisivo é a natureza objetiva da operação em causa, independentemente da qualificação que lhe atribuem as partes (Acórdão MacDonald Resorts, C 270/09, EU:C:2010:780, n.º 46 e jurisprudência referida) (n.º 23).”;
-
Assim, “infere-se com segurança dos termos do contrato que o seu elemento essencial, sem o qual a locação não ocorreria, é a construção do edifício com as características pretendidas pelo cliente, sendo a essencialidade desse elemento que explica todas as possibilidades de intervenção do cliente, dando especificações, instruções e orientações técnicas sobre a construção que “considerar necessárias para a instalação do seu negócio no espaço locado” e que obrigatoriamente têm de ser acatadas pela Requerente, como resulta da cláusula 9.3 do contrato promessa de arrendamento.”;
-
De resto, o entendimento da AT em casos análogos foi o seguinte:
- Informação Vinculativa/Ficha Doutrinária de 24-08-2017, processo n.º 12097 da Direcção de Serviços do IVA
“21. Efetivamente, dificilmente se aceitaria que um contrato como o apresentado pela Reclamante, associado à adequação estrutural e técnica e à disponibilização de meios específicos, confira à proprietária do imóvel uma atitude passiva, limitada à mera disponibilização do gozo do bem.”
(...)
24. Nestes termos, conclui-se que o contrato que titula a locação em apreço não se subsume em mero arrendamento do imóvel, revestindo uma natureza mista, composta, de forma indissociável e interdependente, pela construção e posterior locação de um imóvel e de um conjunto de bens corpóreos imprescindíveis ao exercício da atividade da locatária (adequado à instalação de um estabelecimento comercial, dois parques de estacionamento e as respetivas vias de acesso) sem a qual, por vontade expressa das partes, a disponibilização do imóvel não subsistiria, pelo que a operação, no todo, configura uma prestação de serviços sujeita a IVA e dele não isenta.”;
- Informação Vinculativa/Ficha Doutrinária, Diploma: CIVA, Artigo: al c) do n.º 1 do artigo 18.º, no Processo: n.º 16664, por despacho de 24 de Janeiro de 2020, da Directora de Serviços do IVA (por subdelegação):
“37. A jurisprudência comunitária considera, assim, que a isenção em apreço apenas abrange a mera colocação do imóvel à disposição do cliente, em contrapartida de uma retribuição, não sendo acompanhada de qualquer prestação de serviços que extravase a locação; para efeitos desta isenção, esta operação deve consubstanciar-se, essencialmente, na colocação passiva do imóvel à disposição do cliente ligada ao mero decurso do tempo e que não gere valor acrescentado significativo.”;
-
O facto de a Requerente ter apresentado um pedido de renúncia à isenção “não invalida o correto enquadramento da operação, sendo esta sujeita e não isenta de IVA, pelo que o seu diferimento do pedido de reembolso deve ser observado”;
-
“a Requerente tem todo o direito de regularizar a seu favor o IVA suportado, sendo que a mesma deve ser efetuada por regularização do mesmo (ao abrigo do artº 25º do CIVA) aquando da utilização dos bens móveis e ocupação dos bens imóveis que ocorreu a partir de dia 1 de fevereiro de 2023.”;
-
“Assim sendo, poderá regularizar o IVA a 100%, ou seja, na proporção de 5/5 anos (100%) para os bens móveis e de 20/20 anos (100%) para os bens imóveis, já que o imóvel foi afeto a uma atividade sujeita e não isenta de IVA.”;
-
“Não sendo necessária uma alteração “de” atividade conforme Acórdão do CAAD Arbitragem Tributária, Processo n.º: 794/2014-T, mas apenas uma alteração “da” atividade.”, como aí se escreveu: “Entende-se que o artigo 25.º nº 1, alínea b) do CIVA aplicável abrange a alteração da atividade exercida pelo sujeito passivo, de isenta para sujeita a IVA”;
-
Em todo o caso, porque a AT se teria limitado “a emitir considerações genéricas, assentes não nas orientações que tem e devia seguir, mas sim em conceitos padronizados, não aplicáveis ao caso concreto, porque mal interpretados.”, “não estão os atos tributários devidamente fundamentados no que respeita aos requisitos legais que lhe permitem o corte do direito à dedução do imposto, tendo incorrido em vício de falta de fundamentação, violando o disposto nos artigos 77º da LGT e 125º do CPA.”;
-
Termina invocando diversa jurisprudência e doutrina sobre os contornos do dever de fundamentação que impende sobre a AT e pedindo que seja “decretada a anulação dos atos tributários com todas as consequências legais”.
IV.3. Posição da Requerida
Em contrapartida a Requerida entendeu, em Resposta, acompanhando o RIT, que:
-
“os SIT, na sequência do procedimento inspetivo, concluíram que a locação ora em análise, por se tratar da mera colocação do imóvel à disposição do cliente, em contrapartida de uma retribuição, não sendo acompanhada de qualquer prestação de serviços que extravase a locação, é uma operação isenta de IVA, ao abrigo do disposto na alínea 29) do artigo 9.º do Código do IVA.”;
-
O destino fixado para o imóvel no ponto 2.1. da Cláusula Segunda (“O edifício destina-se à instalação e operação/exploração, pela B..., de uma plataforma logística e armazém, designadamente para armazenamento de material técnico (incluindo racks), materiais de bricolage, construção, decoração e jardim, e arquivo administrativo.”), a repartição de despesas de seguros e manutenção, implicam, segundo a AT, que se está perante um contrato de arrendamento, ie, “uma locação de bens imóveis que beneficia da isenção da alínea 29) do artigo 9.º do Código do IVA, na medida em que a locação em apreço não é acompanhada de outro tipo de serviços a prestar pela Requerente, na qualidade de Senhoria”;
-
“sem prejuízo das obras de construção adaptáveis à arrendatária (B...), estamos perante um contrato com as seguintes características:
a) Colocação passiva do imóvel à disposição do arrendatário;
b) Não associação de outras prestações de serviços além dos trabalhos e obras durante um determinado prazo (vide ponto 1.4. da Cláusula Primeira do contrato).”;
-
Depois de transcrever extensamente a Informação Vinculativa n.º 16068, de 20 de Setembro de 2019, da Directora de Serviços do IVA, que, aliás, “dá, para todos os efeitos, por integralmente reproduzida.”, a Resposta reconhece que “a AT está obrigada, se necessário for, a rever as suas orientações genéricas e a acolher os entendimentos constantes da jurisprudência não só dos tribunais superiores portugueses, mas também do TJUE, em conformidade com o artigo 68.º-A, n.º 4 da LGT.”;
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E reconhece também que “conforme jurisprudência constante do TJUE, em determinadas circunstâncias, várias operações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e, de dar, assim, lugar, em cada caso, à tributação ou à isenção, devem ser consideradas uma operação única quando não sejam independentes (vide, neste sentido Acórdão de 17 de janeiro de 2013, BG Leasing, C-224/11).”;
-
Explicitando assim tal posição do TJUE:
- “está em causa uma operação única, nomeadamente, quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um caráter artificial.”;
- “Decorre da jurisprudência do TJUE que, na factualidade objeto dos presentes autos, está em causa uma operação única, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um caráter artificial e que, no entender dos SIT, consiste na atividade de arrendamento dos imóveis, cujos serviços de construção estão estreitamente conexos.”;
- “a locação «chave na mão» equivale a uma situação em que, objetivamente, no plano económico, um bem imóvel dado para locação forma um todo com as prestações que o acompanham, sendo que estas últimas podem ser consideradas uma prestação única junto com a locação (vide, Acórdão de 16 de abril de 2015, Wojskowa Agencja, C-42/14, n.º 42)”;
-
Acrescenta que, além de estar “obrigada, nos termos do ponto 5.1.3. da Cláusula Quinta, à colocação no Edifício de um empilhador elétrico”, “de acordo com os termos contratuais, os únicos serviços que a Requerente se obrigou com o arrendamento estão contemplados no ponto 1.4. da Cláusula Primeira do contrato e, dizem respeito:
a) À execução dos trabalhos e procedimentos ainda pendentes de realização/conclusão;
b) À conclusão das obras de infraestrutura viária e todos os trabalhos envolventes ao Edifício;
c) A obtenção da licença de utilização referente ao Edifício.”;
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Ora, “a locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa está excluída de isenção, precisando o TJUE, no entanto que, se estes últimos não puderem ser dissociados da cedência dos referidos bens imóveis, antes fazendo parte integrante da mesma, estamos perante uma prestação única na qual a colocação à disposição dos bens imóveis é a prestação principal, beneficiando de isenção de imposto (vide, Acórdão de 28 de fevereiro de 2019, Manuel Jorge Sequeira Mesquita, C-278/18”;
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Pelo que entende a AT que “a locação do imóvel deve ser considerada a prestação principal relativamente à qual as outras prestações são meramente acessórias.”;
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Sendo que “esta era a posição inicial do contribuinte tendo, por esse facto, desencadeado o mecanismo de renúncia à isenção de IVA, requerendo a indispensável certidão de renúncia.”;
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“o exercício da opção pela tributação, em resultado da renúncia à isenção prevista nos n.ºs 4 e 5, do artigo 12.º do Código do IVA, obedece, em conformidade com o estipulado no n.º 6 do referido artigo, aos termos e condições estabelecidos em legislação especial, ou seja, ao disposto no Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, que aprovou e publicou em anexo o "Regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis"”;
-
“Para renunciar à isenção do IVA, é necessário obter, previamente, o certificado de renúncia à isenção, para além de ter que existir comprador ou locatário conhecido, o qual vai confirmar os dados constantes do referido certificado.”;
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Ora, os SIT “após analisarem os elementos necessários ao enquadramento da situação, nomeadamente, contrato do arrendamento, fatura da renda, modelo 1 de IMI apresentada no final das obras e certificado de renúncia de renúncia à isenção do IVA da locação do imóvel, concluíram que a Requerente:
a) Não cumpre com uma das condições objetivas estipuladas na alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º do Regime de Renúncia, isto é, após as obras não se verificou um acréscimo do VPT em 30%;
b) Não cumpre com o estipulado na alínea a) do n.º 1 ou no n.º 3 do artigo 3.º do Regime de Renúncia, quanto às condições subjetivas, ou seja, o conjunto das operações que pratica não conferem direito à dedução superior a 80% do total do volume de negócios ou realiza operações com imóveis com caráter de habitualidade.”;
-
Acresce que “o direito de renúncia à isenção previsto no artigo 12.º do Código do IVA «(…) não consubstancia uma alteração de atividade que possibilite a dedução do imposto nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 25º do mesmo código, sendo que o sujeito passivo continuou coletado para o exercício das atividades “PROMOÇÃO IMOBILÁRIA (DESENVOLVIMENTO PROJECTOS EDIFÍCIOS) e ARRENDAMENTO DE BENS IMOBILIÁRIOS”, ambas enquadradas no regime de isenção ao abrigo do artigo 9.º do CIVA, não se verificando desse modo qualquer alteração para o exercício de uma atividade sujeita”»”;
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Pelo que, segundo a AT, “não tem aplicação ao caso ora em análise o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 25.º do Código do IVA, porquanto a Requerente não passou a praticar a operações sujeitas que conferissem direito à dedução, continuando, antes, coletada para o exercício das atividades que acima se referiram, ambas enquadradas na isenção ao abrigo do artigo 9.º do Código do IVA.”;
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Finalmente, quanto à alegada falta de fundamentação do acto de liquidação, invocou a AT que ela tinha sido compreensível, suficiente e congruente, e tinha sido plenamente compreendida pela Requerente, que “nos Artigos 8.º, 9.º e 36.º, (…) expõe claramente, e por palavras suas, o «raciocínio lógico» da AT”.
IV.4. Decidindo
Como se referiu acima, a questão-chave dos autos é a natureza jurídica do conjunto de contratos celebrados entre a Requerente e a B..., já que o essencial da divergência entre Requerente e Requerida depende do enquadramento dos direitos e deveres dessas contratantes como um contrato de arrendamento – em princípio isento de IVA – ou como um contrato atípico de prestação de serviços – em princípio sujeito a IVA[9]. Ora, restringir tais direitos e deveres da Requerente e da B..., como pretende a AT, aos que resultam apenas do último contrato celebrado – que é um contrato de arrendamento, não obstante das suas 102 páginas só 20 serem referentes à locação – não é metodologicamente adequado: face ao princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º do Código Civil, quando se torna necessário qualificar um conjunto de prestações que se integram em diferentes tipos contratuais algumas prestações (ou contratos) atraem outras/outros para a sua órbita[10].
Embora a AT tenha reconhecido na sua Resposta que “A leitura do contrato é suscetível de constituir um indício importante da razão económica e interesse das partes (vide, neste sentido Acórdão de 17 de janeiro de 2013, BG Leasing, C-224/11).”, reduziu esse contrato ao de arrendamento, obnubilando o contrato promessa e o seu aditamento. Aliás, é por causa desse estreitamento de horizonte que a Resposta da AT chega a identificar, além do fornecimento de um empilhador eléctrico, como “únicos serviços que a Requerente se obrigou com o arrendamento”[11] aquelas situações em que esta se encontrava em incumprimento das obrigações que assumira no contrato promessa.
Ora, considerar que as obrigações assumidas perante o locatário são apenas aquelas em que o senhorio se encontrava em incumprimento no momento da celebração do contrato prometido (e que inexistiam, portanto, aquelas obrigações que foram atempadamente cumpridas e que foram a própria causa de tal contrato[12]) é uma abordagem que o presente Tribunal arbitral não pode aceitar.
É evidente – e foi implicitamente reconhecido pela AT – que a Requerente e a B..., partes nesse contrato de arrendamento comercial, mantinham entre si (como resulta do contrato promessa celebrado a 1 de Fevereiro de 2022 e do respectivo aditamento, celebrado a 22 de Julho de 2022) um outro conjunto de relações contratuais que interferiam na configuração dos elementos essenciais do contrato de locação:
- quer no que diz respeito à criação do objecto a locar (que era manifestamente diferente do que existia antes, como decorre da dimensão das obras que foram pretendidas pela B... e realizadas pela Requerente, e como resultava expressamente da Cláusula Terceira do Contrato Promessa de Arrendamento Urbano para fins não habitacionais com prazo certo[13]);
- quer no que diz respeito à calendarização da disponibilização das várias componentes físicas e legais desse objecto[14] (reforçada pelas minuciosas cláusulas penais do contrato promessa[15] e nas do contrato de locação[16]);
- quer no que diz respeito à contrapartida monetária da disponibilização do contratado (e que, no que diz respeito ao acréscimo de € 2.000,00 mensais – dos € 21.000,00 constantes no n.º 1 da Cláusula Nona do Contrato Promessa celebrado em 1 de Fevereiro de 2022 para os € 23.000,00 que passaram a constar dessa mesma disposição em resultado do Aditamento de 22 de Julho desse ano – parecem ter fundamento exclusivo nas prestações suplementares da Requerente que foram introduzidas neste[17]).
Assim, a mais de a mera consideração integrada dos instrumentos contratuais celebrados entre a Requerente e a B... evidenciar um conjunto de direitos e deveres que exorbitam claramente do figurino do contrato de locação (tal como entendido pela jurisprudência da União), é igualmente claro que a própria AT tem entendido – designadamente nas Informações Vinculativas invocadas pela Requerente – que situações análogas às do presente caso não configuram, ao contrário do que aqui entendeu, meros contratos de locação.
Na Informação Vinculativa emitida no Processo n.º 12097[18], com despacho de 24 de Agosto de 2017 da Directora de Serviços do IVA, escreveu-se o seguinte:
“8. Com efeito, a definição legal de locação, contida no art. 1022.º do Código Civil é "o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição", sendo qualificada como "arrendamento quando versa sobre coisa imóvel" - cfr. art. 1023.º do mesmo Código.
(…)
10. Por outro lado, a própria noção exige o estabelecimento de uma fronteira entre a mera disponibilização do imóvel nas condições referidas e uma eventual disponibilização do mesmo acompanhada de outros elementos, constitutivos do contrato ou contratados complementarmente, sob pena de, a pretexto da criação de condições favoráveis à concretização do negócio, se desvirtuar a caracterização da operação, assimilando nestas locações de natureza comercial ou industrial que não se enquadram no objetivo da isenção.
(…)
14. A locadora realizou (a encargo seu) obras de construção de estrutura e telhados, parques de estacionamento e acessos, mobiliário urbano exterior e instalação de ramais de água, luz e gás, tudo de acordo com os interesses e conveniências da locatária.
(…)
21. Efetivamente, dificilmente se aceitaria que um contrato como o apresentado pela Requerente, associado à adequação estrutural e técnica e à disponibilização de meios específicos, confira à proprietária do imóvel uma atitude passiva, limitada à mera disponibilização do gozo do bem.
(…)
24. Nestes termos, conclui-se que o contrato que titula a locação em apreço não se subsume em mero arrendamento do imóvel, revestindo uma natureza mista, composta, de forma indissociável e interdependente, pela construção e posterior locação de um imóvel e de um conjunto de bens corpóreos imprescindíveis ao exercício da atividade da locatária (adequado à instalação de um estabelecimento comercial, dois parques de estacionamento e as respetivas vias de acesso) sem a qual, por vontade expressa das partes, a disponibilização do imóvel não subsistiria, pelo que a operação, no todo, configura uma prestação de serviços sujeita a IVA e dele não isenta.”
E na Informação Vinculativa emitida no Processo n.º 16664[19], com despacho de 24 de Janeiro de 2020 da Directora de Serviços do IVA, escreveu-se:
“37. A jurisprudência comunitária considera, assim, que a isenção em apreço apenas abrange a mera colocação do imóvel à disposição do cliente, em contrapartida de uma retribuição, não sendo acompanhada de qualquer prestação de serviços que extravase a locação; para efeitos desta isenção, esta operação deve consubstanciar-se, essencialmente, na colocação passiva do imóvel à disposição do cliente ligada ao mero decurso do tempo e que não gere valor acrescentado significativo.
38. São, assim, de excluir da isenção todas as situações que, apesar de partilharem alguns dos elementos essenciais do contrato de locação mencionados supra, caraterizam-se fundamentalmente por integrarem outras prestações de serviços conexas à fruição do imóvel e que implicam uma exploração ativa dos bens imóveis, para além do simples gozo temporário do bem, que impliquem a desconsideração da locação como operação principal.”.
É verdade que neste último caso a Requerente visava proporcionar, depois, um serviço integrado aos seus locatários, mas a articulação temporal dos serviços com a disponibilização do locado não pode ser decisiva: não é certamente por os serviços conexos serem posteriores à celebração do contrato de locação que esta é absorvida por eles, tal como não é por os serviços conexos serem anteriores à celebração do contrato de locação que esta os absorve. Ora, “serviços de Concièrge, …, serviços de utilização de espaços verdes exteriores em zonas comuns do ("xxx"), serviços de utilização de zonas comuns do ("xxx"), serviço de higiene e limpeza em zonas comuns do ("xxx")” – que eram alguns dos invocados no caso que levou a esta Informação Vinculativa – não podem ser tidos como mais relevantes do que os de disponibilização antecipada de um empilhador, racks e um cantilever com 120m[20], ou, também por exemplo, a demolição de todas as paredes interiores do armazém pré-existente[21], a alteração de pavimentos interiores[22] e exteriores[23], a realização de obras de serralharia[24], electricidade[25] e estanteria[26] tudo conforme especificações do futuro arrendatário do espaço.
Nesta lógica, faz todo o sentido que se tenha desenvolvido a dicotomia “office-centre” (em que o dono do imóvel presta ao seu locatário uma certa gama de serviços – vg, limpeza, segurança, manutenção, recepção, etc –, cobrando em contrapartida um preço único) e “build-to-suit” (em que o dono do imóvel constrói ou remodela um edifício à medida da prossecução da atividade do seu futuro locatário ou adquirente) e que, portanto, o critério da disponibilização do imóvel “paredes nuas” seja adequado para fazer a triagem tanto de um como do outro tipo de situações[27]. De facto, parece evidente que prestações anteriores à locação podem bem ser, a priori, de muito maior relevo do que as que lhe são contemporâneas e, portanto, se estas podem ser suficientes para diluir numa relação mais complexa a mera disponibilização do locado, também aquelas o poderão fazer.
No mesmo sentido, na decisão do Processo n.º 302/2021-T do CAAD, num caso em que havia importantes pontos de contacto com os dos presentes autos[28], escreveu-se, designadamente, o seguinte:
“À face do artigo 4.º, n.º 1, do CIVA, «são consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens».
No entanto, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 29, do CIVA, a locação de bens imóveis está isenta de IVA, salvo nas situações descritas nas suas alíneas a) a e), nos seguintes termos:
Artigo 9.º
Isenções nas operações internas
Estão isentas do imposto:
(...)
29) A locação de bens imóveis. Esta isenção não abrange:
a) As prestações de serviços de alojamento, efectuadas no âmbito da actividade hoteleira ou de outras com funções análogas, incluindo parques de campismo;
b) A locação de áreas para recolha ou estacionamento colectivo de veículos;
c) A locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa, bem como qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial;
d) A locação de cofres-fortes;
e) A locação de espaços para exposições ou publicidade;
No Direito Nacional, o conceito de contrato de locação é definido no artigo 1022.º do Código Civil, em que se estabelece que «locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição».
Este conceito é também o que deve ser utilizado para efeitos de Direito da União Europeia, designadamente da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que prevê esta isenção na alínea l) do n.º 1 do artigo 135.º, que corresponde ao artigo 13.º B) alínea b) da Sexta Directiva, como pode ver-se pelo acórdão Régie communale autonome du stade Luc Varenne, de 22-01-2015, processo n.º C-55/14, em que se refere:
22 Importa recordar também que, para haver locação de um bem imóvel na aceção do artigo 13.º, B, alínea b), da Sexta Diretiva, importa que estejam reunidos todos os requisitos que caracterizam esta operação, ou seja, que o proprietário de um imóvel tenha cedido ao locatário, contra uma renda e por um prazo convencionado, o direito de ocupar o seu bem e de dele excluir outras pessoas (acórdão Medicom e Maison Patrice Alard, C 210/11 e C 211/11, EU:C:2013:479, n.º 26 e jurisprudência referida).
Por outro lado, como o TJUE tem entendido, a isenção de IVA prevista para a locação de imóveis é de interpretação estrita, não podendo ser aplicada por analogia, como se refere no citado acórdão do processo C-55/14:
23 O artigo 13.º, B, alínea b), da Sexta Diretiva constitui uma derrogação ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo, e os seus termos são, portanto, de interpretação estrita. Na falta de um dos requisitos enunciados no número anterior, esta disposição não pode ser aplicada por analogia com fundamento em que é a uma locação na aceção desta disposição que se assemelha mais a utilização do bem imóvel em causa (v., neste sentido, acórdão Medicom e Maison Patrice Alard, EU:C:2013:479, n.º 27).
A justificação da isenção prevista para a locação de imóveis é esta ser habitualmente uma actividade passiva, que não gera um valor acrescentado significativo, como se refere, entre outros, no acórdão do TJUE Sequeira Mesquita, de 28-02-2019, processo C-278/18:
19 O Tribunal de Justiça também precisou que a isenção prevista no artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva se explica pelo facto de a locação de bens imóveis, embora sendo uma atividade económica, constituir habitualmente uma atividade relativamente passiva, que não gera um valor acrescentado significativo. Tal atividade deve assim distinguir-se de outras atividades que têm quer a natureza de negócios industriais e comerciais, como as abrangidas pelas exceções referidas nos n.ºs 1 a 4 desta disposição, quer um objeto que se caracteriza melhor pela realização de uma prestação do que pela simples colocação à disposição de um bem, como o direito de utilizar um campo de golfe, o direito de atravessar uma ponte mediante o pagamento de uma portagem ou ainda o direito de instalar máquinas de venda automática de tabaco num estabelecimento comercial (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de outubro de 2001, «Goed Wonen», C-326/99, EU:C:2001:506, n.ºs 52 e 53, e de 18 de novembro de 2004, Temco Europe, C-284/03, EU:C:2004:730, n.º 20).
Como também refere o TJUE no citado acórdão do processo º C-55/14:
Para apreciar se uma determinada convenção responde a esta definição, devem tomar se em consideração todas as características da operação e as circunstâncias em que se desenvolve. A este respeito, o elemento decisivo é a natureza objetiva da operação em causa, independentemente da qualificação que lhe atribuem as partes (acórdão MacDonald Resorts, C 270/09, EU:C:2010:780, n.º 46 e jurisprudência referida)(n.º 23)
No caso em apreço, tendo em atenção todas as características da operação em causa, afigura-se claro que o contrato que consta dos autos, apesar da designação «Contrato de Arrendamento Industrial», não é um contrato de locação, para efeitos da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, mas, antes, um contrato do tipo build to suit, um contrato atípico que reúne obrigações e direitos típicos de um contrato de empreitada e direitos e obrigações típicas de um contrato de locação de imóveis, sendo o primeiro claramente predominante, como se refere no Parecer da Senhora Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, junto ao pedido de pronúncia arbitral.
Na verdade, a Requerente não se obriga no contrato a uma mera disponibilização de um edifício ao seu cliente, assumindo uma postura meramente passiva, antes assume perante este o encargo de construir um edifício e de o equipar satisfazendo todas as pretensões do seu cliente e de forma a este poder iniciar a sua actividade industrial sem quaisquer alterações ao edifício, limitando-se, a nível de equipamento, a ter de lá colocar as suas máquinas, como resulta da prova testemunhal.”.
Concluindo-se, aqui como ali, que do conjunto de direitos e obrigações assumidos pela Requerente e pela B... resulta o enquadramento das suas relações num contrato complexo de prestação de serviços, por isso mesmo sujeito a IVA – e, portanto, resolvida a favor da posição da Requerente a primeira questão jurídica suscitada nos autos –, fica obviamente prejudicada a questão da averiguação dos requisitos da renúncia à isenção de IVA na execução desse contrato e, com isso, uma parte da argumentação da AT[29].
O mesmo se diga da invocada falta de fundamentação dos actos tributários[30].
*
Resta apurar quais são “todas as consequências legais” da anulação dos actos de liquidação e indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada – na parte em que dependiam da classificação do contrato celebrado entre a Requerente e a B... como um contrato de arrendamento (todas as despesas elencadas no Quadro constante da alínea gg) dos Factos Provados, com a excepção das que estavam assinaladas com notas a) e b)). Como se viu, a Requerente não alegou ter feito qualquer pagamento decorrente da liquidação impugnada (resultando do RIT que lhe foi recusado o reembolso “solicitado na declaração relativa ao período de 2023.01, no montante de 280.000,00€”). Em boa verdade, nem podia tê-lo feito, porque a liquidação em causa correspondeu materialmente, apenas, a uma negação do crédito de imposto reclamado (“O crédito do imposto que resulta a favor da Requerente, no montante de 309.132,44€ e que resultou no pedido de reembolso de 280.000,00€, decorre das obras efectuadas no citado prédio urbano/pavilhão”, como escreveu a Requerente no PPA).
*
Uma última palavra: a AT considerou ainda, como se deixou consignado, que “não tem aplicação ao caso ora em análise o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 25.º do Código do IVA[31], porquanto a Requerente não passou a praticar a operações sujeitas que conferissem direito à dedução, continuando, antes, coletada para o exercício das atividades que acima se referiram, ambas enquadradas na isenção ao abrigo do artigo 9.º do Código do IVA.”.
Acontece que tal alegação não é relevante para o que está aqui em análise, que é apenas a Correcção de IVA com o n.º ..., no valor de € 306.487,44, e a subsequente liquidação adicional com o n.º ... (bem como o indeferimento tácito da respectiva Reclamação Graciosa), não o reconhecimento do direito de a Requerente proceder à recuperação do IVA incorrido nas obras realizadas (embora, mercê da previsão contratual e da certificação feita pelo Chefe de Finanças de ..., a realidade dos factos tenha sido a de que a Requerente emitiu facturas com IVA desde o início da vigência do contrato de arrendamento celebrado com a B... e, portanto, não se possa dizer, como alegado pela AT, que, porque “o sujeito passivo continuou coletado para o exercício das atividades “PROMOÇÃO IMOBILÁRIA (DESENVOLVIMENTO PROJECTOS EDIFÍCIOS) e ARRENDAMENTO DE BENS IMOBILIÁRIOS”, ambas enquadradas no regime de isenção ao abrigo do artigo 9.º do CIVA, não se verific[ou] desse modo qualquer alteração para o exercício de uma atividade sujeita”).
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DECISÃO
Assim, nos termos e com os fundamentos expostos, decide o presente Tribunal Arbitral:
a) Julgar precedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, anular a liquidação de IVA n.º... no que diz respeito às despesas incorridas pela Requerente que constam do Quadro reproduzido na alínea gg) dos Factos Provados, com excepção das que estão assinaladas com uma nota na sétima coluna, bem como, com a mesma ressalva, anular o indeferimento tácito da reclamação graciosa interposta dessa liquidação;
b) Condenar a AT e a Requerente nas custas do processo, atenta a percentagem do respectivo decaimento, que se fixa em 96% para a AT (decorrentes da soma – € 293,891,25 – de todos os valores de IVA nas despesas não assinaladas com notas no Quadro reproduzido na alínea gg) dos Factos Provados) e em 4% para a Requerente (decorrentes da soma – € 12.596,19 – de todos os valores de IVA nas despesas assinaladas com notas no Quadro reproduzido na alínea gg) dos Factos Provados).
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VALOR DO PROCESSO
Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária - RCPAT), fixa-se o valor do processo em € 306.487,44 (trezentos e seis mil, quatrocentos e oitenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos).
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CUSTAS
Custas no montante de € 5.508,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I do RCPAT e do disposto no seu artigo 4.º, n.º 5, e nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, a cargo da Requerida no montante de € 5.287,68 (cinco mil, duzentos e oitenta e sete euros e sessenta e oito cêntimos) e da Requerente no montante de € 220,32 (duzentos e vinte euros e trinta e dois cêntimos), em conformidade com os valores do decaimento.
Notifique.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2024
O árbitro presidente e relator
Victor Calvete
O árbitro adjunto
Martins Alfaro
A árbitro adjunta
Maria da Graça Martins
A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 excepto em transcrições que o sigam.
[1] No Contrato promessa de arrendamento (junto no PPA como Doc. 2) a área do terreno que era indicada era menor: 12.577m2.
[2] A cópia do contrato promessa junta no PPA como Doc. 2 não tem data. O aditamento a esse contrato (junto no PPA como Doc. 3) refere no Considerando A) que tal contrato promessa foi celebrado em 1 de Fevereiro de 2022, mas no n.º 2 da sua Cláusula 3.ª referia-se ao “Contrato Promessa de Arrendamento para fins Não Habitacionais com Prazo Certo celebrado em Abril de 2022 e que ora se adita”. O Considerando A) do contrato prometido (junto no PPA como Doc. 1), celebrado com data de 31 de Janeiro de 2023, também atribui ao contrato promessa a data de 1 de Fevereiro de 2022.
[3] Na Cláusula Quinta do contrato promessa celebrado entre a Requerente e a B... em 1 de Fevereiro de 2022, previa-se a possibilidade de a arrendatária denunciar o contrato de arrendamento a partir do seu quinto ano, mediante pagamento de uma indemnização de € 180.000,00. No aditamento celebrado em 22 de Junho, tal montante indemnizatório foi suprimido.
[4] Segundo o RIT, tais obras custaram € 1.277.790,00. A Requerente invoca que “entre obras e equipamentos para dotar o edifício com os requisitos necessários à presente locação” gastou mais de € 1.600.000,00, juntando uma listagem de facturas e as ditas (mas onde se incluem serviços de contabilidade e de solicitadoria, ainda que de montantes relativamente insignificantes).
[5] No RIT, a data referida é 1 de Fevereiro de 2023.
[6] Cuja redacção é a seguinte:
“D) As partes sujeitam o presente contrato à renúncia ao regime de isenção, nos termos seguintes:
- Estando este contrato de arrendamento isento ao abrigo dos nº. 29 do artigo 9º do Código do IVA, o presente arrendamento ficará sujeito à renúncia ao regime de isenção do IVA nas transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelos nº. 29 do artigo 9º do Código do IVA, prevista nos nºs. 4 a 6 do artigo 12º do Código do IVA e Decreto-Lei nº 21/2007, de 29 de janeiro, assegurando, desde já os contraentes, que serão preenchidos todos os requisitos aí constantes para o seu exercício, nomeadamente os que constam do nº 1 do artigo 2º do Regime da Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, que constitui Anexo ao referido Decreto-Lei nº 21/2007, de 29 de janeiro, pelo que ao valor da renda será acrescido o IVA à taxa legal em vigor. Declara ainda a arrendatária que consentirá e aceitará no site da AT o pedido de renúncia ao regime de isenção que será solicitado pela Senhoria para a emissão do respetivo certificado de renúncia ao regime de isenção. O certificado de renúncia ao regime de isenção para o presente contrato de arrendamento fica aqui em anexo e fará parte integrante do mesmo.”.
[7] Na verdade, tal conclusão não era material, mas sim formal: dependia do incumprimento, por parte da Requerente, do procedimento formal de obtenção de uma nova avaliação, como foi reconhecido na resposta da AT: “«(…) em face do seu avultado custo (1 277 790,00€), em causa estão obras que determinaram a variação do valor patrimonial tributário do prédio», pelo que a Requerente «(…) estava obrigad[a] a proceder à entrega da citada Mod.1 do IMI, aguardar pela nova avaliação do prédio e, só na posse desta avaliação poderia, caso (e só no caso) do VPT do prédio ter sofrido um aumento de 30% face ao VPT anterior à realização das obras, requerer o certificado de renúncia à isenção de IVA.». Porém, os SIT verificaram que «(…) tendo as obras sido concluídas em 11/08/2022 a referida declaração Mod.1 do IMI [que] deveria ter sido entregue até 11/10/2022 [não foi].”.
[8] No que diz respeito a um conjunto limitado de despesas (assinaladas com notas no Quadro constante da alínea gg) dos Factos Provados), o fundamento da sua desconsideração para efeitos da pretendida recuperação do IVA é diferente.
[9] No caso decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) em 1 de Abril de 2020 (Processo n.º JSTA00071219), a AT apresentou alegações em que escreveu o seguinte (negrito no original):
“o princípio geral de tributação reconhecido no Código do IVA determina que a locação de bens imóveis é uma prestação de serviços sujeitas a IVA, de acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea a), conjugado com o artigo 4.º, n.º 1, do mesmo diploma, o qual, porém, sofre algumas derrogações, como seja o disposto no n.º 29, do artigo 9.º, também do CIVA, quando esteja em causa “a renda recebida pela cedência de espaço nu, tanto para fins habitacionais como industriais, comerciais ou outros, não abrangendo, todavia, a isenção as prestações e serviços que exorbitam do contrato de arrendamento, respeitando a outro género de contrato”.”.
[10] Recorde-se a alínea e) da secção IV.3., em que a AT dá nota da jurisprudência do TJUE (no caso, invocando o Acórdão de 17 de Janeiro de 2013, BG Leasing, C-224/11, referente a uma “Prestação de uma locação financeira, acompanhada da prestação de um seguro do bem objeto da locação financeira”):
“conforme jurisprudência constante do TJUE, em determinadas circunstâncias, várias operações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e, de dar, assim, lugar, em cada caso, à tributação ou à isenção, devem ser consideradas uma operação única quando não sejam independentes”.
Recorde-se também a alínea e) da mesma secção IV.3., em que o acórdão citado (Acórdão de 16 de abril de 2015, Wojskowa Agencja, C-42/1) respeitava à “Locação de um bem imóvel - Fornecimento de eletricidade, aquecimento e água bem como gestão de resíduos”).
Em ambos os casos, o princípio “gravitacional” era fácil de estabelecer a favor da locação – mas tal não implica que seja sempre assim.
[11] Recorde-se parte da passagem acima transcrita sub IV.3. g) (negritos aditados):
“de acordo com os termos contratuais, os únicos serviços que a Requerente se obrigou com o arrendamento estão contemplados no ponto 1.4. da Cláusula Primeira do contrato e, dizem respeito:
a) À execução dos trabalhos e procedimentos ainda pendentes de realização/conclusão;
b) À conclusão das obras de infraestrutura viária e todos os trabalhos envolventes ao Edifício;
c) A obtenção da licença de utilização referente ao Edifício.”. Na verdade, porém, havia outras obrigações a cargo da Requerente: cfr. alíneas aa) – onde relevam “as intervenções nas vias de acesso e no parque de estacionamento, e bem assim as demais reparações que se mostrem necessárias em virtude da verificação de defeitos de construção do Edifício serão sempre e em qualquer caso da responsabilidade da Senhoria.” – e bb) – cobertura alargada de seguros – dos Factos Provados.
[12] Cuja redacção se iniciava com a declaração de que “Constituem pressuposto essencial da vontade de contratar das partes, e consequentemente, constituem condições essenciais do negócio ora acordado os seguintes itens:” (cujo elenco é completamente reproduzido na alínea h) dos Factos Provados).
[13] Cfr. alíneas h), i), k), l) e m) dos Factos Provados e Cláusula 1.3 do Contrato Promessa de Arrendamento Urbano:
“O Edifício respeitará os condicionalismos, especificações técnicas e características descritas nos Anexos ao presente Contrato e será dotado de todos os equipamentos e infraestruturas descritas nos mesmos, ficando desde já acordado que a Promitente Senhoria deverá:
a) até ao dia 31.3.2022, executar, a expensas suas, os trabalhos previstos na lista de trabalhos e planta anexa que constituem os Anexos 2 e 3 ao presente contrato, dele fazendo parte integrante;
b) até à data de entrega do Edifício à B..., dotar o mesmo de 1 (um) empilhador eléctrico, racks e um cantilever simples com 120m de comprimento e 4 níveis de altura, para colocação de mercadoria, tudo com as características e dimensões melhor identificadas na ficha técnica e requisitos de estanteria que constituem o Anexo 2-A ao presente contrato, dele fazendo parte integrante; no que respeita aos racks, a Promitente Senhoria dotará o Edifício de um mínimo de 950 unidades de vigas (2,7mts) e de 200 unidades de bastidores (4,5mts) que serão reaproveitadas de outras plataformas logísticas da Promitente Senhoria e custeará vigas e bastidores adicionais, no estado de novos, até ao montante máximo de €40.000,00 (quarenta mil euros).”
[14] Como estabelecido nas alíneas h) e q) dos Factos Provados.
[15] Nos termos do disposto nos pontos 7.4 a 7.6 da Cláusula Sétima do Contrato Promessa de Arrendamento Urbano para fins não habitacionais com prazo certo:
“7.4. O decurso do prazo de entrega previsto neste Contrato sem que os trabalhos de construção se mostrem concluídos e entregues à B... (ou, tendo-o sido, sem que estejam reunidas todas as condições e características contratualmente previstas), por motivos que não sejam imputáveis à B..., conferirá a esta, decorridos que sejam 30 (trinta) dias, o direito a uma indemnização equivalente ao valor dos prejuízos comprovadamente suportados em virtude de tal atraso, com mínimo de 2/30 avos (dois trinta avos) do valor de renda mensal acordado por cada dia de atraso na entrega nas condições acordadas, computando-se o atraso por referência ao termo do prazo. O presente direito a uma indemnização não será aplicável caso o atraso se deva a motivos de força maior. Para efeitos de clarificação, as Partes expressamente reconhecem e aceitam que constituirá motivo de força maior o encerramento das ou restrições impostas às entidades oficiais e/ou da atividade de construção civil em virtude situação de emergência de saúde pública ocasionada pela epidemia da doença COVID -19.
7.5. Caso o atraso se prolongue por período superior a 60 (sessenta) dias contados do prazo de entrega previsto neste Contrato, a indemnização mínima prevista no número antecedente será incrementada em 50% (cinquenta por cento). O presente direito a uma indemnização não será aplicável caso o atraso se deva a motivos de força maior.
7.6. Sem prejuízo do direito à indemnização previsto nos números anteriores, o atraso superior a 90 (noventa) dias em relação ao prazo de entrega acordado conferirá à B... e à Promitente Senhoria o direito de resolver o presente Contrato, com o consequente direito ao reembolso à B... de todas as quantias que em cumprimento do mesmo haja eventualmente pago à Promitente Senhoria e ao ressarcimento dos danos que tal tenha causado à B..., devidamente comprovados e fundamentados, salvo se o atraso se deva a motivos de força maior, caso em que a B... não terá o direito de resolver o presente Contrato. Caso as Partes não optem pela imediata resolução do Contrato, manter-se-á sempre o direito à indemnização prevista no parágrafo anterior, sem prejuízo de, em qualquer momento e enquanto se verificar a situação de atraso, se manter o direito à resolução.”
[16] Cfr. alíneas r), s), t), u), v), w) e x) dos Factos Provados.
[17] Conforme disposto no n.º 1 da Cláusula 1ª desse Aditamento:
“- 650 unidades de vigas (2,7 mts); - 220 unidades de bastidores (4,5mts); - 220 unidades de protectores de poste; - 1200 unidades de grades de 1,1 mts X 8,90 mts para último nível; - 420 unidades de espaçadores entre bastidores de 3 mts.”
[18] Estava em causa a
“Prestação de serviços - Sujeita a IVA e dele não isenta - Rendas recebidas, pelo arrendamento de um imóvel completamente adstrito e equipado em exclusivo a uma atividade empresarial sob instalação de um estabelecimento comercial/retalho de produtos alimentares e não alimentares, usualmente denominado por Hipermercado”.
[19] Estavam em causa
“Operações imobiliárias – Operações sujeitas e não isentas a realizar em edifício destinado a comércio e serviços, em resultado dum projeto imobiliário a desenvolver num prédio urbano do proprietária destinado à operacionalização do negócio”.
[20] Como previsto na alínea b) do ponto 1.3 da Cláusula Primeira do Contrato Promessa de Arrendamento:
“até à data de entrega do Edifício à B..., dotar o mesmo de 1 (um) empilhador eléctrico, racks e um cantilever simples com 120m de comprimento e 4 níveis de altura, para colocação de mercadoria, tudo com as características e dimensões melhor identificadas na ficha técnica”.
[21] Ponto 4.1.1 do Anexo 2 ao Contrato Promessa de Arrendamento (“SINTESE DA OBRA A EXECUTAR Aspetos gerais e materiais Reabilitação de Armazém Rua ... ... Vila Do Conde”)
“Todas as paredes divisórias no interior do armazém serão para demolir, mantendo a integridade de todos os elementos estruturais, nomeadamente vigas, pilares, sapatas, fundações, as materiais sobrantes serão transportados a vazadouro.”.
[22] Por exemplo, ponto 7.1.1 do anexo referido na nota anterior:
“O pavimento da área de armazém será todo em betão polido, com endurecedor.”.
[23] Por exemplo, ponto 7.1.2 do anexo referido na nota 15:
“O pavimento em zonas de circulação e aparcamentos indicados nos desenhos de projeto, serão executados em pavimento betuminoso com 12 cm de espessura, camada de macadame betuminoso de regularização com 0,08m de espessura, rega de colagem e camada de desgaste em betão betuminoso com 0,04 m de espessura, assente sobre uma caixa de “toutvenant” com 20 cm de espessura, devidamente regada e compactada.”.
[24] Por exemplo, ponto 9.2. do anexo referido na nota 15:
“Três dos cinco cais de carga desnivelados serão equipados com plataforma de nivelamento elétrica e os restantes manter-se-á a plataforma de betão fixa existente.”.
[25] Por exemplo, ponto 16 do anexo referido na nota 15:
“Será instalada uma rede de abastecimento de energia elétrica de acordo com as normas em vigor. Os caminhos de cabos serão feitos através de esteira, está prevista a colocação de armaduras Led no armazém e em zona administrativa focus de embutir, os aparelhos de comando serão escolhidos em obra usando marcas de referência: Legrand ou Efapel.”
[26] Vejam-se as minuciosas especificações do Anexo 2A ao Contrato Promessa de Arrendamento.
[27] Na já citada decisão do STA de 1 de Abril de 2020 (Processo n.º JSTA00071219) escreveu-se o seguinte (negritos aditados):
“É sabido que, sobre esta matéria a Administração Tributária tem assumido uma posição que pode ser resumida no seguinte:
- Tem sido utilizado um critério preciso que permite distinguir as situações de locação de imóvel pura e simples – mero arrendamento – das outras situações em que esse arrendamento, nas condições em que é utilizado, proporciona ao locatário um determinado valor acrescentado;
- Só se encontra isenta de IVA a locação de bens imóveis para fins não habitacionais, ou seja, para fins comerciais, industriais ou agrícolas, quando for efectuada “paredes nuas”, no caso de prédios urbanos ou de parte urbana em prédios mistos, ou “apenas solo” no caso de prédios rústicos;
- O conceito de paredes nuas não se limita ao facto de a locação ser acompanhada, ou não, de bens de equipamento, mobiliário ou utensílios, estando intrinsecamente relacionado com a aptidão produtiva do imóvel, ou seja, a preparação para o exercício de uma actividade empresarial.”.
Tal não obsta, claro, a que a ponderação do peso relativo das componentes do contrato atípico celebrado (qualquer que fosse o seu nomen iuris) leve à conclusão de que “só parecem susceptíveis de extravasar o âmbito daquela isenção os contratos atípicos e, ainda, os contratos mistos em que os elementos da locação se encontrem subalternizados”, como aí se escreveu citando o decidido no acórdão do STA de 9 de Junho de 2021 (processo n.º 1901/18.5BEPRT).
[28] As maiores diferenças residiam no facto de nesse outro caso haver uma construção de raiz, o valor da renda estar expressamente indexado ao valor das obras (e ser, por isso, duas vezes superior ao praticado na zona) e haver uma opção de compra para a putativa “arrendatária” a partir do 10.º ano de contrato. A este acréscimo de obrigações para a putativa “senhoria”, em relação às que estão aqui em apreciação, correspondiam, porém, outras obrigações para a putativa “arrendatária”, designadamente a maior duração do contrato (30 anos), com um período garantido mínimo de 10 anos. Tudo ponderado, é juízo deste Tribunal Arbitral que as semelhanças entre os dois casos excedem as suas diferenças.
[29] Números 74 a 94 da Resposta.
[30] Parágrafos 102) a 130) do PPA e números 95 a 111 da Resposta. Como obiter dictum acrescente-se o seguinte: uma vez que a AT concluiu – posto que já se viu que mal – que a actividade da Requerente era isenta de IVA, e uma vez que decorre dos instrumentos contratuais juntos aos autos e do deferimento (ainda que condicional) da renúncia a essa isenção, que a Requerente cobrou IVA (e o entregou ao Estado), devia a AT concluir, necessariamente, que as importâncias cobradas a esse título pela Requerente à B... – seu único cliente – só podiam ser devidas por força do disposto na alínea c) do artigo 2.º do Código do IVA, que considera sujeitos passivos desse imposto “As pessoas singulares ou coletivas que mencionem indevidamente IVA em fatura;”. Ora, na medida em que nada se referiu a esse propósito, teria de admitir-se que tivesse havido falta de fundamentação.
[31] Cuja redacção é a seguinte (a epígrafe do artigo é “Regularizações relativas a bens do activo imobilizado por motivo de alteração da actividade ou imposição legal”):
“1 - Se, por motivo de alteração da actividade ou por imposição legal, os sujeitos passivos passarem a praticar operações sujeitas que conferem direito à dedução, podem ainda deduzir o imposto relativo aos bens do activo imobilizado, do seguinte modo:
…
b) No caso de bens imóveis adquiridos ou concluídos no ano da alteração do regime de tributação e nos 19 anos civis anteriores, o imposto dedutível é proporcional ao número de anos que faltem para completar o período de 20 anos a partir do ano da ocupação dos bens;”.
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