Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 343/2024-T
Data da decisão: 2024-12-03  IRC  
Valor do pedido: € 65.900,66
Tema: IRC – artigo 87.º-A do CIRC. Derrama estadual liquidada sobre rendimentos obtidos nas Regiões Autónomas por sociedades com sede e direção efetiva em território continental.
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SUMÁRIO

  1. Um sujeito passivo de IRC, com sede e direção efetiva no território continental português, que desenvolve parte da sua atividade comercial na Região Autónoma dos Açores e na Região Autónoma da Madeira, através de estabelecimentos estáveis que ali mantém para o efeito, está sujeito às derramas regionais previstas naquelas circunscrições pela parcela do lucro tributável imputável àqueles estabelecimentos estáveis.

 

  1. O cálculo do montante devido a título de derrama estadual (prevista no artigo 87.º-A do CIRC) e a título de cada uma das derramas regionais deve ser aferido com base no critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro (Lei das Finanças das Regiões Autónomas), que determina uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à atividade que nela foi efetivamente desenvolvida.

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente e relatora), Dr. Gonçalo Marquês de Menezes Estanque e Dr. José Luís Ferreira (árbitros relatores), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral no processo identificado em epígrafe, acordam no seguinte:

 

I.       RELATÓRIO

  1. A..., S.A. e B..., S.A., sociedades comerciais anónimas com sede em ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, e Rua ..., n.ºs ... e..., ...-... ..., Oeiras, titulares dos Números Únicos de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial (“NIPC”) ... e ... (separada e respetivamente “1.ª Requerente” e “2.ª Requerente” ou, conjuntamente, “Requerentes”), na qualidade de sociedades incorporantes da C..., S.A., sociedade comercial anónima com sede na segunda morada, titular do NIPC ..., à data, sociedade dominante do GRUPO D... (“C...”), e a 2.ª Requerente, também na qualidade de sociedade incorporante da E..., S.A., sociedade comercial anónima com sede na segunda morada, titular do NIPC..., à data, sociedade dominada daquele GRUPO (“E...”), vieram, em 11 de março de 2024, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 137.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), e 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a requerer a constituição de tribunal arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) com vista (i) à declaração de ilegalidade e anulação parcial das autoliquidações resultantes das declarações periódicas de rendimentos Modelo 22 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.ºs ... e..., referentes ao exercício de 2018 (“Declarações Modelo 22”) e, bem assim, da decisão expressa de indeferimento do pedido de revisão oficiosa autuado com o n.º ...2023..., e (ii) a restituição do montante de € 65.900,66, correspondente ao imposto suportado alegadamente em excesso no período de 2018, acrescido de juros indemnizatórios.
  2. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, e automaticamente notificado à Requerida.
  4. Em 24 de maio de 2024, foi comunicada, pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, a constituição do presente tribunal arbitral coletivo, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 11.º do RJAT.
  5. Notificada para o efeito, a Requerida apresentou resposta e processo administrativo em 26 de junho de 2024.
  6. Por despacho de 1 de julho de 2024, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da livre determinação das diligências de prova necessárias (cf. artigo 16.º, alíneas c) e e), do RJAT), e considerando a inexistência de prova por produzir.
  7. Ambas as partes apresentaram alegações finais escritas no prazo estipulado pelo Tribunal Arbitral para o efeito.

II.    SANEADOR

  1. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação (parcial) das autoliquidações de IRC plasmadas nas declarações Modelo 22 n.ºs ... e ..., referentes ao exercício de 2018, bem como da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa autuado com n.º ...2023... .
  2. O PPA apresentado em 11 de março de 2024 é tempestivo porquanto foi cumprido o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do CPPT, a contar da notificação à 1.ª Requerente da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa objeto dos presentes autos (11 de dezembro de 2023).
  3. É admitida a cumulação de pedidos, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, porquanto, como sucede in casu, a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
  4. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  5. Não foram identificadas nulidades ou exceções que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

  1. QUESTÕES A DECIDIR

 

  1. As Requerentes peticionam a anulação parcial dos atos tributários de autoliquidação de IRC do exercício de 2018 referentes às sociedades C... e E..., com sede e direção efetiva em território continental, na parte respeitante à derrama estadual liquidada relativamente aos rendimentos auferidos nas Regiões Autónomas da Madeira e Açores, ao abrigo do artigo 87.º-A do CIRC, e a restituição do montante de € 65.900,66 (acrescido de juros indemnizatórios), invocando para o efeito vício de violação de lei, designadamente, dos artigos 4.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, e 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro.
  2. Mais especificamente, defendem as Requerentes que (i) o lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas pelas sociedades C... e E... deve ser sujeito às taxas de derrama regional correspondentes, caso haja lugar à sua aplicação, e que (ii) subtraindo-se tal lucro tributável à totalidade do lucro tributável do exercício, apenas o remanescente, se superior a € 1.500.000,00, deve ser sujeito a derrama estadual. Com base neste entendimento, as Requerentes constatam existir uma diferença entre o montante devido a título de derrama estadual/regional (€ 533.083,15), e aquele que foi efetivamente declarado pela E... (€ 598.983,81), diferença essa que ascende a € 65.900,66.
  3. Cumpre, assim, ao Tribunal Arbitral determinar primeiramente se atos tributários de autoliquidação de IRC impugnados são parcialmente ilegais porquanto assentaram na errónea aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, que prevê a derrama estadual, a rendimentos auferidos nas Regiões Autónomas da Madeira e Açores por sociedades sede e direção efetiva em território continental.
  4. Entendem também as Requerentes que os atos tributários impugnados foram emitidos nos termos de preceito legal (artigo 87.º-A do CIRC) materialmente inconstitucional, por violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas consagrada nos artigos 227.º, n.º 1, alíneas i) e j), e 228.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e por violação quer do princípio da igualdade, quer do primado do Direito Europeu, consagrados, respetivamente, nos artigos 13.º e 8.º, n.º 4, da CRP.
  5. A título subsidiário, as Requerentes peticionam que o cálculo da derrama estadual em apreço reflita a parte do lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas mediante a aplicação, em cada intervalo/escalão de lucro tributável, do rácio de volume de negócios gerado no Continente e nas duas Regiões Autónomas, obtendo-se, desta forma, o lucro tributável de cada circunscrição ao qual aplicou, em cada intervalo/escalão, a respetiva taxa de derrama estadual/regional, gerando deste modo uma diferença paga em excesso no exercício de 2018 de € 2.994,92.
  6. Finalmente, sendo determinada a anulação dos atos tributários e decisório em análise, as Requerentes solicitam a restituição do montante legalmente devido e entendem ter direito a juros indemnizatórios vencidos e vincendos, com fundamento em erro imputável aos serviços da AT, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, e, subsidiariamente, com fundamento em inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legal, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

§1.     Factos provados

  1. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
    1. Em 2018, a C... e a E... eram sociedades comerciais anónimas que exerciam, a título principal, a atividade de construção e exploração de estabelecimentos destinados à comercialização de materiais, produtos e ferramentas de bricolage, através de instalações físicas localizadas por todo o território nacional, quer continental, quer insular (cf. alegado nos artigos 9.º e 10.º do PPA e no artigo 7.º da Resposta – facto não contestado).
    2. Em 3 de fevereiro de 2020, a C..., na qualidade de sociedade dominante do GRUPO D..., o qual era tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”) previsto nos artigos 69.º e seguintes do CIRC, procedeu à entrega da declaração Modelo 22 de IRC do grupo para o período de tributação de 2018 – à qual foi atribuído o n.º...–, tendo declarado, no campo 373 do quadro 10 daquela declaração, o montante de € 2.036.834,68, a título de derrama estadual devida pelas sociedades do grupo (cf. Documento n.º 1 junto ao PPA e alegado nos artigos 1.º e 7.º da Resposta – facto não contestado).
    3. Na sua declaração Modelo 22 de IRC individual (para o exercício de 2018), a  E...apurou uma derrama estadual no montante de € 598.983,81 (cf. Documento n.º 2 junto ao PPA – facto não contestado).
    4. Em 17 de julho de 2023, as Requerentes apresentaram pedido de revisão oficiosa peticionando a anulação (parcial) das referidas autoliquidações de IRC, ora impugnadas, na parte referente à derrama estadual (cf. cópia do pedido de revisão oficiosa junta ao PPA como Documento n.º 6).
    5. Através do Ofício emitido em 6 de outubro de 2023, pelo Direito de Serviços da Unidade dos Grandes Contribuintes, foram as Requerentes notificadas da proposta de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e para, querendo, exercer o respetivo direito de audição prévia (cf. Documento n.º 7 junto ao PPA).
    6. As Requerentes não exerceram o seu direito de audição prévia (cf. Documento n.º 3 junto ao PPA).
    7. Em 11 de dezembro de 2023, a 1.ª Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento deste pedido de revisão oficiosa, no qual se pode ler:

“[A]s Reclamantes alegam que a figura tributária da Derrama estadual é materialmente inconstitucional quando, preenchidos os seus pressupostos, é aplicada aos rendimentos obtidos na circunscrição das regiões autónomas, afrontando a Lei das Finanças Regionais, os diplomas que instituem a Derrama regional, o princípio constitucional da igualdade e da autonomia regional e o princípio do direito da União Europeia da liberdade de estabelecimento.

(…)

Ora, desde já, dúvidas surgem em relação ao objeto impugnatório cujo esclarecimento se impõe sob pena de ferir a legalidade da pronúncia ou decisão a tomar no presente procedimento.

(…)

[S]endo o objeto mediato do pedido a apreciação da conformidade constitucional da referida figura tributária ou de alguma das normas do seu regime ou qualquer outra, diga-se, encontramo-nos perante uma função que não incumbe à AT.

Com efeito, a AT, como órgão da administração pública sob direção do Governo, não tem competências no foro da apreciação da legalidade constitucional de normas jurídicas, ou sequer da atividade legiferante, pelo que qualquer pronúncia decisória nossa encontrar-se-ia ferida de legalidade institucional.

(…)

Da inconstitucionalidade material (interpretativa) da Derrama estadual (…)

Em suma, entendem as Reclamantes, com sede e direção efetiva no território continental, que os rendimentos obtidos por si nas regiões autónomas da Madeira e Açores, deveriam encontrar-se sujeitos às respetivas Derramas regionais e não à Derrama estadual.

Para este efeito o lucro tributável gerado pelas suas instalações deveria ser aferido e isoladamente considerado para sobre o mesmo recair, se cumpridos os seus pressupostos, a respetiva Derrama regional, cumprindo-se deste modo com o quadro legal e constitucional (…).

Será oportuno aqui realçar que a Derrama estadual atua como uma taxa adicional à taxa (geral) de IRC, que incide sobre os sujeitos passivos de imposto cujo lucro tributável não isento exceda € 1.500.000,00.

Apesar da dicotomia quanto à sua natureza, entre considerar-se como um imposto próprio ou um mero adicionamento ao IRC, a Derrama estadual é numa lógica de sistema tomada como IRC.

(…)

Questão diversa, e que nos parece ser a contenda das Reclamantes, é se a Derrama estadual se encontra sujeita às mesmas regras de afetação de receita tributária a que se refere o citado art.º 26.º da Lei das Finanças Regionais. 

Ora, para os serviços da AT, indubitavelmente, a Derrama estadual acompanha este tratamento.

A razão imediata é a ausência dum tratamento disforme para esta espécie tributária, que quer seja considerada como novo imposto ou taxa adicional de IRC, defendido esta última posição pela AT, estruturalmente insere-se dentro do IRC, encontrando-se o seu regime arrumado no art.º 87.º-A do CIRC.

Ou seja, não prevê a legislação vigente qualquer diferença de tratamento na repartição da receita de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas a alocar às regiões autónomas, sobre o IRC ou das Derramas estadual ou regional.

Dito doutro modo, na Lei das Finanças Regionais, nomeadamente no Capítulo I, Secção II, não existe nenhuma outra regra de imputação de receitas tributárias onde sejam enquadráveis as Derramas estadual, regional e municipal como impostos que incidem sobre o lucro das pessoas coletivas.

Nesse sentido, o procedimento de alocação desta receita tributária, quando perante sujeitos passivos que exerçam atividade económica em mais do que uma circunscrição, será sempre em função do volume de negócios, repartido em proporção entre a sede e as instalações localizadas noutras circunscrições.

Da proporção que dessa operação resultar, deverá a mesma ser aplicada à coleta de imposto, compreendendo o IRC, Derrama estadual ou Derrama regional, a haver.

(…)

Ora, resulta deste enquadramento que o lucro tributável do sujeito passivo é só um, inexistindo assim um lucro tributável distinto das instalações dispersas do sujeito passivo pelo território português.

Nem as regras de apuramento do lucro tributável no CIRC o preveem, nem o próprio cálculo das derramas regionais, nos respetivos diplomas legislativos regionais, que se limitam a remeter para a Lei das Finanças Regionais e esta por sua vez para o CIRC, sempre para o sujeito passivo conforme descrito no art.º 2.º.

(…)

Não podemos assim conceder na pretensão das Reclamantes em proceder ao apuramento da Derrama estadual que seria devida nas regiões autónomas em função do lucro tributável gerado pelas instalações nas regiões localizadas e isoladamente considerado.

Da aplicação da derrama regional aos rendimentos gerados na região autónoma

[P]ugnam as Reclamantes pela aplicação da derrama regional, às taxas previstas para cada região, aos rendimentos gerados nas respetivas regiões autónomas, fazendo as mesmas incidir sobre a parte do lucro tributável gerado nas regiões autónomas.

Ora, tal como referido na questão precedente, não existe um lucro tributável distinto da pessoa coletiva sujeita a imposto e as suas instalações localizadas noutra circunscrição territorial nacional.

O exercício que as Reclamantes propõem implicaria sempre ficcionar um lucro tributável das instalações localizadas noutra circunscrição, um conceito e formula inexistente no sistema de tributação do IRC como oportunamente referimos nos parágrafos 68.º e seguintes, fundamentação para a qual remetemos.

Perante esta impossibilidade prática, não poderá ser outra a nossa resposta que não a da rejeição desta sua pretensão.

Questão diversa e relevante será determinar se esta incongruência aplicacional da Derrama regional aos sujeitos passivos com sede ou direção efetiva numa região e atividade económica em mais do que uma circunscrição é um lapso ou, ao invés, a verdadeira manifestação davontade do legislador. (…)

Traduzindo-se as Derramas regionais da Madeira e Açores como uma adaptação da figura tributária da Derrama estadual nas suas respetivas circunscrições regionais, que para além da divergência de taxas, não assume qualquer outro circunstancialismo próprio, não se vislumbra razão para não serem enquadrados nas regras de repartição da receita tributária de IRC a que se refere o no n.º 1 do artigo 26.º da Lei das Finanças Regionais.

Nomeadamente, e para o que nos releva, na hipótese prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 26.º da Lei das Finanças Regionais, quanto à repartição dessa receita em função do volume de negócios.

Conjugando este quadro legal, atenta a natureza da Derrama estadual, o facto da base de incidência objetiva das Derramas regionais ser totalmente idêntica a esta na sua adaptação para as especificidades da tributação regional das pessoas coletivas, concluímos que as mesmas aplicam-se (i) aos sujeitos passivos com sede ou direção efetiva na respetivas região autónoma e (ii) aos estabelecimentos estáveis de entidades sem sede ou direção efetiva em território nacional.

Razão pela qual aos sujeitos passivos com sede ou direção efetiva no território continental, como é o caso das Reclamantes, sobre a porção dos rendimentos gerados nas regiões autónomas através de representação permanente sem personalidade jurídica, incidirá Derrama estadual”.

(cf. Documento n.º 3 junto ao PPA – facto não contestado).

  1. As Requerentes apresentaram o PPA que deu origem aos presentes autos em 11 de março de 2024 (facto não controvertido).

§2.     Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos não provados.

§3.     Motivação quanto à matéria de facto

  1. Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
  2. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  3. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental junta aos autos, e considerando as posições assumidas pelas partes, e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

§1.     Legislação relevante

Derrama estadual

  1. O artigo 87.º-A do Código do IRC, na redação vigente em 2018, estabelecia o seguinte:

“1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a € 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:

 


2 - O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda € 1 500 000, quando superior a € 7 500 000, é dividido em duas partes: uma, igual a € 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda € 7 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %.
3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º”

 

Derrama regional

  1. Nos termos do artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP, as Regiões Autónomas gozam de “poder tributário próprio, nos termos da lei”, tendo competências para “adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais”. O reconhecimento deste comando constitucional na lei ordinária foi concretizado através da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, cuja versão mais recente e atualmente em vigor foi aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro. No artigo 56.º, n.º 2, deste diploma prevê-se a competência legislativa regional em matéria fiscal das assembleias legislativas regionais, designadamente os poderes de: (i) criar e regular novos impostos, vigentes apenas nas respetivas circunscrições, definindo a respetiva incidência, taxa, liquidação, cobrança, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes; e (ii) adaptar os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais, nos termos da lei. Nos termos do artigo 59.º da mesma Lei, mormente do seu n.º 2, sob a epígrafe “Adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais”, podem as assembleias legislativas regionais, “tendo em conta a situação financeira e orçamental da região autónoma, diminuir as taxas nacionais do IRS, do IRC e do IVA, até ao limite de 30/prct. (…)”.
  2. Com fundamento na sua autonomia legislativa em matéria fiscal que as Regiões Autónomas criaram as respetivas derramas regionais através da aprovação dos seguintes diplomas: na Madeira, o Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, alterado pelos Decretos Legislativos Regionais n.ºs 5/2012/M, de 30 de março; 42/2012/M, de 31 de dezembro; 5-A/2014/M, de 23 de julho, que republicou o diploma originário; 2/2018/M, de 9 de janeiro; nos Açores, o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 1/2018/A, de 3 de janeiro.
  3. À semelhança da derrama estadual, na derrama regional, a taxa aplicável depende do lucro tributável do sujeito passivo: na Madeira, as taxas oscilam entre 3%, 5% e 9%, consoante o lucro tributável dos sujeitos passivos seja, respetivamente, superior a € 1.500.000,00, a € 7.500.000,00 ou a € 35.000.000,00, sendo que nos Açores variam entre 2,4%, 4% e 7,2%, para idênticos intervalos de lucro tributável.
  4. No que respeita à incidência subjetiva da derrama regional, a mesma resulta do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, que remete para o artigo 26.º, n.º 1, da Lei das Finanças das Regiões Autónomas a determinação dos sujeitos passivos de IRC sujeitos a derrama regional (Região Autónoma da Madeira), e no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro (Região Autónoma dos Açores).
  5. Relativamente à Região Autónoma da Madeira, o artigo 4.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, define os sujeitos passivos sujeitos a derrama regional por referência aos sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro), sendo este imposto:

“a) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável numa única região;

b) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, nos termos referidos no número seguinte;

c) Retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados em cada circunscrição, relativamente às pessoas coletivas ou equiparadas que não tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional”.

  1. O n.º 2 do mesmo artigo dispõe, com relevância in casu, o seguinte: “Relativamente ao imposto referido na alínea b) do número anterior, as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício”.
  2. Relativamente à Região Autónoma dos Açores, o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, estabelece que a derrama regional é devida por “sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”.

§2. Se os rendimentos auferidos nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores por sociedades com sede e direção efetiva em território continental se encontram sujeitos à derrama estadual prevista no artigo 87.º-A do CIRC?

  1. Do disposto nos artigos 4.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, e 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, resulta claro que um sujeito passivo de IRC, com sede e direção efetiva no território continental português, que desenvolva parte da sua atividade comercial na Região Autónoma dos Açores e na Região Autónoma da Madeira, através de estabelecimentos estáveis que ali mantém para o efeito, está sujeito às derramas regionais previstas naquelas circunscrições pela parcela do lucro tributável imputável àqueles estabelecimentos estáveis.
  2. Relativamente à Região Autónoma da Madeira, da alínea b) do n.º 1 do artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas resulta claro que a derrama regional se aplica a sujeitos passivos de IRC “que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria” na Região Autónoma da Madeira, como sucedia com as sociedades C... e a  E...em 2018.
  3. Relativamente à Região Autónoma dos Açores, a jurisprudência é unânime do sentido de que a expressão “sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores” abrange não apenas sujeitos passivos não residentes em território português com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, como também sujeitos passivos não residentes na Região Autónoma dos Açores (residentes no território continental português) mas com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores (cf. Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 437/2022-T, 805/2023-T e 11/2024-T), como sucedia com as sociedades C... e a E... em 2018.
  4. Seguindo de perto a jurisprudência arbitral dominante, temos também que as derramas regionais em apreço constituem uma adaptação da derrama estadual às especificidades regionais, nos termos dos artigos 56.º e 59.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro), que as Regiões Autónomas realizaram no exercício do poder tributário conferido pelo artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP (cf. Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 805/2023-T e 11/2024-T).
  5. Assim sendo, resta concluir que os rendimentos auferidos, por sociedades com sede e direção efetiva em território continental, nas Regiões Autónomas da Madeira e Açores através de estabelecimentos estáveis aí situados, se encontram sujeitos às derramas regionais em causa, e não à derrama estadual prevista no artigo 87.º-A do CIRC.
  6. Neste sentido, pode ler-se na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 805/2023-T (entendimento subscrito também na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 11/2024-T):

“É inquestionável que as situações das Requerentes se enquadram no artigo 87.º-A do CIRC, que prevê o regime geral da derrama estadual, mas, obviamente, quando estão preenchidos os pressupostos da aplicação de regimes especiais, é afastada a aplicação do regime geral, o que é corolário da regra básica, que aflora no artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil, de que os regimes especiais, nos seus específicos domínios de aplicação, prevalecem sobre os regimes gerais (lex specialis derogat legi general). 

A lei especial é a que se aplica a situações de facto abrangidas, todas elas, pela lei geral (sendo que esta abrange um leque mais amplo de situações de facto), consagrando um regime distinto.

Está ínsito nesta possibilidade de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais que, na medida em que for aplicado o regime específico adaptado, deixa de ser aplicado o regime previsto no sistema fiscal nacional, como, aliás, consta expressamente do artigo 5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A.

Sendo assim, não tem relevância a fundamentação utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão da reclamação graciosa, para manter a aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, pois o enquadramento das situações nesta norma não basta para assegurar a sua aplicação, sendo afastado se as situações se enquadrarem simultaneamente nas normas especiais. 

Por isso, apenas o eventual não enquadramento da situação das 2.ª e 3.ª Requerentes nos regimes especiais de derrama regional, poderá permitir manter a aplicação do a regime geral previsto no artigo 87.º-A do CIRC”. 

  1. Por último, tal como defendido pelas Requerentes, o cálculo do montante devido a título de derrama estadual (prevista no artigo 87.º-A do CIRC) e a título de cada uma das derramas regionais deve ser aferido com base no critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro (Lei das Finanças das Regiões Autónomas), que determina uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à atividade que nela foi efetivamente desenvolvida (cf. Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 437/2022-T, 805/2023-T, e 11/2024-T).
  2. No caso sub judice, não é objeto de qualquer controvérsia que, em 2018, as sociedades C... e a E... eram sociedades com sede e direção efetiva em território continental, e que exerciam a sua atividade comercial nas Regiões Autónomas através de instalações permanentes qualificáveis como estabelecimentos estáveis que ali mantinham para o efeito, correspondendo o conceito de estabelecimento estável neste contexto ao plasmado no artigo 5.º do CIRC (cf. Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 437/2022-T, 805/2023-T e 11/2024-T).
  3. Nesta conformidade, impõe-se concluir que quer as autoliquidações de IRC controvertidas, quer a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa impugnada, enfermam de vício de violação de lei consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 87.º-A do Código do IRC, no artigo 26.º, n.ºs 1, alínea b) e 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, no artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, e no artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto.
  4. Tal vício invalidante tem por consequência a declaração de ilegalidade e anulação parcial das autoliquidações de IRC controvertidas – na parte respeitante à derrama estadual que recaiu sobre a componente do lucro tributável das sociedades C... e a E... imputável às Regiões Autónomas no exercício de 2018 – e a anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que as manteve (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT). 

§3. Questões de conhecimento prejudicado

  1. Na medida em que as Requerentes obtiveram já o efeito útil pretendido com o seu pedido, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados no PPA, por representarem a prática de um ato inútil no processo proibida nos termos conjugados dos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

§4. Restituição do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios

  1. O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

  1. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação quer das autoliquidações de IRC controvertidas, quer da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que as manteve, nos termos acima enunciados, há lugar à restituição das prestações tributárias indevidamente suportadas pelas sociedades C... e a E..., no montante de € 65.900,66, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT. Note-se que o montante de € 65.900,66 não se afigura controvertido e não se descortinam quaisquer razões para colocar em causa o apuramento feito pelas Requerentes.

 

  1. Com referência aos juros indemnizatórios, estatui o artigo 43.º da LGT:

 

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

(...)

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

 

  1. No caso concreto, visto que a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC não reflete quaisquer campos para apuramento de derramas regionais equivalente aos campos 350 (“Imposto imputável à Região Autónoma dos Açores”) e 370 (“Imposto imputável à Região Autónoma da Madeira”) existentes no que se refere à restante parte do IRC, não permitindo a imputação às derramas regionais das partes dos rendimentos gerados nas respetivas circunscrições, temos que devem considerar-se imputáveis à AT as ilegalidades das autoliquidações de IRC contestadas, quanto ao cálculo da derrama estadual, apesar de o imposto ter sido autoliquidado (no mesmo sentido: Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 805/2023-T e 11/2024-T).

 

  1. Nestes termos, as Requerentes têm direito a juros indemnizatórios calculados à taxa legal supletiva (cf. artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril) sobre o valor de derrama estadual a restituir (€ 65.900,66), e contados desde a data de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (cf. artigo 61.º do CPPT).

 

DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

  1. Declarar ilegais e anular parcialmente as autoliquidações de IRC de 2018 contestadas, quanto ao montante de € 65.900,66, atinente à derrama estadual que recaiu sobre a componente do lucro tributável das sociedades C... e a E... imputável às Regiões Autónomas, conforme resulta das declarações periódicas de rendimentos Modelo 22 de IRC n.ºs ... e ...;

 

  1. Declarar ilegal e anular o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa autuado com o n.º ...2023...;

 

 

  1. Condenar a AT a restituir às Requerentes o montante total de € 65.900,66, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima enunciados;

 

 

  1. Condenar a AT no pagamento das custas processuais.

 

VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 65.900,66.

CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da AT Requerida, em razão do decaimento.

Notifique-se.

 

 

CAAD, 3 de dezembro de 2024

 

Os árbitros,

 

 

 

Rita Correia da Cunha

 

 

 

Gonçalo Marquês de Menezes Estanque

(com declaração de voto)

 

José Luís Ferreira

 

 

Declaração de voto

do árbitro Gonçalo Marquês de Menezes Estanque

 

            Concordo com a decisão de julgar procedente o pedido arbitral mas não acompanho totalmente a fundamentação da mesma.

            Uma das questões em crise no presente processo - a principal, diga-se - é determinar se os lucros tributáveis, sujeitos e não isentos de IRC, obtidos nas Regiões Autónomas da Madeira e Açores por sociedades com sede e direção efetiva em território continental se encontram sujeitos à derrama estadual prevista no artigo 87.º-A do CIRC ou se, pelo contrário, se encontram sujeitos às respectivas derramas regionais?

Acompanho a conclusão deste tribunal arbitral de que os lucros tributáveis obtidos nas regiões autónomas e imputados a estabelecimentos estáveis nessas regiões encontram-se sujeitos à derrama regional e não à derrama estadual. Porém, não acompanho a respetiva fundamentação.

Na minha opinião, a questão a decidir no presente processo encontra um paralelo na aplicação das taxas reduzidas de IRC das Regiões Autónomas a sujeitos passivos com sede em Portugal continental mas com “estabelecimentos” nas Regiões Autónomas[1].

O TCA-Sul (proc. n.º 1468/09.5 BELRS, de 04/10/2023) tem sido claro na resposta a esta questão:

“(...) não se vislumbra qualquer razão que possa levar a que empresas com sede e direcção efectiva fora da Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações idênticas qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, e que desenvolvam a mesma actividade, possam beneficiar de taxas de IRC diferentes pelo facto de a sede ou direcção efectiva se situar no território nacional ou no estrangeiro.

Na verdade, para além da identidade material da situação real a nível da Região Autónoma da Madeira, a razão que justificou a criação de taxas reduzidas de IRC para entidades não residentes na Região Autónoma da Madeira, que é «fomentar o investimento produtivo na Região Autónoma da Madeira» (Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001), vale igualmente para o investimento por empresas estrangeiras e por empresas nacionais.

Assim, é de concluir que a interpretação do art. 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001 no sentido da aplicação da taxa reduzida de IRC a todas as entidades que não tenham sede ou direcção efectiva na Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, é a única que se sintoniza com o princípio constitucional da igualdade.” [2]

Note-se, de resto, que tal entendimento havia já sido preconizado pelo STA (entre outros, proc. 0292/09, de 17/06/2009):

“Assim, é de concluir que a interpretação do art. 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001 no sentido da aplicação da taxa reduzida de IRC a todas as entidades que não tenham sede ou direcção efectiva na Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, é a única que se sintoniza com o princípio constitucional da igualdade.” [3]

            Aliás, relativamente a sociedades com sede “no continente” e com “estabelecimentos na R. Aut Açores e R. Aut. Madeira”, a propósito da determinação da taxa aplicável (nacional vs regional), a própria AT, na Circular n.º 14 de 09/05/2002 defendia, também, a aplicação de ambas as taxas, i.e. a taxa de Portugal continental à matéria coletável do continente e as regionais à matéria coletável das Regiões Autónomas (vide, pág. 2). [4]

Em suma, por não ser controvertida a existência de “estabelecimentos estáveis” das Requerentes nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, e considerando o paralelismo entre a aplicação das taxas reduzidas de IRC das regiões autónomas com a aplicação das derramas regionais a “estabelecimentos estáveis” (nessas regiões) de sociedades com sede em Portugal continental, teria utilizado a jurisprudência supra referida para fundamentar a presente decisão.

A questão seguinte é, pois, determinar os lucros tributáveis imputáveis a cada um desses “estabelecimentos” nas Regiões Autónomas. Apesar de, também aqui, concordar com a conclusão, a verdade é que não posso acompanhar a respetiva fundamentação.

O Tribunal Arbitral concluiu que “o cálculo do montante devido a título de derrama estadual (prevista no artigo 87.º-A do CIRC) e a título de cada uma das derramas regionais deve ser aferido com base no critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro (Lei das Finanças das Regiões Autónomas), que determina uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à atividade que nela foi efetivamente desenvolvida (cf. Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 437/2022-T, 805/2023-T, e 11/2024-T)”.

Concordo com o critério utilizado (proporção do volume de negócios). Porém, na minha opinião, a norma do artigo 26.º, n.º 2 da Lei das Finanças das Regionais Autónomas não pode ser invocada para esse efeito. Esta norma determina, simplesmente, um critério de imputação / distribuição das receitas às Regiões Autónomas, i.e. quais os montantes de imposto que constituem receita de cada Região Autónoma e que, como tal, devem ser transferidos pelo Estado para as Regiões Autónomas. Nesta parte - e apenas nesta parte - acompanho, pois, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 38/2023-T.

No entanto, uma vez mais voltando à jurisprudência supra referida, em particular quanto ao facto da mesma utilizar o conceito de estabelecimento estável, constante do artigo 5.º do CIRC, parece-me que o mais adequado seria utilizar os critérios de imputação dos lucros tributáveis a um estabelecimento estável previstos no Código do IRC, i.e. o artigo 55.º do Código do IRC.

Sendo que, nos termos do n.º 3 do artigo 55.º do Código do IRC, o volume de negócios é, precisamente, um dos critérios admissíveis.

Teriam, pois, sido estes os fundamentos por mim utilizados na presente decisão arbitral.

 



[1] Existem manifestas semelhanças na redação das normas em crise e, claro, na natureza jurídica das derramas estadual e regional. Relativamente à natureza da “derrama estadual”, conforme concluiu o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 430/2016: “No plano da análise jurídica, retira-se dos ensinamentos da doutrina fiscalista tratar-se de um imposto acessório (relativamente ao IRC, imposto principal) que reveste a modalidade de adicionamento (e não de adicional), por incidir sobre a matéria coletável do imposto principal e não sobre a sua coleta. Não obstante o legislador se lhe referir como taxa adicional, a derrama prevista no artigo 87.º-A do Código do IRC é considerada um «adicionamento» e não um «adicional» ao IRC – José Casalta Nabais indica expressamente, como exemplo de adicionamento, «a derrama estadual que, prevista no artigo 87.º-A do Código do IRC, incide sobre o lucro tributável à taxa progressiva em três escalões (de 3%, 5% e 7%) sobre o lucro tributável superior a €1.5000.000)» (cfr. Manual de Direito Fiscal, 8ª edição, Coimbra, Almedina, 2015, p. 81), apesar de, como também assinala o Autor, a lei lhe reservar a designação de “adicional” (cfr. idem, nota 11)”. Este Acórdão acaba, igualmente, por concluir que a “solução normativa em causa foi também adotada em sede dos regimes da derrama regional (criada igualmente em 2010, pelo Decreto Legislativo Regional (DLR) n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, hoje com a redação introduzida pelo DLR n.º 5-A/2014/M, de 23 de julho que praticamente replica, no âmbito regional, o disposto no artigo 87.º-A do Código do IRC)”.

[2] disponível em www.dgsi.pt

[3] disponível em www.dgsi.pt;