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DECISÃO ARBITRAL
SUMÁRIO:
Dos Acórdãos de uniformização de jurisprudência proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito dos processos n.ºs 0102/22.2BALSB, em 23-02-2023, e 115/23.7BALSB, em 22-11-2023, resulta a preclusão da possibilidade dos sujeitos passivos contestarem a legalidade de liquidações de IMI e AIMI, seja com fundamento em ilegalidade na fixação do VPT a elas subjacente, através de pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, seja com fundamento em injustiça grave e notória, nos termos do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT.
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Carla Almeida Cruz, árbitro das listas do CAAD, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído em 06-02-2024, elabora nos seguintes termos a decisão arbitral no processo identificado.
1. RELATÓRIO
A..., LDA., pessoa coletiva com o número único de matrícula e de identificação fiscal..., com sede na Rua ..., ..., em Lisboa, (doravante, abreviadamente designada de “Requerente”), veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, (doravante, abreviadamente designado de “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com vista à apreciação da legalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que correu termos sob o n.º ...2021..., relativo à liquidação de IMI referente aos anos de 2017 a 2020 e de AIMI referente aos anos de 2018 a 2021, e consequentemente a anulação parcial dos seguintes atos tributários, no montante global de 47.180,94€:
A Requerente peticiona também o reembolso do imposto pago em excesso, no montante de 47.180,94€.
É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida” ou “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 30-11-2023 e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.
Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral, com árbitro singular, a signatária, que manifestou a aceitação do encargo, no prazo legal.
Em 18-01-2024 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado intenção de recusar a designação do árbitro, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, e em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 06-02-2024.
A Requerida, através de despacho arbitral proferido em 06-02-2024, foi notificada para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.
Em 13-03-2024, a Requerida, apresentou a sua Resposta, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual pugna pela improcedência e consequente absolvição de todos os pedidos. Não foi junta aos autos cópia do processo administrativo.
Por despacho de 18-03-2024, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT e determinada a notificação das partes para produzirem alegações escritas, tendo a Requerente sido também notificada para em sede de alegações, exercer, querendo, o contraditório quanto à Resposta apresentada pela Requerida.
Em 10-04-2024, a Requerente exerceu o seu contraditório quanto à Resposta apresentada pela AT e apresentou alegações escritas, nas quais reiterou a posição anteriormente assumida na petição inicial.
A Requerida não apresentou alegações.
2. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. MATÉRIA DE FACTO
3. 1.1. Factos provados
Com relevância para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é proprietária dos prédios urbanos (“PRÉDIOS”), que constituem terrenos para construção, inscritos na matriz, com os artigos...,...,...,...,...,...,...,... ,...,...,...,...,...,...,...,...,...,...,...,...,...,...,...,...,...,...,...,...,... ,... ,...,...,...,... ,...,... ,... ,...,... ,... ,...,...,...,...,...,...,... ,...,...,... e ..., todos da freguesia de ..., concelho Lagoa, distrito Faro (cf. documentos 1 e 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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Os prédios da Requerente identificados em A), foram avaliados em 20-11-2014, com a declaração modelo 1 do IMI, com o registo nº ... (cf. documento 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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Os valores patrimoniais tributários (“VPT”) dos prédios da Requerente foram calculados tendo em conta os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto previstos no artigo 38.º do CIMI e a majoração prevista no artigo 39º do mesmo código (cf. documentos 1 e 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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A Requerente não apresentou reclamação, nem pedido de 2.ª avaliação relativamente à fixação dos valores patrimoniais tributários dos prédios, efetuada no ano de 2014 (cf. documento 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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Tendo por base esses VPT, a Autoridade Tributária emitiu as seguintes liquidações de IMI e AIMI cuja anulação parcial é peticionada nos presentes autos (cf. documentos 1 e 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido):
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Em 17.12.2021, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa (com o n.º ...2021...), com vista à anulação parcial das liquidações de IMI dos anos de 2017 a 2020 e de AIMI dos anos de 2018 a 2021, dos prédios identificados em A), tendo por fundamento erro na fixação da matéria tributável e a existência de injustiça grave ou notória, nos termos do nº. 4 do artigo 78º da LGT (cf. doc. 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
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Em 31-08-2023, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, nos termos e pelos fundamentos que constam do documento 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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A Requerente, em data não apurada, procedeu ao pagamento das liquidações aqui impugnadas.
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Em 29-11-2023, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD].
3.1.2. Factos considerados não provados
Não foram considerados como não provados nenhuns dos factos alegados, com efetiva relevância para a boa decisão da causa.
3.1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto, pelo que no tocante à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, bem como na análise crítica da prova documental que consta dos autos, designadamente os documentos juntos pelo Requerente, cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas partes, com natureza meramente conclusiva, ainda que tenham sido apresentadas como factos, por serem insuscetíveis de comprovação, sendo que o seu acerto só pode ser aferido em confronto com a fundamentação da decisão da matéria jurídica, constante do capítulo seguinte.
Finalmente, importa sublinhar que a questão essencial a decidir é de direito e assenta na prova documental junta aos autos pelo Requerente, não contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3.2. MATÉRIA DE DIREITO
3.2.1. Objeto do litígio e posição das partes
A questão que constitui o thema decidendum neste processo respeita à impugnabilidade de actos tributários de liquidação de IMI e de AIMI, com fundamento em vícios de fixação do valor patrimonial tributário.
A Requerente defende que o pedido de revisão oficiosa que apresentou é tempestivo e que as liquidações em causa enfermam de erro imputável aos serviços e que se traduziu em injustiça grave e notória, na fixação de um valor patrimonial tributário superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas, tendo alegado, designadamente:
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A tempestividade do pedido de revisão oficiosa que apresentou, atento o prazo de “três anos posteriores ao do ato tributário”, previsto no n.º 4 do artigo 78º da LGT;
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A existência de erro na fixação dos valores patrimoniais tributários dos prédios de que é proprietária, uma vez que a AT aplicou indevidamente a fórmula consagrada no artigo 38º do CIMI (considerando os coeficientes de afectação, localização, qualidade e conforto), e a majoração prevista no artigo 39º do mesmo código, quando deveria ter aplicado a regra especifica do artigo 45º do CIMI, o que originou liquidações de imposto em montante superior ao legalmente devido;
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Face à jurisprudência que elenca, a fixação do valor patrimonial dos prédios enferma de erros, que são exclusivamente imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira que os praticou, nos referidos actos de avaliação, situação que motivou uma tributação manifestamente exagerada e desproporcionada face à realidade, superior ao devido em cerca de cerca de 56%, o que justifica a respetiva injustiça grave e notória, que deve conduzir à revisão das liquidações impugnadas, nos termos do disposto do n.º 4 do artigo 78.º da LGT.
A Requerente alega ainda, quanto à decisão de indeferimento da revisão oficiosa, proferida pela AT, que:
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A própria AT, no que tange à substância da contenda, lhe dá razão, mas fundamenta a decisão de indeferimento da revisão oficiosa, com recurso ao regime da anulação dos actos administrativos previsto no artigo 168º do CPA, que não tem aqui aplicação, uma vez que a Requerente invocou o regime da revisão oficiosa da matéria tributável, com fundamento em injustiça grave ou notória, previsto no artigo 78.º, nº 4 da LGT;
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(…) a revisão da matéria colectável admitida pelo nº 4 do artigo 78º da LGT tem necessariamente por objecto actos de fixação da matéria colectável “consolidados”, por falta de impugnação tempestiva;
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(…) é verdade que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma. Mas, a verdade, é que a Recorrente não lançou mão da impugnação, com fundamento em ilegalidade, dos actos de liquidação de IMI e AIMI;
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Não lançou mão do regime da anulação dos actos administrativos previsto no artigo 168.º da CPA, nem lançou mão do regime de revisão oficiosa com fundamento na existência de ilegalidade, conforme previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT;
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A Recorrente lançou mão isso sim, da revisão oficiosa da matéria tributável com base na existência de injustiça grave ou notória, nos termos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT;
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Nesse sentido, podendo o contribuinte lançar mão da revisão oficiosa nos casos de liquidação de IMI e AIMI, já não são relevantes, como fundamento de anulação, eventuais ilegalidades dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT;
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(…) diferente da questão da impugnabilidade dos actos de liquidação de IMI e AIMI com fundamento em ilegalidade, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT (ou do regime geral do 168.º do CPA), é a da possibilidade da revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista no n.º 3 do artigo 78.º da LGT, e que é um afloramento do dever de revogação de actos ilegais, que emerge do princípio a legalidade da actuação da Administração Tributária (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT);
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Por isso, de nada vale a menção da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a existência de actos destacáveis, já que a Recorrente apresentou uma Revisão Oficiosa com base na existência de injustiça grave ou notória, o que nada tem que ver com a simples invocação da ilegalidade dos procedimentos de avaliação dos terrenos de construção em causa;
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São meios processuais diferentes, com efeitos distintos, a impugnabilidade directa de actos de liquidação, com os efeitos retroactivos próprios da declaração de anulabilidade e direito a juros indemnizatórios, e a possibilidade de revisão oficiosa, com os fundamentos previstos no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, com efeitos mais limitados, não retroactivos, designadamente a nível de direito a juros indemnizatórios, como resulta do disposto no artigo 43.º, n.ºs 1 e 3 da LGT;
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O legislador estabeleceu uma espécie de ‘válvula de escape’ do sistema que consiste na possibilidade (em termos algo limitados) de revisão oficiosa de um acto tributário com fundamento, já́ não na sua ilegalidade intrínseca, mas sim na injustiça grave ou notória da matéria tributável que serviu de base à liquidação do tributo por ele operada;
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Nestas situações em que a ilegalidade reside na fixação da matéria tributável e não propriamente nos actos de liquidação, a revisão oficiosa exige apenas que se esteja perante “injustiça grave ou notória” da matéria tributável em que o acto de liquidação se baseou;
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É este, portanto, o meio procedimental próprio para os sujeitos passivos obterem a reparação de situações de injustiça grave e notória, decorrentes da liquidação de IMI e de AIMI com base num valor patrimonial tributário ilegalmente determinado, mas já́ definitivamente consolidado.
Defende também a Requerente, sustentando a sua posição na decisão arbitral proferida no âmbito do processo do CAAD com o nº 564/2023-T, que o Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no âmbito do processo n.º 102/22.2BALSB, em 23-02-2023, não só tem subjacente situação factual distinta da dos presentes autos, o que desde logo determinaria a sua não aplicabilidade ao caso concreto, como também não se pronuncia especificadamente, para o que aqui importa, sobre a situação da revisão oficiosa prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT, em que se prevêem excepções à inimpugnabilidade de actos de fixação da matéria tributável consolidados.
Argumenta ainda a Requerente que o mencionado Acórdão uniformização de jurisprudência, afasta a possibilidade dos sujeitos passivos contestarem a legalidade de liquidações de IMI e AIMI, com fundamento em ilegalidade na fixação do VPT a elas subjacente, através de pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, mas não através do mecanismo excecional previsto no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT, o que é caso dos presentes autos.
Por seu turno, a Autoridade Tributária e Aduaneira, pese embora não questione que ocorreram os erros na determinação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção invocados pela Requerente, e inclusivamente reconheça que “verifica-se ausência de litígio quanto à forma de cálculo aplicável para determinar o VPT dos terrenos para construção”, opõe-se à pretensão da Requerente, invocando, em síntese, as seguintes razões:
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A Requerente pretende a anulação do ato impugnado com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o VPT;
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A presente ação não é fundamentada em qualquer vício dos atos de liquidação;
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Aos atos impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento;
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O que a Requerente contesta é apenas e só, o ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação;
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Os vícios do ato que definiu o VPT não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo;
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No caso concreto as liquidações do IMI dos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 e AIMI dos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021, foram apuradas tendo em conta os valores patrimoniais tributários, reportados a 31 dezembro do ano a que respeita o IMI, nos termos dos artigos 8.º e 113.º do CIMI, e reportados a 1 de janeiro do ano a que respeita o AIMI, nos termos dos artigos 135.º-A e 135.º G do CIMI;
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Esses valores patrimoniais tributários foram apurados no ano de 2014, de acordo com a interpretação do artigo 45.º do CIMI, incorporando nessa determinação o valor base do prédio edificado e os coeficientes de afetação, de qualidade e conforto e de localização;
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Uma vez que esses valores foram validamente notificados ao sujeito passivo e não há registo de que tenha sido solicitado a realização de segundas avaliações, nos termos do artigo 76.º do CIMI, nem que tenha sido impugnado judicialmente os atos de avaliação, em conformidade com o disposto nos artigos 77.º do CIMI e 134.º do CPPT, formou-se caso decidido relativamente ao resultado dessas avaliações, não podendo eventuais erros na determinação desses VPT ser discutidos na apreciação da validade dos atos de liquidação de imposto que os utilizaram como referência de matéria tributável.
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Nos termos da mais recente jurisprudência consolidada, através do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23.02.2023 proferido no processo n.º 102/22.2BALSB eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo;
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A Requerente pretende a anulação do ato impugnado com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o Valor Patrimonial Tributário (VPT), os quais constituem atos finais do procedimento de avaliação;
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Aos atos impugnados – atos liquidação de IMI de 2017, 2018, 2019 e 2020 e AIMI dos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021 - não é imputado qualquer vício específico, seja na operação de liquidação, seja no seu procedimento;
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O que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato de fixação do VPT e não o ato de liquidação, e os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação;
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São atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis que põem fim ao procedimento de avaliação;
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Esta é uma das situações em que o princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da Lei Geral Tributária;
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O Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 102/22.2BALSB em 23.02.2023, veio uniformizar a jurisprudência sobre esta matéria no sentido de que: “Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida”;
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Uma vez que os vícios da fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos já se consolidaram na ordem jurídica não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação;
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Caso o ato que fixa o valor patrimonial tributário não seja impugnado nos termos e prazo fixado consolida-se na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher;
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Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação e não na posterior liquidação consequente;
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O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Uniformizador de Jurisprudência proferido no processo n.º 115/23.7BALSB, veio esclarecer quanto aos pedidos de revisão oficiosa feitos ao abrigo dos nºs. 4 e 5 do artigo 78º da LGT, pondo fim à discussão jurídica que esta matéria tem vindo a suscitar, que:
«Diga-se ainda que, de nada vale, neste domínio, procurar abrigo no art. 78º nº 4 da LGT, dado que, a jurisprudência emanada do Acórdão Fundamento emerge de um pedido de revisão formulado ao abrigo do disposto no 78º da LGT, impondo-se referir que, se é verdade que está em causa um verdadeiro direito do contribuinte, no sentido de exigir da AT que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei, não pode olvidar-se que este procedimento apenas tem por objecto os “actos tributários” em sentido estrito, aqui se incluindo os actos de liquidação e de alteração da matéria colectável quando não dê lugar a qualquer liquidação, não abrangendo os actos administrativos em matéria tributária, como são os actos de fixação de valores patrimoniais (art. 97º, nº 1 alíneas a), b) e f), do CPPT).
(…)
Assim sendo, uma boa leitura do Acórdão deste Supremo Tribunal (Pleno) de 23-02-2023, proferido no Proc.º n.º 0102/22.2BALSB, www.dgsi.pt, no sentido de que - o artigo 78º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação de qualquer tributo - teriam permitido ao Tribunal Arbitral decidir a questão».
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No caso em apreço, não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação, pois o artigo 78º n.º4 da LGT não abrange os actos administrativos em matéria tributária, como são os actos de fixação de valores patrimoniais;
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Por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação impugnados nos presentes autos serem anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT;
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O artigo 78.º da LGT não abrange os atos de avaliação patrimonial, que não são atos tributários, previstos no n.º 1, nem são atos de apuramento da matéria tributável previstos no n.º 4 daquela norma;
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Não se verifica qualquer erro no ato de liquidação, o qual foi calculado com base no VPT constante na matriz predial em estrito e integral cumprimento da lei;
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Tão pouco o fundamento da injustiça grave ou notória do nº 4 do art. 78° da LGT, é invocável quando a liquidação do IMI tenha sido efetuada de acordo com o nº 1 do artigo 113º do CIM, com base nos valores patrimoniais inscritos na matriz predial, não impugnados com esse fundamento pelo sujeito passivo no prazo e nos termos previstos na lei;
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A questão da inadmissibilidade do pedido de revisão oficiosa sobre esta matéria encontra-se resolvida face à Uniformização da Jurisprudência do Acórdão de 23.02.2023 do Supremo Tribunal Administrativo supra referido, e do recente Acórdão do STA proferido em 22.11.2023 no processo 115/23.7BALSB.
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Por força do artigo 168, n.º 1, do CPA, as avaliações, em que foram considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, efetuadas à mais de cinco anos já não podem ser objeto de anulação administrativa por determinação legal;
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Quanto aos imóveis supra identificados, já se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixe valor patrimonial tributário, o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI e de AIMI;
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Também não se verifica qualquer violação da garantia da tutela jurisdicional efetiva pois a lei prevê vários e diferenciados meios para a impugnação dos valores patrimoniais tributários.
Sustenta ainda a AT, a propósito do pedido de reembolso formulado pela Requerente que, na hipótese da ação vir a ser julgada procedente, não deverá ser fixado o valor do montante a reembolsar pois o tribunal não possui todos os elementos necessários para o efeito, peticionando que neste caso a quantificação do montante devido, deve ser apurado em sede de execução da decisão arbitral.
3.2.2. Apreciação da questão
A questão controvertida no presente processo, foi objeto dos Acórdãos de uniformização de jurisprudência proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito dos processos n.ºs 0102/22.2BALSB, em 23-02-2023, e 115/23.7BALSB, em 22-11-2023, e em momento posterior, também objeto de pronúncia e decisão por parte do CAAD em vários processos, designadamente no âmbito dos processos nºs. 1020/2023-T, 566/2023 e 694/2023.
Sobre esta matéria, o Supremo Tribunal Administrativo no referido processo n.º 102/22.2BALSB em 23.02.2023, veio uniformizar jurisprudência, nos termos seguintes:
“Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação. Estabelece o artigo 86.º, n.º 1 da LGT que a avaliação direta é suscetível nos termos da lei de impugnação contenciosa direta. O que significa que se essa avaliação se inserir num procedimento de liquidação, o ato de avaliação é diretamente impugnável. A impugnabilidade fica, no entanto, dependente do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão (n.º 2 do artigo 86.º da LGT).
No que respeita em particular aos atos de fixação de valores patrimoniais rege o artigo 134.º do CPPT, em consonância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 86.º da LGT, que admite a sua impugnação com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1), não tendo a impugnação efeito suspensivo, e só podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (n.º 7).
Particularizando ainda mais, e centrando-nos no caso sub judice, o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário (ato de fixação de valores patrimoniais – artigo 37.º a 46.º, e 71.º a 77.º, do Código do IMI) é uma espécie de procedimento de avaliação direta, prevendo o Código do IMI um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação.
Assim, quando o sujeito passivo não concorda com o resultado da avaliação (primeira avaliação) pode requerer uma segunda avaliação, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI. E do resultado desta segunda avaliação cabe impugnação judicial, tal como o prevê o artigo 77.º do mesmo Código.
O disposto nestes dois artigos 76.º e 77.º do Código do IMI devem ser interpretados em conjugação com o disposto no referido artigo 134.º do CPPT, que prevê, como atrás referimos, a impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais, e no seu n.º 7 condiciona a impugnabilidade ao esgotamento dos meios graciosos (“7- A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”), que por sua vez está em consonância com o artigo 86.º, n.º 2, da LGT, que determina, como também já se referiu, que os atos de avaliação direta só são contenciosamente impugnáveis quando estiverem esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão. Esta necessidade de esgotamento dos meios graciosos como condição de impugnação do valor fixado através de avaliação direta, reiterada nas diferentes disposições legais, evidencia que a segunda avaliação não é, para efeitos de impugnação, uma mera faculdade.
Tendo em conta o que fica dito duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio.
E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.
Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt).
Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere num procedimento tributário tendente à liquidação do tributo, e que assim assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, isto é, apesar de serem atos preparatórios da decisão final (liquidação) por disposição legal especial são direta e imediatamente impugnáveis. No caso, como referimos, o ato final do procedimento de avaliação é o ato que fixa o valor patrimonial.
De qualquer forma, quer o ato de avaliação direta se insira no procedimento de liquidação do imposto (aplicando-se neste caso a exceção ao princípio da impugnação unitária), quer, como é o caso, finalize um procedimento de avaliação direta autónomo, os vícios que afetem o valor encontrado apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada.
O mesmo é dizer que para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos, a não impugnação do ato preclude que, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do imposto, possa ser questionada a quantificação do valor fixado. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10).
Aliás, como refere Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 472 Neste caso da avaliação directa da matéria tributável, resulta claramente do n.º 4 do at.º 86.º da LGT, embora a contrario, que a invocação das ilegalidades de actos de avaliação direta só pode sem efetuada em impugnação autónoma. Na verdade, tratando este art. 86.º da LGT da impugnação de actos de avaliação directa e de avaliação indirecta da matéria tributável, o facto de se prever no seu n.º 4, apenas para os atos de avaliação indireta, a possibilidade de invocação das respectivas ilegalidades na impugnação do acto de liquidação, revela com clareza uma intenção legislativa de que só nesses casos de avaliação indireta tal é possível, pois, se assim não fosse, decerto se faria referência cumulativa à generalidade de actos de avaliação da matéria tributável.
Acrescenta-se que a solução contrária traria, por um lado, irracionalidade ao sistema, que exige para a impugnação do resultado da avaliação direta, uma segunda avaliação (visando eliminar a carga subjetiva inerente à avaliação e promover a fixação tão objetiva quanto possível da matéria coletável), e já a dispensaria se as ilegalidades a ela inerentes pudessem ser tratadas em sede de impugnação da liquidação do tributo; e por outro, deixaria sem sentido a previsão de impugnação autónoma do ato de fixação do valor patrimonial tributário, pois o corolário lógico da sua previsão só pode ser a preclusão da possibilidade de impugnação posterior.”
Em resumo, citando o sumário de referido acórdão: “Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.
Na sequência deste Acórdão uniformizador, surgiu a questão da possibilidade do contribuinte obter a revisão de liquidações baseadas em VPT’s erroneamente fixados, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 78º da LGT (“injustiça grave ou notória”), tendo sido proferidas neste sentido várias decisões arbitrais, designadamente as decisões proferidas em 03-04-2023 no âmbito do processo nº. 464/2022, e em 15-02-2024 no âmbito do processso nº. 564/2023. Estas decisões consideraram que o Acórdão em questão afasta a possibilidade dos sujeitos passivos contestarem a legalidade de liquidações de IMI e AIMI, com fundamento em ilegalidade na fixação do VPT a elas subjacente, através de pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, mas não através do mecanismo excecional previsto no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT. É nestas decisões, em particular na decisão proferida no âmbito do processo CAAD n.º 564/2023-T, que o Requerente alicerça parte da fundamentação do pedido que deduz.
Sucede que o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Uniformizador de Jurisprudência, proferido em 22-11-2023, no processo n.º 115/23.7BALSB, veio esclarecer esta questão, pondo fim à discussão jurídica que esta matéria vinha a suscitar, tendo reafirmado a doutrina constante do Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no âmbito do processo n.º 0102/22.2BALSB, em 23-02-2023, acrescentado que:
«Diga-se ainda que, de nada vale, neste domínio, procurar abrigo no art. 78º nº 4 da LGT, dado que, a jurisprudência emanada do Acórdão Fundamento emerge de um pedido de revisão formulado ao abrigo do disposto no 78º da LGT, impondo-se referir que, se é verdade que está em causa um verdadeiro direito do contribuinte, no sentido de exigir da AT que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei, não pode olvidar-se que este procedimento apenas tem por objecto os “actos tributários” em sentido estrito, aqui se incluindo os actos de liquidação e de alteração da matéria colectável quando não dê lugar a qualquer liquidação, não abrangendo os actos administrativos em matéria tributária, como são os actos de fixação de valores patrimoniais (art. 97º, nº 1 alíneas a), b) e f), do CPPT).
Por outro lado, como referem Diogo Leite Campos e Outros, “LGT - Anotada e Comentada”, 4ª ed. 2012, pág.702, estarão abrangidos pela expressão “actos tributários” que consta da epígrafe do artigo 78.º quer os actos de liquidação, quer os de fixação da matéria tributável, se ela tiver autonomia, o que significa que o artigo 78º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação de qualquer tributo.
Assim sendo, uma boa leitura do Acórdão deste Supremo Tribunal (Pleno) de 23-02-2023, proferido no Proc.º n.º 0102/22.2BALSB, www.dgsi.pt, no sentido de que - o artigo 78º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação de qualquer tributo - teriam permitido ao Tribunal Arbitral decidir a questão».
Dos Acórdãos de uniformização de jurisprudência proferidos no âmbito dos processos n.ºs 0102/22.2BALSB, em 23-02-2023, e 115/23.7BALSB, em 22-11-2023, resulta assim claro e evidente que o Douto Supremo Tribunal Administrativo pretendeu afastar a possibilidade dos sujeitos passivos contestarem a legalidade de liquidações de IMI e AIMI, seja com fundamento em ilegalidade na fixação do VPT a elas subjacente, através de pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, seja com fundamento em injustiça grave e notória, nos termos do artigo 78.º, n.ºs 3 e 4, da LGT.
A presente decisão segue os mencionados Acórdãos de uniformização de jurisprudência dos quais resulta uma preclusão absoluta da possibilidade de os sujeitos passivos arguirem a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI e AIMI emitidos com base no mesmo.
Independentemente da posição da ora signatária em Decisões Arbitrais anteriores[1], a mesma aceita o carácter orientador e persuasivo dos citados Acórdãos de uniformização de jurisprudência, atento o artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, que dispõe que “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”
Assim, pelas razões expostas, entende o tribunal arbitral ser de acompanhar a jurisprudência acabada de citar, tendo até em conta o fim de se obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, como o impõe o artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, razão por que não pode deixar de julgar-se totalmente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral.
4. DECISÃO
Nos termos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
-
Julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados pela Requerente;
-
Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
5. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 47.180,94 (quarenta e sete mil cento e oitenta euros e noventa e quatro cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
6. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 2 de dezembro de 2024.
O Árbitro
_____________________________
(Carla Almeida Cruz)
[1] Designadamente nas decisões proferidas no âmbito dos processos nºs. 464/2022 de 03-04-2023 e 564/2023 de 15-02-2023.