Consutlar versão completa em PDF
Sumário: O art. 22º, n.º1 do EBF ao excluir da limitação da incidência do imposto (IRC) apenas os OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, configura uma discriminação no domínio da liberdade da circulação de capitais, violadora do art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quando não abrange os OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação de outro Estado Membro da U.E..
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
I.1
-
Em 01 de julho de 2024 o contribuinte A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português ..., com sede em ..., ... Estugarda, Alemanha, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
-
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 08 de julho de 2024.
-
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n. º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
-
O tribunal arbitral foi constituído em 10.09.2024 e no mesmo dia proferiu um despacho a ordenar a notificação da Requerida para apresentar a sua resposta.
-
A AT apresentou a sua resposta em 14 de outubro de 2024.
-
Por despacho datado de 29.10.2024 foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.
-
O Requerente apresentou as suas alegações em 14.11.2024.
-
A Requerida não apresentou alegações.
-
Pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral declare ilegal e anule o ato de indeferimento de indeferimento da reclamação graciosa (proc. n.º ...2022...) e em consequência anule os atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), efetuados através das guias n.º ... (€11.305,00 - 14.05.2020), n.º ... (€8.998.94 - 21.05.2020) e n.º ... (€9.262,50 – 26.04.2021), do qual resultou imposto global a pagar no valor de €29.566,44, bem como, a restituição desta quantia acrescida de juros indemnizatórios e a condenação da AT nas custas processuais.
I.2. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
-
Conforme dispõe a alínea c) do número 1 do artigo 20.º do CIRC, os dividendos são considerados rendimentos de natureza financeira.
-
No que diz respeito ao regime interno de tributação dos dividendos, sempre que os mesmos são pagos por uma entidade residente a um sujeito passivo também ele residente em Portugal, tais rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte por conta do imposto devido a final a uma taxa de 25% (artigos 94.º, n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b) e 94.º, n.º 4 do CIRC).
-
O artigo 22.º, n.º 1, do EBF prevê que “São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário, sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.
-
Por força do disposto no n.º 3 do referido preceito legal, os OIC constituídos de acordo com a legislação nacional estavam, à data dos factos tributários, isentos de IRC sobre dividendos obtidos.
-
Assim, nos casos de distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal a OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa e aqui não residentes, os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25%, tal como preceituado nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4 também do CIRC, não beneficiando do regime previsto no artigo 22.º do EBF.
-
Por seu turno, nos casos de dividendos distribuídos a OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa, tais rendimentos estão isentos de imposto, ao abrigo do regime previsto (à data dos factos e ainda atualmente) no artigo 22.º do EBF.
-
Resulta inquestionável que existe uma diferença de tratamento conferida pela legislação fiscal portuguesa, entre os OIC residentes e os OIC não residentes, na tributação de dividendos de fonte portuguesa.
-
Concretamente, esta diferença de tratamento consubstancia-se no diferente tratamento fiscal que é conferido aos rendimentos obtidos em Portugal por OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa – que estão isentos de imposto – e aos rendimentos obtidos em Portugal por OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa – que estão sujeitos a retenção na fonte liberatória de IRC a uma taxa de 25%.
-
Um tratamento desfavorável por um EM dos dividendos pagos a entidades não residentes face ao tratamento favorável reservado aos dividendos pagos às entidades aí residentes é inequivocamente suscetível de dissuadir as entidades não residentes de realizarem investimentos nesse EM e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º do TFUE
-
No que respeita à comparabilidade das situações, enquanto critério na avaliação da conformidade de determinado normativo com o Direito da UE, cumpre clarificar, em linha com o que vem sendo professado pelo TJUE, que a partir do momento em que um EM estende a sua soberania tributária a contribuintes não residentes, sujeitando, de modo unilateral ou por via convencional, a imposto sobre o rendimento, não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente a dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos contribuintes não residentes é comparável à situação dos contribuintes residentes.
-
Efetivamente, a comparabilidade é aferida apenas tendo em consideração a extensão ou não da soberania tributária de um Estado aos contribuintes residentes num outro Estado, sendo irrelevante a eventual incidência de outros impostos, taxas ou tributos incidentes sobre os investimentos efetuados pelos OIC.
-
As razões que se prendem com a coerência do regime fiscal só podem ser invocadas quando existe uma relação direta entre o benefício fiscal concedido a um contribuinte e uma cobrança fiscal compensatória ao mesmo contribuinte.
-
Nestes termos, tendo o regime interno que impõe a aplicação de retenção na fonte a dividendos distribuídos a um OIC não residente – como o Requerente – (enquanto se prevê que os dividendos distribuídos a OIC residentes estão isentos dessa retenção) sido expressamente e sem reservas julgado incompatível com o Direito da UE no passado dia 17 de março de 2022 (processo n.º C-545/19 do TJUE), impõe-se a anulação dos atos de retenção na fonte sindicados, por força do princípio do primado consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.
I.3 Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:
-
O direito internacional admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal.
-
Ora, no caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.
-
A aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, em nossa opinião, por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.
-
E não sendo as situações comparáveis parece difícil de aceitar o argumento da requerente de que a legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE.
-
Conforme antedito, não compete à Administração Tributária avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.
-
Contrariamente ao afirmado pela Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.
-
Embora sobre os dividendos pagos por sociedades residentes aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF não exista a obrigação de retenção na fonte (cf., n.º 10 do mesmo artigo), a verdade é que estão sujeitos a uma tributação autónoma, à taxa de 23%, por aplicação conjugada do n.º 11 do artigo 88.º do Código do IRC e do n.º 8 do mesmo artigo 22.º do EBF, exceto se as correspondentes ações forem detidas, de modo ininterrupto, por período igual ou superior a um ano.
-
O que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas, a que não corresponde uma discriminação em substância, conforme supra referido
-
Deste modo, reitera-se que se reputa de ligeira e simplista a conclusão de que o regime de tributação dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF se mostra contrária ao Direito da União Europeia e que contraria as disposições do TFUE relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como relativas à livre circulação de capitais, porquanto, se baseia apenas no n.º 3 dessa disposição, alheando-se do disposto no n.º 8 do mesmo preceito, bem como da tributação em Imposto do Selo
-
Assim, um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um Fundo de Investimento constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro, não estão em situações comparáveis para efeitos de averiguar se existe um tratamento discriminatório em termos fiscais e uma clara restrição à liberdade de circulação de capitais.
-
Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP).
II. SANEAMENTO
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas.
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
O processo é o próprio.
Inexistem questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito dos pedidos.
III. THEMA DECIDENDUM
A questão central a decidir, tal como colocada pelo Requerente, está em saber se o regime diferenciado de tributação aplicável aos OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional e aos OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação Alemã, no que concerne à exclusão de incidência prevista no art. 22º, n.º1 e n.º3 do EBF, apenas aplicável aos OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional configura, ou não, uma discriminação no domínio da liberdade da circulação de capitais, violadora do art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quando não abrange os OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação Alemã.
IV. – MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
-
O Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituído sob a forma contratual e não societária, comumente designada de fundo de investimento, sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país.
-
O Requerente detém diversos investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.
-
Nos anos de 2020 e 2021, o Requerente era detentor de lotes de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal:
E... S.A.
F... SGPS, S.A.
-
A entidade responsável pela custódia dos títulos detidos em Portugal era a B... .
-
O Requerente, nos anos de 2020 e 2021, na qualidade de acionista de sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos.
-
Os dividendos recebidos no decorrer dos anos de 2020 e 2021 foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25% e 35%.
-
Nos anos de 2020 e 2021, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal imposto por retenção na fonte no montante a seguir discriminado:
-
As declarações Modelo 30 – Relação de Beneficiários dos Rendimentos- relativamente aos pagamentos de dividendos efetuados à Requerente, foram apresentadas pelo C... SA e D..., nifs ... e ..., respetivamente.
-
No dia 09.06.2022, o Requerente apresentou uma reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2020 e 2021, na qual solicitou a anulação dos mesmos.
-
O procedimento de reclamação graciosa processo correu termos na Direção de Finanças de Lisboa sob o n.º ...2022... .
-
No passado dia 01.04.2024, o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa.
IV.2. Factos não provados
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.
IV.3. Motivação da matéria de facto
Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
Os factos que constam dos números 1 a 11 são dados como assentes pela análise do processo administrativo, dos documentos 1 a 5 juntos pelo Requerente e pela posição assumida pelas partes.
V. Do Direito - Violação do art.º 63º do TFUE
O Requerente em 2020 e 2021 enquanto acionista de sociedades residentes em Portugal recebeu dividendos. Os dividendos são rendimentos de natureza financeira (art. 20º, n.º1, al. c) do CIRC).
Os dividendos foram sujeitos a uma retenção de 35% (2020) e 25% (2021) nos termos do art. 87º, n.º4 do CIRC, o qual tem a seguinte redação: “Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%(…)”.
O art. 22º, n.º1 e n.º3 do EBF estatuem o seguinte:
“1 - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1. “
A exclusão de incidência prevista no n.º3 do art. 22 do EBF não se aplica ao Requerente porque não se constituiu nem opera de acordo com a legislação nacional, mas sim de acordo com a legislação Alemã (art. 22º, n.º1 do EBF).
Sobre a não aplicação desta exclusão de tributação, o Acórdão do TJUE no proc. C-545/19, proferido em 17.03.2022, veio considerar que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
O art. 63º do TFUE tem a seguinte redação:
OS CAPITAIS E OS PAGAMENTOS
Artigo 63.o
1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
A decisão do TJUE assenta nos seguintes argumentos principais:
(a) Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar‑se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 35 e 36);
b) Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
Pelo que, tendo em conta a prevalência da jurisprudência do TJUE, em matéria de direito comunitário, não se pode concluir e decidir de forma diversa nos presentes autos, atenta as questões ali versadas serem semelhantes à do caso em apreço, bem como a norma legal na qual a mesma se fundou.
Face a esta situação, seguimos a fundamentação jurídica do citado Acórdão do TJUE. Assim, a interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 22.º do EBF, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto apenas aos OICs residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os OICs não residentes.
Esta questão também já foi apreciada pelos tribunais superiores, para cuja fundamentação remetemos, tendo-se concluído pelo mesmo diapasão:
II - É ilegal a retenção na fonte, a título definitivo, que incide sobre dividendos distribuídos a uma entidade residente noutro Estado-Membro, efectuada à luz da legislação fiscal portuguesa, por tal configurar uma violação do direito de livre circulação de capitais, consagrado no art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia, actual art. 63º TFUE, face à isenção de tributação no País de residência (Holanda). Ac. do STA de 03.06.2020, proc. n.º 018/10.5BELRS 095/18
O STA (proc. n.º 93/19.7BALSB de 28.09.2023) proferiu o seguinte Acórdão uniformizador:
I - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação.
II - O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
III - A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.
A jurisprudência dos tribunais superiores e do CAAD (proc. n.º 90/2019 de 23.07.2019, proc. n.º 194/2019 de 19.09.2019, proc. n.º 528/2019 de 27.12.2019, proc. n.º 548/2019 de 26.06.2020, proc. n.º 922/2019 de 11.01.2021, proc. n.º 926/2019 de 19.10.2020, proc. n.º 11/2020 de 06.11.2020 e proc. n.º 68/2020 de 25.01.2021), cuja fundamentação acompanhamos, tem reconhecido a ilegalidade do art. 22º, n.º1 do EBF face ao disposto no art. 63º do TFUE, não encontrando este Tribunal qualquer fundamento legal para alterar o sentido destas decisões.
Para além disto, tal como alegado pelo Requerente nos presentes autos: “o modo como os proveitos gerados pelo OIC são distribuídos aos seus investidores é irrelevante, dado que no presente caso tratamos apenas de retenção na fonte aplicada a dividendos distribuídos ao próprio OIC pelas entidades nas quais este participa (e nunca de proveitos distribuídos aos investidores).
Com efeito, o que deve relevar, para efeitos da apreciação do caráter discriminatório da legislação portuguesa, é o impacto direto que essas normas têm na atividade dos OIC e não na situação fiscal dos respetivos investidores individualmente considerados.”
Pelo que, tendo em conta a prevalência da jurisprudência do TJUE, em matéria de direito comunitário, não se pode concluir e decidir de forma diversa nos presentes autos, atentas as questões ali versadas serem semelhantes à do caso em apreço, bem como a norma legal na qual a mesma se fundou.
Face a esta situação, seguimos a fundamentação jurídica do citado Acórdão do TJUE. Assim, a interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 22.º do EBF, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto apenas aos OICs residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os OICs não residentes.
Deste modo, o regime diferenciado de tributação aplicável aos OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional e aos OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação Alemã, configura, uma discriminação no domínio da liberdade da circulação de capitais, violadora do art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quando não abrange os OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação de outro Estado Membro da U.E.
Acresce que, um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de existirem outros benefícios, mesmo supondo que esses benefícios existam (cf. neste sentido, acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C‑35/98, e Amurta, C‑379/05, de 08.11.2007).
Por outro lado, mesmo uma restrição de pequeno impacto ou de menor importância a uma liberdade fundamental é proibida pelo Tratado (v., neste sentido, acórdãos de 15 de Fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑34/98; de 11 de Março de 2004, de Lasteyrie du Saillant, C‑9/02; e de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C‑170/05).
Ainda assim, cabe-nos em sede nacional verificar se a restrição à livre circulação de capitais é permitida face ao disposto no artigo 65º do TFUE.
O art. 65º do TFUE prescreve o seguinte:
1. O disposto no artigo 63.o não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
2. (…).
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.os 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.o.
4. (…).
Nos termos do art. 65º, n. º1, al. a) do TFUE a distinção entre residentes e não residentes é permitida desde que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis e desde que não seja uma discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.
Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis o Ac. do TJUE, no proc. C-545/19, também analisou esta questão, tendo referido o seguinte:
“Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).”
No caso em apreço, constatamos que, no que diz respeito à tributação em sede de IRC, só os organismos (OICs) não residentes são tributados.
Alega a Requerida que está implementada em Portugal uma modalidade de cobrança do imposto diferente em função do local da residência do OIC, não estando os OICs não residentes sujeitos a IS (art. 9º, n.º5 e verba 29.2 do IS), nem à tributação autónoma prevista no art. 88º, n.º11 do CIRC.
Contudo, por um lado, o imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
Por outro lado, no que se refere à tributação autónoma prevista no art. 88º, n.º11 do CIRC, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados (quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição), pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.
Face ao exposto, concluímos que a implementação de uma modalidade de cobrança do imposto diferente não coloca os OIC não residentes numa situação objetivamente diferente dos OICs residentes no que diz respeito à tributação dos dividendos.
Estando os residentes e os não residentes em situações idênticas não se nos afigura que exista uma qualquer razão que justifique esta desigualdade de tratamento.
Citando a decisão do TJUE no proc. C-545/19 e aderindo à respetiva fundamentação precedente: “(…)há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.”
Quanto à existência de justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral (art. 65º, n. º1 al. b) do TFUE, ex: assegurar a eficácia da supervisão fiscal ou o combate à evasão fiscal), não se nos afigura existirem. Citando o Acórdão Hollmann do TJUE (C-443/06 de 2007OUT11) do TJUE: “Consequentemente, há que considerar que a restrição resultante da legislação fiscal em causa no processo principal não pode ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.”
Acresce que, não existe uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).
A isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte. Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo, que possa justificar a restrição à livre circulação de capitais.
A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa.
Em conclusão, as restrições à livre circulação de capitais com países da U.E. admitidas pelo artigo e 65º do TFUE não se verificam no caso em julgamento.
Destarte, o disposto no art. 22º, n. º1 do EBF, quando não aplicável a não residentes, viola do disposto no art. 63º, n. º1 do TFUE. Em face do princípio do primado do direito da União Europeia reconhecido pelo art. 8º, n. º4 da CRP, a não aplicação do disposto no art. 22º, n. º1 do EBF aos não residentes é ilegal.
Por fim, falta analisar o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".
Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no art. 43, nº1, da LGT, são os seguintes:
1-Que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;
2-Que o erro seja imputável aos serviços;
3-Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
4-Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
(Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, I Volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.530).
As retenções na fonte de IRC dos exercícios de 2020 e 2021 não foram feitas pela AT, pelo que esse erro não lhe pode ser assacado, pelo menos desde a data da sua realização. Trata-se de retenções na fonte realizadas pelo substituto, não sendo o erro imputável aos serviços.
Contudo, é inquestionável que após a apresentação da reclamação graciosa (09.06.2022) a AT possuía todos os elementos de facto e de direito para repor a legalidade da tributação. A AT indeferiu expressamente a reclamação graciosa (01.04.2024).
À AT cabe repor a legalidade (artigo 55º da LGT), não lhe podendo ser indiferente a manutenção de um ato ilegal. Mais, a AT tem o dever de rever os atos tributários caso detete uma situação de cobrança ilegal de tributos (artigos 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e 55.º da LGT), dentro dos limites temporais do artigo 78º da LGT.
Indeferida a reclamação graciosa, o erro passa a ser imputável à AT. Neste sentido Cfr. Ac. do TCAS de 16.01.2014, proc. n.º 05306/12:
“Havendo excesso na delimitação da base tributável, a partir do momento em que a AT, estando na posse de todos os elementos necessários, podia ter corrigido o erro, e ainda assim não procedeu, ou seja, desde a data do esgotamento do dever de decidir a reclamação graciosa, o erro determinante da cobrança ilegal do imposto em apreço é imputável aos serviços.“
No mesmo sentido o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa assevera o seguinte: “ (…) o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos.” In CPPT Anotado, Vol. I, Áreas Editora, 2011, Pág. 537
A exigência de um valor contrário ao disposto nas normas da União Europeia constitui um erro da AT, que também gera o dever de indemnizar. Neste sentido veja-se o Ac. do STA de 14.10.2020, proc. n.º 01273/08.6BELRS 01364/17.
Destarte procede, pois, o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser contados, à taxa apurada de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, desde 02.04.2024, até à restituição do imposto pago em excesso.
VI) DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:
a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento de indeferimento da reclamação graciosa (proc. n.º ...2022...) e em consequência anular os atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), efetuados através das guias n.º ... (€11.305,00 - 14.05.2020), n.º ... (€8.998.94 - 21.05.2020) e n.º ... (€9.262,50 – 26.04.2021), do qual resultou imposto global a pagar no valor de €29.566,44, devendo o montante pago ser restituído;
b) Condenar a Requerida na devolução do imposto indevidamente pago, por força da anulação, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados.
c) Condenar a Requerida nas custas do processo face ao decaimento.
Fixa-se o valor do processo em €29.566,44 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.530,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 03 de dezembro de 2024
O Árbitro
_________________________________
(André Festas da Silva)