SUMÁRIO
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A Verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo tributa a utilização de crédito sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou outra, em que o prazo de utilização seja indeterminado ou indeterminável, à taxa de 0,04% sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.
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A isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea h), do Código do Imposto do Selo, conjugado com o n.º 2 do mesmo artigo (na redação em vigor em 2021), nos casos em que o devedor do crédito tem sede ou direção efetiva num Estado-Membro da União Europeia, constitui uma restrição injustificada à liberdade de movimentos de capitais garantida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral coletivo, constituído em 3 de Abril de 2023, Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dra. Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz, acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e identificação fiscal ..., com sede na..., n.º ..., ...-... Lisboa, e integrada no âmbito de competência territorial do Serviço de Finanças de Lisboa – ... (doravante designada como “A...”);
B..., UNIPESSOAL, LDA., anteriormente designada C..., Unipessoal, Lda., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e identificação fiscal ..., com sede na R. ..., n.º ..., ...-... Lisboa, e integrada no âmbito de competência territorial do Serviço de Finanças de Lisboa – ... (doravante designada como “B...”);
D..., LDA., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e identificação fiscal ..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, e integrada no âmbito de competência territorial do Serviço de Finanças de Lisboa – ... (doravante designada como “D...”); e
E..., LDA., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e identificação fiscal..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, e integrada no âmbito territorial do Serviço de Finanças de Lisboa – ... (doravante designada como “E...”),
doravante conjuntamente designadas como “Requerentes”, tendo sido notificadas das decisões de indeferimento das reclamações graciosas n.ºs ...2023..., ...2023..., ...2023... e ...2023... (cf. Doc. n.º 1 junto ao PPA), as quais tinham por objeto as liquidações de Imposto do Selo (“IS”) efetuadas nos termos da verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) por referência aos períodos de outubro de 2020 a julho de 2022, no montante total de € 165.787,37 (cento e sessenta e cinco mil, setecentos e oitenta e sete euros, e trinta e sete cêntimos), vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro de 2011 (“RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral tributário e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), com vista à declaração de ilegalidade e anulação daqueles atos tributários de liquidação de IS, bem como das decisões de indeferimento das reclamações graciosas que os mantiveram na ordem jurídica. Pedem ainda que seja determinado o reembolso às Requerentes da prestação tributária indevidamente liquidada e entregue ao Estado a título de IS, no montante total de € 165.787,37 (cento e sessenta e cinco mil, setecentos e oitenta e sete euros, e trinta e sete cêntimos), sendo € 12.786,06 (doze mil, setecentos e oitenta e seis euros, e seis cêntimos) relativos à Requerente A..., € 5.419,41 (cinco mil, quatrocentos e dezanove euros, e quarenta e um cêntimos) relativos à Requerente B..., € 21.784,38 (vinte e um mil, setecentos e oitenta e quatro euros, e trinta e oito cêntimos) relativos à Requerente D..., e € 125.797,52 (cento e vinte e cinco mil, setecentos e noventa e sete euros, e cinquenta e dois cêntimos) relativos à Requerente E..., acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, pelo menos desde a data de indeferimento das reclamações graciosas até à data de processamento da nota de crédito, em que serão incluídos, nos termos legais.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 26 de Janeiro de 2024 e automaticamente notificado à AT.
Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.
Em 14 de Março de 2023, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 3 de Abril de 2024.
Em 8 de Maio de 2024, a Requerida apresentou Resposta, com defesa por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”).
Por despacho arbitral de 03-06-2024, as Requerentes foram notificadas para, querendo, no prazo de 10 dias, juntarem os documentos que entendessem por convenientes em resposta ao alegado pela AT Requerida na respetiva resposta, nomeadamente nos artigos 37.º a 50.º (“Da suposta ausência de prova que os fundos mutuados não provêm de financiamentos externos, mas antes de excedentes de liquidez gerados intragrupo”), e 59.º a 69.º, bem como foi notificada a AT para exercer o contraditório.
Usando de tal faculdade, as Requerentes vieram, em 14 de Junho de 2024, e em suma, dizer o seguinte:
- ... no cerne do indeferimento das reclamações graciosas apresentadas ... contra os atos de autoliquidação de IS efetuados nos termos da verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo por referência ao período compreendido entre outubro de 2020 e julho de 2022, ..., decisões que consubstanciam o objeto imediato dos presentes autos, estiveram, em exclusivo, os seguintes fundamentos:
a) A putativa ausência de demonstração que as operações de financiamento realizadas ao abrigo dos contratos de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling) juntos como Doc. n.º 2 ao requerimento inicial e que deram origem às autoliquidações de IS “têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, disponibilizada através da conta da entidade centralizadora, o que inviabiliza o benefício fiscal” (cf. § 73); e
b) O alegado incumprimento dos requisitos previstos no n.º 2 do artigo 7.º do Código do IS (“CIS”) “em virtude de um dos intervenientes (o devedor, beneficiário dos financiamentos) não ter sede no território nacional, e de a Reclamante [Requerente], com sede em Portugal, surgir como credor” (cf. § 87).
- Em momento algum das decisões de indeferimento das reclamações graciosas aqui impugnadas a AT suscitou ... que as operações de financiamento não podiam estar cobertas pela isenção em referência por excederem o prazo de um ano.
- ... a fundamentação a posteriori é inadmissível ... o tribunal deve quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do ato sindicado tal como ele foi praticado e notificado ao destinatário - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0298/13, de 8 de Março de 2017, e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.º 00034/07.4BEMDL, de 15 de Fevereiro de 2013.
- ... citando o tribunal arbitral tributário do CAAD na decisão proferida em 10 de Novembro de 2023 no processo n.º 127/2023-T2, a qual também versa sobre a isenção de IS da atual alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS, da regra geral de distribuição do ónus da prova no direito fiscal contida no artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”) decorre que “recai sobre a AT a prova do incumprimento do prazo de empréstimo não superior a um ano, como pressuposto da tributação”.
- No que concerne à alegada ausência de prova para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 7.º do CIS que os fundos mutuados não provêm de financiamentos externos, mas antes de excedentes de liquidez gerados intragrupo, não pode ser acolhida ... porque resulta de uma leitura incorreta da disposição legal em questão ... como foi alegado em sede de reclamação graciosa e não é controvertido, o não residente (porque residente noutro Estado-Membro da União Europeia, no caso, Espanha) era, no caso concreto, fundamentalmente o devedor dos empréstimos, e não o credor (neste caso, as Requerentes, todas elas residentes fiscais em Portugal).
- Logo, a prova pretendida pela Requerida AT não podia ser validamente exigida às Requerentes, sendo esta a conclusão dos tribunais arbitrais tributários do CAAD nas decisões proferidas nos processos n.º 315/2022-T, de 17 de Julho de 2023, e n.º 504/2023-T, de 19 de Março de 2024: “(…) a Requerente alega no PPA que a prova exigida pela AT relativamente à origem dos fundos apenas se aplica quando o credor do empréstimo é residente na União Europeia e o devedor do crédito é residente em Portugal. Ora, no caso dos autos, a Requerente (credor do empréstimo) é residente em Portugal pelo que nunca teria o ónus de provar que os fundos objeto do contrato de cash pooling não foram obtidos com recurso a financiamento junto de instituições de crédito ou sociedades financeiras (...)”.
- Sem prescindir do exposto, as Requerentes juntaram ao PPA, como Doc. n.º 4, os respetivos balanços por referência aos exercícios findos em 31 de dezembro de 2020, 31 de dezembro de 2021 e 31 de dezembro de 2022, os quais revelam que não eram devedoras ou mutuárias no âmbito de qualquer financiamento contraído junto de instituição de crédito ou sociedade financeira.
- Estes balanços, por estarem organizados de acordo com a lei, como é o caso, gozam da presunção legal de veracidade e boa-fé (cf. artigo 75.º, n.º 1, da LGT).
- Ora, não sendo nenhuma das Requerentes devedora de qualquer empréstimo concedido por terceiros, os fundos transferidos às mutuárias no sistema de cash pooling contratualizado entre as partes não poderiam provir – nem provinham de facto – de financiamento externo (e.g., bancário), mas antes de excedentes de tesouraria (veja-se, numa situação em tudo semelhante ... o acórdão do tribunal arbitral tributário do CAAD ... no processo n.º 691/2022-T, entretanto transitado em julgado).
Em 20 de Junho de 2024, invocando o princípio da cooperação, as Requerentes vieram solicitar a junção aos autos do acórdão proferido nessa data pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) no processo C-420/23 (Faurécia), segundo o qual “O artigo 63.º TFUE [relativo à livre circulação de capitais] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro segundo a qual as operações de tesouraria de curto prazo estão isentas de imposto do selo quando nestas intervenham duas entidades estabelecidas nesse Estado-Membro, mas não estão isentas quando o mutuário esteja estabelecido noutro Estado-Membro”, disponível para consulta em https://curia.europa.eu/.
Após um pedido de prorrogação do prazo para responder, a Requerida exerceu o contraditório, por requerimento de 5 de Julho de 2024, dizendo, em síntese, o seguinte:
- ... os atos de liquidação aqui em causa, foram da exclusiva iniciativa do contribuinte que autoliquidou o IS, aplicando a norma aos factos, e não resultaram de qualquer correção fundamentada e/ou efetuada pela AT, razão pela qual, não se entende a alegada fundamentação à posteriori.
- O facto de em sede de reclamação graciosa se terem mantido os atos de liquidação com uma fundamentação, e agora no âmbito do Tribunal Arbitral serem invocados ainda outros fundamentos, no limite, apenas poderá pôr em causa a decisão da reclamação graciosa, vício que, ainda assim, nunca se comunicaria aos atos de liquidação que permanecem incólumes e sobre os quais o Tribunal Arbitral deverá pronunciar-se.
- ... tendo sido estas [as Requerentes] a invocar o direito ao benefício da isenção, sobre aquelas recairá a consequente obrigação de demonstração do preenchimento dos requisitos que a norma estabelece para o seu aproveitamento, sobretudo quando os elementos capazes de o comprovarem se encontram na sua esfera ... ónus esse que impende sobre as Requerentes ao invocar factos que lhe aproveitam, conforme dispõe art.º 74.º da LGT.
- as Requerentes alegam factos que servem de fundamento e que substancialmente configuram a alegada posição jurídica de que se arrogam, sem que o prove, ... não logrando comprovar que os montantes concretamente mutuados em cada operação financeira tenham sido integralmente pagos antes de decorrido um ano sobre o seu empréstimo.
Por despacho de 11 de Setembro de 2024, foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, por inexistência de prova testemunhal, e ordenada a notificação das Partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas (simultâneas).
Em 18 de Setembro de 2024, as Requerentes apresentaram alegações remetendo, na íntegra, para o teor do requerimento inicial e dos seus requerimentos ulteriores e mantendo a peticionada procedência do pedido de pronúncia arbitral.
A Requerida apresentou alegações, em 27 de Setembro de 2024, nelas tendo mantido a posição assumida na Resposta, mormente quanto ao ónus da prova e, portanto, pugnando pela improcedência da acção.
Posição das Requerentes
- As Requerentes invocam como causa de pedir, reiterando o alegado nas Reclamações Graciosas, que as liquidações de IS em questão, no montante total de € 165.787,37, enfermavam de erro – rectius, ilegalidade – na medida em que as operações de financiamento realizadas no âmbito dos contratos inicialmente celebrados com a F..., S.L. (que cedeu a sua posição contratual à G..., S.L., atualmente H..., S.L.) estavam abrangidas pela isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea h), do CIS, na redação conferida pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado [“LOE”] para 2020), em vigor desde 1 de Abril de 2020, que afasta a cobrança do imposto sobre “Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo”.
- Mais alegam que a circunstância de o n.º 2 do artigo 7.º do CIS, na redação anterior à que lhe foi conferida pela Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho (LOE para 2022), reservar a isenção aos casos em que o credor tinha sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigorasse uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, não era impeditiva da sua aplicação ao caso concreto.
- Isto porque restringir a isenção de IS às situações em que o credor era um não residente em território nacional e, em sentido contrário, submeter a tributação, sem isenção, as situações de financiamento intragrupo no quadro de um contrato de gestão centralizada de tesouraria em que o devedor era um não residente domiciliado noutro Estado-Membro da União Europeia, era contrário ao direito europeu, constituindo uma restrição proibida e injustificada à liberdade de circulação de capitais consagrada com caráter erga omnes pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) nos seguintes termos: “1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. 2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.
- Em causa estão atos de liquidação de IS que emergem de empréstimos realizados entre outubro de 2020 e julho de 2022 no contexto de contratos de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling) celebrados entre entidades do mesmo grupo societário.
- A autonomização legal pela LOE para 2020 da isenção de IS dos empréstimos concedidos no quadro de um cash pooling, que deixou de estar submetida aos condicionalismos da alínea g) para passar a estar especificamente prevista e regulada na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, implica que a respetiva aplicabilidade não está dependente da demonstração de qualquer espécie de nexo de causalidade entre tais financiamentos e uma determinada finalidade, como seja a cobertura de carências de tesouraria.
- Ainda na vigência da redação anterior do n.º 2 do artigo 7.º do CIS (pré-2022), a doutrina observava que “não se compreende o motivo pelo qual fica prejudicada a aplicação da isenção quando estejamos perante um devedor não residente em Portugal, pelo menos, nas situações em que tal devedor for residente na EU ou em jurisdição com a qual vigore CDT com Portugal (…) atendendo ao princípio da liberdade de estabelecimento previsto no tratado da EU, pensamos que pode ser questionada a sua conformidade com o direito europeu” - Jorge Belchior Laires, Rui Pedro Martins, Imposto do Selo: Operações Financeiras e de Garantia, Almedina, 2019, pp. 218 e 219.
- Ciente dessa desconformidade do direito doméstico com um princípio estruturante de direito da União Europeia - o da livre circulação de capitais - por meio do artigo 292.º da LOE para 2022 o legislador alterou a redação do n.º 2 do artigo 7.º do CIS, com efeitos a partir de 28 de junho de 2022, para estender a isenção de IS às situações em que “o credor ou o devedor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal”.
- Conforme jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, aqui exemplificada pelo acórdão n.º 0402/18, de 30 de outubro de 2019, e que é perfeitamente transponível para o processo arbitral tributário, “A impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa tem por objeto imediato a decisão da reclamação e por objeto mediato os vícios imputados ao ato de liquidação”.
- Acrescentam uma citação de Decisão Arbitral (DA) proferida no CAAD, em 02-08-2023, no processo n.º 691/2022-T, no qual também estava em causa a isenção de IS dos empréstimos realizados ao abrigo de um contrato de gestão centralizada de tesouraria em face do artigo 7.º, n.º 1, alínea h), do CIS na versão resultante da LOE para 2020: “... a decisão da reclamação graciosa é que é o objeto imediato do processo de impugnação arbitral, cabendo ao Tribunal avaliar apenas a bondade ou legalidade dos fundamentos esgrimidos pelo contribuinte e impugnante nessa sede, tornando assim inadmissíveis as tentativas de fundamentação a posteriori, com introdução de argumentos novos no litígio – Cfr., v. g., Ac. do STA n.º 02887/13.8BEPRT, de 28 de outubro de 2020 (…) esta questão não elencou a fundamentação do ato de indeferimento da reclamação graciosa sub juditio.”
- Afirmam que, do teor das decisões das reclamações graciosas, é possível inferir que no cerne do respetivo indeferimento estão, exclusivamente, estes dois aspetos: (a) a putativa ausência de prova de que as operações de financiamento em causa “têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, disponibilizada através da conta da entidade centralizadora, o que inviabiliza o benefício fiscal” (cf. § 73); e (b) o alegado não cumprimento dos requisitos previstos no n.º 2 do artigo 7.º do CIS, “em virtude de um dos intervenientes (o devedor, beneficiário dos financiamentos) não ter sede no território nacional, e de a Reclamante, com sede em Portugal, surgir como credor” (cf. § 87).
- Acerca da suposta ausência de prova de que os fundos mutuados não provêm de financiamentos externos, mas antes de excedentes de liquidez gerados intragrupo, arguem, em primeira linha, que a alegação da AT / UGC não pode ser acolhida porque tal facto se prende com o seu direito de tributar, logo era sobre esta que impendia o ónus da prova.
- Seguidamente, explicitam que as várias partes do n.º 2 do artigo 7.º do CIS devem ser lidas em conjunto: primeiro, exceciona-se a aplicabilidade da isenção (ou seja, repõe-se o regime-regra de tributação) “quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional”; depois, consagra-se uma exceção à exceção (ou seja, uma isenção) quando o credor (ou, desde a LOE para 2022, o devedor) tenha sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado terceiro com o qual esteja em vigor uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada com Portugal; por fim, ressalva-se que a isenção não tem lugar (ou seja, há tributação) se o credor com domicílio noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado terceiro com o qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação assinada por Portugal tiver previamente realizado os
financiamentos através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.
- Evidenciam que o não residente (porque residente noutro Estado-Membro da União Europeia, no caso, Espanha) era, no caso concreto, fundamentalmente o devedor dos empréstimos, e não o credor (neste caso, as Requerentes, todas residentes em Portugal), para concluir que a prova requerida pela AT não podia ser validamente exigida às Requerentes, e reforça a sua tese com o que ficou exarado na Decisão Arbitral no processo n.º 315/2022-T, de 17-07-2023: “a Requerente alega no PPA que a prova exigida pela AT relativamente à origem dos fundos apenas se aplica quando o credor do empréstimo é residente na União Europeia e o devedor do crédito é residente em Portugal. Ora, no caso dos autos, a Requerente (credor do empréstimo) é residente em Portugal pelo que nunca teria o ónus de provar que os fundos objeto do contrato de cash pooling não foram obtidos com recurso a financiamento junto de instituições de crédito ou sociedades financeiras”.
- Advogam ainda que tratando-se de um facto negativo - que os fundos disponibilizados no âmbito do sistema de gestão centralizada de tesouraria não foram previamente obtidos pelo credor com recurso a financiamento junto de instituições de crédito ou sociedades financeiras no estrangeiro – a respectiva prova converte-se em prova impossível ou “diabólica”, pelo que a sua exigência violaria os princípios constitucionais da proporcionalidade, da igualdade, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva contra atos administrativos atentatórios de direitos e interesses legalmente protegidos do contribuinte (cf. artigos 2.º, 13.º, 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa), configurando-se como uma “situação de impossibilidade prática de provar o facto necessário para o reconhecimento de um direito, que, a existir, poderia contender com o princípio da proibição da indefesa, que emana do direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais (art.º 20.º da CRP)”, para o que vai subsidiar-se nos Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0414/12, de 17 de Outubro de 2012, e do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 12843/15, de 10 de Março de 2016.
- Adicionam que os balanços de cada uma das Requerentes relativamente aos exercícios findos em 31 de dezembro de 2020, em 31 de dezembro de 2021 e em 31 de dezembro de 2022 revelam que as mesmas não eram devedoras ou mutuárias no âmbito de qualquer financiamento contraído junto de instituição de crédito ou sociedade financeira e que, embora os balanços respeitantes à Requerente A... apresentem valores na rúbrica “financiamentos obtidos” do passivo corrente, estes não estavam associados a qualquer financiamento bancário, mas sim a um factoring operacional, para concluir que não sendo as Requerentes devedoras de qualquer empréstimo concedido por terceiros, os fundos transferidos às mutuárias no sistema de cash pooling contratualizado entre as partes não poderiam provir de financiamento externo.
- Da incompatibilidade com o Direito da União Europeia da restrição da isenção de IS prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS às situações em que o credor, mas não o devedor dos empréstimos intragrupo, é um não residente, observam que “Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça [da União Europeia ou simplesmente “TJUE”], constituem, nomeadamente, restrições à liberdade de circulação de capitais as medidas suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes de um Estado-Membro de investir noutros Estados (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C-575/17, EU:C:2018:943, n.º 23 e jurisprudência referida)” (cf. § 31 do Acórdão do TJUE, de 16 de junho de 2022 no processo C-572/20 (ACC Silicones), sendo que, “44. No que respeita ao artigo 63.º TFUE (…) decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que este artigo é dotado de efeito direto, de modo que pode ser invocado perante o juiz nacional e conduzir à inaplicabilidade das normas nacionais que lhe são contrárias (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2017, The Trustees of the BT Pension Scheme, C-628/15, EU:C:2017:687, n.º 49)” (cf. § 44 do acórdão do TJUE de 10 de março de 2022 no processo C-177/20 [Grossmania]).
- Invocam, no seguimento, a desconformidade do direito nacional, concretamente do n.º 2 do artigo 7.º do CIS, na redação em vigor à data dos factos relevantes nos autos, com o direito europeu que os tribunais arbitrais tributários do CAAD detetaram e exprimiram em diversas situações concretas, nomeadamente a da Decisão Arbitral de 06-10-2021, no processo n.º 57/2021, da qual extractam, entre o mais: “No caso em apreço, está-se perante um imposto de obrigação única, devido relativamente a cada ato de concessão de crédito, e os intervenientes num contrato de cash pooling encontram-se em situações idênticas, independentemente do local da sua residência ou do local onde o capital é investido, havendo mesmo possibilidade de frequentes inversões das posições de credor e devedor no âmbito do mesmo contrato, em função das disponibilidades e necessidades de tesouraria de cada um dos intervenientes. Assim, tem de se concluir pela comparabilidade das situações entre residentes e não residentes, para efeitos da isenção em causa, em contratos do tipo do dos autos” (....) “Assim, a alínea a) do n.º 1 e o n.º 3 do artigo 65.º do TFUE não permitem o regime consubstanciado nas referidas normas do CIS, pois a diferença de tratamento não é justificada por uma diferença de situação objetiva”.
- Aditam que tão-pouco pode ser invocada, pela sua própria natureza e pelas finalidades subjacentes, a prevenção de abuso, que, para poder justificar uma medida doméstica restritiva de uma liberdade fundamental, exige, como “primeira pré-condição (…) que a pessoa que cria uma determinada estrutura beneficie de uma situação da qual não beneficiaria se estivesse num contexto puramente nacional; depois, é necessário que o objetivo da disposição nacional seja contrariar condutas fraudulentas; e, finalmente, esta disposição deve estar desenhada para discriminar unicamente condutas abusivas” (cf. § 59 do acórdão do TJUE no processo C-464/14 [Secil], entre outros).
- Aderem novamente à Decisão Arbitral no processo n.º 57/2021-T para expressar que “No caso em apreço, afigura-se ser manifesto que não existe qualquer razão de interesse geral que possa justificar a referida discriminação, o que nem sequer é aventado pela Administração Tributária”, e aludem, no enfiamento, a um conjunto de decisões do TJUE e Decisões Arbitrais de prolação consensual no sentido de que “o afastamento da aplicação da isenção (…) nas situações em que o devedor não tem sede ou direção efetiva em Portugal, mas a tem num Estado Membro da União Europeia, constitui uma restrição injustificada à liberdade de movimentos de capitais garantida pelo artigo 63.º do TFUE, pelo que esta restrição não pode ser aplicada, por forma do preceituado no n.º 4 do artigo 8.º da CRP”.
Posição da Requerida
- Após sinopse das questões e argumentos esgrimidos no PPA, a Requerida diz que no âmbito das Reclamações Graciosas foi apreciada a legalidade dos atos tributários sub judice, neles não se tendo encontrado qualquer vício, pelo que adere aos fundamentos e decisões nelas proferidos, subscrevendo na íntegra o conteúdo das informações prestadas pela Unidade dos Grandes Contribuintes nos Procedimentos de Reclamação Graciosa interpostos e que aqui dá por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
- Alega que nas sobreditas informações, depois de fixada a questão a resolver, “Saber se o imposto de selo que é devido pelas operações de gestão centralizada de tesouraria, denominadas cash-pooling, pode vir a ser exigido pela AT à entidade beneficiária do financiamento, neste caso a Reclamante”, e de manifestado o entendimento de “que apenas as transferências diárias de excedentes de liquidez apurados pelas empresas participantes no contrato (os quais são alocados às necessidades de tesouraria das empresas que se verifiquem a cada momento), poderão aproveitar da isenção prevista na al) h) do nº 1 do art.º 7º do CIS, após comprovação de estarem cumpridos os pressupostos objetivos e subjetivos que a lei prevê, bem como deve ser realizada a prova de que os fluxos financeiros entre as sociedades do grupo provêm de excedentes de liquidez gerados pelo próprio Grupo, ou seja não provêm de financiamentos externos”, foi efetivamente decidido que:
i) “depois de analisados os documentos juntos aos autos, “não é possível inferir que as operações aí descritas têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, disponibilizada através da conta da entidade centralizadora, o que inviabiliza o benefício fiscal”, sendo que “[A] inexistência ou insuficiência dessa demonstração terão como consequência a desconsideração do facto, que se terá como não verificado. Neste sentido decidiu o Ac. STA de 01-06-2011, (Processo nº 0211/11), do qual consta no Sumário “I – Cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação e ao contribuinte o ónus da prova dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito (…)” – citado no Sumário do Acórdão do STA, processo nº 060/13, de 03-04-2013”;
ii) “De facto, tendo presente o previsto no n.º 2 do artigo 7.º do CIS, as isenções das alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não são aplicáveis relativamente às situações em apreço, em virtude de um dos intervenientes (o devedor, beneficiário dos financiamentos) não ter sede no território nacional, e de a Reclamante, com sede em Portugal, surgir como credor e, por outro lado, a isenção prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não ser aplicável ao caso em apreço, dado que, não existindo qualquer participação da Reclamante na entidade centralizadora, os fundos não têm caráter de suprimentos efetuados por sócios às sociedades suas participadas.
iii) Assim se concluiu que é devido imposto de selo pelas operações de gestão centralizada de tesouraria realizadas pela Reclamante, em que o sujeito passivo é a entidade concedente do crédito, tendo em conta o exposto, pelo que consideramos o pedido como improcedente.”
- Sob o título do “Contrato de Crédito en Cuenta Corriente en Euros a Interés Variable en Función del Euribor”, analisa os contratos de mútuo celebrados por cada uma das Requerentes com a sociedade F..., SL, e posteriores contratos de cessão de posição a favor de G..., S.L e observa que, na medida em que são como tal qualificadas, nos termos do CIS e respetiva TGIS, as operações de gestão centralizada de tesouraria – vulgo cash pooling -, são operações que se traduzem em movimentos de cedência e tomada de fundos, e representam verdadeiras operações financeiras, pois a relação jurídica estabelecida entre as sociedades credoras e devedoras do capital e juros e a sociedade centralizadora concretiza-se através de financiamentos concedidos/obtidos que representam efetivas operações de crédito, quaisquer que sejam a sua forma ou prazo, pelo que encontram-se sujeitas a Imposto do Selo nos termos prescritos no CIS e respetiva Tabela Geral (cf. n.º 1 do artigo 1.º do CIS e verba 17.1.4 da TGIS).
- Nota que, com a Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2020, que entrou em vigor em 1 de abril de 2020), o legislador consagrou no artigo 7.º do CIS uma isenção de Imposto do Selo especificamente dirigida aos empréstimos concedidos por sociedades no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria (vulgo cash pooling), a favor de sociedade com a qual se encontrem em relação de domínio ou de grupo, transcrevendo a al. h) do n.º 1 daquela norma.
- Evidencia que o legislador condicionou o reconhecimento e concessão da isenção à observância de certos pressupostos, a saber: A) Exista um contrato de gestão centralizada de tesouraria que regule o seu modo e condições de funcionamento; B) Exista uma relação societária, de domínio ou de grupo nos termos do n.º 8 do mesmo artigo, entre as sociedades participantes e a centralizadora no contrato de gestão centralizada de tesouraria; C) O prazo que medeia a transferência dos fundos e o seu reembolso não deve ultrapassar um ano; D) Não se verifiquem as limitações impostas pelos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo.
- Afirma que da análise à documentação apresentada não é possível concluir com suficiente grau de certeza que os requisitos enunciados na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS se encontram preenchidos, porquanto não ficou demonstrado que as operações financeiras em causa têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, que os fluxos financeiros cumpriram os prazos previstos na norma de isenção, ou sequer os termos do contrato de gestão de tesouraria que as Requerentes invocam e que terão todas elas subscrito.
- Focando o alegado no artigo 28.º do PPA, aduz que da análise da Declaração de Retenção na Fonte de IRS/IRC e Imposto do Selo / Declaração Mensal de Imposto do Selo, Comprovativos do pagamento do Imposto ao Estado e o Balanço em 31 de Dezembro de 2021 e 2022 é impossível determinar (i) os valores dos exfluxos e influxos financeiros ocorridos diariamente entre as sociedades, ou (ii) o tempo decorrido entre o momento em que a conta da mutuária é creditada daquele valor e o momento em que este é reembolsado.
- Prossegue: face aos valores liquidados mensalmente, inscritos nas declarações de retenção / DMIS, apenas é possível constatar que ao longo do período analisado o imposto liquidado pelas Requerentes à entidade centralizadora sofreu ligeiras alterações, daqui apenas se podendo deduzir que os saldos devedores (matéria coletável) a favor da mutuária também apresentaram igual constância, porém, não é possível determinar quantas foram as operações efetuadas em cada um dos meses e individualmente por que valores o foram feitos e, mais relevante ainda, para a apreciação dos autos, precisar o prazo dos mútuos, prazo este que as Requerentes querem fazer crer seja inferior a 1 ano (mas sem que o demonstrem).
- Acrescenta: na verdade, a AT/UGC não “assume” em momento algum que no caso em apreço se esteja perante uma “concessão de crédito a curto prazo (i.e., por prazo inferior a um ano)”, pelo contrário, da leitura das informações prestadas nos procedimentos de reclamação graciosa, é possível observar, depois de se ter fixado a “questão a resolver”, e enunciados os pressupostos cumulativos de cujo preenchimento depende o benefício da isenção, que o trecho reproduzido pelas Requerentes está inserido numa FASE INTRODUTÓRIA onde é feita a caracterização ABSTRATA do cash-pooling e respetiva tributação/isenções. Sendo que só muito depois de ter sido expressa a passagem transcrita pelas Requerentes, já no ponto sob o título “[S]obre a prova apresentada”, é que a AT/UGC qualifica as operações analisadas.
- Assim, refuta a asserção do ponto 28.º da p.i., pois não se deu (nas RG) como comprovado/verificado nos presentes autos, o pressuposto de os empréstimos em causa terem “prazo não superior a um ano”, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea h) do n. º1 do artigo 7.º do CIS.
- A propósito da questão relativa à produção da prova invoca o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12-05-2022, proferido no processo n.º 352/10.4 BELRS, onde se pode ler que “[p]ara efeitos de aplicação da norma de isenção prevista na al. g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, cabe ao sujeito passivo provar (i) a existência de carências de tesouraria; e (ii) que o financiamento em causa se destinou exclusivamente à cobertura de tais carências de tesouraria”, entendimento que se aplica de igual forma à prova a produzir no âmbito da alínea h) do nº 1 do art.º 7.º do CIS, designadamente no que se refere ao prazo.
- Mais afirma que a existência dos contratos - “Contrato de Crédito en Cuenta Corriente en Euros a Interés Variable en Función del Euribor” e “Acuerdo de Novación de Contrato de Crédito en Cuenta Corriente” –apenas podem ser vistos como o indício ténue da existência de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, sendo que, da leitura das cláusulas respectivas constata-se que não existe qualquer passagem onde se disponha, ou sequer refira, sobre a situação de tesouraria das entidades celebrantes aquando do início da sua implementação, o que sempre seria um dado relevante para aferir se os fluxos financeiros verificados ocorriam ou não num quadro de carência das Requerentes.
- Versando a questão da Incompatibilidade do regime do artigo 7.º [do CIS] com o direito da União Europeia argumenta que no caso presente é possível afirmar que as situações não são objetivamente comparáveis, porquanto de facto, tendo presente o previsto no n.º 2 do artigo 7.º do CIS, as isenções das alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não são aplicáveis em virtude de um dos intervenientes (o devedor, beneficiário dos financiamentos) não ter sede no território nacional, e de as Requerentes, com sede em Portugal, surgirem como credoras e, por outro lado, a isenção prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não ser aplicável ao caso em apreço, dado que, não existindo qualquer participação das Requerentes na entidade centralizadora, os fundos não têm caráter de suprimentos efetuados por sócios às sociedades suas participadas.
II. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Não existem exceções a apreciar. O processo não enferma de nulidades.
III. Questão a Apreciar
A questão essencialmente discutida nos presentes autos é a da sujeição (ou não) das operações de gestão centralizada de tesouraria, denominadas cash pooling, ao Imposto do Selo, ao abrigo do disposto na Verba 17.1.4 da TGIS e à luz da isenção prevista na alínea h) do n.º 1 e no n.º 2, do artigo 7.º do CIS, em conformidade com o Direito da União Europeia.
IV. Fundamentação de Facto
1. Factos Assentes
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente A... é uma sociedade de direito português que, à data dos factos, tinha como objeto social o comércio e reparação de veículos automóveis, bem como a venda de peças e acessórios (registo efetuado pela Apresentação AP. 1/20181206, referente à inscrição 9, disponível em https://publicacoes.mj.pt/).
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A quota representativa da totalidade do capital social da Requerente A... é detida pela I..., Lda., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal ... (“I...”), a qual, por seu turno, nos períodos relevantes era detida em 95,5% pela sociedade espanhola C...S.L., entretanto redenominada para J... S.L. (por acordo).
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A Requerente B... é uma sociedade de direito português cujo objeto social compreende a prestação de serviços nas áreas administrativa, financeira, informática, recursos humanos, formação profissional, prospeção de mercados, promoção, marketing e publicidade, bem como a importação e exportação, comercialização e distribuição por grosso ou a retalho, reparação, de todo o tipo de produtos, incluindo veículos, em especial de veículos automóveis, incluindo peças e acessórios, sendo a totalidade da quota representativa do seu capital social
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detida pela sociedade espanhola J... S.L., anteriormente designada K... S.L. (por acordo).
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A Requerente D... é uma sociedade de direito português cujo objeto social compreende a importação, distribuição, comércio, reparação e manutenção de veículos, em especial de veículos automóveis, incluindo peças e acessórios, sendo, à data dos factos, as quotas representativas de pelo menos 99% do seu capital social detidas pela referida J... S.L., anteriormente designada K... S.L. (por acordo).
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A Requerente E... é também uma sociedade de direito português cuja atividade está centrada na comercialização e reparação de veículos automóveis, bem como de peças e acessórios para os mesmos, sendo, à data dos factos, as quotas representativas de pelo menos 99% do seu capital social detidas pela referida sociedade de direito espanhol J... S.L., anteriormente designada K... S.L., com sede em Espanha (por acordo).
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As preditas sociedades fazem parte do Grupo L..., com sede em Espanha, que em Portugal opera sob a designação B...– até há pouco tempo, C... (por acordo).
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As Requerentes, assim como a sociedade H..., S.L., são, direta ou indiretamente (no caso da A...), detidas pela sociedade de direito espanhol J..., S.L. (anterior K... S.L.), que, por sua vez, é detida em 75% pela sociedade de direito espanhol F..., S.L., a qual, por seu turno, é detida na totalidade pela sociedade de direito espanhol M..., S.A. (por acordo).
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Em 1 de Abril de 2017, as Requerentes A..., B..., D... e E... celebraram contratos de crédito em conta-corrente (denominados “Contrato de Crédito en Cuenta Corriente en Euros a Interés Variable en Función del Euribor” e adiante identificados simplesmente como “contratos”) até aos limites de € 5.000.000,00, € 1.000.000,00, € 10.000.000,00 e € 15.000.000,00, por esta ordem, com a sociedade de direito espanhol F..., S.L., com termo em 1 de Janeiro de 2018 e renováveis por períodos sucessivos de 1 (um) ano, no âmbito dos quais as empresas podem transferir os excedentes de tesouraria apurados na conta bancária local para uma conta de cash pooling (cópias dos contratos juntos ao PPA como Doc. n.º 2, que aqui se dão por reproduzidos).
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Em 20 de Abril de 2020, as Requerentes, a F..., S.L. e a sociedade espanhola então designada G..., S.L. (redenominada para H..., S.L.) assinaram os documentos intitulados “Acuerdo de Novación de Contrato de Crédito en Cuenta Corriente”, no âmbito dos quais, entre outros aspetos, a F..., S.L. cedeu a sua posição nos contratos celebrados em 1 de Abril de 2017 à G..., S.L. (atual H..., S.L.) e foi acordado um aumento do limite máximo do crédito em conta-corrente para € 10.000.000,00 (nos caso da A... e da B...) e para € 25.000.000,00 (no caso da E...) (cit. Doc. n.º 2).
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Considerando que as operações efetuadas no âmbito dos referidos contratos (e respetivas adendas) consubstanciam operações de concessão e utilização de crédito, entre Outubro de 2020 e Julho de 2022 as Requerentes procederam, com base nos artigos 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 1, alíneas b) e d), 3.º, n.ºs 1 e 3, alínea f), 4.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 23.º, n.º 1, 41.º e 43.º, todos do CIS, bem como na verba 17.1.4 da TGIS, à liquidação e entrega de IS, numa base mensal, no montante total de € 165.787,37 (cento e sessenta e cinco mil setecentos e oitenta e sete euros e trinta e sete cêntimos), assim discriminado: a) A... - 12 786,06 €; b) B...- 5 419,41 €; c) D...- 21 784,38 €; d) E...- 125 797,52 € (Doc. n.º 3 junto com o PPA e quadros constantes do ponto I.1 de cada uma das informações que fundamentam as decisões de indeferimento das reclamações graciosas juntas com o PPA como Doc. n.º 1, que aqui se dá por reproduzido).
-
Conforme pode verificar-se pela rubrica “financiamentos obtidos” dos balanços de cada uma das Requerentes relativos a 2020, 2021 e 2022, as mesmas não apresentavam, nestes exercícios, qualquer passivo relativo a financiamentos bancários, com a particularidade de no caso da A..., apesar de o balanço apresentar um valor a título de “financiamentos obtidos”, o mesmo não está associado a um financiamento bancário, mas sim a uma operação de factoring operacional (Doc. n.º 4 junto com o PPA e por acordo).
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Não obstante a liquidação e entrega do IS, em 17 de Novembro de 2022, as Requerentes apresentaram diversas reclamações graciosas, que receberam os n.ºs ...2023... (A...), ...2023... (B...), ...2023... (D...) e ...2023... (E...), nas quais solicitaram a anulação integral daqueles atos tributários e, em consequência disso, a restituição do montante total de € 165.787,37 (PA).
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As Requerentes não exerceram o direito de audição, tendo sido notificadas, por via eletrónica, dos despachos proferidos pelo Chefe da Divisão de Justiça Tributária da UGC em 25 de Outubro de 2023 (no caso da A...) e em 24 de Novembro de 2023 (nos casos da B..., da D... e da E...) que indeferiram as reclamações graciosas (Doc. n.º 1 junto com o PPA).
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Os mencionados despachos de indeferimento têm subjacentes as informações n.ºs ...-ISCPS1/2023 (A...), ...-ISCPS1/2023 (B...), ...-ISCPS1/2023 (D...) e ...-ISCPS1/2023 (E...) de cuja fundamentação se extrai, entre o mais, o seguinte:
“V. DA MATÉRIA DE DIREITO
26. Não se conformando com os referidos atos tributários de autoliquidação, vem a Reclamante pedir na sua petição a anulação dos mesmos, devido a, no seu entendimento, as liquidações a que se faz referência no quadro II., se encontrarem desconformes com a legislação fiscal em vigor, pelo que requer a procedência do peticionado, e que em consequência, seja reembolsada do IS indevidamente suportado, no montante total de (…), em virtude de entender se encontrarem preenchidos os pressupostos da isenção do Imposto do selo, prevista na al. h) do nº 1 do artº 7º do CIS.
Questão a resolver,
27. Saber se o imposto de selo que, é devido pelas operações de gestão centralizada de tesouraria, denominadas cash-pooling, pode vir a ser exigido pela AT à entidade beneficiária do financiamento, neste caso a Reclamante.
28. Para reconhecimento do benefício fiscal, é necessário o preenchimento do pressuposto subjetivo de que depende o mesmo por parte da Reclamante, nos termos do disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1, n.º 2 e n.º 3 do artigo 7.º do CIS.
29. O artigo 7.º n.º 1 alíneas g) e h), n.ºs. 2 e 3 do CIS depois da alteração da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, tem a seguinte redação:
“g) Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinados à cobertura de carência de tesouraria, e efetuados por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como os efetuados por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10 % do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a 5 000 000 €, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, os efetuados em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo; (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março)
h) Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo; (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março)
2 - O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.
3 - O disposto nas alíneas g), h) e i) do n.º 1 não se aplica quando qualquer das sociedades intervenientes ou o sócio, respetivamente, seja entidade domiciliada em território sujeito a regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.” (Redação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro).
30. O acordo de gestão centralizada de tesouraria - Cash Pooling tem enquadramento na Isenção da alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, desde que a as operações financeiras realizadas pela Reclamante concretizem o preenchimento do pressuposto subjetivo de que depende o direito ao benefício fiscal.
31. Para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), na medida em que são como tal qualificadas nos termos do CIS e da respetiva TGIS, estas operações de tesouraria, traduzidas em movimentos de cedência e tomada de fundos, representam verdadeiras operações financeiras, pois a relação jurídica estabelecida
entre as entidades credoras e devedoras do capital e juros e a entidade centralizadora concretiza-se através de financiamentos concedidos/obtidos que representam efetivas operações de crédito, quaisquer que sejam a sua forma ou prazo.
32. Deste modo, os fluxos da conta bancária individual da Reclamante para a conta bancária da entidade centralizadora (detida pela “G..., S.L.”, por referência aos períodos em análise), ou em sentido inverso, constituem operações financeiras que se consubstanciam na utilização de fundos concedidos e, como tal, têm enquadramento no âmbito de incidência objetiva do imposto do selo, por força do n.º 1 do artigo 1.º do CIS.
33. Alega a Reclamante, que o contrato de cash pooling prevê a transferência, numa base diária, de excessos de liquidez da conta bancária da Reclamante, para uma conta bancária centralizadora ou transferência, também numa base diária, de liquidez da conta bancária centralizadora para a conta da Reclamante para compensar saldos negativos (descobertos), nesta última conta (zero Balancing).
34. Também não há dúvidas quanto à identificação do sujeito passivo neste tipo de operações financeiras, que é a entidade concedente do crédito (cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS), ou a entidade mutuária se a operação não for intermediada por uma instituição de crédito ou sociedade financeira (cf. alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS); considerando-se as operações realizadas em território nacional (cf. n.º 1 e alínea b) do n.º 2 do artigo 4.° do CIS) mesmo quando a sociedade credora seja uma entidade não residente em território português.
35. Por conseguinte, caberá à Reclamante a responsabilidade pela liquidação, cobrança e entrega do imposto nos cofres do Estado, quer esteja na posição de concedente de crédito, quer esteja na posição de utilizadora de crédito, conforme estabelecem os artigos 23.°, 41.º e 43.º do CIS.
36. Relativamente ao encargo do imposto, o mesmo é suportado pela entidade utilizadora dos fundos transferidos (cf. alínea f) do n.º 3 do artigo 3. ° do CIS), pelo que, incumbirá à Reclamante efetuar a repercussão do montante do imposto liquidado (mencionado redébito).
37. Quanto à forma de apuramento do valor tributável e do imposto, o sistema de cash pooling a que a Reclamante aderiu, pressupõe a abertura e existência de uma conta corrente financeira da Reclamante e a conta bancária da entidade centralizadora, na qual serão registadas todas as transferências efetuadas de e para a Reclamante, pelo que será aplicável a verba 17.1.4 da TGIS, pois a utilização do
crédito será feita sob a forma de conta corrente.
38. Quanto aos juros, credores e devedores, apenas estarão sujeitos a imposto do selo se decorrerem de operações que sejam realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras, conforme estipula a verba 17.3.1 da TGIS.
39. Determina a alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS que “[o]s empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo”, ficam isentos do pagamento de imposto do selo.
40. Consta do Relatório do Orçamento do Estado de 2020, que foi intenção do legislador “como forma de apoio à tesouraria das empresas”, isentar “de Imposto do Selo todas as operações financeiras de curto prazo realizadas entre sociedades em relação de domínio ou de grupo no âmbito de contratos de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling).”5.
41. O reconhecimento e concessão da isenção está condicionado à observância do disposto no novo n.º 8 do mesmo artigo que determina que “[s]em prejuízo do estabelecido nos n.os 2 e 3, para efeitos do disposto na alínea h) do n.º 1, existe relação de domínio ou grupo, quando uma sociedade, dita dominante, detém, há mais de um ano, direta ou indiretamente, pelo menos, 75 % do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto.”6
42. Relevam ainda sobre esta matéria o disposto nos n.os 2 e 3 do citado artigo, na medida em que concorrem para a delimitação do elemento espacial de aplicação daquela norma de isenção, pelo que importa ter presente a sua redação onde se estabelece que “ [o] disposto nas alíneas g) e h), do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h), do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional”(n.º2); e que “[o] disposto nas alíneas g), h) e i) do n.º 1 não se aplica quando qualquer das sociedades intervenientes ou o sócio, respetivamente, seja entidade domiciliada em território sujeito a regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças” (n.º 3).
43. Fazendo uma leitura integrada do disposto nos normativos citados, conclui-se que o benefício da isenção depende do preenchimento cumulativo dos seguintes pressupostos:
(i) do prazo da operação financeira, isto é, do prazo de concessão e utilização dos fundos transferidos, que não deve ser superior a um ano; e,
(ii) da relação entre as sociedades intervenientes nos fluxos financeiros que se
estabelecem entre elas.
44. Quanto às relações financeiras estabelecidas entre a Reclamante e a entidade centralizadora “G..., S.L.”, por referência aos períodos em análise (de outubro de 2020 a julho de 2022), e de acordo com o organigrama do Grupo, que constitui um anexo do pedido, como documento n.º 3 (fls. 45 dos autos), constatamos tratar-se de duas empresas detidas a 100% pela mesma empresa “J..., S.L.”, sem que detenham capital social uma da outra.
45. Por sua vez, o sujeito passivo é uma entidade não residente, in casu, a entidade centralizadora “J..., S.L.”, para os períodos em análise, e a norma exige para que a isenção funcione que os empréstimos de curto prazo, efetuados no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling), sejam “concedidos por sociedades (…) a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo”.
46. No que toca à relação de domínio ou de grupo, perante a ausência de definição do que se deve entender por relação de domínio ou de grupo, tanto no regime jurídico das SGPS (Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro), como no Código de Imposto do Selo, socorremo-nos da definição doutrinária simplista de que um grupo de sociedades configura um conjunto de sociedades juridicamente independentes, mas submetido a uma direção unitária.
47. Assim a Reclamante e a entidade centralizadora, à luz do artigo 482.º do Código das Sociedades Comerciais, consideram-se entidades coligadas e dado que integram o mesmo grupo económico, acham-se portanto, numa relação de grupo à luz do supra citado preceito legal.
48. No regime de cash pooling, as sociedades que integram o grupo implementaram entre si um sistema de gestão centralizada de tesouraria designado cash pooling, na modalidade zero balancing, o que significa que os saldos de tesouraria das diferentes contas bancárias das empresas do grupo são consolidados (de forma efetiva e não meramente virtual) numa única conta centralizadora. Estas
operações traduzem-se, na prática, numa forma de concessão ou obtenção de créditos entre as várias empresas do grupo.
49. Este sistema é objeto de tributação pela verba 17.1.4 da TGIS, por se tratar de um crédito "utilizado sob a forma de conta corrente ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável", sendo devido imposto de 0,04% sobre a "média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês divididos por 30”.
50. A liquidez do Grupo é, assim, utilizada de forma dinâmica e expedita mediante a concessão de crédito a curto prazo (i.e., por prazo inferior a um ano), e exclusivamente destinado a fazer face às carências de tesouraria, com o objetivo estratégico de minorar a dependência desta última de financiamentos externos e dos encargos que os mesmos acarretam, recorrendo para a sua cobertura a recursos próprios do Grupo.
51. Em conformidade com o n.º 1 do art. 1.º do CIS, o imposto do selo “(..) incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral (…)”, ou seja, a incidência objetiva do IS é estabelecida por referência a um conjunto de factos e operações constantes da Tabela anexa ao Código.
52. Por sua vez, a Tabela Geral do Imposto do Selo define na verba “17. Operações Financeiras: 17.1. Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato – sobre o respetivo valor, em função do prazo: (…) 17.1.4. Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 – 0,04%”.
53. Sem prejuízo do que a AT tem vindo a considerar como “nova concessão de crédito” e tendo por base a Circular nº 15/2000, de 05.07.2000 da Direção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património, não é qualquer utilização de crédito que despoleta a aplicação do imposto.
54. É de facto necessário que haja um encontro de vontades dirigido à concessão de crédito (com utilização do mesmo) ou então de outro modo, não se verifica o facto tributário, não havendo lugar à incidência do imposto.
55. Resumidamente, o imposto incide sobre a utilização do crédito em resultado de uma operação de concessão de crédito, nas quais comummente se incluem a “abertura de crédito, empréstimos, cessão de créditos, factoring e operações de tesouraria”, considerando-se ainda, como nova operação financeira, por exemplo a prorrogação, seja ela automática ou não.
56. Atendendo ao princípio de que o encargo do imposto (conforme alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS) se reflete sobre a entidade utilizadora daquela concessão, uma vez que é sob esta última que reside o respetivo interesse económico, por outro lado e conforme se demonstrará, a regra geral de incidência
no que concerne a estas operações, é a de que as entidades concedentes de crédito têm a obrigação de promover a liquidação do imposto e respetivo pagamento, conforme resulta aliás da letra da alínea b) do artigo 2.º do CIS. Quando tal não acontece, como é o caso dos autos, deverá ser a entidade utilizadora do crédito a promover a liquidação do Imposto do selo.
57. Assume particular relevância, definir o que se entende como crédito de forma a poder delimitar corretamente os contornos das operações em análise e respetivo enquadramento fiscal em sede deste imposto.
58. Sobre o aspeto supra, importa fazer uma leitura cuidada relativamente ao exposto pelo Dr. José Maria Pires in “Direito Bancário, 2.º Volume, As operações Bancárias, editora Rei dos Livros”, onde é referido a páginas 181 e seguintes, a propósito da noção de crédito que “(…) em termos gerais, podemos dizer que o crédito consiste numa troca em que não há simultaneidade entre prestação e contraprestação, ou seja, o conceito de crédito analisa-se em duas prestações separadas pelo tempo”.
59. Prossegue o autor, referindo que “(…)a intervenção do fator tempo nas suas operações de crédito implica a verificação de um custo económico, porquanto o credor renuncia temporariamente aos seus bens e, além disto, corre o risco de insolvência do devedor. Quer isto dizer que a cedência de bens a crédito é normalmente acompanhada de uma remuneração – o juro.”
60. Mais refere que, “(…) por outro lado, o referido fator tempo, com o seu inerente risco, introduz um outro elemento do crédito que, embora de ordem psicológica, é de algum modo sucedâneo do valor real da contraprestação: a confiança depositada pelo credor (acreditante) na promessa de pagamento do devedor (acreditado), isto é, a forte convicção do primeiro de que o compromisso do segundo será por ele honrado”.
61. E face ao exposto, cumpre referir, no que respeita ao caso em apreço, que o sistema de “cash pooling”, consubstancia-se num serviço financeiro que poderá ser utilizado entre contas bancárias de uma só empresa, ou entre contas bancárias de várias empresas do mesmo grupo, o que no fundo traduz uma gestão conjunta desses capitais.
62. O que sucede é que desta aglomeração de saldos, resultará um único saldo global, que corresponderá à tesouraria consolidada do grupo e onde depois serão calculados juros, que serão creditados às sociedades aderentes ao acordo que transfiram os seus excedentes de tesouraria para a conta centralizadora, e que, pelo contrário, serão debitados quando se verifique a situação inversa, ou seja, quando haja transferência de saldos da conta centralizadora para as contas bancárias das sociedades participantes para cobertura de saldos deficitários.
63. Neste seguimento, não podemos senão concluir que estes fluxos financeiros entre as empresas de um mesmo grupo económico configuram movimentos de concessão e obtenção de crédito, por forma a que no grupo se permita haver uma gestão de necessidades de fundos, verificando-se uma compensação diária com os excedentes e assim evita-se a necessidade de socorrerem de outro método para satisfazer as necessidades de tesouraria do grupo e, consequentemente, suportar os
respetivos custos de financiamento externo.
64. Aliás, também como a maioria da doutrina que se debruça sobre esta questão, estas operações de tesouraria que se traduzem em movimentos de cedência e tomada de fundos, representam verdadeiras operações financeiras e a relação jurídica que se estabelece entre as entidades credoras e devedoras do capital e juros e a entidade centralizadora, corporiza-se através dos financiamentos concedidos e/ou obtidos e que representam efetivas operações de crédito, qualquer que seja a sua forma ou prazo, neste sentido vide a título de exemplo a decisão do CAAD (Arbitragem Tributária) no Processo n.º 462/2017-T, em que o tema é exatamente contratos de cash-pooling (gestão centralizada de tesouraria).
65. Nos termos desta verba, o facto tributário é de formação sucessiva, incidindo o imposto à taxa de 0,04% sobre a matéria coletável resultante da média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30, nascendo a obrigação tributária no último dia de cada mês, conforme a 2.ª parte da alínea g), do artigo 5.º do CIS, pelo que a sujeição se encontra consagrada nos termos da Verba 17.1.4 da TGIS.
66. O Acórdão do STA nº 02244/12.3BEPRT 0898/17, 19-02-2020, sobre a questão das operações de cash pooling tem o seguinte sumário:
“I - Nas operações de cash pooling, dada a natureza puramente convencional das titularidades de sujeito passivo e de titular do interesse económico, resultante de, na prática, estas titularidades serem cambiantes em razão da própria natureza dinâmica das operações de crédito que lhe estão subjacentes, é de considerar que estamos perante uma situação jurídica equiparável a um mecanismo de substituição fiscal imprópria.
II - No âmbito desta substituição fiscal imprópria, o titular do interesse económico ainda integra a relação jurídica tributária, uma vez que o legislador visa constituir sobre ele (sobre a sua situação económica) o encargo do imposto, ainda que impropriamente, ou seja, por via da interposição do sujeito passivo.
III - Nestes casos de substituição fiscal imprópria, nada impede que, quando o sujeito passivo não cumpra os seus deveres legais de liquidação do imposto, a Administração Tributária possa exigir, diretamente, ao titular do interesse económico, o imposto em falta.”
67. Quando o Imposto do Selo seja encargo do utilizador do crédito [nos termos do artigo 3.º, n.º 3, alínea f), do CIS], o Sujeito Passivo (Não Residente) que concede o crédito, incumbiria a liquidação do imposto de selo, na qualidade de concedente do crédito, que seguidamente o deveria debitar à Reclamante, em sintonia com o preceituado no artigo 23.º, n.º 1, 41.º e 44.º, do CIS.
68. Não tendo ocorrido essa liquidação de IS pelo concedente do Crédito, nada impede que, quando o sujeito passivo não cumpra os seus deveres legais de liquidação do imposto, a Administração Tributária possa exigir, diretamente, ao titular do interesse económico, o imposto em falta.
69. Atendendo à informação prestada sobre o acordo de gestão centralizada de tesouraria (Cash Pooling) - Isenção da alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, Processo: 2020000840 - IV n.º 18431, com despacho concordante de 2021.02.18, da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, consta o seguinte:
“II – INFORMAÇÃO Para melhor compreendermos o enquadramento dos fluxos financeiros estabelecidos entre a Requerente e a “D” no âmbito do “CONTRATO” de gestão de tesouraria em apreço, importa, em primeiro lugar, atender às relações societárias estabelecidas entre as várias sociedades com relevo para o presente pedido. De acordo com o organograma remetido a nosso pedido, no topo do “GRUPO ABCD” encontra-se a sociedade «“A” (U.S.)», que detém a totalidade do capital social da sociedade «“B” (U.S.)» e da sociedade «”C” (SPAIN)». Por sua vez, estas duas sociedades formam dois ramos paralelos dentro do “GRUPO ABCD” detendo cada uma delas, respetivamente, e de forma indireta, a totalidade do capital social da “D” e da Requerente.
Ora, do organograma resulta com nitidez que os fluxos financeiros de e para a Requerente, resultantes da execução do “CONTRATO”, são estabelecidos exclusivamente entre duas “sociedades-irmãs” do “GRUPO ABCD”; isto é, são realizados numa lógica “horizontal”, não tendo a entidade centralizadora, in casu, a “D” qualquer participação social, direta ou indireta, no capital da Requerente, nem vice-versa. Sucede que, especificamente para efeitos da aplicação da isenção da alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, o legislador fiscal criou um conceito próprio sobre o que se deve entender por “relações de domínio ou de grupo”, estabelecendo um conjunto de critérios legais, taxativos e cumulativos, que se não forem preenchidos resultam na inexistência de uma “relação de grupo” tal como o legislador a configurou e, por consequência, na inaplicabilidade da isenção. De facto, com a redação dada pela LOE 2020 à alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º, o legislador fiscal autonomizou no CIS as operações de gestão centralizada de tesouraria (vulgo “cash pooling”), construindo em simultâneo, para efeitos de aplicabilidade desta nova isenção, um conceito próprio de “relação de domínio ou de grupo”, expresso no n.º 8 daquele artigo, com a seguinte redação: “8 - Sem prejuízo do estabelecido nos n.os 2 e 3, para efeitos do disposto na alínea h) do n.º 1, existe relação de domínio ou grupo, quando uma sociedade, dita dominante, detém, há mais de um ano, direta ou indiretamente, pelo menos, 75 % do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto”. Ora, na medida que a literalidade da norma conduz o destinatário/intérprete para uma aceção formal do conceito em análise, a definição de “relação de grupo” nela contida – tida como verificada entre uma sociedade dita “dominante” e uma ou outras sociedades ditas “dominadas”, na qual aquela detém, há mais de um ano, direta ou indiretamente, pelo menos 75% do capital e mais de 50% dos direitos de voto no capital desta(s) –, aponta para as relações “verticais”, diretas ou indiretas, estabelecidas entre “sociedades-mães” ou “dominantes” e “sociedades-filhas” ou “dominadas”, deixando de fora as relações “horizontais” estabelecidas entre “sociedades irmãs”, ainda que sob domínio e controlo comuns. Contudo, no caso concreto das “relações de grupo”, essa não se nos afigura ser a leitura mais correta. Com efeito, e desde logo, porque o legislador fiscal, para efeitos específicos desta isenção, só considera relevantes os “grupos” cuja direção económica unitária de duas ou mais sociedades, que conservam a sua personalidade jurídica autónoma e respetivas estruturas organizativas, resulte do preenchimento dos critérios legais estabelecidos naquela norma, formando-se, assim, entre as sociedades ditas “dominantes” e “dominadas”, uma “relação de grupo”, o que abre a possibilidade de no seu seio existirem e serem admitidas, para além das relações bilaterais caraterísticas das relações de coligação entre sociedades, relações plurilaterais entre as diversas sociedades que o compõem. Ou seja, só no seio de uma “relação de grupo”, assumem relevância não só as relações existentes entre uma sociedade-mãe e cada uma das suas sociedades-filhas, mas também os vínculos que ligam estas sociedades (sociedades-irmãs) entre si. Esta circunstância, isto é, a existência de relações plurilaterais entre sociedades, impõe-se objetivamente numa “relação de grupo” e surge como uma consequência lógica da existência de um poder legal e unitário de direção que se pode manifestar, designadamente, no direito da sociedade mãe ordenar transferências patrimoniais e de lucros entre quaisquer sociedades integradas no seu perímetro, incluindo entre sociedades-irmãs, desde que tal sirva os interesses do “grupo” e seja feito de forma diligente. Posto que, para efeitos da isenção prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, é nosso entendimento que o conceito de “relação de grupo”, constante do n.º 8 daquele artigo, deverá ser interpretado no sentido de abranger também as relações “horizontais”, isto é, as relações estabelecidas entre “sociedades-irmãs” sob domínio e controlo comuns relativamente às quais se verifique, direta ou indiretamente, o nível de participação e controlo previsto na norma – ou seja, pelo menos 75% do capital e mais de 50% dos direitos de voto, se mantidos por mais de um ano –, não se limitando essa relação de grupo” às relações “verticais” estabelecidas entre “sociedades mães” e “sociedades-filhas”, já compreendidas no conceito de “relação de domínio”.
III – CONCLUSÃO
Tendo presente o pedido da Requerente e o acima exposto é de concluir que: Os fluxos financeiros resultantes da execução do “CONTRATO” de gestão centralizada de tesouraria que se analisou estão sujeitos a Imposto do Selo, nos termos previstos no CIS para estas operações e no modo referido pela Requerente. Independentemente de se tratar de empréstimos realizados entre “sociedades-irmãs”, nos termos conjugados da alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS com o n.º 8 do mesmo preceito, tais operações podem beneficiar da isenção, desde que verificado o outro pressuposto cumulativo aí previsto; isto é, o prazo de concessão/utilização dos fundos transferidos não deve ser superior a um ano. Contudo, mesmo que, na perspetiva da Requerente, se encontrem preenchidos todos os pressupostos da isenção, atendendo à limitação de âmbito espacial imposta pelo n.º 2 daquele normativo , apenas as operações que se traduzam em utilizações de fundos (empréstimos) transferidos da conta bancária centralizadora, titulada pela “D”, para a conta bancária da Requerente, poderão aproveitar da isenção, desde que tais fundos não tenham sido previamente obtidos pela “D” por recurso a financiamentos junto de instituições de crédito ou sociedades financeiras. Deste modo, ficam afastadas do benefício da isenção as operações realizadas em sentido inverso; isto é, as que se traduzam em utilizações de fundos excedentários transferidos da conta bancária da Requerente para a conta bancária centralizadora, titulada pela “D”.
Cumpre salientar
70. Na IVE supracitada conclui-se “que poderão aproveitar da isenção, desde que tais fundos não tenham sido previamente obtidos pela “D” por recurso a financiamentos junto de instituições de crédito ou sociedades financeiras.9.
71. Adequando à informação prestada na IVE nº 18431 ao caso subjudice, mesmo quando se encontrassem preenchidos todos os pressupostos da isenção, o benefício fiscal apenas pode ser concedido, se tais fundos não tiverem sido previamente obtidos pela entidade centralizadora, por recurso a financiamentos junto de instituições de crédito ou sociedades financeiras, ou vice-versa, o que compete provar à Reclamante, nos termos do artº 74º da LGT.
72. Concluímos, pois, que apenas as transferências diárias de excedentes de liquidez apurados pelas empresas participantes no contrato (os quais são alocados às necessidades de tesouraria das empresas que se verifiquem a cada momento), poderão aproveitar da isenção prevista na al) h) do nº 1 do artº 7º do CIS, após comprovação de estarem cumpridos os pressupostos objetivos e subjetivos que a lei prevê, bem como deve ser realizada a prova de que os fluxos financeiros entre as sociedades do grupo provêm de excedentes de liquidez gerados pelo próprio Grupo, ou seja não provêm de financiamentos externos.
Sobre a prova apresentada
73. Sobre o anexo, que constitui o documento n.º 4 junto aos autos, não é possível inferir que as operações aí descritas têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, disponibilizada através da conta da entidade centralizadora, o que inviabiliza benefício fiscal.
74. Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 74.º da Lei Geral Tributária, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
75. A determinação legal do ónus da prova orienta as partes sobre os factos que devem provar e indica ao decisor qual a parte que deve ser afetada pela inexistência ou insuficiência da prova. O ónus da prova interessa à apreciação do decisor que, perante uma situação de inexistência de prova de determinado facto, decidirá, contra quem tem o ónus da prova.
76. Não obstante o princípio do inquisitório, segundo o qual cabe à Administração Tributária o dever de procurar a verdade material, continuam a ser os particulares (quando o ónus da prova lhes é atribuído) com o dever de demonstração de determinados factos.
77. A inexistência ou insuficiência dessa demonstração terão como consequência a desconsideração do facto, que se terá como não verificado. Neste sentido decidiu o Ac. STA de 01-06-2011, (Processo nº 0211/11), do qual consta no Sumário “I – Cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação e ao contribuinte o ónus da prova dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito (…)” – citado no Sumário do Acórdão do STA, processo nº 060/13, de 03-04-2013.
78. Não estando preenchidos os pressupostos de que depende a concessão do benefício fiscal, é forçoso concluir que a Reclamante não pode usufruir do mesmo.
Sobre a questão da incompatibilidade do regime do artigo 7.º com o direito da União Europeia
79. A Reclamante defende que deve ser aplicada a isenção prevista na alínea g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, por, em suma, o afastamento da sua aplicação nas situações em que o devedor tem sede ou direção efetiva num Estado Membro da União Europeia não poder ser aplicado, por ser incompatível com os artigos 63.º e 65.º do Tribunal de Justiça da União Europeia (TFUE) e ser discriminatório, no que respeita à redação em vigor até à publicação da Lei do Orçamento de Estado para 2022.
80. O artigo 8.º, n.º 4, da CRP estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático». Desta norma decorre a primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, quando não está em causa os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
81. Na verdade, embora não se esteja perante uma situação de substituição tributária em sentido próprio (que se efetua através de retenção na fonte do imposto liquidado pelo substituto, nos termos do artigo 20.º da LGT), está-se perante situação em que se admite (e legalmente se pretende) a repercussão económica do imposto em relação ao titular do interesse económico, que é o utilizador do crédito, que deve suportar o encargo do imposto, nos termos dos n.ºs 1 e 3 alínea f) do artigo 3.º do CIS. Aliás, no caso de não pagamento do imposto pelo sujeito passivo (credor), o imposto até poderá ser exigido diretamente ao titular do interesse económico, designadamente nos casos de operações de cash pooling, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 19-02-2020, proferido no processo n.º 2244/12.3BEPRT 0898/17.
82. Assim, o afastamento da isenção nas situações em que devedor tenha sede ou direção efetiva num Estado Membro constitui uma restrição aos movimentos de capitais no sentido do artigo 63.º, n.º 1, do TFUE, que só pode ser admitida nas situações previstas no artigo 65.º do mesmo diploma.
83. Na alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, permite-se aos Estados-Membros «aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido».
84. Na interpretação deste artigo 65.º o TJUE entendeu o seguinte, no acórdão de 22-11-2018, proferido no processo n.º C-575/17 - Sofina SA: «Esta disposição, na medida em que constitui uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, deve ser objeto de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar onde residam ou do Estado Membro onde invistam os seus capitais será automaticamente compatível com o Tratado. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.o, n. o 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no n.º 3 desse mesmo artigo, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.o [TFUE]» (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o., C 10/14, C 14/14 e C 17/14, EU:C:2015:608, n.º 63).»
85. «Assim, há que distinguir as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.o, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.o, n. o 3, TFUE. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento que daí resulta respeite a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por uma razão imperativa de interesse geral (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o., C 10/14, C /14 e C 17/14, EU:C:2015:608, n. o 64).
86. Assim, tem de se concluir pela comparabilidade das situações entre residentes e não residentes (desde que sejam residentes em um Estado Membro da EU), para efeitos da isenção em causa, em contratos do tipo do dos autos, quando reunidos os pressupostos objetivos e subjetivos de que depende o benefício fiscal.
87. De facto, tendo presente o previsto no n.º 2 do artigo 7.º do CIS, as isenções das alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não são aplicáveis relativamente às situações em apreço, em virtude de um dos intervenientes (o devedor, beneficiário dos financiamentos) não ter sede no território nacional, e de a Reclamante, com sede em Portugal, surgir como credor e, por outro lado, a isenção prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não ser aplicável ao caso em apreço, dado que, não existindo qualquer participação da Reclamante na entidade centralizadora, os fundos não têm caráter de suprimentos efetuados por sócios às sociedades suas participadas.
88. Assim concluímos que é devido imposto de selo pelas operações de gestão centralizada de tesouraria realizadas pela Reclamante, em que o sujeito passivo é a entidade concedente do crédito, tendo em conta o exposto, pelo que consideramos o pedido como improcedente.
89. Perante o exposto, somos a concluir pela improcedência dos argumentos da Reclamante, mantendo-se por isso válidas na ordem jurídica as liquidações de IS elencadas no Quadro II., por referência aos períodos de outubro de 2020 a julho de 2022, no montante de (...), uma vez que a Reclamante não logrou provar o preenchimento dos pressupostos da respetiva isenção, previstos nas alíneas g), h) e i) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.
(...)
VII. DA CONCLUSÃO E DA DECISÃO
Em conformidade com tudo o anteriormente exposto, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui, somos de propor que o pedido de reclamação graciosa formulado nos presentes autos seja indeferido, com todas as consequências legais.” (Doc. n.º 1 junto com o PPA, que aqui se dá por reproduzido.
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Inconformadas com as decisões de indeferimento das reclamações graciosas, bem como com as liquidações de Imposto do Selo supra identificadas, as Requerentes apresentaram, em 25 de Janeiro de 2024, o PPA que origina o presente processo arbitral (registo de entrada no SGP do CAAD).
2. Factos não Provados
Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.
3. Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros teve em conta a posição assumida pelas Partes em relação à matéria de facto e fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos e no que não é controvertido, conforme se assinala relativamente a cada um deles.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
V. Do Direito
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Enquadramento da Questão
Como atrás assinalado, discute-se na presente ação a questão da sujeição (ou não) das operações de gestão centralizada de tesouraria, denominadas cash pooling, ao Imposto do Selo, ao abrigo do disposto na Verba 17.1.4 da TGIS e à luz da isenção prevista na alínea h) do n.º 1 e no n.º 2, do artigo 7.º do CIS), em conformidade com o Direito da União Europeia.
As Requerentes alegam, em termos aqui simplificados, que as liquidações de IS em questão padecem de ilegalidade, porque são emergentes de operações de financiamento realizadas no âmbito dos contratos de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling), estando abrangidas pela isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea h), do CIS, na redação conferida pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado [“LOE”] para 2020), em vigor desde 1 de Abril de 2020, que afasta a cobrança do imposto sobre “Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo”. Acrescentando que restringir a isenção de IS às situações em que o credor era um não residente em território nacional e, em sentido contrário, submeter a tributação, sem isenção, as situações de financiamento intragrupo no quadro de um contrato de gestão centralizada de tesouraria em que o devedor era um não residente domiciliado noutro Estado-Membro da União Europeia (n.º 2 daquele artigo 7.º), era contrário ao direito europeu, constituindo uma restrição proibida e injustificada à liberdade de circulação de capitais consagrada com caráter erga omnes pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).
A Requerida entende ser devida a tributação em IS, ao abrigo do disposto na verba 17.3.4 da TGIS, para o que invoca não poder inferir-se que as mencionadas operações de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling), têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, bem assim que as isenções das alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não são aplicáveis relativamente às situações em apreço, em virtude de um dos intervenientes (o devedor, beneficiário dos financiamentos) não ter sede no território nacional.
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Quadro Legal
Para apreciar a questão a decidir importa atender ao disposto nas normas aplicáveis de direito interno e da União Europeia, que infra se transcrevem na parte relevante:
Código do Imposto do Selo
“Capítulo I – Incidência
Artigo 1.º
Incidência objectiva
“1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”
Artigo 7.º
Outras isenções
“1 - São também isentos do imposto:
(...)
h) Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo;
(...)
2 - O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor ou o devedor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.”
Tabela Geral do Imposto do Selo
“17 Operações financeiras
[…]
17.1.4 - Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 ... 0,04%”.
TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA
CAPÍTULO 4
OS CAPITAIS E OS PAGAMENTOS
Artigo 63.º
(ex-artigo 56.o TCE)
1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
Artigo 65.º
(ex-artigo 58.º TCE)
1. O disposto no artigo 63.o não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao
direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.
(...)
Por sua vez,
Cash pooling é definido como um serviço de apoio à tesouraria que consiste essencialmente na transferência automática de fundos entre contas de depósitos à ordem de uma ou várias empresas, de modo a provisionar contas com saldos insuficientes para suprir compromissos de curto prazo e centralizar saldos excedentes numa conta principal. Na adesão é definido o conjunto de contas à ordem em euros que compõem o grupo de conta Principal e Contas Subsidiárias, entre as quais se processarão as transferências em função dos parâmetros definidos para o montante de saldo mínimo e saldo máximo em cada uma das contas.
Em final de dia são verificadas as contas e os respetivos parâmetros de cada uma, para que automaticamente se processem as transferências em função dos saldos mínimos e máximos definidos para cada conta subsidiária. Uma forma automática e altamente eficiente de gerir a tesouraria, nomeadamente os saldos de conta, com a flexibilidade e simplicidade facilitadoras da adesão e manutenção do serviço de Cash Pooling. (cfr, internet, site da Caixa Geral de Depósitos, CGD.pt)
3. Do caso concreto
3.1 – Prazo dos empréstimos, gestão centralizada de tesouraria e relação de grupo
Resulta da prova que as Requerentes integram o “Grupo L..., com sede em Espanha, que em Portugal opera sob a designação B... – até há pouco tempo,C...”, e que “assim como a sociedade H..., S.L., são, direta ou indiretamente (no caso da A...), detidas pela sociedade de direito espanhol J..., S.L. (anterior K... S.L.), que, por sua vez, é detida em 75% pela sociedade de direito espanhol F..., S.L., a qual, por seu turno, é detida na totalidade pela sociedade de direito espanhol M..., S.A.” - (Factos F e G).
Ressalta também da prova que “Em 1 de abril de 2017, as Requerentes A..., B..., D... e E... celebraram contratos de crédito em conta-corrente (denominados “Contrato de Crédito en Cuenta Corriente en Euros a Interés Variable en Función del Euribor” e adiante identificados simplesmente como “contratos”) até aos limites de € 5.000.000,00, € 1.000.000,00, € 10.000.000,00 e € 15.000.000,00, por esta ordem, com a sociedade de direito espanhol F..., S.L., com termo em 1 de janeiro de 2018 e renováveis por períodos sucessivos de 1 (um) ano, no âmbito dos quais as empresas podem transferir os excedentes de tesouraria apurados na conta bancária local para uma conta de cash pooling”, bem assim que “Em 20 de abril de 2020, as Requerentes, a F..., S.L. e a sociedade espanhola então designada G..., S.L. (redenominada para H..., S.L.) assinaram os documentos intitulados “Acuerdo de Novación de Contrato de Crédito en Cuenta Corriente”, no âmbito dos quais, entre outros aspetos, a F..., S.L. cedeu a sua posição nos contratos celebrados em 1 de abril de 2017 à G..., S.L. (atual H..., S.L.) e foi acordado um aumento do limite máximo do crédito em conta-corrente para € 10.000.000,00 (nos caso da A... e da B...) e para € 25.000.000,00 (no caso da E...)” – Doc. n.º 2, contratos juntos com o PPA, dados por reproduzidos – (Factos H e I).
Donde emerge que os financiamentos/empréstimos operados entre as contratantes não o foram por prazo superior a um ano, bem como que foram concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estavam em relação de domínio ou de grupo, isto é, respeitaram os requisitos impostos pela al. h) do n.º1 do artigo 7.º do CIS, na redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março.
Neste aspeto particular, não poderia ignorar-se, aliás, a circunstância de a própria AT reconhecer, nas informações que sustentam as decisões de indeferimento das reclamações graciosas, que:
- “... os fluxos da conta bancária individual da Reclamante para a conta bancária da entidade centralizadora (detida pela “G..., S.L.”, por referência aos períodos em análise), ou em sentido inverso, constituem operações financeiras que se consubstanciam na utilização de fundos concedidos e, como tal, têm enquadramento no âmbito de incidência objetiva do imposto do selo, por força do n.º 1 do artigo 1.º do CIS” (§ 32);
- “Assim a Reclamante e a entidade centralizadora, à luz do artigo 482.º do Código das Sociedades Comerciais7, consideram-se entidades coligadas e dado que integram o mesmo grupo económico, acham-se portanto, numa relação de grupo à luz do supra citado preceito legal.” (§ 47); e
- “A liquidez do Grupo é, assim, utilizada de forma dinâmica e expedita mediante a concessão de crédito a curto prazo (i.e., por prazo inferior a um ano), e exclusivamente destinado a fazer face às carências de tesouraria, com o objetivo estratégico de minorar a dependência desta última de financiamentos externos e dos encargos que os mesmos acarretam, recorrendo para a sua cobertura a recursos próprios do Grupo.” (§ 50).
3.2 – Fundamentos do indeferimento das reclamações graciosas
Concorda-se com as Requerentes quando afirmam que no cerne do indeferimento das reclamações graciosas apresentadas por cada uma delas contra os atos de autoliquidação de IS efetuados nos termos da verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo por referência ao período compreendido entre outubro de 2020 e julho de 2022, decisões que consubstanciam o
objeto imediato dos presentes autos, estiveram, em exclusivo, os seguintes fundamentos:
a) A putativa ausência de demonstração de que as operações financeiras em causa, realizadas ao abrigo dos contratos de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling) e que deram origem às autoliquidações de IS “têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, disponibilizada através da conta da entidade centralizadora, o que inviabiliza o benefício fiscal” (§ 73); e
b) O alegado incumprimento dos requisitos previstos no n.º 2 do artigo 7.º do Código do IS (“CIS”) “em virtude de um dos intervenientes (o devedor, beneficiário dos financiamentos) não ter sede no território nacional, e de a Reclamante [Requerente], com sede em Portugal, surgir como credor” (§ 87).
Na verdade, não foi qualquer outro fundamento, como a eventual circunstância de os empréstimos ultrapassarem o prazo de um ano, que inviabilizou o deferimento das reclamações graciosas, sendo consensual que a fundamentação a posteriori é inadmissível.
Constitui jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo que, no contencioso de mera legalidade (como é o caso do processo arbitral), “o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2020, processo n.º 02887/13.8BEPRT) ou, nouta formulação, “A fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida (...), sendo a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22-03-2018, processo n.º 0208/17). O mesmo entendimento tem perfilhado a jurisprudência arbitral, conforme se revela, entre outras, das Decisões Arbitrais de 02-02-2015, P. n.º 628/2014-T; de 08-02-2019, P. n.º 452/2018-T; de 11-01-2021, P. n.º 411/2020-T; de 21-01-2021, P. n.º 865/2019-T; de 25-01-2021, P. n.º 851/2019-T; de 07-09-2021, P. n.º 646/2020-T; de 06-10-2021, P. n.º 57/2021-T; de 21-02-2022, P. n.º 440/2021-T; de 18-05-2022, P. n.º 818/2021-T; de 30-10-2022, P. n.º 59/2022-T; de 07-03-2023, P. n.º 308/2022-T e de 17-07-2023, P. n.º 315/2022.
Enquanto tal, sendo irrelevante a fundamentação a posteriori, não pode o Tribunal apreciar o argumento de que as Requerentes não fizeram prova do prazo das operações financeiras em análise, invocado na Resposta da Requerida, porquanto lhe está vedado apreciar outra fundamentação que não a contemporânea dos atos impugnados.
3.2.1 - Prova de que os fluxos financeiros provêm de excedentes de liquidez gerados pelo próprio Grupo e não de financiamentos externos
Acontece que, no caso destes autos, está dado como provado que “Conforme pode verificar-se pela rubrica “financiamentos obtidos” dos balanços de cada uma das Requerentes relativos a 2020, 2021 e 2022, as mesmas não apresentavam, nestes exercícios, qualquer passivo relativo a financiamentos bancários, com a particularidade de no caso da A..., apesar de o balanço apresentar um valor a título de “financiamentos obtidos”, o mesmo não está associado a um financiamento bancário, mas sim a uma operação de factoring operacional” - Doc. n.º 4 junto com o PPA e admitido por acordo (Facto K).
Ora, só daqui já resulta evidente a conclusão de que não sendo as Requerentes devedoras de quaisquer empréstimos concedidos por terceiros, os fundos que transferiram para a “F..., S.L”, mais tarde “G..., S.L.” e actual “H..., S.L.”, no sistema de cash pooling contratado entre aquelas entidades, não poderiam provir de financiamentos externos, mas antes constituiriam excedentes de liquidez gerados pelas transferências intragrupo.
Ademais, como se evidencia, a prova pretendida pela Requerida não podia ser validamente exigida às Requerentes, conclusão alcançada pelos Tribunais Arbitrais do CAAD nas decisões proferidas nos processos n.º 315/2022-T, de 17 de Julho de 2023, e n.º 504/2023-T, de 19 de Março de 2024: “(…) a Requerente alega no PPA que a prova exigida pela AT relativamente à origem dos fundos apenas se aplica quando o credor do empréstimo é residente na União Europeia e o devedor do crédito é residente em Portugal. Ora, no caso dos autos, a Requerente (credor do empréstimo) é residente em Portugal pelo que nunca teria o ónus de provar que os fundos objeto do contrato de cash pooling não foram obtidos com recurso a financiamento junto de instituições de crédito ou sociedades financeiras.”
3.2.2 - Incumprimento dos requisitos previstos no n.º 2 do artigo 7.º do Código do IS “em virtude de um dos intervenientes (o devedor, beneficiário dos financiamentos) não ter sede no território nacional, e de a Reclamante [Requerente], com sede em Portugal, surgir como credor”
Sobre esta álea da questão, seguimos o entendimento já defendido em Tribunal Coletivo do CAAD, concretamente na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 691/2022, de 02-08-2023, na qual se exarou:
“Ao contrário do que propugna a Requerida na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o facto de o devedor do crédito no âmbito do cash pooling ... ser não residente em território nacional não pode servir de obstáculo à isenção consagrada na alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS, na redação dada pela Lei do Orçamento do Estado para 2020. (...) A alínea h) do nº 1, do artigo 7º, do CIS na redação transcrita e aplicável ao caso, torna manifestamente insustentável a posição defendida pela AT no ato de indeferimento da reclamação graciosa quando estabelece relevância no facto da mutuária/devedora ... não ter sede em território nacional mas, no caso, em França – que é país membro da União Europeia e, como tal, torna desde logo e no mínimo questionável a conformidade da discriminação com as liberdades fundamentais consagradas nos Tratados constitutivos da União Europeia.
Diga-se, aliás, que foi certamente por estar ciente dessa desconformidade que o legislador alterou a redação do nº 2, do artigo 7º, do CIS na Lei do Orçamento do Estado para 2022 (cfr. artigo 292º, da Lei nº 12/2022), estendendo a sobredita isenção às situações em que “(...) o credor ou o devedor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre rendimento e o capital acordada com Portugal (...)”, considerando ou reconhecendo ser incompreensível a não aplicação da isenção quando o devedor fosse residente na União Europeia, em violação do princípio da liberdade de estabelecimento previsto no Tratado da UE e da proibição da livre circulação de capitais.”
3.3 - Incompatibilidade com o direito da União Europeia da restrição da isenção de IS prevista na alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS às situações em que o credor, mas não o devedor dos empréstimos intragrupo, é um não residente em território português
A desconformidade do direito nacional, concretamente do n.º 2 do artigo 7.º do CIS, na redação em vigor à data dos factos relevantes nos autos, com o princípio fundamental de direito europeu da livre circulação de capitais, foi já sabiamente assinalada na Decisão Arbitral tirada no processo n.º 57/2021-T, no qual se reconheceu que:
“Os empréstimos de curto prazo são movimentos de capitais, como resulta da Diretiva n.º 88/361/CEE, do Conselho de 24-06-1988, o que não é objeto de controvérsia. O TJUE [Tribunal de Justiça da União Europeia], no acórdão 14-10-1999, proferido no processo n.º C-439/97, Sandoz GmbH, o seguinte (com atualização dos números dos artigos), em suma: – a proibição do artigo 63.º, n.º 1, do TFUE (anteriores artigo 73.º-B, n.º 1, e 56.º do Tratado CE) abrange quaisquer restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e entre os Estados-Membros e países terceiros (n.º 18); – uma legislação que priva os residentes num Estado-Membro da possibilidade de beneficiarem de uma eventual não tributação dos mútuos contraídos fora do território nacional, é um medida de molde a dissuadi-los de contraírem mútuos com pessoas estabelecidas noutros Estados-Membros (n.º 19 daquele acórdão, citando o acórdão de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson, C- 484/93, Colect., p. I-3955, n.º 10); – tal legislação constitui por isso uma restrição aos movimentos de capitais no sentido do artigo 63.º, n.º 1 do TFUE (anteriores artigos 73.º-B, e 56.º) (n.º 20).
(…)
“O facto de o sujeito passivo do imposto ser o credor (a Requerente) e não o devedor (B..., SA) não afasta esta conclusão. Na verdade, embora não se esteja perante uma situação de substituição tributária em sentido próprio (que se efetua através de retenção na fonte do imposto liquidado pelo substituto, nos termos do artigo 20.º da LGT), está-se perante uma situação em que se admite (e legalmente se pretende) a repercussão económica do imposto em relação ao titular do interesse económico, que é o utilizador do crédito, que deve suportar o encargo do imposto, nos termos dos n.ºs 1 e 3, alínea f), do artigo 3.º do CIS. Aliás, nestas situações de substituição fiscal imprópria, no caso de não pagamento do imposto pelo sujeito passivo (credor), o imposto até poderá ser exigido diretamente ao titular do interesse económico, designadamente nos casos de operações de cash pooling, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 19-02-2020, proferido no processo n.º 2244/12.3BEPRT 0898/17 (…) Por isso, este regime legal reconduz-se a que, na perspetiva legislativa, é sempre o utilizador do crédito que acaba por pagar o Imposto do Selo, seja por ele lhe ser repercutido pela entidade concedente, seja por ele lhe ser diretamente exigido. Assim, o afastamento da isenção nas situações em que devedor tenha sede ou direção efetiva num Estado Membro constitui uma restrição aos movimentos de capitais no sentido do artigo 63.º, n.º 1, do TFUE, que só pode ser admitida nas situações previstas no artigo 65.º do mesmo diploma”.
Direcionando a apreciação para o disposto na a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, bem assim para o imperativo da conjugação desta com o n.º 3 do mesmo inciso legal (ambos supra transcritos), ou seja, a possibilidade de os Estados-Membros poderem continuar a aplicar “as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, mas sem que jamais tal distinção possa constituir uma de discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais, (seguindo a jurisprudência uniforme do TJUE nesse sentido), também se colhe no mencionado aresto que:
“No caso em apreço, está-se perante um imposto de obrigação única, devido relativamente a cada ato de concessão de crédito, e os intervenientes num contrato de cash pooling encontram-se em situações idênticas, independentemente do local da sua residência ou do local onde o capital é investido, havendo mesmo possibilidade de frequentes inversões das posições de credor e devedor no âmbito do mesmo contrato, em função das disponibilidades e necessidades de tesouraria de cada um dos intervenientes. Assim, tem de se concluir pela comparabilidade das situações entre residentes e não residentes, para efeitos da isenção em causa, em contratos do tipo do dos autos”
“Neste contexto, a atribuição de uma vantagem fiscal aos devedores residentes em Portugal que é recusada aos devedores não residentes constitui (…) uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de contribuintes, que é de qualificar como discriminação, na aceção do Tratado, por não existir qualquer diferença objetiva de situação suscetível de justificar tratamento diferenciado. Assim, a alínea a) do n.º 1 e o n.º 3 do artigo 65.º do TFUE não permitem o regime consubstanciado nas referidas normas do CIS, pois a diferença de tratamento não é justificada por uma diferença de situação objetiva”.
A situação abordada no aludido processo n.º 57/2021-T é manifestamente transponível para o caso aqui em apreço – a única diferença é que o devedor H..., S.L. tem sede em Espanha -, pelo que não há razões válidas para se divergir o entendimento que vem de expôr-se e transcrever-se.
Aliás, tal entendimento tem feito largo eco noutras decisões arbitrais, como na do processo n.º 277/2020-T, onde se concluiu que “o afastamento da aplicação da isenção (…) nas situações em que o devedor não tem sede ou direção efetiva em Portugal, mas a tem num Estado Membro da União Europeia, constitui uma restrição injustificada à liberdade de movimentos de capitais garantida pelo artigo 63.º do TFUE, pelo que esta restrição não pode ser aplicada, por forma do preceituado no n.º 4 do artigo 8.º da CRP”.
Com idêntico sentido e conteúdo podem citar-se as Decisões Arbitrais prolatadas no P. n.º 749/2019-T, no P. n.º 171/2020-T, no P. n.º 818/2021-T, no P. n.º 59/2022-T, e no P. 315/2022-T, desta se destacando a asserção segundo a qual “… há que concluir que a restrição do âmbito de aplicação da isenção prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, que se previa no n.º 2 do mesmo artigo na redação vigente nos anos de 2020 e 2021, nas situações em que o devedor do crédito é residente em França e o credor é residente em Portugal, constitui uma restrição injustificada à livre de circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do TFUE, pelo que tal restrição não pode ser aplicada no ordenamento tributário nacional”.
Se alguma dúvida subsistisse sobre o entendimento jurisprudencial que antecede, temos por seguro que o TJUE a dissipou, absoluta e claramente, no acórdão proferido em 20 de Junho de 2024, no processo C-420/23 (Faurécia):
“O artigo 63.º TFUE [relativo à livre circulação de capitais] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro segundo a qual as operações de tesouraria de curto prazo estão isentas de imposto do selo quando nestas intervenham duas entidades estabelecidas nesse Estado-Membro, mas não estão isentas quando o mutuário esteja estabelecido noutro Estado-Membro”.
Em conclusão:
Os atos de autoliquidação de Imposto do Selo e os atos de indeferimento das reclamações graciosas aqui em análise são inválidos por vícios de violação de lei e erro nos pressupostos de facto e de direito, geradores de anulabilidade e, por consequência, deverão ser ser anulados, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT.
VI. Juros Indemnizatórios
Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça a cobrança de impostos em violação do direito da União Europeia confere o direito a juros, nos termos a regular pelos Estados-Membros (v. a título de exemplo, o Acórdão de 18 de Abril de 2013, processo C-565/11, Mariana Irimie.
A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), e n.º 5 do RJAT, e 43.º e 100.º da LGT.
Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.
O direito a juros indemnizatórios depende da ocorrência de “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” (v. artigo 43.º, n.º 1, da LGT).
No caso presente, os atos de autoliquidação do IS e de juros compensatórios foram da iniciativa do sujeito passivo (ora Requerente), pelo que, em tal situação, não é obviamente possível imputar qualquer tipo de erro aos serviços da AT na efetivação dos atos de liquidação do imposto do selo alvo do presente pedido arbitral.
Porém, a partir do momento em que, tendo havido reclamações graciosas contra os atos de autoliquidação de imposto do selo, foi decidida a manutenção dessas liquidações, passa a ser imputável à Requerida a manutenção dos atos ilegais. Com efeito, no procedimento de reclamação graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira teve a oportunidade de proceder à análise e avaliação da matéria controvertida e podia ter efetuado o correto enquadramento jurídico-tributário dos factos e, consequentemente, ter efetuado a plena reconstituição da legalidade dos atos ou da situação objeto do litígio.
Dado que, nessa fase administrativa, a AT não operou a reapreciação da (i)legalidade dos atos de autoliquidação do IS, então a partir das datas das decisões de indeferimento das reclamações graciosas é legítimo o juízo de imputação de erro aos serviços da AT.
Enquanto tal, deve a Requerida, nos termos do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT, proceder ao pagamento às Requerentes de juros indemnizatórios, à taxa
legal, em relação a cada um dos atos de autoliquidação de imposto do selo, desde as datas dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas, ou seja, desde 25 de Outubro de 2023 (no caso da A...) e desde 24 de Novembro de 2023 (nos casos da B..., da D... e da E...) até à data do processamento da respetiva nota de crédito (n.º 5 do art.º 61.º do CPPT).
VII. Decisão
Decorrendo do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:
-
Anular as (auto)liquidações de Imposto de Selo objeto dos autos, referentes aos períodos de Outubro de 2020 a Julho de 2022, no valor de € 165.787,37;
-
Anular as decisões de indeferimento das reclamações graciosas com os n.ºs ...2023... (Requerente A...), ...2023... (Requerente B...), ...2023... (Requerente D...) e ...2023... (Requerente E...), que mantiveram as referidas (auto)liquidações;
-
Condenar a Requerida a devolver aquele valor de € 165.787,37 (cento e sessenta e cinco mil, setecentos e oitenta e sete euros, e trinta e sete cêntimos), de acordo com o valor reclamado por cada uma das Requerentes, ou seja, € 12.786,06 (doze mil, setecentos e oitenta e seis euros, e seis cêntimos) à Requerente A..., € 5.419,41 (cinco mil, quatrocentos e dezanove euros, e quarenta e um cêntimos) à Requerente B..., € 21.784,38 (vinte e um mil, setecentos e oitenta e quatro euro,s e trinta e oito cêntimos) à Requerente D..., e € 125.797,52 (cento e vinte e cinco mil, setecentos e noventa e sete euros, e cinquenta e dois cêntimos) à Requerente E... .
-
Determinar o pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre os valores ante discriminados a cada uma das Requerentes, contados desde as datas dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas, ou seja, desde 25 de Outubro de 2023 (no caso da A...) e desde 24 de Novembro de 2023 (nos casos da B..., da D... e da E...) até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos legais.
-
Condenar a Requerida nas custas do processo.
VIII. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 165.787,37 (cento e sessenta e cinco mil, setecentos e oitenta e sete euros, e trinta e sete cêntimos), indicado pelas Requerentes e não impugnado pela Requerida, correspondente à utilidade económica do pedido, i.e., ao valor das liquidações de Imposto do Selo cuja anulação se pretende – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (“CPC”), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
IX. Custas
Custas no montante de € 3.672,00 (três mil, seiscentos e setenta e dois euros), a cargo da Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e 4.º do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 3 de Dezembro de 2024
Os árbitros,
Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente),
com declaração de voto em anexo
Sérgio de Matos (relator)
Dra. Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não obstante acompanhar, sem reserva, o sentido e fundamentação da Decisão Arbitral quanto às principais questões decidendas, tenho uma posição diversa da dos meus Colegas Árbitros quanto à data de início da contagem dos juros indemnizatórios devidos às Requerentes nos termos do artigo 43.º da LGT. Parece-me que os mesmos deveriam começar a contar no prazo de quatro meses a contar da apresentação das reclamações graciosas em causa, porquanto era neste prazo de quatro meses que a AT deveria se ter pronunciado sobre as mesmas, nos termos do disposto no artigo 57.º, n.º 1, da LGT. Assim, tendo as Requerentes apresentado a ditas reclamações graciosas em 17 de Novembro de 2022, os juros indemnizatórios deveriam, no meu entender, começar a contar em 18 de Março de 2023.
Rita Correia da Cunha