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SUMÁRIO:
A inscrição no registo de residentes não habituais tem natureza exclusivamente declarativa, não produzindo efeitos substantivos, constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respetivo regime.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. No dia 18 de Junho de 2024, o sujeito passivo A..., com o número de identificação fiscal..., residente na Rua ... s/n, ...-... Linhares da Beira, (doravante designado por “Requerente”), apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, nº1, alínea a), 3º, nº1, e 10.º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, solicitando a anulação por ilegalidade das liquidações de IRS números 2023... e 2023..., nos montantes de € 1.188,53 e € 4.086,73, no montante total de € 5.275,26.
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o signatário como Árbitro deste processo, disso notificando as partes.
3. O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. Os fundamentos que sustentam o pedido de pronúncia arbitral do Requerente são em súmula, os seguintes:
4.1. Durante o ano de 2021, o Requerente iniciou um processo de imigração para Portugal, registando-se, a 18 de Outubro de 2021, como residente em Portugal na morada já identificada, não tendo residido em território português nos cinco anos anteriores.
4.2. Desde a data da sua emigração para território português e registo junto da AT como residente, o Requerente sempre acreditou que poderia beneficiar do regime dos residentes não habituais, tendo sido esse um dos motivos que o levou a escolher Portugal como destino.
4.3. Consequentemente, o Requerente procedeu ao pedido de concessão do estatuto de residente não habitual, com efeitos a 2022, por não lhe ser possível fazê-lo para o ano de 2021, como era sua intenção, porque o sistema informático da Autoridade Tributária não lhe permitiu fazê-lo para 2021.
4.4. Em 8 de Maio de 2023, o Requerente entregou as declarações de IRS referentes aos exercícios de 2021 e 2022, preenchendo as mesmas como Residente Não Habitual, incluindo nomeadamente o Anexo L.
4.5. Acontece que a Autoridade Tributária não validou essas declarações, obrigando o Requerente a substituí-las e retirando o Anexo L, que se reportava ao estatuto RNH e aos seus benefícios.
4.6. Por não querer espoletar uma situação de incumprimento, o Requerente corrigiu as declarações de IRS, tendo estas gerado as liquidações que aqui se impugnam, as quais foram pagas atempadamente.
4.7. Os pressupostos legais para ser considerado como RNH, em conformidade com o disposto no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, são os seguintes:(i) o sujeito passivo de IRS tornar-se residente fiscal em Portugal, nos termos do n.º 1 ou n.º 2 do artigo 16.º do Código do IRS; (ii) o sujeito passivo de IRS, por referência ao ano da sua inscrição como residente, não ter sido residente fiscal em território português em qualquer um dos cinco anos anteriores.
4.8. Em face da alteração resultante da Lei n.º 20/2012, de 14 de Maio, passou--se a estabelecer, no então n.º 7 do artigo 16.º do Código do IRS, que “[o] sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português”, tendo tal redação permanecido em vigor até à presente data, sem prejuízo de o n.º 7 ter sido renumerado como n.º 9 do artigo 16.º do Código do IRS.
4.9. Assim, com aquela alteração, o direito a ser tributado como RNH deixou de depender “da inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI”, para depender, apenas, de acordo com a lei, da “inscrição como residente em território português”.
4.10. Ou seja, verificados os requisitos materiais previstos no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, a atribuição do direito a ser tributado como RNH opera ope legis da inscrição como residente em território português, não dependendo, nos termos da lei, de qualquer acto posterior nem de reconhecimento ou registo pela Administração tributária.
4.11. É de concluir que, apesar da necessidade de solicitação de inscrição no regime, o benefício em causa consiste num benefício automático, visto que, nos termos da lei, o mesmo não depende já de prévio reconhecimento por parte da Administração tributária, uma vez que resulta directamente da lei.
4.12. Na sequência da entrada em vigor do artigo 7.º do Decreto-Lei nº 41/2016, de 1 de agosto, que alterou a redação do n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, o pedido de registo passou a ter lugar exclusivamente por via electrónica, através da funcionalidade denominada “Inscrição como Residente Não Habitual”, disponível no Portal das Finanças, conforme o Ofício-Circulado n.º 90023, emitido em simultâneo com a publicação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto.
4.13. Por sua vez, a Circular n.º 4/2019, relativa ao exercício de atividades de elevado valor acrescentado, segue no sentido da progressiva automatização dos procedimentos burocráticos associados aos RNH, reconhecendo que os procedimentos até então adotados se revelavam excessivamente morosos e não obviavam a necessidade de controlo a posteriori.
4.14. No ponto 1 daquela Circular, reconhece-se que “[a]s normas constantes do n.º 10 do artigo 72.º e do n.º 5 do artigo 81.º, ambas do Código do IRS, consubstanciam medidas excecionais de desagravamento da tributação de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da Autoridade Tributária, conforme determina o artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)”.
4.15. A inscrição como RNH no cadastro dos contribuintes — cfr. Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro — embora relevante para a boa execução da administração dos impostos, terá assim uma natureza meramente instrumental.
4.16. Sendo o direito a ser tributado como RNH atribuído ope legis — verificados os requisitos materiais do regime e a inscrição do sujeito passivo como residente em território português (cfr. n.º 8 e n.º 9 do artigo 16.º do Código do IRS) —, a solicitação da inscrição dessa qualidade em cadastro mais não consiste que um dever acessório do contribuinte, o qual deverá por este ser cumprido de forma a possibilitar ab initio um correcto processamento do IRS aplicável.
4.17. Sendo a inscrição em cadastro um mero dever acessório e de natureza instrumental, daí resulta que a ausência daquela inscrição não pode determinar o afastamento do direito de vir a ser tributado, nem de ser reconhecido, como tal, nomeadamente promovendo-se a inerente atualização do cadastro fiscal de forma a ser considerado o Requerente como RNH.
4.18. Neste sentido vai a jurisprudência arbitral, vertida na Decisão Arbitral proferida a 24 de Setembro de 2021, no âmbito do processo n.º 188/2020-T, cujo sentido da decisão foi seguido na Decisão Arbitral proferida a 15 de Dezembro de 2021, no âmbito do processo n.º 777/2020-T.
4.19. Ora, o Requerente auferiu, durante os anos de 2021 e 2022, rendimentos de capitais, sobre a forma de juros (EUA, Alemanha e Brasil), dividendos (EUA e Brasil) e distribuições de Fundos de Investimentos (Brasil), nos montantes de EUR 8.227,82 e EUR 36.875,71, em 2021 e 2022, respetivamente.
2021
2022
4.20. Dispõe o n.º 5, do artigo 81.º do Código do IRS que, aos contribuintes RNH que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da Categoria E, aplica-se o método da isenção, desde que tais rendimentos possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com uma convenção de dupla tributação (CDT) celebrada por Portugal e esse Estado.
4.21. Dispõem, por sua vez, os n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º (relativo à tributação de dividendos) das Convenções para evitar a Dupla Tributação celebradas entre Portugal e os EUA e entre Portugal e o Brasil que, os dividendos pagos por uma sociedade de desses Estados a um sujeito passivo de IRS, residente fiscal em Portugal, podem ser tributados nos Estados da Fonte.
4.22. Por outro lado, os n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º (relativo à tributação dos juros) das Convenções para evitar a Dupla Tributação celebradas entre Portugal e os EUA, entre Portugal e o Brasil e entre Portugal e Alemanha que, os juros provenientes desses Estados a um sujeito passivo de IRS, residente fiscal em Portugal, podem ser tributados nos Estados da Fonte.
4.23. Por último, quanto às distribuições de Fundos de Investimento, qualificadas como E22, não existindo um artigo específico na Convenção para evitar a Dupla Tributação entre Portugal e o Brasil, haverá que aplicar a norma supletiva do artigo 22.º, da referida Convenção. Nos termos do n.º 3, desse artigo os rendimentos provenientes do Brasil, pagos a um sujeito passivo de IRS, residente fiscal em Portugal, também podem ser tributados nos Estados da Fonte.
4.24. Não resultam, assim, dúvidas de que estão verificados os pressupostos para a aplicação do método da isenção àqueles rendimentos, nos termos do já mencionado artigo 81.º, n.º 5, do Código do IRS.
4.25. Em face de tudo quanto ficou exposto, é manifesto que a liquidação de IRS ora contestada enferma de erro sobre os pressupostos de direito, pela não aplicação das regras de tributação na qualidade de residente não habitual do Requerente, pelo que deve o presente Pedido de Pronúncia Arbitral ser julgado procedente, por provado, com a consequente anulação da liquidação de IRS objecto dos presentes autos, porque praticada com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis.
4.26. Tendo sido paga a totalidade do montante do acto de liquidação ora em apreço, deverá ser reconhecido ao Requerente, pelos motivos expostos no presente Pedido de Pronúncia Arbitral, o direito ao reembolso do montante indevidamente pago e, bem assim, a juros indemnizatórios, no seguimento da anulação do ato de liquidação ora em crise.
4.27. De acordo com o disposto nos artigos 43.º e 100.º da LGT, o contribuinte tem direito a ser indemnizado pela Administração tributária, através do pagamento de juros indemnizatórios, sempre que exista o pagamento indevido de dívida tributária, por culpa imputável aos serviços.
4.28. Ora, ficando demonstrado que a liquidação ora em apreço decorre de uma errada aplicação da lei, não resta senão concluir que houve erro imputável aos serviços, o qual deve, agora, ser corrigido.
4.29. Atento o exposto, da anulação do ato tributário de liquidação objecto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, deverá resultar o reembolso ao Requerente do valor indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor, o que também desde já se requer.
5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), apresentou resposta, na qual se defendeu nos seguintes termos:
5.1. Nos termos do disposto no artigo 2.º do RJAT decorre que a competência do CAAD se circunscreve à declaração de ilegalidade de actos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais
5.2. Ora como taxativamente decorre do PPA, o que o Requerente pretende com a presente lide é que lhe seja reconhecido o estatuto de residente não habitual com efeitos a 2021, pois só após o reconhecimento do estatuto de RNH é que as liquidações impugnadas podem ser anuladas.
5.3. Porém, nos termos da lei, o reconhecimento pretendido está excluído do âmbito da competência material deste Tribunal Arbitral, não podendo, assim, este conhecer, ou pronunciar-se sobre o mesmo.
5.4. Neste mesmo sentido, e a propósito de questão similar, pronunciou-se este mesmo Tribunal Arbitral no âmbito dos Procs. 796/2022-T e 906/2023-T, fundamentação e conclusões às quais se adere in totum.
5.5. Os mesmos argumentos que sustentam a incompetência absoluta do CAAD supra suscitada aplicam-se mutatis mutandis à impropriedade do meio processual.
5.6. Ou seja, se o reconhecimento do estatuto de RNH só pode ser objeto de impugnação junto do tribunal tributário por via da acção administrativa prevista e regulada no CPTA, como se viu, é inquestionável que o PPA apresentado pelo Requerente não é o meio próprio para fazer valer a sua pretensão.
5.7. Porquanto existe erro na forma de processo sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza do processo.
5.8. A impropriedade do meio consubstancia uma excepção dilatória inominada, de utilização indevida de uma forma de processo desadequada à pretensão deduzida nos autos, que determina a absolvição da Requerida da instância, nos termos do estatuído no n.º 2 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
5.9. Mais, o Requerente tem essa consciência, tanto que, como alega no artigo 16.º do PPA, interpôs acção administrativa para contestar o indeferimento do estatuto de RNH com efeitos a 2021.
5.10. Facto que, face a todo o exposto, configura uma questão prejudicial nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 15.º do CPTA, que, por sua vez, compromete a utilidade da presente lide, o que, em nome do princípio da legalidade e da justiça, e ao abrigo do n.º 1 do artigo 272.º do CPC, constitui um “motivo justificado” para a suspensão da instância, o que desde já se requer
5.11. O Requerente, de nacionalidade brasileira, inscreveu-se em Portugal em 23/06/2021 como residente nos EUA, passando a residente em Portugal em 18/10/2021.
5.12. Em 08/05/2023 submeteu as declarações de rendimentos, modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2021, n.º ... - 2021 -...– ..., e referente ao ano de 2022, n.º ... - 2022 - ...– ....
5.13. Nesse mesmo dia foram iniciados dois procedimentos de divergências, um para cada um dos anos de rendimento e notificado o contribuinte, uma vez que indicou ser RNH, incluindo o anexo L e no cadastro não se encontrava registado como tal.
5.14. Em 07/06/2023 a declaração respeitante ao ano de 2021 deu origem à liquidação n.º 2023...com o montante a pagar no valor de €1.188,53, e a declaração respeitante ao ano de 2022 deu origem à liquidação n.º 2023..., com o montante a pagar no valor de €4.086,73.
5.15. Em consulta às referidas declarações consta o requerente como residente em Portugal, continente, e com rendimentos declarados no anexo J: no ano de 2021, capitais (E11, E21 e E22) e alienação onerosa de ações/partes sociais (G01); no ano de 2022, só capitais (E21 e E22).
5.16. Em 21/11/2023, foi instaurado um procedimento de reclamação (nº ...2023...), onde o agora Requerente reclamava o estatuto de RNH e a correção das declarações de IRS referentes aos anos de 2021 e 2022.
5.17. A reclamação suprarreferida, por não ter sido objeto de decisão no prazo consignado no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, presumiu-se o seu indeferimento tácito para efeitos do presente pedido de contencioso arbitral, n.º 5 do artigo 57.º da LGT.
5.18. A fundamentação da reclamação apresentada assentou, tal como o PPA a que ora se responde, na pretensão do Requerente ser tributado como Residente Não Habitual (RNH).
5.19. Porém, como se percebe pelo PPA e pelo PA, os pedidos de inscrição como RNH formulados pelo ora Requerente foram indeferidos, o primeiro, com efeitos a 2021, por extemporaneidade, nos termos do disposto no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, conjugado com a alínea d) do nº 1 do artigo 109.º do CPA, e o segundo, com efeitos a 2022, por incumprimento dos requisitos, de acordo com o referido na alínea b) do n.º 1 da Circular 9/2012.
5.20. Nos termos do disposto no n.º 8 do art.º 16.º do CIRS, consideram-se residentes não habituais as pessoas singulares que, tendo-se tornado residentes em Portugal de acordo com as regras previstas no n.º 1 do referido artigo, não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal, em sede de IRS.
5.21. A inscrição como residente não habitual tem de ser solicitada por via electrónica, posteriormente à inscrição como residente fiscal ou, em momento ulterior, até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte aquele em que se tornou residente em Portugal, conforme estabelece o n.º 10 art.º 16.º do CIRS
5.22. Ou seja, o artigo 16.º do CIRS consagra um procedimento de reconhecimento da verificação, em concreto, da existência de dois dos pressupostos legais necessários para que possa existir a aplicação de algum beneficio fiscal no âmbito deste regime, nomeadamente, que a pessoa singular se tornou fiscalmente residente em território português, e, que a pessoa em causa não foi residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
5.23. Igualmente se afigura necessário que, em todos os anos em que se obtenham rendimentos elegíveis para o regime em causa, o Residente Não Habitual opte expressamente na modelo 3 pela tributação que pretende e que tem ao seu alcance.
5.24. Concluindo, o benefício fiscal só se concretiza anualmente se existir facto tributário (obtenção de rendimentos relevantes nesta situação) e desde que o contribuinte declare e proceda à opção pelo regime de tributação excepcional, sendo a liquidação efetuada de acordo com as opções que em cada ano faz, e caso o sujeito passivo tenha obtido, a seu pedido, o reconhecimento administrativo da verificação dos dois outros pressupostos.
5.25. Na situação dos autos, como o próprio reconhece, o Requerente não efectuou o pedido no prazo estabelecido no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, prazo esse que, ao contrário do alegado, preclude o direito a que o Requerente se arroga.
5.26. Refuta-se, pois, a alegação de que basta a verificação dos requisitos impostos no artigo 16.º do CIRS para automaticamente beneficiar do estatuto de residente não habitual.
5.27. Pelo que é evidente o não preenchimento dos pressupostos para poder ser tributado em 2021 e 2022 como aqui requerido
5.28. Sobre a Circular n.º 4/2019, que versa sobre o enquadramento fiscal das atividades de elevado valor acrescentado, trazida à colação pelo Requerente, ao contrário do alegado esta não dispõe sobre o regime, ou qualquer tipo de procedimento, respeitante à
residência não habitual.
5.29. Concluindo, sendo a inscrição como RNH, no prazo consignado no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, um requisito prévio e necessário à concessão do estatuto/benefício de RNH, e não tendo sido tal pedido efectuado em tempo, não se verifica qualquer ilegalidade das liquidações impugnadas que sustente o peticionado.
5.30. Assim, a actuação da Requerida não merece qualquer juízo de censura, considerando que é o único entendimento que se coaduna com o princípio da legalidade a que a Requerida está obrigada.
5.31. Por último, quanto ao pedido de condenação de juros indemnizatórios, não existindo qualquer erro que possa ser imputável ao serviço, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, os mesmos não são devidos.
5.32. Nestes termos, deve a presente ação arbitral ser julgada improcedente, absolvendo-se a Requerida dos pedidos.
6. Por despacho de 30 de Setembro de 2024, foi o Requerente notificada para exercer o direito ao contraditório sobre as excepções, o que este veio a fazer em 7 de Outubro de 2024, onde sustentou em síntese o seguinte:
6.1. Já existe jurisprudência no CAAD sobre a competência para reconhecer o estatuto de RNH, com decisões proferidas em situações similares às dos presentes autos, designadamente nos processos arbitrais números 262/2018-T, 188/2020-T, 777/2020-T, 815/2021-T, e, mais recentemente, no 487/2023-T, tendo-se neles todos decidido no sentido de que o Tribunal Arbitral é competente para se pronunciar sobre os actos de liquidação de IRS, quando é suscitada a aplicação do RNH, mesmo nas situações em que existe igualmente uma impugnação pendente do indeferimento do pedido de inscrição como RNH.
6.2. Do Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado, resulta inequivocamente que o que o Requerente peticiona é a anulação dos atos de liquidação de IRS, com fundamento na ilegalidade resultante da não aplicação do regime RNH, e não qualquer reconhecimento do mesmo por este Tribunal, cujo pedido não foi feito.
6.3. Sobre a aplicabilidade do regime de RNH nos actos de liquidação, mesmo existindo uma acção contra o pedido de indeferimento de RHN, as decisões do CAAD têm vindo a entender que cabe na sua competência a pronúncia quanto à sua aplicabilidade.
6.4. Considerando a formulação do PPA, tal como exposta no pedido arbitral, o qual versa sobre a impugnação de acto de liquidação de imposto, expressamente prevista no artigo 2º, nº 1, alínea a), do RJAT como matéria de competência dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, é improcedente a excepção da incompetência material suscitada pela AT.
6.5. Quanto à excepção de impropriedade do meio processual, replicam-se os argumentos já apresentados, e chama-se à colação a decisão proferida no âmbito do processo n.º 487/2023-T, em que foram árbitros Fernando Araújo (Presidente), Rita Guerra Alves e Jónatas Machado (Vogais), onde o PPA foi apreciado e a decisão foi favorável ao Requerente naquele processo, mesmo existindo uma decisão transitada em julgado que não lhe reconheceu o estatuto de RNH.
6.6. Daqui se retira que os meios de reacção à disposição do contribuinte são, de facto, distintos, existindo a possibilidade de recorrer ao CAAD, quando o pedido diga respeito à anulação da liquidação de tributos, nos termos já expostos, e aos Tribunais Administrativos e Fiscais, quando se pretenda impugnar o ato de indeferimento do pedido de inscrição como RNH.
7. No dia 16 de Outubro de 2024 foi proferido despacho arbitral, dispensando a reunião prevista no art. 18º do RJAT, por os factos relevantes estarem provados documentalmente, sendo igualmente dispensada a produção de alegações por as posições das partes estarem claras nos seus articulados, admitindo-se realizar essa reunião se as partes viessem a requerê-la fundamentadamente.
8. As partes não requereram a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT.
II – Factos provados
9. Com base na prova documental constante do processo e que não mereceu impugnação, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
9.1. O Requerente, de nacionalidade brasileira, inscreveu-se em Portugal em 23 de Junho de 2021 como residente nos EUA, tendo passado a residente em Portugal em 18 de Outubro de 2021.
9.2. O Requerente auferiu, durante os anos de 2021 e 2022, rendimentos de capitais, sobre a forma de juros (EUA, Alemanha e Brasil), dividendos (EUA e Brasil) e distribuições de Fundos de Investimentos (Brasil), nos montantes de € 8.227,82 e € 36.875,71, em 2021 e 2022, respetivamente
9.3. Em 30 de Março de 2023, o Requerente procedeu ao pedido de concessão do estatuto de residente não habitual, não tendo podido fazê-lo para o ano de 2021 por o sistema informático da Autoridade Tributária não o permitir.
9.4. Em 8 de Maio de 2023, o Requerente entregou as declarações de IRS referentes aos exercícios de 2021 e 2022, preenchendo as mesmas como Residente Não Habitual, incluindo nomeadamente o Anexo L, que se reportava ao estatuto RNH e aos seus benefícios.
9.5. Nesse mesmo dia foram iniciados pela Autoridade Tributária dois procedimentos de divergências, um para cada um dos anos de rendimento e notificado o Requerente, tendo em consequência o mesmo procedido à sua substituição, delas retirando o Anexo L.
9.6. Foram assim geradas em 7 de Junho de 2023 as liquidações de IRS números 2023... e 2023..., nos montantes de EUR 1.188,53 e EUR 4.086,73, no montante total de € 5.275,26.
9.7. Em consequência, em 21 de Novembro de 2023, o Requerente instaurou o procedimento de reclamação graciosa nº ...2023..., onde reclamava o estatuto de RNH e a correcção das declarações de IRS referentes aos anos de 2021 e 2022.
9.8. O referido procedimento de reclamação graciosa não foi objecto de decisão no prazo legal, presumindo-se em consequência o seu indeferimento.
9.9. No dia 18 de Junho de 2024 o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
III - Factos não provados
10. Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.
IV - Fundamentação da decisão de facto:
11. A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral e a convicção sobre a mesma foi formada com base em prova documental, i.e., nos documentos juntos pela Requerente no âmbito deste processo arbitral e no processo administrativo junto aos autos pela Requerida.
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada pelas partes, devendo, por isso, seleccionar a matéria factual com relevância directa para a decisão.
O Tribunal Arbitral apreciou livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
V - Do Direito
12. São as seguintes as questões a examinar no presente processo.
- Da incompetência do Tribunal Arbitral.
- Da impropriedade do meio processual.
- Da necessidade de suspensão da instância por existência de causa prejudicial.
- Da ilegalidade das liquidações impugnadas.
- Do direito a juros indemnizatórios.
Examinar-se-ão assim essas questões:
— DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL.
13. Sustenta a Requerida que o Tribunal Arbitral seria incompetente para decidir este processo, pois o que o Requerente pretende é que lhe seja reconhecido o estatuto de residente não habitual com efeitos a 2021, pois só após o reconhecimento do estatuto de RNH é que as liquidações impugnadas podem ser anuladas.
Pelo contrário, o Requerente sustenta que já existe jurisprudência no CAAD sobre a competência para reconhecer o estatuto de RNH, com decisões proferidas em situações similares às dos presentes autos, designadamente nos processos arbitrais números 262/2018-T, 188/2020-T, 777/2020-T, 815/2021-T, e, mais recentemente, no 487/2023-T, tendo-se neles todos decidido no sentido de que o Tribunal Arbitral é competente para se pronunciar sobre os actos de liquidação de IRS, quando é suscitada a aplicação do RNH, mesmo nas situações em que existe igualmente uma impugnação pendente do indeferimento do pedido de inscrição como RNH.
A verdade, no entanto, é que o pedido do Requerente, conforme resulta expressamente da sua petição inicial é apenas a anulação dos "actos de liquidação de IRS n.º 2023... 9 e 2023..., relativas aos anos de 2021 e 2022 ano de 2019 que prevê um valor a pagar de EUR 1.188,53 e EUR 4.086,73, respetivamente, tudo com as necessárias consequências legais, designadamente, o reembolso do imposto pago indevidamente pelo requerente, acrescido dos competentes juros indemnizatórios calculados à taxa legal", não existindo qualquer pedido relativo ao reconhecimento ou registo do estatuto de RNH.
Nos termos do art. 2º, nº1, a) do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD compreende a apreciação das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, enquadrando-se consequentemente o pedido formulado no âmbito da competência deste Tribunal Arbitral.
Nestes termos, julga-se improcedente a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral..
— DA IMPROPRIEDADE DO MEIO PROCESSUAL.
13. Sustenta ainda a Requerida existir erro na forma do processo, uma vez que o reconhecimento do estatuto de RNH só pode ser objeto de impugnação junto do tribunal tributário por via da ação administrativa prevista e regulada no CPTA.
Em resposta, o Requerente sustenta que os meios de reacção à disposição do contribuinte são distintos, existindo a possibilidade de recorrer ao CAAD, quando o pedido diga respeito à anulação da liquidação de tributos, e aos Tribunais Administrativos e Fiscais, quando se pretenda impugnar o acto de indeferimento do pedido de inscrição como RNH.
Efectivamente, estando em causa neste processo apenas a anulação das liquidações de IRS n.ºs 2023... e 2023..., relativas aos anos de 2021 e 2022, tem que se considerar que foi adoptado o meio de impugnação próprio para esse efeito, não existindo assim qualquer erro na forma do processo.
Termos em que se julga igualmente improcedente a excepção de impropriedade do meio processual.
— DA SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA POR EXISTÊNCIA DE CAUSA PREJUDICIAL.
14. Sustenta ainda a Requerida que, uma vez que o Requerente indica estar pendente acção administrativa no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, deveria proceder-se à suspensão da instância por existência de causa prejudicial.
No entanto, não há qualquer identificação dessa acção no processo, nem conhece o Tribunal Arbitral o pedido na mesma, o que só por isso impediria que a instância pudesse ser suspensa com esse fundamento. O fornecimento desses elementos é um ónus que recai sobre a parte que solicita a suspensão da instância.
Em qualquer caso, em conformidade com o decidido nos processos 815/2021-T e 487/2023-T, salienta-se que o presente pedido arbitral tem por objecto a liquidação de IRS dos anos de 2020 e de 2021 e não o acto de indeferimento da inscrição do Requerente como RNH.
Assim, se o pedido do Requerente consiste na declaração de ilegalidade das liquidações de IRS relativas aos anos de 2020 e 2021 e na acção anterior o Requerente terá, ao que se julga, peticionado a anulação do acto de recusa da sua inscrição como RNH, o pedido não será idêntico.
Não se ignora que poderia existir uma relação entre os pedidos, caso se considerasse existir uma natureza prejudicial do registo como RNH para a aplicação, anual, do seu estatuto na liquidação de IRS.
Sucede que, como infra se demonstrará, não resulta da lei, que o registo do sujeito passivo como RNH seja um requisito substantivo para a aplicação desse regime em cada ano fiscal.
Ora, se o registo como RNH objecto da referida acção administrativa especial não é prejudicial relativamente à aplicação do regime de “residente não habitual” em cada ano fiscal (anos de 2020 e 2021, no presente processo arbitral) não existe interdependência dos pedidos que obste à apreciação do mérito deste processo arbitral.
Conclui-se, assim, pela inexistência de causa prejudicial que determine a obrigação de suspensão da instância.
— DA ILEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES DE IRS IMPUGNADAS.
15. Centremo-nos agora na questão principal objecto do presente pedido arbitral, que é a da ilegalidade das liquidações de IRS impugnadas, relativas aos anos de 2021 e 2022.
Para esse efeito, é necessário determinar se inscrição no registo da condição de RNH possui, uma natureza meramente declarativa, como formalidade ad probationem, ou tem antes eficácia constitutiva, como formalidade ad substantiam, sem cuja verificação não é possível beneficiar das reduções ou isenções fiscais que são conferidas ao contribuinte em razão da condição de RNH.
Sobre esta questão já existe uma extensa jurisprudência, designadamente a resultante das decisões do CAAD proferidas nos processos n.ºs 188/2020-T, 777/2020-T, 815/2021-T, 705/2022-T, 57/2023-T e 487/2023-T. Acompanharemos por isso na presente decisão a jurisprudência resultante desses doutos acórdãos.
O regime do RNH foi inicialmente previsto no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, tendo criado o regime fiscal para o RNH em sede de IRS, tendo em vista atrair para Portugal profissionais não residentes qualificados em atividades de elevado valor acrescentado ou da propriedade intelectual, industrial ou know-how, bem como beneficiários de pensões obtidas no estrangeiro. Mais tarde foi inserido no art. 16º do Código do IRS, tendo vindo posteriormente a ser revogado pela Lei 82/2023, de 29 de Dezembro, com a aplicação em 2024 do regime transitório previsto no art. 236º dessa lei. No entanto, como as liquidações em causa são referentes a 2021 e 2022, haverá que aplicar o regime vigente nessas datas.
O regime jurídico do RNH exige o cumprimento dos seguintes requisitos:
i) que o sujeito passivo se torne fiscalmente residente em território português, de acordo com qualquer um dos critérios estabelecidos nos números 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS, no ano relativamente ao qual se pretenda a tributação como residente não habitual; e
ii) que não tenha sido considerado residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores (àquele ano em que se pretende a tributação como RNH).
O direito à tributação como RNH fica condicionado ao cumprimento dos requisitos descritos no n.º 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS e, concomitantemente, “da inscrição como residente em território português”, e não da inscrição como RNH.
Constata-se assim que os critérios para ter o estatuto de RNH são definidos pelo n.º 8 do artigo 16.º CIRS, que estabelece um critério positivo e negativo. O critério positivo consiste no facto de o sujeito passivo tornar-se fiscalmente residente nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 16.º do Código do IRS (1.ª parte do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS). O critério negativo consiste em não ter sido residente em território português nos cinco anos anteriores (2.ª parte do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS).
Por seu turno, o n.º 10 do mesmo artigo, refere que o contribuinte “deve” solicitar a sua inscrição até ao dia 31 de Março do ano seguinte em que se torne residente fiscal em Portugal.
Trata-se de estabelecer como limite o dia anterior ao prazo do início da entrega do Modelo 3 do IRS (1 de Abril), previsto no artigo 60.º do CIRS, com vista a facilitar a tarefa de organização administrativa do cadastro, mormente com a liquidação do IRS dos beneficiários de tal estatuto.
Deste modo, do confronto dos números 8 a 10 do artigo 16.º do CIRS, dúvidas não restam de que os requisitos estão unicamente previstos no respectivo n.º 8.
Concluindo-se assim que a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, antes da data-limite prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, tem natureza exclusivamente declarativa, e não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respectivo regime.
Voltando ao caso dos autos, dúvidas não restam de que o Requerente não foi residente fiscal antes de 2021, e apenas nesse ano se tornou residente fiscal, sendo que esse facto nem sequer é contestado pela Requerida.
Acresce que, pela entrega das respetivas declarações modelos 3 do IRS com o anexo L, e com o pedido de inscrição como residente não habitual, ainda que em data posterior, é inequívoco que o Requerente pretendeu beneficiar de tal regime, dado que cumpre os respetivos requisitos de atribuição.
Acompanha-se a fundamentação da decisão arbitral do processo n.º 777/2020-T, no sentido de que vale “(…) a junção dos anexos L à declaração de rendimentos como pedido, dirigido à AT, para ser tributado pelo regime dos “residentes não habituais (…)”
O direito a ser tributado como residente não habitual depende, portanto, e como se vê, apenas de o sujeito passivo “ser considerado residente não habitual”. Para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, a lei não exige o registo, pelo contrário, o n.º 8 é inequívoco ao estabelecer que “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”
Ou seja, para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, basta que se verifiquem os dois requisitos, positivo e negativo, acima referidos não sendo nenhum deles o registo como residente não habitual.
Afigura-se assim evidente que a letra das disposições relevantes não permite a conclusão de que o registo como residente habitual seja requisito substancial, ou constitutivo, de aplicação do regime.
Acompanha-se igualmente a fundamentação do processo nº 188/2020-T:
“Não obstante, como por regra ocorre, a interpretação da lei fiscal não pode, nem deve, ficar-se pelo teor literal dos normativos imediatamente aplicáveis, devendo, antes, e mais não seja pela imposição da realização dos princípios da tributação da capacidade contributiva e da justiça material, decorrentes dos artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2, da LGT, identificar-se a finalidade material do regime a aplicar, através da compreensão da natureza das normas convocáveis, das finalidades por si visadas, e do contexto sistemático das mesmas.
Sob esta perspectiva, a norma do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual – até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional -, deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efectividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal.
E, nem se diga, como faz a AT, que não tendo o Requerente respeitado o prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para requerer a sua inscrição como residente não habitual, não pode beneficiar desse regime em qualquer um dos dez anos a que teria direito se tivesse apresentado o pedido dentro do prazo. Tratando-se a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de uma obrigação meramente declarativa e, portanto não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime, o atraso na entrega de declarações constitui uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 116.º do RGIT, e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual.”
Deste modo, é patente a diferença de redacção com a anterior versão do n.º 2 do artigo 23.º Código Fiscal do Investimento, como bem se observa na decisão do processo n.º 705/2022-T:
“Esta interpretação mostra-se corroborada pelo confronto com a anterior regulação do regime dos residentes não habituais. Recorde-se que, na versão do Decreto-Lei n.º 249/2009, o art. 23.º, n.º 2 do Código Fiscal do Investimento dispunha que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI” e o então o n.º 7 do art. 16.º do CIRS afirmava, do mesmo modo, que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos”. Como se observa, a ligação que então se fazia entre a inscrição da qualidade de residente não habitual no registo dos contribuintes e a aquisição do direito a ser tributado como tal desapareceu da regulação vigente, a qual apenas conexiona a aquisição do direito a ser tributado como residente não habitual à consideração como tal em atenção à factualidade de os sujeitos passivos se tornarem fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do art. 16.º do CIRS e não terem sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, que são, pois, os únicos requisitos de que depende essa condição.”
Na verdade, e conforme se refere na decisão proferida no processo 487/2023-T:
"Conclui-se assim que o Requerente cumpre com os requisitos previstos no nº 8 do artigo 16.º do CIRS, os quais, como já se viu, são os únicos requisitos exigidos por lei para que um sujeito passivo possa beneficiar do regime dos RNH. Igualmente se conclui que, por seu turno, a inscrição no registo de residentes não habituais tem natureza exclusivamente declarativa, e não efeitos constitutivos do direito de ser tributado nos termos do respectivo regime.
O pedido de inscrição como residente não habitual, estabelecido no n.º 10 do art. 16.º do CIRS deve, então, reputar-se um dever acessório do contribuinte (art. 31.º, n.º 2 da LGT), que serve a finalidade de facilitação da fiscalização da situação tributária do contribuinte e da aplicação do beneficio fiscal, de modo a que a AT proceda ao controlo dos registos do contribuinte no seu cadastro, bem como dos demais elementos em seu poder, solicite eventuais elementos adicionais para verificar que o interessado foi considerado como residente fiscal noutra jurisdição, e valide o cumprimento dos requisitos legalmente previstos.
Sendo, porém, da verificação destes requisitos, e não da solicitação ou realização daquela inscrição no registo, que depende a constituição do direito a ser tributado, de modo desagravado, como RNH.
Assim, considerando que se trata de um dever acessório, ao respetivo incumprimento pode corresponder uma contraordenação tributária (cfr. art. 117.º do Regime Geral das Infrações Tributárias), mas isso não interfere com o direito à redução ou isenção tributária adveniente do regime do RNH, que assenta estritamente na satisfação das condições materiais legalmente previstas, e não pressupõe, como requisito substancial adicional, a inscrição cadastral".
Concorda-se com esta jurisprudência, entendendo-se igualmente que a aplicação do regime dos residentes não habituais apenas exige a verificação de dois requisitos – de o sujeito passivo se ter tornado fiscalmente residente em território português e não ter sido nele residente em qualquer dos cinco anos anteriores – ,não dependendo da correspondente inscrição no cadastro. Como tal, a falta ou intempestividade da inscrição como residente não habitual não determina, por si mesma, a exclusão do regime correspondente.
Em consequência, pelo facto de não ter sido aplicado o regime dos residentes não habituais, apesar de o mesmo ter sido solicitado pelo Requerente, os actos de liquidação em causa são ilegais por erro nos pressupostos de direito, o que implica a sua anulação, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo.
— DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
14. O Requerente solicita ainda no final do seu pedido o pagamento de juros indemnizatórios.
Decorre efectivamente do artigo 43º, nº1, da LGT que o contribuinte tem direito a juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".
Podemos entender ainda que, como decorre do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral. Ter-se-á, no entanto, de determinar se houve ou não erro imputável aos serviços.
Como já se referiu, o Requerente apresentou as declarações de IRS em causa com a aplicação do regime dos residentes não habituais, tendo sido a Autoridade Tributária que considerou existirem divergências que o obrigaram a corrigir as declarações, determinando assim o surgimento das liquidações de IRS. Estamos assim, neste caso, perante uma actuação por parte da Autoridade Tributária, que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do art. 43º da LGT.
Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vide art. 43º, nº1 da LGT), entendemos que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor de € 5.275,26, que serão contados desde a data do pagamento, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.
VI – Decisão
Nestes termos, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a anulação por ilegalidade das liquidações de IRS números 2023... e 2023..., nos montantes de EUR 1.188,53 e EUR 4.086,73, no montante total de € 5.275,26, e o reembolso do imposto pago.
Julga-se igualmente procedente o pedido de condenação em juros indemnizatórios sobre esse montante, que serão devidos desde a data do pagamento até ao reembolso do imposto.
Fixa-se ao processo o valor de € 5.275,26 (valor indicado e não contestado) e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 612,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, condenando-se a Requerida nas custas do processo.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2024
O Árbitro
(Luís Menezes Leitão)