SUMÁRIO:
1 - Da letra dos n.ºs 3 e 4 do art.º 43.º do CIRS não resulta que sua aplicação seja apenas dirigida às mais-valias geradas por micro e pequenas empresas com sede ou direção efetiva em território nacional.
2 - A fazer-se tal interpretação a mesma violaria o primado do direito comunitário estabelecido no n.º 4 do artigo 8º da CRP.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professor Doutor Victor Calvete (árbitro-presidente), Dr. António Pragal Colaço (Vogal) e Dr. Arlindo José Francisco (Vogal - Relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
A..., divorciado, contribuinte fiscal nº ..., de nacionalidade holandesa, residente em ... ...-... Melides, área do serviço fiscal de Grândola, tendo sido notificado da liquidação de IRS nº2024 ... de 5 de Janeiro de 2024, no valor de € 246 418,62, com a data de limite de pagamento de 14 de fevereiro de 2024, vem, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 102.º e seguintes do CPPT, e na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º, na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, RJAT, apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação, com a consequente anulação parcial da mesma, no montante de € 124 709,31.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 10/05/2024 pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, os quais comunicaram a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no seu artigo 11.º n.º 1, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 16 de julho de 2024, sendo Presidente o Professor Doutor Víctor Calvete e (Vogais) Dr. António Pragal Colaço, e Dr. Arlindo José Francisco (Relator), proferindo despacho, na mesma data, nos termos e efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, a notificar a Diretora-Geral da AT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, bem como, para junção, no mesmo prazo, de cópia integral do processo administrativo.
O Requerente, em síntese, suporta o pedido no facto de, em seu entender, o rendimento por ele obtido no exercício de 2022 resultar da venda de partes sociais de uma sociedade sedeada na União Europeia que produziu uma mais-valia no valor de € 897 000,00, tendo a AT, no apuramento do imposto a pagar, considerado este valor pela totalidade, sem ter em conta as disposições contidas no artigo 43º do CIRS, nomeadamente no seu n.º 3. Salienta que a sociedade à data da alienação era uma pequena empresa e que os Tribunais constituídos no âmbito do CAAD, têm vindo a decidir que este procedimento da AT é ilegal por violar o já referido e ainda o artigo 63º do TFUE.
Por sua vez a AT, embora notificada, em 16 de julho de 2024, nos termos e efeitos do artigo 17º do RJAT não produziu qualquer resposta no prazo concedido e legalmente previsto nem pediu a sua prorrogação.
II – SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), tendo o pedido sido tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se devidamente representadas de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades, nem existem exceções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
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As questões a dirimir são as seguintes:
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Se a liquidação de IRS nº2024..., deverá ou não ser parcialmente anulada; e
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Se em caso de anulação parcial da referida liquidação o consequente reembolso deverá ou não ser acompanhado do pagamento de juros indemnizatórios por parte da AT.
2 – Matéria de facto
2.1 Factos provados
a) O Requerente é um cidadão neerlandês, residente em Portugal desde 2020, com o estatuto de residente não habitual (Doc. 2 e 3);
b) Apresentou a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, do exercício de 2022, na qual declarou no seu anexo J de rendimentos obtidos no estrangeiro, resultantes da alienação de partes sociais, conforme se alcança da respetiva declaração modelo 3;
c) As partes sociais alienadas respeitam à sociedade B..., com sede em ... ..., tudo como melhor consta no Doc.5;
d) Em 30 de dezembro de 2022, o Requerente vendeu 5890 ações que detinha na referida empresa à sociedade C... BV, sociedade de direito neerlandês, pelo valor de € 897 000,00, Doc.6;
f) De acordo com a declaração modelo, as aludidas ações foram adquiridas em 2012 pelo valor de € 5980,00 (Do. 4 e 5) e por força da correção monetária (artigo 50º do CIRS) esse valor foi atualizado para € 6 219,20;
g) Como o Requerente optou pelo não englobamento da mais valia apurada, foi-lhe aplicada à totalidade do rendimento apurado € 890 780,80, a taxa autónoma de 28%, de acordo com o nº 4 do artigo 10º e alínea c) do nº 1 do artigo 72º ambos do CIRS, tendo sido apurado o imposto de € 249 418,62 conforme liquidação de IRS nº2024... de 5 de Janeiro de 2024 que o Requerente pagou no prazo legal.
h) A empresa B..., à data da alienação das ações reunia os requisitos para ser qualificada como pequena empresa, tinha menos de 50 empregados, o seu volume de negócios não excedia os 10 milhões de euros e tinha a sua situação contributiva regularizada, conforme Doc. 7, 8 e 9.
i) Em 8 de Maio de 2024 apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral, com vista à apreciação da legalidade da citada liquidação.
j) Constituído o Tribunal em 16/07/2024, na mesma data proferiu Despacho nos termos e efeitos do artigo 17º do RJAT, não tendo a Requerida produzido qualquer resposta no prazo legalmente previsto nem pedido a sua prorrogação para a produzir.
2.2. Factos não provados
Não há factos não provados com relevância para a decisão
2.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
A Requerida, como já se viu, não apresentou resposta nem o processo administrativo, dispondo o n.º 6 do artigo 110º do CPPT que a falta de contestação não representa a confissão dos factos articulados pelo impugnante, podendo o Tribunal nos termos do n.º 7 do mesmo artigo apreciar livremente a falta de contestação especificada dos factos, sendo dados como provados os que resultam de prova documental, fundando-se a convicção do Tribunal Arbitral na livre apreciação das posições assumidas pela Requerente e na liquidação levada a efeito pela Requerida.
3. MATÉRIA DE DIREITO
Tendo em vista a matéria de facto dada como provada e fazendo o seu enquadramento com o direito aplicável, a questão de fundo com vista à composição do litígio está em saber se o regime previsto no artigo 43.º, n.ºs 1, 3 e 4 do CIRS é, ou não, aplicável às situações em que as mais-valias decorram da alienação de partes de capital social de sociedades que não tenha a sua sede e/ou direção efetiva em Portugal.
Os nºs 1, 3 e 4 do referido artigo, à data dos factos, tinham a seguinte redação:
“1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
(…)
3 - O saldo referido no n.º 1, respeitante às operações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor.
4 - Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.”
O número 4 antes referido remete para o anexo ao DL 372/2007 de 6 de novembro que no n.º 2 do seu artigo 2º, nos dá o conceito de PME e que se transcreve:
“Na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros”.
Convém desde já dizer que o artigo 43º nºs. 3 e 4 do CIRS, apenas remete para o DL 372/2007 de 6 de novembro para a noção de micro e pequenas empresas, estabelecendo os respetivos critérios a observar para assim serem consideradas e nada mais.
Considerando a matéria de facto dada como provada é possível concluir que a empresa cuja alienação das partes sociais geraram a mais-valia em causa, reunia as condições para ser considerada uma PME, porém, não tem a sua sede ou direção efetiva em Portugal, mas em França, pelo que importa averiguar se mesmo assim as normas do artigo 43º do CIRS terão ou não aplicação ao caso concreto.
Na perspetiva do Requerente o nº 3 do artigo 43º não limita a sua aplicação ao saldo das mais-valias obtidas com a venda de parte sociais de empresas localizadas em Portugal, devendo considerar-se ilegal o facto de no anexo J da declaração modelo 3 não ser possível identificar a sociedade B..., como pequena empresa e que uma interpretação limitadora nos termos feitos pela AT no apuramento do imposto a pagar, viola o artigo 63º do TFUE.
O Tribunal considera que tendo em conta o disposto nos nºs. 3 e 4 do artigo 43º do CIRS, da sua letra, não se pode retirar que a sua aplicação só terá lugar apenas às mais-valias geradas por PME com sede ou direção efetiva em território português, a entender-se assim haveria uma restrição aos movimentos de capitais, ao praticar-se um tratamento fiscal diferenciado negativamente, relativamente a rendimentos de mais-valias geradas num País da EU e tributadas em Portugal procedimento que violaria o direito comunitário e contrário à jurisprudência do TJUE, que nos termos do nº 4 do artigo 8º da CRP são aplicáveis na ordem interna.
No nosso caso concreto verifica-se que na liquidação nº2024... tributou-se a mais-valia apurada na sua totalidade (100%) procedimento que o Tribunal considera violador do nº 3 do artigo 43º do CIRS que determina a tributação de apenas 50% da mais-valia apurada, pelo que a liquidação deverá ser parcialmente anulada, como aliás é requerido, tributando-se apenas 50% das mais-valias apuradas.
Nestas circunstâncias, o pedido deverá ser julgado procedente, anulando-se parcialmente a liquidação de IRS nº2024... de 5 de Janeiro de 2024, no montante de € 124 709,31, valor que deverá ser reembolsado ao Requerente.
4. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
De harmonia com o disposto na alínea b), do artigo 24.º, do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito. O que está de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Termos em que com vista à reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, o reembolso do imposto indevidamente pago no montante de € 124 709,31 será acompanhado dos referidos juros indemnizatórios, nos termos do nº 5, do artigo 24.º do RJAT, do artigo 43º da LGT, e do artigo 61º do CPPT, que serão contados desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
IV – DECISÃO
De harmonia com o exposto o Tribunal Arbitral acorda o seguinte:
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Julgar o pedido procedente, com a anulação parcial da liquidação de IRS nº2024...;
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Julgar procedente o pedido de reembolso do IRS indevidamente pago no montante de € 124 709,31, acompanhado dos respetivos juros indemnizatórios;
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Fixar o valor do Processo em € 124 709,31, ao abrigo do disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e do 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária;
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Fixar as custas em € 3060,00, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que ficam a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2024
O Presidente
Professor Doutor Victor Calvete
O Vogal
Dr. António Pragal Colaço
O Vogal-Relator
Dr. Arlindo José Francisco