SUMÁRIO
A atividade de produção de vinhos comuns e licorosos, com o CAE 11021, está enquadrada no âmbito de aplicação do RFAI, não sendo excluída do âmbito setorial de aplicação das OAR’s a que alude a parte final do nº 1 do artigo 22º, do Código Fiscal ao Investimento.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professor Doutor Rui Duarte Morais (árbitro-presidente), Professor Doutor Carlos Alexandre Quelhas Martins (vogal) e Dr. Arlindo José Francisco (vogal - relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I-RELATÓRIO
A..., SA, matriculada na Conservatória do Registo Comercial com o número de identificação..., sedeada na ... nº ..., ...-... ..., ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º conjugado com o artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e do artigo 2.º da Portaria n.º112-A/2011, de 22 de Março, veio apresentar pedido de pronúncia arbitral contra o ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2023... do ato de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) referente ao exercício de 2021 - Declaração Modelo 22 de IRC identificada com o número 2021-... (...), documento n.º 1 cuja cópia do comprovativo da submissão da Declaração juntou como documento n.º 2, declaração esta que pretendia substituir a Declaração de Rendimentos Modelo 22 com o número ... de 01.06.2023 (conforme documento n.º 3), assim como contra a notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, abreviadamente AT) de não admissibilidade do ato de autoliquidação Modelo 22 de IRC nº 2021-... (...), documento n.º 4, e contra a notificação da AT de 31 de Agosto de 2023 (após questão colocada pela Requerente no e-balcão) que informou, citando: “ O erro vai-se manter, não vai ser ultrapassado. Deverá apresentar reclamação graciosa da autoliquidação de IRC de 2021” – que juntou como documento n.º 5 e cujo conteúdo, tal como todos os restantes documentos juntos, se dá por integralmente reproduzido.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 21/06/2024 pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros signatários, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Regime, os quais comunicaram a respetiva aceitação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º já referido, no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do mesmo diploma, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 28 de agosto de 2024, sendo que em 29 seguinte foi proferido Despacho, nos termos e efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, notificando a Senhora Diretora-Geral da AT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, bem como, para junção, no mesmo prazo, de cópia integral do processo administrativo.
A Requerente, em síntese, suporta o pedido no facto de que, quando apresentou a declaração Modelo 22 de IRC com o número ... de 01.06.2023, respeitante ao exercício de 2021 e respetiva autoliquidação, não teve em conta o benefício fiscal respeitante ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), de cuja elegibilidade apenas ulteriormente à submissão desta declaração se apercebeu. Assim, não considerou no Campo 355 do Quadro 10 o montante de RFAI de € 457 986,47.
Em 04 de Agosto de 2023, apresentou uma declaração de substituição Modelo 22 de IRC para o ano de 2021 a que foi atribuída o n.º 2021-... (...) - documento n.º 2 –, tendo a AT, em 07 de Agosto de 2023 informado da sua não admissibilidade por se verificar a existência de erros, dado o investimento em causa não ser elegível para o RFAI. Em 31 de Agosto de 2023, a AT aconselhou a apresentação de reclamação graciosa da autoliquidação de IRC, o que a Requerente fez, tendo tal reclamação sido tacitamente indeferida.
A Requerente pede ainda a declaração de ilegalidade de todos os atos de autoliquidação modelo 22 do ano de 2021, relativamente à não consideração do benefício fiscal do RFAI no valor de € 457 986,47 e também a ilegalidade das notificações da AT de não admissibilidade deste ato de autoliquidação e que seja declarada a ilegalidade do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2023..., apresentada contra aqueles atos, com as devidas consequências legais, incluindo o reembolso da quantia indevidamente paga incluindo o pagamento de juros indemnizatórios.
Por sua vez, também em síntese, a AT apresenta defesa por exceção, considerando que os poderes de cognição do Tribunal Arbitral não abrangem a peticionada ilegalidade da decisão da AT da não admissibilidade da declaração de substituição modelo 22 de IRC, respeitante ao exercício de 2021, nem declarar a ilegalidade de todos os atos de autoliquidação apurados nas declarações de substituição modelo 22 de IRC do mesmo exercício que não foram validadas pela AT e das quais não resultaram atos finais de liquidação, verificando-se a existência de uma exceção dilatória parcial, consubstanciada na incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento parcial do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição parcial da entidade Requerida da instância, atento o disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA e nos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT.
Por impugnação, considera que o investimento da Requerente, que tem por objeto uma atividade económica enquadrada no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do TFUE, encontra-se expressamente excluído do âmbito de aplicação da OAR. Logo não é elegível para efeitos de RFAI, conforme decorre diretamente da letra da lei (n.º 1 art.º 22.º do CFI), pois esta retira do âmbito de aplicação do RFAI, perentoriamente, as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e não outras orientações nomeadamente as OAR do Setor Agrícola.
II – SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), tendo o pedido sido tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se devidamente representadas de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades. A Requerida apresentou resposta e o processo administrativo em 02/10/2024. Tendo apresentado defesa por exceção que oportunamente será apreciada pelo Tribunal e por impugnação.
A Requerente veio em Requerimento de 14/10/2024 reagir à resposta da AT, não se opondo à exceção parcial de incompetência material do Tribunal, mas não aceitando as conclusões que a Requerida retira da Decisão prolatada no processo 675/2022, sendo certo que a AT já iniciou o seu cumprimento, tudo como melhor consta no referido requerimento que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
III- FUNDAMENTAÇÃO
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As questões a dirimir são as seguintes:
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Apreciar e decidir sobre a exceção invocada pela Requerida sobre a parcial incompetência material do Tribunal.
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Decidir se os investimentos realizados pela Requerente são ou não elegíveis para efeitos do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”), previsto nos artigos 22.º e seguintes do Código Fiscal do Investimento (“CFI”).
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Consoante a conclusão a que se chegar, revogar parcialmente ou manter o ato de autoliquidação de IRC de 2021 na medida em que não teve em conta o benefício fiscal do RFAI no valor de € 457 986,47.
2 – Matéria de facto
2.1 Factos provados
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A Requerente é uma sociedade anónima, tributada em IRC pelo exercício da atividade principal de produção de vinhos comuns e licorosos, à qual corresponde o CAE 11021, dedicando-se, a título secundário, a diversas outras atividades, correspondentes aos CAE secundários: 11011 – “Fabricação de aguardentes preparadas”; 01210 – “Viticultura”; e 82922 – “Outras atividades de embalagem”;
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No ano de 2018, decidiu proceder à construção de um empreendimento industrial, com vista à centralização da produção de várias gamas DOC Douro, cujo términus está previsto para 2024;
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Tal empreendimento situa-se na Quinta ..., concelho de..., propriedade da empresa B..., SA, sociedade integrada no grupo C..., que, para tal, celebrou com a Requerente um contrato de arrendamento para fins não habitacionais;
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No âmbito deste projeto a Requerente realizou aplicações relevantes, no exercício de 2021 que se enquadram no escopo da sua atividade principal de produção de vinhos comuns e licorosos, com vista a reforçar as suas instalações de vinificação, armazenamento e envelhecimento de vinho a granel, atendendo ao crescimento da venda de vinho do Porto e Douro.
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A Requerente não é uma empresa em dificuldade, possuindo uma situação financeira robusta não tendo dívidas ao Estado nem à Segurança Social.
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Em 01/06/2023, entregou a declaração modelo 22 de IRC respeitante ao exercício de 2021 e respetiva autoliquidação sem que na mesma tivesse considerado no Campo 355 do Quadro 10 o montante de RFAI de € 457 986,47, cuja elegibilidade só teve conhecimento após a Decisão proferida no Pº 675/2022-T do CAAD, relativamente aos exercícios de 2019 e 2020.
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Deste procedimento resultou a nota de reembolso n.º 2023... de apenas € 39 484,55, uma vez que não foi considerado o RFAI da Adega ... de € 457 986,47;
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Após a decisão proferida no Processo 675/2022, veio a Requerente, em 04 de Agosto de 2023, apresentar uma declaração de substituição modelo 22, respeitante ao exercício de 2021, na qual fez constar o referido RFAI e à qual foi atribuído o n.º 2021-... (...), vindo a AT, em 07 do mesmo mês informar que a mesma não foi admitida devido à existência de erros, em virtude do RFAI não ser elegível;
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Em 29 de Agosto de 2023, a Requerente através do e-balcão solicitou o desbloqueamento deste erro central, tendo sido informada que o erro se iria manter e que deveria apresentar reclamação contra a autoliquidação de 2021, o que veio fazer com vista à consideração do referido RFAI;
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Em 16/11/2023 a Agência Nacional de Inovação, notificou a Requerente em sede de benefício fiscal SIFIDE, que, relativamente ao exercício de 2021, teria a receber o valor de € 226 127,17, tendo a Requerente submetido nova declaração modelo 22 de substituição, com este benefício e sem ter em conta o RFAI, para evitar o erro e perder o benefício SIFIDE.
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A Requerente apresentou em 19 de Junho de 2024 o presente pedido de pronúncia arbitral, por não aceitar o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra a não consideração do RFAI no modelo 22 de IRC que a AT considera não ser elegível.
2.2. Factos não provados
Não há factos não provados com relevância para a decisão.
2.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, no teor dos documentos juntos aos autos, por elas não contestados.
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3. MATÉRIA DE DIREITO
3.1 Da incompetência material do Tribunal arbitral
A Requerida na sua resposta defende-se, em primeira linha, por exceção, invocando a incompetência material do Tribunal, ainda que parcialmente.
Sendo a competência material dos tribunais de ordem pública, deve a mesma ser aferida independentemente de vir a ser suscitada, precedendo o seu conhecimento a qualquer outra matéria, conforme se retira dos artigos 16.º do CPPT e 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA, ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Considera a Requerida que o pedido de pronúncia formulado pela Requerente abrange a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de reclamação graciosa respeitante à autoliquidação de IRC do exercício de 2021, bem como de todos os atos de autoliquidação de IRC respeitantes ao exercício de 2021, na parte não respeitante à não consideração do benefício fiscal do RFAI no valor de € 457.986,47, sendo ainda peticionada a declaração de ilegalidade de não admissibilidade pela AT da Declaração de Substituição Modelo 22 de IRC identificada com o número 2021-... (...), que procurou substituir a autoliquidação Declaração de Rendimentos Modelo 22 com o número ... de 01.06.2023.
O que no seu entender exorbita as competências dos Tribunais Arbitrais que estão circunscritas às pretensões relativas à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, como resulta inequivocamente da Lei de Autorização Legislativa ao abrigo da qual foi constituída a arbitragem tributária como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, de acordo com os. n.ºs 1, 2 e 4, alínea a), do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, bem como do artigo 2º do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 287/2019, de 13 de setembro, pelo que inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, ainda que constituam consequência, a nível de execução de julgados, da declaração de ilegalidade de atos de liquidação.
Notificada da Resposta a Requerente veio aos autos dizer que não contradiz o ponto de vista da Requerida e o que está aqui em causa de forma mediata é a autoliquidação da declaração modelo 22 referente ao exercício de 2021 que não considerou o RFAI no valor de € 457.986,47 e de forma imediata o indeferimento tácito da reclamação graciosa dirigida contra o referido ato de autoliquidação, cuja ilegalidade suscita.
Como se sabe nem todo o contencioso tributário pode ser resolvido no âmbito dos Tribunais Arbitrais do CAAD, estando a sua competência circunscrita e contemplada no artigo 2.º n.º 1 al. a) e b) do RJAT que aqui transcrevemos:
“Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais; (…)”
Também a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 287/2019, de 13 de setembro, embora na linha do RJAT, vem de uma forma mais específica vincular vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública à jurisdição do CAAD, conforme artigo 2.º que aqui também se transcreve:
“Artigo 2.º
Objeto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição anti-abuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.
Da leitura destes normativos é patente a exclusão da competência dos Tribunais Arbitrais a apreciar a legalidade de certas relações jurídicas fiscais administrativas como as pretendidas pela Requerente como sejam os atos de não admissibilidade pela AT da declaração de substituição da Modelo 22 de IRC respeitante ao exercício de 2021, termos em que o Tribunal considera procedente a exceção dilatória (parcial) de incompetência material, que obsta ao prosseguimento do processo nesta parte e, forçosamente, conduz à absolvição da instância quanto ao pedido respetivo, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea e) do RJAT.
3.2 – Direito ao benefício fiscal (RFAI) no valor de € 457.986,47.
Face à matéria de facto dada como provada, a Requerente em 01/06/2023 entregou a declaração modelo 22 de IRC respeitante ao exercício de 2021 e respetiva autoliquidação sem que na mesma tivesse considerado no Campo 355 do Quadro 10 o montante de RFAI de € 457 986,47. Do que resultou a nota de reembolso nº 2023..., de apenas € 39 484,55 uma vez que não foi considerado o referido RFAI. Após a decisão proferida no Processo 675/2022, veio a Requerente, em 04 de Agosto de 2023, apresentar uma declaração de substituição modelo 22, respeitante ao exercício de 2021, na qual fez constar o referido RFAI e à qual foi atribuído o n.º 2021-... (...), vindo a AT, em 07 do mesmo mês, informar que a mesma não foi admitida devido à existência de erros, em virtude do RFAI não ser elegível.
3.2.1 – Argumentação da Requerente
Na perspetiva da Requerente, e como já lhe foi reconhecido no Pº 675/2022 do CAAD, relativamente aos exercícios de 2019 e 2020, o investimento em questão para o exercício de 2021 faz parte do mesmo projeto e entende que continua a reunir os requisitos de elegibilidade e enquadramento do RFAI, designadamente o respeitante ao investimento em ativos fixos tangíveis e intangíveis, que se consubstancia numa dedução à coleta de IRC e até à concorrência de 50% da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional: (i) 25% do investimento relevante, até ao montante € 15.000.000,00; e (ii) 10% do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a € 15.000.000,00 (reportável nos 10 períodos de tributação seguintes);
Tais benefícios fiscais, aplicáveis a vários sectores de atividade (artigo 23.º CFI), constituem “auxílios de estado com finalidade regional” (n.º 2 do artigo 1.º do CFI) e são autorizados, na medida em que se conformem com a legislação europeia, fundando-se nos artigos 107.º a 109.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) sobre auxílios de estado, no Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno nos termos daquelas disposições legais (RGIC), bem como nas Orientações relativas aos auxílios com finalidade regional (OAR). Estes instrumentos disciplinam a concessão dos auxílios, impondo limitações aos Estados‑Membros da União Europeia (UE), tais como o princípio de livre concorrência no mercado interno.
Os Regulamentos EU são diretamente aplicáveis em todo o espaço europeu, sem necessidade de transposição para a ordem jurídica interna, ao contrário, por exemplo, e por via de regra, das Diretivas. As disposições legais destes devem ser observadas pelos destinatários assim que as mesmas entrem em vigor e nos termos aí dispostos, independentemente das opções legislativas nacionais ou das orientações genéricas das autoridades fiscais de cada Estado-membro nestas matérias.
O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), na sua tarefa de interpretação de normas europeias, tem assumido um papel essencial na construção do conceito de auxílio de estado, constituindo a sua jurisprudência um farol para a Comissão Europeia na apreciação das matérias e casos concretos de auxílios de estado, bem como para os Estados-Membros e os órgãos jurisdicionais nacionais. É exatamente esta dialética entre a atuação da Comissão e o case law do TJUE que tem estimulado o amadurecimento do conceito.
Em 2021 aplicavam-se o RGIC e as OAR; e, no plano nacional, o CFI, a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, que define os CAE correspondentes a várias atividades (Portaria CAE) e a Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, que regulamenta o RFAI e o regime da dedução por lucros retidos e reinvestidos (Portaria RFAI), no plano nacional, no sentido de assegurar a aplicação integral do direito derivado e soft law da UE.
O Código Fiscal de Investimento, e a regulação que dele consta do RFAI, e a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, devem ser entendidos como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nos artigos 107.º a 109.º do TFUE, no RGIC e nas OAR. Daí que esses instrumentos legislativos não possam ter pretensões de aplicar requisitos mais exigentes do que que as próprias normas europeias a pretexto de as “complementar” ou “regulamentar”, sob pena de ofender o princípio da legalidade.
A verificação dos requisitos de elegibilidade ao RFAI são os seguintes: a empresa dispor de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector de atividade (cfr. al. a) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI); o seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos (cfr. al. b) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI); que mantenha na empresa e na região os bens objeto do investimento, durante um período mínimo de 3 anos (no caso das micro, pequenas e médias empresas), ou de 5 nos restantes casos (cfr. al. c) do n.º 4 do artigo 22.º e artigo 43.º, ambos do CFI); não seja devedora ao Estado e à Segurança Social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações, ou, caso seja, tenha o seu pagamento devidamente assegurado (cfr. al. d) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI); não seja considerada uma “empresa em dificuldades”, nos termos das OAR (2014/C 249/01) (cfr. al. e) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI); efetue investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento (3 ou 5 anos, consoante os casos) (cfr. al. f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI); o montante global dos incentivos não poderá exceder o valor que resultar da aplicação dos limites máximos aplicáveis ao investimento com finalidade regional para o período de 2014 ‑ 2021, em vigor na região na qual o investimento é efetuado (cfr. artigo 43.º CFI); e, por último o sujeito passivo exerça uma atividade nos setores económicos elegíveis (cfr. n.º 2 do artigoi2.º aplicável ex vi n.º 1 do artigo 22.º, ambos do CFI.
Relativamente ao investimento ora em causa, tais requisitos já l foram reconhecidos no âo Pº 675/2022 do CAAD, quanto aos exercícios de 2019 e 2020. Mesmo assim, refere-se expressamente que o investimento na construção e edificação da Adega ... está a ser realizado, precisamente, na Quinta ..., no concelho de ..., sendo intenção e objetivo da Requerente que esta nova adega reforce a sua infraestrutura de vinificação, armazenagem e envelhecimento de vinho a granel, para responder ao elevado crescimento das vendas. Daí que seja de crer que o investimento relevante – i.e., a Adega...–permanecerá na titularidade da sociedade e no concelho de ... até ao final do período mínimo exigido por lei. Sempre se diga que, caso assim não seja, a Requerente estará sujeita à cominação legalmente prevista no artigo 26.º do CFI. A Requerente não tem dívidas ao Estado nem à Segurança Social, não sendo uma empresa em dificuldades financeiras.
A atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas da Requerente consta da divisão 11 do CAE - Rev.3, conforme determina os n.º 1 e 2 do artigo 22.º e n.º 2 e 3 do artigo 2.º, ambos do CFI, bem como do disposto na alínea b) do artigo 2.º da Portaria CAE. D
Dúvidas não podem existir sobre a inserção da atividade de produção de vinhos comuns e licorosos nos setores especificamente previstos para efeitos do RFAI, dado que a mesma se enquadra no n.º 2 do artigo 2.º do CF, e não está excluída do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC, enumerando uma série de decisões arbitrais que em situações análogas à sua assim decidiram e sobre a situação concreta da Requerente no Pº 675/2022 do CAAD, relativamente aos exercícios de 2019 e 2020, tal concluíram. Termos em que o indeferimento tácito da reclamação graciosa dirigida contra a autoliquidação em questão deverá ser revogado por ilegal e o RFAI no montante de € 457 986,47 ser considerado no exercício de 2021 no Campo 355 do Quadro 10 da respetiva liquidação com as necessárias consequências daí advindas.
3.2.2 – Argumentação da Requerida
Por sua vez a AT, considera, que a decisão invocada (Pº 675/2022 do CAAD) não traduz os normativos legais consagrados na legislação nacional e na legislação da União Europeia, nem na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Procura demonstrar que o RFAI que a Requerente pretende deduzir à coleta de IRC de 2021 só seria elegível fiscalmente desde que verificado o cumprimento dos pressupostos legais definidos no respetivo regime legal, constante do Capítulo III do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro que aprovou o Código Fiscal do Investimento (CFI), mais precisamente nos artigos 22.º a 26.° do citado diploma.
Entende que, embora a alínea b) do artigo 2.º da Portaria refira que as atividades económicas correspondentes a indústrias transformadoras com o código CAE compreendido nas divisões 10 a 33 podem beneficiar do RFAI, o corpo do artigo é bem explícito quando refere “Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior”. Assim, o montante respeitante ao RFAI que a Requerente pretende deduzir à coleta de IRC só seria elegível fiscalmente desde que se verificado o cumprimento dos pressupostos definidos no respetivo regime legal, constante dos artigos 22.º a 26.º do CFI. Pressupostos legais estes que cumpre à Requerente provar, nos termos do artigo 74.º, n.ºs 1 e 2, da LGT o que não teria conseguido fazer.
Entende a Requerida que a atividade de produção de vinhos comuns e licorosos, desenvolvida pela Requerente, enquanto atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, não é elegível para efeitos do benefício fiscal RFAI, visto que as OAR não se aplicam a esta atividade (as OAR apenas se aplicam aos auxílios estatais à atividade de transformação de produtos agrícolas em produtos não agrícolas).
E entende que basta a exclusão do âmbito de aplicação de um dos normativos comunitários (RGIC ou OAR) para que a atividade económica não ser elegível para feitos deste benefício fiscal. Refere ainda que os limites máximos aplicáveis aos auxílios estatais com finalidade regional em vigor na região na qual o investimento é efetuado, nos termos do n.º 5 do artigo 43.º do CFI, ou seja, 25% no caso em apreço. Nos termos do n.º 6 da mesma norma, caso os investimentos beneficiem de outros auxílios de Estado, o cálculo dos limites referidos no número anterior deve ter em consideração o montante total dos auxílios de Estado com finalidade regional concedidos ao investimento em questão, proveniente de todas as fontes. A consulta ao site http://www.pdr-2020.pt/site/Projetos-PDR2020, podemos confirmar a existência de uma candidatura aprovada em 2018-12-10, em nome da Requerente, referente à concessão de auxílios financeiros correspondentes a 30% do investimento ilegível, no âmbito do Programa de Desenvolvimento Rural 2020 (doravante PDR2020) do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), exatamente na rúbrica “transformação e comercialização de produtos agrícola”.
Segundo afirma, este seu entendimento já foi seguido, em situações semelhantes, nas decisões proferidas por Tribunais do CAAD nos processos n.º 334/2023-T e processo n.º 895/2023-T.
Por outro lado, considera que a Requerente não apresentou prova cabal que possibilite a confirmação da alegação de que, atendendo aos auxílios financeiros no âmbito do PDR2020, não foi ultrapassado o limite máximo aplicável aos auxílios estatais com finalidade regional previstos no artigo 43.º do CFI (25%, no caso dos investimentos localizados na região Norte), termos em que conclui que a Requerente não logrou comprovar os pressupostos para usufruir do benefício fiscal RFAI, incumprindo o ónus da prova do alegado erro nas autoliquidações de IRC, tal como lhe competia à luz do artigo 74.º da LGT.
4. Decidindo
O objeto do presente processo é, dado o silêncio administrativo, decidir sobre a reclamação graciosa n.º ...2023..., dirigida contra o ato de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) referente ao exercício de 2021 que não teve em conta o RFAI no montante de € 457 986,47, que a Requerente, como já se viu, só posteriormente à entrega da respetiva declaração modelo 22, teve conhecimento da sua elegibilidade.
Casos semelhantes têm sido objeto de apreciação pelo TJUE, a qual configura um “ato claro”. Pazão pela qual este Tribunal entende desnecessário aflorar a questão do reenvio prejudicial, que as Partes, diga-se, deixaram ao seu critério.
Tendo em vista a posição das partes e a factualidade assente, cumpre ao Tribunal Arbitral apreciar se a atividade de produção de vinhos comuns e licorosos da Requerente, enquanto atividade de transformação de produtos agrícolas, se inclui no âmbito do RFAI, conforme pretensão da Requerente, ou se a mesma se encontra excluída do âmbito do RFAI pela aplicação das OAR, na perspetiva da Requerida.
Como se sabe o RFAI foi criado em 2009 através da Lei n.º 10/2009, de 10 de março, com o intuito de abarcar um conjunto de medidas de incentivos fiscais que visavam promover o investimento produtivo, o crescimento económico e o emprego, contribuindo para o reforço da modernização e da competitividade do país ajudando o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas. Em 2014, ocorreu a sua reformulação, entrando em vigor o Código Fiscal ao Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 31 de outubro, que manteve o mesmo desiderato de apoio ao investimento num contexto fiscal mais favorável à criação de emprego e reforço dos capitais próprios das empresas que acedam a esses auxílios. Estes incentivos, têm fundamento nos artigos 107.º a 109.º da TFUE e em 2021 consubstanciavam-se numa dedução à coleta de IRC, e até à concorrência de 50% da mesma, das seguintes importâncias (i) 25% do investimento relevante, até ao montante € 15.000.000,00; e (ii) 10% do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a € 15.000.000,00, sendo reportáveis nos 10 períodos de tributação seguintes. De acordo com o n.º 1 do artigo 22.º do CFI: “O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do art.º 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.” Por sua vez o artigo 2.º do CFI elenca as atividades que podem usufruir de benefícios fiscais, entre as quais, na sua alínea a) consta a “indústria transformadora” respeitando âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.
O RFAI no âmbito do Direito Europeu constitui um auxílio de finalidade regional aprovado nos termos do RGIC que poderá ser sujeito as restrições das OAR, instrumentos que disciplinam a concessão de auxílios, impondo limitações aos Estados-Membros, consignando a alínea c) do n.º 3 do artigo 1.º do RGIC que o presente regulamento não é aplicável aos auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas, sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa e sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários.
Relativamente às OAR, tendo interesse para o caso aqui em apreço o ponto 10 que se transcreve:
“10. A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica, com exceção da pesca e da aquicultura, da agricultura e dos transportes, que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações.”
E na nota de rodapé 11 a este ponto 10 da OAR diz-se que:
“(11) Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola”.
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No ponto (33) das OAR do setor agrícola, consta:
“Em virtude das especificidades do sector, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (27). Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações”.
Na secção 1.1.1.4., ponto (168), das OAR do setor agrícola estabelece-se que:
“Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio:.
(a) Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado;
(b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020;
(c) As condições estabelecidas na presente secção.”
Na perspetiva da Requerida e apoiada em, pelo menos, duas decisões de Tribunais do CAAD o investimento realizado pela Requerente tem por objeto uma atividade económica enquadrada no setor da transformação de produtos agrícolas enumerados no anexo I do TFUE, encontra-se expressamente excluído do âmbito de aplicação da OAR, não sendo elegível para efeitos de RFAI, conforme Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro e do CFI.
Considerando, porém, que esta Portaria, o CFI e demais legislação regulamentar, têm de ser entendidos como instrumentos de execução, efetivação e aplicação das normas e dos princípios constitucionais comunitários, que não podem derrogar nem prevalecer sobre eles;
Considerando que as OAR do setor agrícola já referidas, e que o ponto 10 da OAR, e respetivo rodapé 11, têm concluído que a atividade de transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos não se encontra excluída do âmbito de aplicação sectorial das OAR 2014-2020, sendo, pelo contrário, abrangida por este instrumento e, consequentemente, que a mesma atividade não é excluída do benefício RFAI pelas OAR;
Considerando ainda que a jurisprudência arbitral, quase unanimemente, tem vindo a sufragar que as OAR não excluem a atividade de transformação de produtos agrícolas do âmbito do RFAI e que sobre esta matéria viu a Requerente, através do Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral Coletivo no Pº 675/2022, que acompanhamos, dar-lhe razão relativamente aos exercícios de 2019 e 2020 e cuja conclusão aqui deixamos: “Conclui o Tribunal Arbitral pela inserção da atividade de produção vinícola desenvolvida pela Requerente nos sectores especificamente previstos para efeitos do RFAI, não estando a mesma excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC, e enquadrando-se a mesma no artigo 2.º, n.º 2, do CFI;
E ainda que a Jurisprudência do TJUE tem vindo a considerar que a atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas não é excluída do benefício fiscal RFAI pelo artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, na medida em que o montante do benefício fiscal RFAI não é fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa, e que o benefício fiscal RFAI não é subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários.
É patente para este Tribunal que verificando-se os requisitos de elegibilidade ao RFAI e que a atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas não é excluída do seu benefício fiscal pelas OAR, permite concluir pela inserção da atividade de produção vinícola desenvolvida pela Requerente nos sectores especificamente previstos para efeitos do RFAI, não estando a mesma excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC, e enquadrando-se por isso no artigo 2.º, n.º 2, do CFI, não podendo a Portaria de execução, o CFI e demais legislação regulamentar, derrogar nem prevalecer sobre as normas e princípios constitucionais comunitários e devem ser entendidos, como já se viu, apenas como instrumentos de execução das referidas normas e princípios.
Nesta perspetiva, o Tribunal considera procedente a impugnação deduzida contra parte do ato de autoliquidação IRC 2021-... (...) por sofrer de ilegalidade na parte em que não foi considerado o benefício fiscal RFAI, no valor de € 457 986,47, com a consequente correção em conformidade, com as legais consequências, nomeadamente no tocante à reclamação graciosa.
5- JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A Requerente pede a final o pagamento de juros indemnizatórios, ora de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito. O que está de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Sobre esta matéria a Requerida vem dizer que a liquidação em causa não provém de qualquer erro dos Serviços, dado estarmos em presença de uma autoliquidação que a existir será da responsabilidade da Requerente, no que tem razão.
No entanto, tal não sucede quanto ao silêncio administrativo perante a reclamação graciosa (indeferimento tácito), o qual, em violação da lei, manteve uma situação de ilegalidade, sendo-lhe assim imputável erro de direito e de facto enquadrável no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
Tendo a Reclamação graciosa dado entrada nos serviços da AT em 30 de novembro de 2023, deveria a AT ter-se pronunciado sobre a mesma até 28 de Março de 2024, conforme n.º 1 do artigo 57.º da LGT, pelo que determina o Tribunal que os juros indemnizatórios deverão ser calculados a partir de 29 de Março de 2024, sobre o valor de reembolso que se vier a apurar na execução de julgados.
IV – DECISÃO
Face ao exposto. acorda este Tribunal no seguinte:
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Anular parcialmente a autoliquidação IRC 2021-... (...) por sofrer de ilegalidade na medida em que não foi considerado o benefício fiscal RFAI, no valor de € 457 986,47, com todas as legais consequências, nomeadamente no tocante ao “indeferimento tácito” da reclamação graciosa apresentada.
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Em execução de julgado será apurado o montante a reembolsar, o qual deverá ser acrescido de juros indemnizatórios contados a partir de 29 de março de 2024 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
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Declarar procedente a exceção dilatória de incompetência material parcial deste Tribunal Arbitral no que toca à apreciação dos demais pedidos, o que obsta ao prosseguimento do processo nesta parte e conduz à absolvição da instância, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea e) do RJAT.
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Fixar o valor do processo em € 457 986,47, declarado pela Requerente e não contestado pela Requerida, ao abrigo do disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária;
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Fixar as custas em € 7 344,00, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que ficam a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
2 de dezembro de 2024
O Presidente
Professor Doutor Rui Duarte Morais
O Vogal
Professor Doutor Carlos Alexandre Quelhas Martins
O Vogal- Relator
Dr. Arlindo José Francisco