Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 670/2023-T
Data da decisão: 2024-12-03  IMT  
Valor do pedido: € 79.880,06
Tema: Reenvio prejudicial.
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DECISÃO ARBITRAL

REENVIO PREJUDICIAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dra. Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz e Dr. Gonçalo Marquês de Menezes Estanque (árbitros vogais), que formam o Tribunal Arbitral Coletivo constituído no processo identificado em epígrafe, acordam no seguinte:

I. IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

  1. Requerente: A...- SGPS, S.A., contribuinte fiscal português n.º..., com sede na Rua..., ..., ... - ...... Lisboa (doravante “a Requerente”)
  2. Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”)

II. LITÍGIO NO PROCESSO PRINCIPAL

§2.1. Questão decidenda

  1. Em 22-09-2023, a Requerente requereu a constituição de Tribunal Arbitral Tributário e apresentou pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de Imposto Municipal sobre os Imóveis (“IMT”), no valor de € 79.880,06, emitida pela AT na sequência da reorganização societária levada a cabo no seio do grupo no qual a Requerente se insere.
  2. O capital social da Requerente (constituída em 28-03-2019) foi integralmente realizado por entradas em espécie, consubstanciadas em participações sociais que a sua sócia única – B..., SGPS SA - detinha em várias sociedades. Uma destas sociedades, denominada “C... Lda” (sociedade por quotas), cujo capital social passou a ser detido integralmente pela Requerente, detinha dois imóveis como parte do seu ativo.
  3. Em termos gerais, o IMT incide sobre transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.
  4. Nos termos do artigo 2.º, n.º 2, alínea d), do Código do IMT (na redação em vigor em 2019), integram o conceito de transmissão de bens imóveis, a “aquisição de partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples ou por quotas, quando tais sociedades possuam bens imóveis, e quando por aquela aquisição, por amortização ou quaisquer outros factos, algum dos sócios fique a dispor de, pelo menos, 75 % do capital social, ou o número de sócios se reduza a dois casados ou unidos de facto” (sublinhado nosso).
  5. A Requerente entende que esta norma é desconforme com o Direito da União Europeia, em particular a Diretiva n.º 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais (“Diretiva n.º 2008/7/CE”).
  6. Esta questão é essencial para o Tribunal Arbitral apreciar a legalidade da liquidação adicional de IMT impugnada pela Requerente, havendo dúvida razoável quanto à interpretação de vários artigos da Diretiva n.º 2008/7/CE no âmbito do processo principal.

§2.2. Posição da Requerente

  1. Estamos perante a constituição de uma sociedade de capitais (a Requerente), a qual configura uma entrada de capital, à luz do artigo 3.º, alínea a), da Diretiva n.º 2008/7/CE, que não deve estar sujeita a qualquer forma de imposto indireto, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alínea a), da referida Diretiva.
  2. A transmissão das quotas na sociedade “C... Lda”, em que se consubstanciou a entrada de ativos, e que está na génese da liquidação da IMT controvertida, não se subsume na derrogação a que se refere o artigo 6.º da Diretiva n.º 2008/7/CE, seja porque “quotas” não são valores mobiliários (para efeitos do artigo 6.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva), seja porque o IMT não consubstancia “direitos de transmissão” (para efeitos do artigo 6.º, n.º 1, alínea b), da Diretiva).
  3. Mesmo que se admitisse a sujeição a IMT, a tributação efetuada em sede de IMT sempre violaria o princípio da taxa única exigido pela Diretiva, uma vez que as taxas aplicadas superam o limite máximo de 1% estabelecido no artigo 8.º, n.º 3, da Diretiva n.º 2008/7/CE.

§2.3. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

  1. A Diretiva n.º 2008/7/CE não só não proíbe como permite, na alínea a) do artigo 6.º, que os Estados-Membros cobrem impostos sobre a transmissão de valores mobiliários.
  2. O Código do IMT ficciona, como transmissões sujeitas a imposto, determinadas operações que direta ou indiretamente implicam a transmissão de bens imóveis, designadamente a aquisição de partes sociais em sociedades, porquanto visa, precisamente, evitar que através da aquisição de quotas ou partes sociais em sociedades que possuam prédios no seu ativo, possa adquirir-se, de forma indireta, o domínio dos respetivos prédios, sem a respetiva tributação. Daí que a expressão “direitos de transmissão” constante da Diretiva n.º 2008/7/CE possa abarcar esta série de situações que não consubstanciam apenas a transmissão jurídica dos bens imóveis.

III. PEDIDO DE DECISÃO PREJUDICIAL

§3.1. Objeto do pedido

  1. O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 3.º, alínea a), 4.º, 5.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 8.º, n.º 3, da Diretiva n.º 2008/7/CE.
  2. As partes contendem sobre a compatibilidade da tributação resultante dos artigos 2.º, n.º 2, alínea d), 12.º, n.º 4, cláusula 19ª, alínea a), e 17.º, do Código do IMT (transcritos infra) com a Diretiva n.º 2008/7/CE.

§3.2. Outras considerações

  1. O artigo 267.º do TFUE prevê que o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados, e estatui que sempre que uma questão de tal natureza seja suscitada perante (i) um órgão jurisdicional dos Estados-Membros cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao TJUE, ou (ii) qualquer órgão jurisdicional nacional, esse órgão pode proceder ao reenvio prejudicial se considerar que uma decisão sobre a interpretação dos Tratados é necessária ao julgamento da causa.
  2. Quanto à natureza de órgão jurisdicional dos Tribunais Arbitrais Tributários a funcionar sob a égide do CAAD à luz do Direito da União Europeia, o TJUE reconheceu a mesma no Acórdão Ascendi, de 12 de junho de 2014, proferido no processo C-377/13, sendo, assim, pacífica a competência destes Tribunais Arbitrais para formular pedido de questão prejudicial nos termos do artigo 267.º do TFUE.
  3. Interessa também notar que as decisões dos Tribunais Arbitrais a funcionar sob a égide do CAAD decidem sobre a interpretação do TFUE sem possibilidade de recurso ordinário, sendo excecionalmente admissível recurso nessa matéria para o Supremo Tribunal Administrativo quando se verifique oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, da decisão arbitral em crise com Acórdãos dos Tribunais Superiores, ou outras Decisões de Tribunais Arbitrais (cfr. artigo 25.º, n.º 2, do RJAT).
  4. No que se refere à obrigatoriedade de um órgão jurisdicional nacional, cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial, de proceder a reenvio prejudicial, de acordo com as Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais, de 8.11.2019 (doravante “Recomendações aos OJN”), a mesma cessa “quando já existir uma jurisprudência bem assente na matéria ou quando a forma correcta de interpretar a regra de direito em causa não dê origem a nenhuma dúvida razoável” (parágrafo 6).
  5. O presente Tribunal Arbitral não tem conhecimento de Acórdãos do TJUE relativamente à interpretação.
  6. De acordo com as Recomendações aos OJN, a “competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar, a título prejudicial, sobre a interpretação ou a validade do direito da União é exercida por iniciativa exclusiva dos órgãos jurisdicionais nacionais, independentemente de as partes no processo principal terem ou não exprimido a intenção de submeterem uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça. Uma vez que é chamado a pronunciar-se sobre um litígio – e a ele apenas – que cabe apreciar, atendendo às particularidades de cada processo, tanto a necessidade de um pedido de decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça” (parágrafo 1).
  7. Não releva, assim, se o Requerente ou a AT se expressaram sobre o interesse de submeter questões prejudiciais ao TJEU.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO RELEVANTE

  1. A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (“SGPS”) constituída em 28-03-2019, segundo o tipo de Sociedade Anónima (“SA”) e enquadrada em sede de IRC, no regime geral de tributação e, em sede de IVA, no regime normal trimestral, estando coletada pela atividade com o CAE 70100 - Atividades das Sedes Sociais (cfr. Relatório Final de Inspeção e o seu Anexo n.º 1, junto ao Processo Administrativo).
  2. A Requerente foi constituída com o capital social de € 35.512.000,00, dividido em 7.102.400 ações com o valor nominal de € 5 cada uma (cfr. Anexo n.o 1 do Relatório Final de Inspeção, junto ao Processo Administrativo, e Doc. n.º 2 junto ao PPA).
  3. O capital social da Requerente foi integralmente realizado pelas seguintes entradas em espécie (participações sociais), que a sua sócia única (B..., SGPS SA) detinha nas seguintes sociedades:
  1. Um milhão quatro mil e sessenta e oito (1.400.068) ações, detidas na sociedade “D... S.A”, NIPC..., representativas de 99,9998% do respetivo capital social;
  2. Trezentas e cinquenta e oito mil oitocentas e vinte e duas (358.822) ações, detidas na sociedade “E... S.A.”, NIPC..., representativas de 96,97892% do respetivo capital social;
  3. Duas quotas no valor global de um milhão e trezentos mil (1.300.000,00) euros, detidas na sociedade “C... Lda”, NIPC..., representativas da totalidade do respetivo capital social;
  4. Uma quota no valor nominal de oitocentos e sessenta e sete mil e quinhentos (867.500,00) euros, detidas na sociedade “F... Lda”, NIPC..., representativas de 86,75% do respetivo capital social;
  5. Uma quota no valor nominal de duzentos e cinquenta mil (250.000,00) euros, detidas na sociedade “G..., Lda”, NIPC..., representativas de 50% do seu capital social;
  6. Duzentas e noventa e nove mil novecentas e vinte (299.920) ações, detidas na sociedade “H..., S.A.”, NIPC ..., representativas de 99,97333% do respetivo capital social;

(cfr. informação a fls. 328 e 329 do Processo Administrativo e Doc. n.º 2 junto ao PPA).

  1. As participações sociais na sociedade “F... Lda” foram, em sede de Relatório elaborado por Revisor Oficial de Contas, nos termos e para os efeitos do artigo 28.º do Código das Sociedades Comerciais, avaliadas em (€92.000,00) (valor negativo) (cfr. Doc. n.º 2 junto ao PPA).
  2. À data do facto tributário, a sociedade “F... Lda.” era proprietária dos seguintes imóveis:

 

  1. As participações sociais na sociedade “C... Lda” foram, em sede de Relatório elaborado por Revisor Oficial de Contas, nos termos e para os efeitos do artigo 28.º do Código das Sociedades Comerciais, avaliadas em € 186.000,00 (cfr. Doc. n.º 2 junto ao PPA).
  2. A qual à data do facto tributário, a sociedade “C... Lda.” era proprietária dos seguintes imóveis:
  1. Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo... da freguesia da ..., afeto a “habitação”, com um VPT de € 140.900,00 (à data da constituição da Requerente e da inspeção tributária);
  2. Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia da ..., afeto a “armazéns e atividade industrial, com um VPT de € 347.793,15 à data da constituição da Requerente, e um VPT de € 358.296,50 à data da inspeção tributária;

(cfr. fls. 331 do Processo Administrativo cujo teor se dá como reproduzido).

  1. Através da ordem de serviço n.º OI2022..., a Autoridade Tributária (Direção de Finanças de Leiria) efetuou inspeção tributária ao IRC de 2019 da sócia única da Requerente onde, entre outros, considerou que a operação de entrada de ativos relativa à constituição da Requerente “não reúne os requisitos para a aplicação do regime da neutralidade fiscal”, com os seguintes fundamentos:

“posteriormente à escritura de constituição da A... (realizada no dia 2019/03/28), ou seja, posteriormente à operação de entrada de ativos onde alegadamente transfere o ramo de atividade em troca de partes do capital social da sociedade beneficiária, é que foram realizados contratos de cessão de créditos por prestações suplementares (realizados em 2019/06/30, 3 meses após a constituição da A...) que o sujeito passivo detinha nas empresas cujas participações transferiu para a A..., na qual esta se reconhece devedora, obrigando-se a proceder ao seu pagamento. Ora, estes ativos (prestações suplementares – instrumentos de capital próprio) estão intimamente ligados aos ativos transferidos (participações sociais), mas não integraram a transferência alegada do ramo de atividade, nem foram relevados para efeitos da contrapartida em partes de capital da sociedade beneficiária, não integrando a operação de entrada de ativos (...) foi transferida no âmbito da operação uma parte, de parte do património (apenas o capital social detido, mas não todos os instrumentos de capital próprio dessas entidades) - mas não a transferência do seu ramo de atividade, que se manteve, assim como a restante atividade conexa - sem quaisquer meios materiais, humanos e financeiros afetos à gestão das participações sociais que lhe permitam constituir uma unidade económica autónoma, ou um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios”.

(cfr. Relatório de Inspeção Tributária ao IRC da B... SGPS, junto ao processo pela Requerente através de Requerimento de 08/03/2024).

  1. Na sequência da referida ação de inspeção ao IRC de 2019 foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2003 ... (cfr. Doc. 2 junto pela Requerente através de Requerimento de 27/03/2024).
  2. Esta liquidação adicional de IRC foi parcialmente anulada através do Ofício n.º ... de 2023-12-05, mas a AT manteve o entendimento de que não é aplicável o regime da neutralidade fiscal (cfr. Doc. 1 junto pela Requerente através de Requerimento de 27/03/2024).
  3. Através da ordem de serviço n.º OI2022..., a Autoridade Tributária (Direção de Finanças de Leiria) efetuou inspeção tributária, em sede de IMT, relativa ao exercício de 2019, tendo concluído:

Relativamente à sociedade “F... Lda.”

“(...) foi dada a indicação que “relativamente aos bens “463” a “612”, e dado que os dois artigos são contíguos e não existe separação física no local, não nos é possível afirmar com exatidão a qual dos artigos alguns dos bens pertencem, no entanto existem alguns onde foi possível garantir essa definição”.

Atendendo a que a própria entidade não conseguiu identificar para alguns dos bens do ativo fixo, o respetivo artigo matricial, referindo que são artigos contíguos e que tais bens poderão ser ou do artigo matricial urbano U–... ou U-...-A, na falta de critério de repartição apresentado pelo SP e porque esse valor vai ser comparado com o valor patrimonial tributário (VPT), procedeu-se à repartição do valor líquido contabilístico a 31/03/2019 desses mesmos bens, (num total de 50.459,21), em função da percentagem do VPT que cada artigo matricial tinha nesse mesmo período, face ao VPT total dos dois imóveis”.

(cfr. Relatório Final de Inspeção Tributária, a fls. 336 do Processo Administrativo).

Relativamente à sociedade “C...  Lda.”

“Relativamente aos bens “68” a “633” informa-se que pertencem ao artigo matricial U-... e/ou U-..., ambos situados na freguesia da... . Dada a idade dos bens (todos anteriores a 2004) e ao facto de os edifícios serem contíguos não nos é possível afirmar com exatidão se pertencem ao artigo U-... ou ao U-... .

Mais se informa que no primeiro trimestre de 2020 a atividade operacional da empresa foi transferida para as instalações sitas na Rua ...,... -... ... (Estabelecimento 3) pelo que os bens “742” a “942” correspondem a beneficiações naquelas instalações com exceção do bem “840”, o qual é relativo aos artigos U-..., U-... e ao Estabelecimento 3”.

Atendendo a que a própria entidade identificou alguns bens do ativo fixo como não estando afetos, nem ao artigo matricial U -..., nem ao artigo urbano U..., os mesmos foram expurgados do apuramento do valor líquido contabilístico a 31/03/2019, para estes dois imóveis (num total de 212.556,17€).

Quanto ao bem do ativo fixo “840”, esta entidade não conseguiu identificar o respetivo artigo matricial, referindo que é relativo aos artigos matriciais urbano U – ..., U-... e Estabelecimento 3, pelo que, na falta de critério apresentado pelo SP, se considerou a imputação de forma igualitária do valor líquido contabilístico a 31/03/2019 (9.700,93€) pelos três imóveis e procedeu-se à repartição de 2/3 desse valor, ou seja, 6.467,29€ ([(9.700,93€ / 3) x 2]=6.467,29€), em função do VPT que cada um dos dois artigos matriciais tinha nesse mesmo período (na falta de critério de repartição apresentado pelo SP e porque esse valor vai ser comparado com VPT).

Por outro lado, atendendo que esta entidade não conseguiu identificar para os restantes bens do ativo fixo, o respetivo artigo matricial, referindo que são artigos contíguos e que tais bens poderão ser ou do artigo matricial urbano U – ... ou U-..., na falta de critério de repartição apresentado pelo SP e porque esse valor vai ser comparado com o VPT, procedeu-se à repartição do valor líquido contabilístico a 31/03/2019 desses mesmos bens, (num total de 1.145.947,38€), em função da percentagem do VPT que cada artigo matricial tinha nesse mesmo período, face ao VPT total dos dois imóveis”.

(cfr. Relatório Final de Inspeção Tributária, fls. 337 do Processo Administrativo).

  1. A Autoridade Tributária apurou, à data de 31-03-2019, o valor líquido contabilístico dos seguintes imóveis:

“F... Lda.”

 

 

 

 

 

 

 

 

“C... Lda”

 

(cfr. Relatório Final de Inspeção Tributária, a fls. 336 a 338 do Processo Administrativo).

  1. No Relatório Final de Inspeção, a AT apurou os seguintes valores tributáveis em sede de IMT:

 

(cfr. Relatório Final de Inspeção Tributária, a fl. 339 do Processo Administrativo).

  1. Para efeitos de apuramento do valor do IMT em falta, concluiu a AT que se encontrava em falta o montante de € 95.356,52€, calculado da seguinte forma:

 

(cfr. Relatório Final de Inspeção Tributária, a fl. 340 do Processo Administrativo).

  1. No que respeita aos imóveis propriedade da sociedade “C... Lda”, concluiu a AT que se encontravam em falta IMT no montante de € 68.855,61, acrescido de juros compensatórios no montante de € 11.024,45, conforme a liquidação seguinte:

 

(cfr. Ofício n.º..., de 29-05-2023, emitido pelo Serviço de Finanças da...).

  1. Em 22-09-2023, a Requerente apresentou o PPA que deu origem ao presente processo, impugnando o montante de IMT respeitante aos imóveis propriedade da sociedade “C... Lda.”.

V. DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA RELEVANTE

  1. São relevantes os artigos 3.º, alínea a), 4.º, 5.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 8.º, n.º 3, da Diretiva n.º 2008/7/CE.

VI. DISPOSIÇÕES DE DIREITO PORTUGUÊS RELEVANTES

  1. O Código do IMT foi introduzido no ordenamento jurídico português em 2003, através do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, mas o supra referido artigo 2.º, n.º 2, alínea d) do CIMT não é em nada inovador. Aquela norma limita-se a dar continuidade ao artigo 2.º, parágrafo 1.º, n.º 6, da Lei n.º 41969, de 24 de novembro de 1958 (Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações)[1]:

 

(...)

 

  1. As disposições do Código do IMT seguintes têm a redação em vigor à data dos factos relevantes (2019):

Artigo 2.º

Incidência objectiva e territorial

1 - O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.

2 - Para efeitos do n.º 1, integram, ainda, o conceito de transmissão de bens imóveis:

(...)

d) A aquisição de partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples ou por quotas, quando tais sociedades possuam bens imóveis, e quando por aquela aquisição, por amortização ou quaisquer outros factos, algum dos sócios fique a dispor de, pelo menos, 75 % do capital social, ou o número de sócios se reduza a dois casados ou unidos de facto.

Artigo 12.º

Valor tributável

1 - O IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.

(...)

4 - O disposto nos números anteriores entende-se, porém, sem prejuízo das seguintes regras:

(...)

19.ª Quando se verificarem as transmissões previstas nas alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 2.º, o imposto é liquidado nos termos seguintes:

a) Pelo valor patrimonial tributário dos imóveis correspondente à quota ou parte social maioritária, ou pelo valor total desses bens, consoante os casos, preferindo em ambas as situações o valor do balanço, se superior;

Artigo 17.º

Taxas

1 - As taxas do IMT são as seguintes:

(...)

b) Aquisição de prédio urbano ou de fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação, não abrangidas pela alínea anterior:


(...)

d) Aquisição de outros prédios urbanos e outras aquisições onerosas - 6,5%.

 

 

VII. DECISÃO DE REENVIO PREJUDICIAL E QUESTÕES PREJUDICIAS

  1. Pelo exposto, decide o Tribunal Arbitral:
  1. Ao abrigo do artigo 267.º do TFUE, submeter as seguintes questões prejudiciais à apreciação do TJUE:
  1. Um imposto que incida sobre transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou das figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, e que assimile ao conceito de transmissão de bens imóveis qualquer facto pelo qual um sócio fique a dispor de, pelo menos, 75% do capital social de uma sociedade que possua bens imóveis (como o IMT ora em apreço), deve ser considerado um “imposto indireto” que incide sobre reuniões de capital para efeitos da Diretiva n.º 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008?
  2. Em caso de resposta afirmativa à Questão n.º 1, uma operação como aquela em apreço, pela qual uma sociedade de capitais, nos termos do artigo 2.º da Diretiva n.º 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, é constituída com vista a prosseguir a atividade de gestão de participações sociais e vê o seu capital social ser integralmente realizado através de participações sociais que a sociedade contribuidora (que também prossegue a atividade de gestão de participações sociais) detinha noutras sociedades, sem a transferência de quaisquer outros elementos, meios, e sem a transferência de todos os instrumentos de capital próprio, e onde, como contrapartida, a sociedade contribuidora recebe a totalidade do capital social da sociedade beneficiária, deve, para efeitos da referida Diretiva, ser qualificada como uma entrada de capital (para efeitos do artigo 3.º da Diretiva) ou como operação de reestruturação (para efeitos do artigo 4.º da Diretiva)?
  3. Em caso de resposta afirmativa à Questão n.º 1, o artigo 5.º, n.º 1, alíneas a) ou e), da Diretiva n.º 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, proíbe a tributação da operação em análise nos termos do artigo 2.º, n.º 2, alínea d), do Código do IMT, que assimila ao conceito de transmissão de bens imóveis a transmissão de quotas representativas de, pelo menos, 75% do capital social de uma sociedade que possua bens imóveis.
  4. No caso de resposta afirmativa à questão n.º 3, devem, para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º da Diretiva n.º 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, as “quotas” transmitidas ser consideradas “valores mobiliários”?
  5. No caso de resposta afirmativa à questão n.º 3, deve, para efeitos do disposto nas alíneas b) ou c) do n.º 1 do artigo 5.º da Diretiva n.º 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, o IMT ser considerado um “direito de transmissão”?
  6. Caso seja determinada a compatibilidade do artigo 2.º, n.º 2, alínea d), do Código IMT com a Diretiva n.º 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, os artigos 8.º, n.º 3, e 11.º da Diretiva precludem as regras previstas nos artigos 12.º, n.º 4, cláusula 19ª, alínea a), e 17.º, do Código do IMT, nos termos dos quais é aplicável uma taxa entre 1% e 8%, consoante o valor tributável, o qual é determinado tendo em consideração o valor patrimonial tributário dos imóveis ou o valor do balanço, se superior?
  1. Ordenar a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à secretaria do TJUE, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópia da presente decisão.

 

  1. Suspender a instância desde a presente data (3 de dezembro de 2024) até à comunicação da decisão a proferir pelo TJUE ao Tribunal Arbitral e às partes.

 

CAAD, 3 de dezembro de 2024

 

Os Árbitros,

 

 

 

Rita Correia da Cunha

 

 

 

Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz

 

 

 

Gonçalo Marquês de Menezes Estanque