Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 884/2024-T
Data da decisão: 2024-11-28  IRS  
Valor do pedido: € 212.738,84
Tema: IRS de 2022. Sociedade em regime de transparência fiscal. SIFIDE II. Limites à dedução de benefícios fiscais. Nº 7 do artigo 78º do CIRS.
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Sumário

 

A dedução à colecta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria colectável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, não sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS (acórdão do STA de 07.06.2023 – P 01301/21.0BEBRG).

 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (Presidente), Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma e Dr. Augusto Vieira (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral Colectivo (TAC) acordam o seguinte:

 

  1. Relatório

 

  1. A..., NF..., residente na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa e com domicílio profissional na Rua ..., n.ºs ... a..., ...-... Lisboa, doravante designada por “Requerente”, veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a Constituição de Tribunal Arbitral, com vista  à declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2023... de 2023.09.23 no valor de € 208 981,31, quanto ao ano de 2022, e da decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa nº ...2024... de 2024.05.16 da Direcção de Finanças de Lisboa.

 

  1. Termina pedindo que seja “... DECLARADA A ILEGALIDADE DO INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA ... E, BEM ASSIM, A ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DE IRS ... NO MONTANTE DE € 212.738,84, COM A SUA CONSEQUENTE ANULAÇÃO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE O REEMBOLSO À REQUERENTE DESTA QUANTIA, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS À TAXA LEGAL CONTADOS DESDE 04.11.2023 INCLUSIVE QUANTO A € 208.981,31, E DESDE 01.09.2023 INCLUSIVE QUANTO A € 3.757,53, ATÉ AO INTEGRAL REEMBOLSO DOS REFERIDOS MONTANTES, E BEM ASSIM ACRESCIDO DA REMUNERAÇÃO COMPENSATÓRIA PREVISTA E REGULADA NOS ARTIGOS 96.º, Nºs 2 e 3 E 102º-A, DO CÓDIGO DO IRS, COM REFERÊNCIA À COMPONENTE DE RETENÇÃO NA FONTE NO MONTANTE DE € 3 757,53 A REEMBOLSAR”.

 

  1. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT”, “Requerida” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 2024.07.17 e automaticamente notificado à AT nesta mesma data.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 09-09-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Colectivo foi regularmente constituído em 27-09-2024.

 

  1. A Requerente sustenta o pedido no acórdão do STA de 07.06.2023 proferido no processo n.º 01301/21.0BEBRG onde se escreveu, nomeadamente, o seguinte: “3.2.5. ... enfrentemos agora a questão em equação: os limites de dedução à colecta dos benefícios fiscais previstos no artigo 78.º, n.º 7 do CIRS serão, ou não, de aplicar aos benefícios fiscais concedidos às sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal nas situações em que é imputada aos sócios, em sede de IRS, a matéria colectável apurada à sociedade?

Adianta-se já que se entende que, da conjugação dos regimes consagrados no Código de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), no Código Fiscal de Investimento (CFI), no Código de Imposto Sobre o Rendimento da Pessoas Singulares (CIRS), no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), interpretados segundo os critérios consagrados nos artigos 9.º do Código Civil (CC) e 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) e os princípios constitucionais da igualdade e da boa-fé, se impõe concluir que os limites à dedução de benefícios fiscais consagrados no artigo 78.º, nº 7 do CIRS não são de aplicar aos benefícios concedidos ao abrigo do CFI”.

Conclui da seguinte forma:

“ ... o artigo 38.º, n.º 1, do CFI, determina que os sujeitos passivos de IRC podem deduzir ao montante da coleta do IRC o crédito por SIFIDE resultante dos investimentos legalmente relevantes por si realizados,  e no caso de sujeitos passivos de IRC fiscalmente transparentes o artigo 90.º, n.º 5, do CIRC, transfere este direito de dedução à colecta de cariz empresarial assim configurado pela legislação relevante (e não com outra configuração, designadamente a configuração prevista e pensada na legislação do IRS para deduções de cariz pessoal) para os sócios da sociedade transparente.

 Nenhuma norma limitativa de deduções em sede de IRS faz sentido ou é legítimo adicionar para alterar esta regulamentação constante do CFI e do regime da transparência fiscal, que é completa e em lado algum autoriza conclusão diferente.  

 A que acresce, como bem demonstrou o STA, que tal adicionamento de iniciativa administrativa, para além de violar o que resulta da lei e o pretendido com o benefício fiscal empresarial em causa, viola não só o princípio da boa fé, mas também o princípio da igualdade, incluindo a igualdade entre sócios da sociedade fiscalmente transparente: se o sócio for ele próprio uma outra sociedade, o benefício opera, se for uma pessoa singular, seria anulado por suposta aplicação da limitação do Código do IRS pensado para deduções à colecta de cariz pessoal.

 E a jurisprudência arbitral concorre esmagadoramente naquele entendimento do STA também, sendo de destacar as seis decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 93/2022-T, 336/2022-T, 807/2022-T, 251/2023-T, 260/2023-T e 453/2023-T.

 Donde a conclusão de que é ilegal, e como tal deve ser anulada, a liquidação de IRS aqui em causa, na medida do excesso de imposto resultante da sujeição da dedução à colecta de crédito por SIFIDE ao limite previsto no artigo 78.º, n.º 7, alínea c), do Código do IRS”.

 

  1. A Requerida notificada para contestar em 30.09.2024, veio em 04.11.2024 apresentar resposta, invocando uma questão prévia, uma excepção, deduzindo impugnação e invocando uma inconstitucionalidade.

 

  • Quanto à “QUESTÃO PRÉVIA – DA NÃO CONTESTAÇÃO DA TOTALIDADE DA LIQUIDAÇÃO” refere que:

 

  1. “... resulta da factualidade aduzida, atenta a causa de pedir subjacente à reclamação graciosa e ao presente ppa, pretende-se que a liquidação de IRS em crise seja corrigida, no sentido de ser tida em conta a dedução à coleta referente ao benefício SIFIDE”.
  2. Pelo que “a matéria controvertida nos presentes autos é apenas a relativa à dedução à coleta referente ao benefício SIFIDE, não sendo imputado qualquer outro vício à liquidação contestada”, concluindo que “... apenas se afigura legítimo o pedido de anulação parcial do ato de liquidação, relativamente à matéria controvertida nos presentes autos, pois, quanto ao demais, não há contestação da liquidação”, uma vez que “se assim não se entender, incorrerá, então, o Tribunal em excesso de pronúncia, pois o pedido da Requerente não poderá deixar de ser apreciado à luz da causa de pedir que lhe subjaz”.
  3. E conclui “assim, na medida em que os poderes de cognição do Tribunal estão limitados pelo pedido e causa de pedir, o Tribunal arbitral não pode declarar a ilegalidade total da liquidação impugnada, mas apenas por referência ao contestado pela Requerente”.

 

  • Quanto à excepção “da incompetência do Tribunal Arbitral para a anulação das liquidações de IRS num concreto montante e condenação da Requerida num concreto reembolso”, refere em resumo que:

 

  1. “... o eventual provimento do pedido da Requerente ... apenas pode conduzir à reformulação da liquidação de IRS do ano em causa, procedendo-se ... ao apuramento do imposto devido por referência ao ano em questão, no qual a dedução à coleta em causa nos autos passa a considerar-se na totalidade, e bem assim ao apuramento do reembolso que seja devido de acordo com as demais normas legais”;
  2.  E conclui que “o pedido formulado a final pela Requerente no ppa não pode integrar a anulação de um concreto montante de imposto, e bem assim, também não pode ser determinado pelo Tribunal o direito ao reembolso de um concreto montante, porquanto não só o processo arbitral não é o meio próprio para que um direito em matéria tributária seja reconhecido, como a quantia exata a reembolsar, decorrente de uma eventual procedência do pedido, não pode ser determinada neste momento, no presente processo arbitral
  3. E pela razão de “que este reembolso só deve ser quantificado pela AT, em sede de execução do julgado aquando da anulação parcial da liquidação de IRS”.
  4. Pelo que, se o Tribunal determinar o montante concreto do imposto a anular e/ou de um reembolso em concreto na presente ação, terá excedido a sua competência, uma vez que o cálculo dos mesmos não se contém nas competências próprias da jurisdição arbitral, contencioso de mera anulação”;
  5. Uma vez que “decorrendo a competência dos tribunais arbitrais do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT bem como da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ex vi artigo 4.º do RJAT, não se insere no âmbito destas competências a apreciação do pedido de reconhecimento do direito formulado pela Requerente, na parte em que se apure a anulação de um concreto montante de imposto e do reembolso correspondente à dedução à coleta que se pretende ver relevado na totalidade aquando do apuramento do imposto”.

 

  • Quanto à defesa por impugnação reitera a AT o entendimento que foi adoptada na decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa.

 

  • Quanto à inconstitucionalidade alega a AT em resumo que “entende-se que é inconstitucional a interpretação, segundo a qual nas regras de dedução à coleta aplicáveis aos sócios, pessoas singulares, de sociedades transparentes, referentes a despesas com investigação e desenvolvimento incorridas por essas sociedades sujeitos passivos de IRC sujeitos ao regime da transparência fiscal, apenas são aplicáveis as regras previstas no Código do IRC [cf. artigos 6.º, n.º 1, b), 90.º, n.º 1 e 2, c) e n.º 5], não aplicando os limites previstos no artigo 78.º, n.º 1, 7 e 8 do Código do IRS, pois viola o princípio constitucional da separação e interdependência de poderes, consagrado nos artigos 2.º e 111.º da CRP, constituindo-se o mesmo como referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (cf. artigos 202.º e 203.º da CRP), por se proceder à criação de uma regra jurídica nova, bem como do princípio constitucional da igualdade e proporcionalidade (cf. artigo 13.º da CRP), mormente face à disparidade do tratamento fiscal para com os profissionais que não se achem em prática associada”.

 

A Requerida termina pugnando no sentido de serem “julgadas procedentes as exceções dilatórias supra invocadas, absolvendo-se em conformidade a Requerida da instância nos termos aí peticionados” e “julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, e absolvida a Requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

  1. Notificada a Requerente para se pronunciar sobre a questão prévia e excepção aduzidas, veio em 12.11.2024, em resumo, referir o seguinte:

 

  • Quanto à questão prévia refere que:

 

 

  1. “... indicou em concreto o montante da liquidação que reputa de ilegal, e a AT não contestou o cálculo em si, pelo que, caso o Tribunal venha a dar razão à queixa da requerente, inexiste qualquer necessidade de remeter para processo de execução de julgados a determinação do montante a anular”.
  2. “…Tem, pois, o Tribunal Arbitral poderes, competência, para julgar quantitativamente a parte da liquidação a anular, não se vendo interesse de espécie alguma, sério ou legítimo, em entender de modo contrário. O Tribunal nada cria, limita-se a anular com precisão uma parte de um todo pré-existente”, uma vez que “não pode a AT valer-se da sua própria omissão de pronúncia, aqui ou na fase administrativa precedente que correu sob a sua direcção, sobre os valores indicados pela requerente”.
  3. Até porque “não pode a actuação omissiva da AT aqui e na precedente fase administrativa, beneficiá-la na subsequente fase arbitral ou judicial. Isso feriria de morte o princípio do processo equitativo e do acesso aos tribunais para dirimir litígios com a autoridade administrativa”, uma vez que “a AT tem o dever de proceder à instrução dos procedimentos administrativos prévios, cuja direcção está a seu cargo, onde se discutam actos tributários”.
  4. E conclui: “não podendo invocar incumprimento desse dever para invocar a seguir a incompetência do tribunal que se venha a debruçar finalmente sobre matéria que a AT se escusou a apreciar quando a competência para tal lhe estava atribuída (no procedimento administrativo de revisão do acto tributário)”. Acrescenta que “não procede a invocação da AT de que a “quantia exata a reembolsar, decorrente de uma eventual procedência do pedido, não pode ser determinada neste momento, no presente processo arbitral” artigo 25º da resposta)
  5. E conclui: “se a AT entender ser de suscitar dúvidas concretas, dirá o que em concreto possa estar em falta. É esse o seu direito. E é esse também o seu dever”.
  6. Termina referindo: “... caso seja julgada procedente esta excepção da AT, mais se requer então que na decisão arbitral anulatória que se peticiona nestes autos conste expressamente menção a que a liquidação de IRS do exercício de 2022 aqui em causa é anulada na medida da colecta em excesso resultante da omissão de dedução de crédito de SIFIDE disponível no montante de € 247.500,00 resultante de imputação com origem em sociedade transparente, por inaplicabilidade à dedução deste crédito da restrição constante do artigo 78.º, n.º 7, alínea c), do Código do IRS”.

 

  • Quanto à competência do Tribunal para a condenação no reembolso refere o seguinte:

 

  1. Se esta excepção é meramente consequencial da anterior, assunto resolvido: ou bem que a anterior improcede, e esta improcederá também, ou bem que a anterior procede, e esta procederá consequencialmente, no sentido em que não será possível ao Tribunal concretizar o montante a reembolsar”.
  2. Sendo que “será sempre possível, evidentemente, condenar no reembolso do montante a apurar e em juros indemnizatórios sobre o mesmo”. No entanto “se porventura for de entender que a AT obstaculiza aqui para além do supra equacionado, negando competência do Tribunal para condenar em reembolso seja com que conformação for, a requerente não tem então dúvida que tal posição é absurda”.
  3. E acrescenta: “não se entende por que razão se admite e aceita a condenação no pagamento de juros indemnizatórios, e se rejeita a condenação no reembolso”.
  4. E conclui que “a interpretação dos poderes do Tribunal Arbitral, da norma constante do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, de que esta impediria o Tribunal Arbitral quer de anular um concreto montante de imposto, quer de condenar a AT ao seu reembolso ou no reembolso de montante a apurar no respeito pelo balizamento efectuado pela decisão arbitral, é inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de direito democrático e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigos 2.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da Constituição)”.
  5. Uma vez que “não há, pois, razão séria para se entender estar despida a arbitragem tributária (ou a impugnação judicial, a questão será nesse caso aí a mesma) de competência para determinar o reembolso do imposto anulado, e há, pelo contrário, razões muito sérias que militam contra esta tentativa de ataque pela AT à tutela jurisdicional efectiva”.
  6. Termina pugnando pela improcedência das excepções aduzidas.

 

  1. Por despacho de 13 de novembro de 2024 foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificaram-se as Partes para, querendo, apresentarem alegações.

 

  1. Em 25.11.2024 a Requerente apresentou alegações reiterando o que já tinha sustentado em sede de PPA e acrescentou, nomeadamente, o seguinte quanto à Resposta da AT: “A discriminação e arbitrariedade ... na interpretação da lei pretendida pela AT, implicadas na norma que a AT pretende ser de extrair da lei aplicável ao SIFIDE adquirido no contexto de investimentos por sociedades transparentes, são injustificáveis, e nenhuma justificação a AT consegue ensaiar ..., donde que, é inconstitucional, por violação do princípio da Igualdade, e consequente proibição de arbitrariedades e discriminações infundadas, que se extraem do artigo 2º (Estado de direito), 13º (princípio da igualdade) e 18º, nºs 2 e 3 (restrições admissíveis/inadmissíveis aos direitos liberdades e garantias, in casu relativamente à ablação unilateral, de propriedade, imposta pela tributação, e que tem de respeitar o princípio da igualdade), a norma do artigo 78º, nº 7, do Código do IRS, na medida da aplicabilidade da limitação/restrição de deduções à colecta aí prevista ao incentivo ao investimento SIFIDE II (sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial para os períodos de tributação de 2014 a 2025) previsto entre o mais no artigo 38º, nº 1, do CFI (Código Fiscal do Investimento), cuja fruição seja transferida das sociedades fiscalmente transparentes para sócios pessoas singulares.

E bem assim, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, e consequente proibição de arbitrariedades e discriminações infundadas, que se extraem do artigo 2º (Estado de direito), 13.º (princípio da igualdade) e 18.º, n.ºs 2 e 3 (restrições admissíveis/inadmissíveis aos direitos liberdades e garantias, in casu relativamente à ablação unilateral, de propriedade, imposta pela tributação, e que tem de respeitar o princípio da igualdade), a norma do artigo 90º, nº 5 (ou do artigo 6º, designadamente n.ºs 1 e 3), do Código do IRC, na medida em que dela se extraia remissão, nomeadamente no âmbito de deduções à colecta do SIFIDE II, para aplicação do artigo 78º, nº 7, do CIRS, sempre que o sócio da sociedade transparente seja pessoa singular”.

 

  1. Em 27.11.2024 a Requerida apresentou alegações, referindo o seguinte: “ocorrendo as alegações em simultâneo, sob pena de se incorrer em repetição inútil, remete-se e dá-se por integralmente reproduzido todo o aduzido e peticionado em sede de Resposta, seja por exceção, seja por impugnação. De todo o modo, atento o princípio do contraditório [cf. artigo 16, alínea a) do RJAT], caso nas alegações da Requerente sejam suscitados factos, elementos ou questões jurídicas novos, deve a Requerida ser notificada para se pronunciar, sob pena de violação de tal princípio”.

 

  1. Saneamento

 

  1. O Tribunal foi regularmente constituído à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
  2. Tendo a Requerida suscitado a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, cujo conhecimento precede o de qualquer outra matéria, (cf. artigo 13.º do CPTA, ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT), a mesma será apreciada e decidida logo após a fixação da matéria de facto.

 

  1. Matéria de facto

 

§ 1º - Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente é sócia da sociedade submetida ao regime de transparência fiscal “B..., LDA” (B...) NIPC..., na qual a requerente tinha à data dos factos (2022) e tem atualmente uma participação correspondente a 1/3 do capital social da mesma, correspondente a 33,33% - conforme artigos 11º e 12º do PPA e Documento n.º 3 em anexo ao PPA;
  2. Em 02.05.2023 a B... apresentou candidatura ao SIFIDE II com respeito a aplicações em 2022 em “participação no capital de entidades e contributos para fundos destinados a financiar a I&D”, tendo-se apurado um crédito de imposto calculado de € 742.500,00 e onde se indicava a participação de 33,33% da requerente no capital social da B... – artigos 13º e 14º do PPA e Documentos 4, 5 e 6 em anexo ao PPA;
  3. Em 12.05.2023 a ora Requerente apresentou a declaração de IRS para o ano de 2022, nos termos seguintes:
  1. no anexo D a imputação de 1/3 ou 33,33% dos rendimentos (da matéria colectável) da Píncaro no montante de € 510.241,68conforme artigo 16º e Documento 7 em anexo ao PPA (quadro 04, campo 401 da Declaração Modelo 3 de IRS);
  2. constando matéria colectável não isenta da Píncaro para 2022 no campo 346 do quadro 09 da Declaração Modelo 22 no montante de € 1.530.725,04conforme artigo 16º do PPA e Documento nº 8 em anexo ao PPA; 
  3.  constando no anexo G da Informação Empresarial Simplificada o valor de € 510.241,68 e a percentagem de 33,33%, para 2022 declarado também pela sociedade fiscalmente transparente B... como imputável à Requerente - conforme artigo 16º do PPA e Documento n.º 9 em anexo ao PPA;
  4. Mais constando no quadro 09, campo 902 [Benefícios fiscais] do Anexo D da Declaração Modelo 3 de IRS deduções à colecta no valor correspondente a 1/3 do crédito de imposto calculado na candidatura ao SIFIDE apresentada pela Píncaro de € 247.500,00 (€ 742.500,00 a dividir por três) – conforme artigo 17º do PPA e Documentos nºs 4 e 7 em anexo ao PPA;
  1. Em 02.10.2023 a requerente foi notificada da liquidação de IRS referente a 2022, onde consta uma dedução à colecta, na linha 19, de € 1.250,00, não tendo sido feita a dedução à colecta referente a crédito por SIFIDE no montante de € 247.500,00, inscrito no anexo da transparência fiscal, o Anexo D da declaração de rendimentos IRSconforme artigos 18º a 21º do PPA e Documento nº 2 (linha 19) e Documento nº 9 juntos em anexo ao PPA;
  2.   Em 03.11.2023 a requerente pagou o valor da liquidação de IRS aqui em causa – conforme artigo 22º do PPA e Documento nº 10 em anexo ao PPA;
  3.  Em 15.11.2023 a requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRS na parte do imposto em excesso gerado pela não aplicação da dedução à colecta do identificado crédito de imposto por SIFIDE – conforme artigo 23º do PPA e Documento nº 11 em anexo ao PPA.
  4. Em sede de audição prévia, face ao projecto de indeferimento que foi notificado à Requerente, em 12.04.2024, esta juntou a carta que lhe foi endereçada pela ANI com data de 25.03.2024 e a declaração com a mesma data referindo “pode assim recomendar-se a atribuição à empresa de um crédito fiscal de 742.500,00 €” – conforme artigos 24º e 26º do PPA e Documento nº 13 em anexo ao PPA;
  5. Em 29.05.2024 a Requerente foi notificada da decisão final da reclamação graciosa, constando a seguinte fundamentação:

“V.I A pretensão da ora reclamante tem enquadramento no art.º 35º e seguintes do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31-10 (Código Fiscal do Investimento) no qual se encontra previsto o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE II), o qual visa apoiar atividades de investigação e desenvolvimento.

V.2 - Assim, no âmbito deste incentivo, e nos termos do art.º 36.º do CFI são despesas de investigação, as realizadas pelo sujeito passivo de IRC com vista à aquisição de novos conhecimentos científicos ou técnicos, e despesas de desenvolvimento, as realizadas pelo sujeito passivo de IRC através da exploração de resultados de trabalhos de investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos com vista à descoberta ou melhoria substancial de matérias-primas. produtos, serviços ou processos de fabrico.

V.3 - Nos termos do nº 1 do artº 38º do CFI são beneficiários do SIFIDE II, os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território, que tenham despesas com investigação e desenvolvimento.

V.4 – As condições para esses sujeitos passivo beneficiarem do SIFIDE II, previstas no nº 1 do artº 38º e no artº 39º do CFI, são as seguintes:

  1. devem ter realizado despesas de investigação e desenvolvimento não comparticipadas a fundo perdido;
  2. o seu lucro tributável não pode ter sido determinado por métodos indiretos;
  3. não podem ser devedores ao Estado e à Segurança Social de quaisquer impostos ou contribuições ou tenham o pagamento devidamente assegurado.             

 V.5 - Relativamente às despesas elegíveis encontram-se previstas no artº 37º do CFI, encontrando-se prevista a concretização da usufruição do benefício fiscal, no nº 1 do artº 38º do CFI através da dedução ao valor da coleta de IRC apurada nos termos da al. a) do nº 1 do artº 90º do CIRC, nos termos aí previstos.

V.6. Realça-se que aquela dedução deve ser comprovada, nos termos do artº 40º do CFI, através de declaração comprovativa, a requerer pelas entidades interessadas, ou prova da apresentação do  pedido de emissão dessa declaração, de que as atividades exercidas ou a exercer correspondem  efetivamente a ações de investigação ou desenvolvimento (l&D), dos respetivos montantes envolvidos, do cálculo do acréscimo das despesas em relação à média dos dois anteriores e de outros elementos considerados pertinentes. emitida pela Agência Nacional de Inovação S.A., no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial a integrar no processo de documentação fiscal do sujeito passivo a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC.

V.7 - No caso em apreço, estamos perante uma sociedade de transparência fiscal, da qual é sócia a ora reclamante, pelo que, mostrando-se observadas as referidas condições em matéria de SIFIDE, a dedução é imputada aos respetivos sócios ou membros, nos termos do n.º 3 do art.º do CIRC, e deduzida nos termos do nº 5 do artº 90º do CIRC, ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

V.8 - Analisados os documentos juntos aos presentes autos, verifica-se que a reclamante apresenta uma declaração comprovativa emitida, pela Agência Nacional de Inovação em 2023-06-15, na qual consta que a referida sociedade "requereu em 02/05/2023, a emissão da declaração necessária à obtenção de um fiscal (dedução à coleta), decorrente das atividades de I&D realizadas em Portugal durante o ano de 2022".

 ...

V.9 - É assim de salientar que, não obstante a reclamante junte aos autos prova da apresentação do pedido de emissão da declaração comprovativa, não apresenta qualquer elemento que permita comprovar o montante do benefício peticionado.

10. Sem prescindir, ainda que assim não fosse, o que não se concede, sempre se diga que ...

...

sendo o SIFIDE um benefício fiscal, o mesmo é deduzido à coleta por força da alínea k) do 1 do artigo 78º dó CIRS, ficando, no entanto, sujeito à aludida limitação.

V.15 - Assim, por força da referida limitação, e da necessidade de respeitar a ordem estabelecida no nº 1 do artigo 78º do CIRS, não foi/é possível deduzir à coleta a totalidade do montante referente aos benefícios fisgais, em concreto a dedução referente ao SIFIDE.

...

VII.3 - ... importa referir que ...  a reclamante vem apresentar um comprovativo do montante do benefício suprindo, assim, a falta probatória identificada no ponto V.9 supra.

VII.4 - Não obstante, tal elemento não é suscetível de produzir qualquer alteração na decisão projetada, porquanto, conforme já assinalado no projeto de decisão, por força da al. c) do n.º 7 do artº 78.º bem assim, da necessidade de respeitar a ordem estabelecida no nº 1 do artº 78º, ambos do CIRS, apenas foi possível deduzir à coleta, a titulo de benefícios fiscais, o valor de € 671 ,96, sob pena de ser ultrapassado o limite de € 1 .OOO,OO [€ 292$39 (despesas de saúde) + € 35$5 (exigência de fatura) + € 671 (benefícios fiscais)].

VII.8 - Posto isto, reiteramos as conclusões alcançadas na decisão projetada, sendo de concluir que a liquidação controvertida não carece de qualquer correção, pois como já se constatou o benefício fiscal peticionado não poderia impactar no resultado do imposto apurado por força da alínea c) do n.º 7 e o nº 1 do artigo 78º do CIRS”.

- conforme artigos 28º e 29º do PPA e Documento nº 1 em anexo ao PPA;

  1. Com a dedução de SIFIDE recusada pela AT não seria apurado o montante a pagar de € 208.981,31, acrescendo que o imposto antecipadamente liquidado e pago por retenção na fonte, no montante de € 3.757,53 creditado pela AT na liquidação impugnada provocaria o seu reembolso [de € 3.757,53] na liquidação final de IRS, conforme tabela seguinte:

Linha

Descritivo

Liquidação IRS

Liquidação com dedução SIFIDE

18

Colecta total

220 002,09

220 002,09

19

Deduções à colecta

1 250

1 250

19

Deduções à colecta SIFIDE

0

218 752,09

20

Benefício Municipal

6 013,26

0

22

Colecta Líquida

212 738,84

0

24

Retenções na fonte

3 757,53

3 757,53

25

Imposto apurado

208 981,31

0

 

Valor a pagar

208 981,31

0

 

Valor a reembolsar

0

3 757,53

- conforme artigos 31º a 33º do PPA e análise dos Documentos n.ºs 2, 7 e 9;

  1. Em 17.07.2024 foi apresentado o presente PPA – conforme registo no SGP do CAAD.

 

§ 2º - Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

§ 3º - fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito (conforme artigo 596.º, do CPC aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Os factos foram dados como provados com base na posição das partes e nos documentos juntos.

 

III – 2 - Matéria de direito

 

§ 1º - A questão prévia

 

Para a Requerida, sendo a matéria controvertida “apenas” a relativa à dedução à colecta do SIFIDE, o pedido de anulação do acto de liquidação de IRS tem de ser parcial, pelo que o Tribunal Arbitral não pode declarar a ilegalidade total da liquidação.

Efectivamente, o Tribunal está limitado à causa de pedir modelada pela Requerente, que a definiu e circunscreveu de forma clara: desconsideração ilegal da dedução à colecta do SIFIDE, com o consequente impacto de € 212.738,84 na liquidação de IRS da Requerente. Se essa dedução tivesse sido efectuada, como entende a Requerente, esta teria a receber o reembolso de IRS de € 3.757,53. Porém, foi-lhe liquidado pela AT o valor de € 208.981,31. Contas feitas, em caso de procedência da acção, há que devolver o valor total de € 212.738,84 acima referido, que a Requerente, e bem, indicou como valor da utilidade económica do pedido. E é sobre isso que o Tribunal Arbitral tem de se pronunciar.

 

Configura-se que o referido pela AT radica, na essência, na inconsideração no que é referido no artigo 97ºA do CPPT, aplicável ao processo arbitral por força da alínea a) do nº 1 do artigo 29º do TJAT.

             

              Diz o nº 1 do artigo 97ºA do CPPT que “os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende”.

 

A Requerente não se limitou a formular o pedido com base numa liquidação de IRS, pedindo que seja “DECLARADA A ILEGALIDADE DO INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA ... E, BEM ASSIM, A ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DE IRS ... NO MONTANTE DE € 212.738,84, COM A SUA CONSEQUENTE ANULAÇÃO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE O REEMBOLSO À REQUERENTE DESTA QUANTIA, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS À TAXA LEGAL CONTADOS DESDE 04.11.2023 INCLUSIVE QUANTO A € 208.981,31, E DESDE 01.09.2023 INCLUSIVE QUANTO A € 3.757,53, ATÉ AO INTEGRAL REEMBOLSO DOS REFERIDOS MONTANTES, E BEM ASSIM ACRESCIDO DA REMUNERAÇÃO COMPENSATÓRIA PREVISTA E REGULADA NOS ARTIGOS 96.º, Nºs 2 e 3 E 102º-A, DO CÓDIGO DO IRS, COM REFERÊNCIA À COMPONENTE DE RETENÇÃO NA FONTE NO MONTANTE DE € 3 757,53 A REEMBOLSAR”.

 

Antes, nos artigos 31º a 33º do PPA alegou como procedeu às operações de simples cálculo aritmético que culminaram na determinação dos valores em concreto que expressou no pedido.

A Requerida, face ao alegado pela Requerente nos artigos 31º a 33º do PPA, não veio impugnar esses factos, muito menos especificadamente. Trata-se de valores resultantes de meros cálculos aritméticos, pelo que, nos termos dos números 5 e 6 do artigo 110º do CPPT, aplicável por força da alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, o Tribunal não teve dúvidas de que esses valores correspondem à verdade.

Por isso, tais valores foram considerados correctos como se infere da alínea l) da matéria de facto dada como provada.

A Requerente limitou-se a cumprir o ónus da alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT, indicando o valor em concreto da liquidação com que não concorda, ou seja, concretizou o valor impugnado, justificando-o nos termos dos artigos 31º a 33º do PPA.

Improcede, pois, a alegada questão prévia.

 

§ 2º - Quanto à competência do Tribunal Arbitral para a anulação das liquidações num dado montante e condenação no reembolso em concreto.

 

Tendo a excepção sido invocada como consequencial da procedência da questão prévia, é de considerar improcedente por falta de fundamento que a suporte.

Na verdade, não se vislumbra que tenha qualquer suporte na lei ou no direito constituído (que é o que norteia as decisões dos tribunais arbitrais – nº 2 do artigo 2º do RJAT) que os tribunais arbitrais não possam decidir casos de anulações parciais de liquidações ou que seja sequer admissível existir um PPA sem que o Requerente indique (concretize) em caso de pedido de impugnação parcial, o valor em concreto de que discorda como resulta das alíneas b), c) e e) do nº 2 do artigo 10º do RJAT.

A divisibilidade do acto tributário está consolidada na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que afirma que a anulação parcial do acto, se devida, se insere nos poderes e função judicial e não constitui interferência na actividade reservada à Administração (v. acórdão de 02.12.2015, processo n.º 0754/15).

No mesmo sentido se pronuncia também o TCA Sul que aduz, em linha com a jurisprudência do Supremo, que só se o fundamento da anulação afetar integralmente o acto é que não é admissível anulá-lo apenas parcialmente, devendo a anulação do acto ser, nessa situação, integral (v. acórdãos de 08.06.2017, processo n.º 06112/12; de 15.03.2023, processo n.º 1241/11.0BELRS; de 19.12.2023, processo n.º 448/18.4BELLE).

Em relação à condenação à restituição de um valor concreto, declara ainda o TCASul (no citado processo n.º 1241/11.0BELRS) que, na impugnação judicial (da qual o processo arbitral é sucedâneo), o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios e a condenação à restituição do imposto indevidamente liquidado/suportado, são condenações/decisões que cabem nos poderes do juiz. Somente não será assim se o processo de apuramento do valor não for líquido e depender do exercício de tarefas que se inscrevam na actividade administrativa e/ou que envolvam margem de apreciação, o que não se verifica na situação vertente.

Improcede, pois, a invocada excepção.

 

§ 3º - Outros pressupostos processuais

 

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

A ação é tempestiva.

O processo não enferma de nulidades.

 

§ 4º - Quanto à questão de fundo

Refira-se que o acto de indeferimento da reclamação graciosa tem uma fundamentação que é a que aqui se pode considerar e consta da alínea H) dos factos provados. De forma que tudo o que constitua alteração da fundamentação do acto recorrido, não pode ser aqui acolhido.

Por isso, é irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos (vide acórdãos do STA de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207, de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289, de 09/10/2002, processo n.º 600/02, de 12/03/2003, processo n.º 1661/02).

Assim, o alegado na Resposta da AT que pretenda considerar-se constituir suporte da decisão aqui impugnada, não pode aqui ser considerado.

 

***

 

A única questão controvertida que aqui se coloca é, conforme fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, saber se deve prevalecer o ponto de vista da AT de que “... por força da al. c) do n.º 7 do artº 78.º bem assim, da necessidade de respeitar a ordem estabelecida no nº 1 do artº 78º, ambos do CIRS, apenas foi possível deduzir à coleta, a titulo de benefícios fiscais, o valor de € 671 ,96, sob pena de ser ultrapassado o limite de € 1 .OOO,OO [€ 292$39 (despesas de saúde) + € 35$5 (exigência de fatura) + € 671 (benefícios fiscais)]ou se deve prevalecer o ponto de vista da Requerente que refere  (artigo 34º do PPA) quena imputação aos sócios em sede de IRS, não é aplicável ao crédito de imposto por benefícios fiscais, designadamente o SIFIDE, adquirido pela sociedade fiscalmente transparente, o limite à dedução previsto no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS, designadamente na sua alínea c)”.

 

              A Requerente transcreve parcialmente o acórdão do STA de 07.06.2023 proferido no processo n.º 01301/21.0BEBRG, que decidiu esta questão, do qual se retiram os seguintes excertos essenciais:

“Podemos dizer, em termos gerais, que o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II) especialmente regulado nos artigos 35.º a 42.º do CFI constitui um benefício fiscal que o Estado consagrou perante a necessidade de aumentar a competitividade da economia. Ou seja, o Estado reconheceu ao aumento de competitividade um interesse público superior ao interesse da própria tributação que a consagração do benefício impede (ou limita). Neste sentido, Rui Marques/Sónia Martins, Código Fiscal do Investimento, Anotado e Comentado, Almedina, 2022, página 326.

Do regime especial consagrado nos artigos 35.º a 42.º do CFI decorre que o SIFIDE II constitui um sistema que faculta «uma redução fiscal através do reconhecimento do esforço, fazendo com que as despesas com actividades de I&D não sejam um custo mas um investimento e que permitam ao mesmo tempo uma poupança fiscal», uma vez que, para efeitos de SIFIDE II: (i) são dedutíveis as despesas de investigação ou de desenvolvimento realizadas pelo sujeito passivo que se mostram definidas no artigo 36.º e devam ser consideradas relevantes (elegíveis) nos termos do artigo 37.º; (ii) essa dedução é realizada nos termos especialmente previstos no artigo 38.º do mesmo Código, que regula a dedução à colecta, em sede de IRC, do valor correspondente, estipulando o seu n.º 3 que a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código de IRC.

[...]

Encontrando-se a sociedade enquadrada no regime de transparência fiscal e, por isso, sendo a matéria colectável imputada aos sócios, temos que o benefício fiscal em causa (despesas de investigação e de desenvolvimento, elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II) regulado nos artigos 35º e 38º do Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Dec. Lei nº 162/2014, de 31/10) deve ser incluído no campo 902 do anexo D da declaração modelo 3, por cada um dos sócios e na proporção que lhe seja afecta (artigo 6.º, n.º 3 e 90.º, n.º 2 e 5 do CIRC), que, no caso da Impugnante, ascende ao valor de € 18.008,57.

Cremos que esta interpretação não só não ofende o preceituado nos n.ºs 1 e 3 do artigo 6.º do CIRC, como respeita o regime especial consagrado nos artigos 35.º a 42.º do CIF e os fins que determinaram a consagração do benefício fiscal, ou seja, que garantem o prosseguimento do interesse público superior ao da própria tributação que lhe é inerente. E, bem assim, afigura-se-nos mesmo ser a interpretação que se revela mais conforme ao princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.

[…]

Também se entende que é compatível com o artigo 6.º n.º 3 do CIRC, porque nos termos deste normativo e da sua conjugação com o preceituado no n.º 5 do artigo 90.º do CIRC decorre que, no caso das entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal, as deduções à colecta (artigo 90.º n.º 2) são efectuadas nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades transparentes ou, na falta de elementos, em partes iguais. No caso em apreço a dedução que os Recorridos pretendem que lhes seja reconhecida é precisamente a que resulta do acto constitutivo.

E entende-se que respeita ainda o regime especial que disciplina os benefícios em investigação e desenvolvimento, por desse regime resultar que a dedução é realizada nos termos do artigo 90.º do CIRC (artigo 38.º, n.º 3 do CFI).

Donde, salvo o devido respeito por toda a argumentação aduzida pela Recorrente, a tese que defende não tem suporte na letra da lei, conduz a uma distorção e obstrução dos objectivos prosseguidos pelo legislador nacional e europeu com a consagração do regime de transparência fiscal, determina que o investimento e o sacrifício financeiro inerente a esse regime não se traduzam efectivamente num benefício fiscal e, por último, conduz a situações de desigualdade injustificáveis. Com efeito, a tese da Recorrente não tem suporte na letra da lei porque o que o legislador diz, tendo em vista os objectivos que identificámos, é que o regime de transparência fiscal impõe que a matéria colectável da sociedade apurada segundo o regime do CIRC é imputada na esfera pessoal dos sócios, e não que, posteriormente, após a integração ou englobamento dessa matéria colectável com outros rendimentos dos sócios, só se possam realizar as deduções à colecta previstas em sede de IRS e com os limites aí estabelecidos. E tratando-se de um benefício fiscal concedido a uma sociedade, que opera por dedução à colecta, apenas pelo regime aplicável a essa sociedade se pode realizar a dedução na esfera pessoal dos sócios. Aliás, o legislador terá mesmo pretendido salvaguardar esta especificidade ao determinar que a integração no rendimento do sócio se faz “nos termos da legislação que for aplicável”, que só pode ser a disciplina consagrada de forma especial nos artigos 90.º e 92.º do CIRC e 35.º a 42.º do CIF. Isto, sem prejuízo da tributação incidir, sendo caso disso, conjuntamente com os rendimentos de outros membros do agregado familiar, sendo-lhe, subsequentemente, aplicada a taxa correspondente.

A tese da Recorrente também conduz a uma distorção ou obstrução dos objectivos que o regimede transparência visa alcançar, porquanto os objectivos que o legislador quis alcançar com a consagração deste regime ficam substancialmente comprometidos, particularmente o objectivo de neutralidade fiscal, para muitos o seu objectivo estrutural e “edifício teleológico”.

E essa tese implica até que, nestas situações, o investimento em investigação e desenvolvimento não se traduza num benefício fiscal para a sociedade, mas num custo para os sócios pessoas singulares, já que ao sacrifício relativo ao investimento e à “promessa legal” de amplíssima dedução das respectivas despesas, nos termos especialmente previstos nos artigos 35.º a 38.º do CFI, corresponderia, afinal, uma dedução à colecta residual, no caso em apreço, uma dedução de cerca de € 500,00 em vez de cerca de € 18.000,00 ou, eventualmente, até a sua total eliminação.

Por fim, a mesma tese conduz a situações de discriminação carentes de justificação legal. Efectivamente, como bem salientou o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, no qual, após defender a não aplicação dos limites consagrados no artigo 78.º, n.º 7 do CIRS, sustentou que “o entendimento contrário conduz, de forma inaceitável, a que as sociedades sujeitas ao regime de transparência sejam discriminadas relativamente a todos os outros sujeitos passivos de IRC [este com incentivo fiscal efectivo ao investimentos em inovação e desenvolvimento, as outras com esse incentivo eliminado na prática por limitações em sede de IRS pensadas para deduções pessoais, e não de cariz empresarial] o que, na falta de justificação cabível, suscita, no mínimo, dúvidas sobre a constitucionalidade de tal interpretação”. E acrescentamos agora nós, conduz até a uma insustentável discriminação em matéria de tributação entre os próprios sócios nas situações em que a sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal tenha como sócios simultaneamente pessoas singulares e pessoas colectivas, uma vez que, a estes últimos, relativamente a um mesmo benefício e ano fiscal, nunca é aplicável a limitação consagrada no citado artigo 78.º, n.º7 do CIRS.

É que, o respeito pelo princípio da igualdade, contrariamente ao que alega a Recorrente nas suas conclusões, não pode ser aferido por referência ao confronto entre um sujeito passivo cuja tributação de rendimento se encontra integralmente submetida ao regime consagrado no CIRS e um sujeito passivo, sócio de uma sociedade em regime de transparência fiscal, cuja matéria tributável que lhe é imputável, provém do exercício da pessoa colectiva, é determinada nos termos do CIRC e à qual é reconhecido um benefício fiscal de dedução de despesas (elegíveis) reguladas por um regime especial (CIF), que determina que essa dedução seja realizada nos termos do CIRC.

Carece, pois, de sentido, neste contexto, alegar a existência de uma desigualdade entre sujeitos passivos de IRS, por ser seguro que os sujeitos que a Recorrente convoca para comparar não estão numa mesma situação material: os sujeitos passivos pessoas singulares que não são sócios de uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal e a quem não foi reconhecido o benefício fiscal, ou seja, que não realizaram as despesas de investimento e desenvolvimento cuja dedução o Estado, sem limites (além dos já salvaguardados), assegurou que seriam efectivadas não é idêntica à das pessoas singulares – sócios de sociedades sujeitas a regime de transparência fiscal a quem foi reconhecido o benefício, investimento que as pessoas colectivas, que a Recorrida integra na qualidade de sócia, confiando na economia fiscal prometida, realizaram.

Em suma, se bem vemos, da conjugação dos vários normativos citados, e tendo presente os critérios interpretativos consagrados nos artigos 9.º do CC e 11.º da LGT, há que concluir que, nas situações em que o benefício em I&D é concedido a sociedades imperativamente sujeitas ao regime de transparência fiscal, a sua dedução ocorre na matéria colectável do sócio, em sede de IRS, mas sem a limitação consagrada no artigo 78.º, n.º 7 do CIRS, uma vez que a tal obstam o preceituado nos artigos 90.º e 92.º do CIRC, o disposto no CFI, em especial no seu artigo 38.º n.º 3 e, bem assim, os princípio da igualdade e boa-fé, constitucionalmente consagrados. Neste contexto, por tudo quanto ficou dito, formulamos a seguinte conclusão: a dedução à colecta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria colectável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, não lhes sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS.”

             

Acrescenta ainda a Requerente no artigo 41º do PPA quea jurisprudência arbitral concorre esmagadoramente naquele entendimento do STA também, sendo de destacar as seis decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 93/2022-T, 336/2022-T, 807/2022-T, 251/2023-T, 260/2023-T e 453/2023-T”.

 

Ora, tratando-se de questão de fundo que já objecto de apreciação pelo STA, não pode aqui deixar de se aderir a essa jurisprudência por se configurar que é essa a melhor leitura da lei, não consubstanciando, ao contrário do que sustenta a AT, uma interpretação ab-rogante da lei. 

 

Ou seja, a dedução à colecta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria colectável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, não lhes sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS (acórdão do STA de 07.06.2023 – P 01301/21.0BEBRG).

 

Pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral uma vez que a liquidação e decisão adoptada no procedimento de reclamação graciosa padecem de desconformidade com os artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, não lhe sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS, na leitura conjugada que foi levada a efeito pelo STA.

 

§ 5º - Quanto à alegada inconstitucionalidade invocada pela AT

 

              Não consta da decisão de indeferimento da reclamação graciosa a invocação ora trazida em sede de Resposta, pelo que sempre seria de aplicar o que se refere na parte inicial do § 3º supra.

              Note-se ainda que este Tribunal seguiu por adesão, o recente acórdão do STA de 07.06.2023 – P 01301/21.0BEBRG, que acautelou o cumprimento dos preceitos constitucionais.

              O que a Requerente apresenta é uma divergência interpretativa (assumindo uma rígida posição formalista) sobre o sentido da lei, que não é passível de ser transformada em inconstitucionalidade, pois tal divergência situa-se no patamar infraconstitucional.

Acresce que não logra sucesso a invocada violação do princípio da capacidade contributiva, cujo único fundamento é um rebuscado e erróneo argumento de que ficaria aberta a porta a que o rendimento das pessoas físicas ficasse reduzido “via aplicação de poupanças/capitais em fundos de investimentos”. Em primeiro lugar, não há transparência fiscal entre as pessoas singulares e fundos de investimentos, pelo que o exemplo é inviável e sem paralelismo com a situação vertente (v. artigo 6.º do CIRC). Em segundo lugar, se essa redução de tributação derivasse da correcta aplicação do benefício fiscal do SIFIDE, de facto, estar-se-ia a alcançar precisamente o fim que o legislador pretendeu quando criou o benefício do SIFIDE: reduzir a tributação para estimular o investimento com fins específicos.

Em relação à violação do princípio constitucional da separação e interdependência de poderes e do princípio da proporcionalidade, não é percetível o seu fundamento, pois a alegada criação de uma regra jurídica nova, não só não se verifica (estamos tão-só no domínio da interpretação secundum legem), como suscitaria a violação de outro princípio, o da legalidade.

Acresce que a questão não está suscitada de forma processualmente adequada, pois não basta uma referência genérica a normas e princípios ou a imputação da inconstitucionalidade aos próprios atos jurídicos impugnados por via contenciosa. O controlo difuso da constitucionalidade pelos tribunais é normativo, incidindo sobre uma norma ou interpretação normativa que tenha sido aplicada em decisão judicial ou em ato administrativo, competindo à parte suscitar de modo processualmente adequado a questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada, o que implica um mínimo desenvolvimento quanto às razões que justificam um juízo de inconstitucionalidade (v. artigo 72.º, n.º 2, da LTC e decisão no processo arbitral n.º 14/2021-T).

Trata-se, portanto, de uma alegação insubsistente e não há que tomar conhecimento da mesma.

 

              Por outro lado, a Requerida sendo parte no processo que correu no STA, teve aí a oportunidade de exercer, por dever legal, todas as prerrogativas legais e processuais, nomeadamente a invocação da eventual desconformidade da leitura da lei face à Constituição ora invocada.

Não se vislumbra, pois, que a decisão do STA a que este Tribunal aderiu por similitude com o caso aqui em apreciação, viole (ou possa violar) quaisquer princípios constitucionais, pelo que improcede a alega inconstitucionalidade.

 

§ 6º - Questões de conhecimento prejudicado

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício que assegura estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento da questão colocada relativa à inconstitucionalidade invocada pela Requerente nas alegações, de harmonia com o disposto nos artigos 130.º e 608.º, n. º2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n. º1, alínea e) do RJAT. Com efeito, a interpretação da lei que a Requerente considera inconstitucional não foi seguida por este Tribunal, não cabendo apreciar uma interpretação normativa hipotética que não constitui critério decisório no âmbito da presente acção arbitral.

 

IV - Reembolso do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios

 

A Requerente pede a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

Conforme se provou nas alíneas E) e I) dos factos provados a Requerente pagou o montante da liquidação de IRS (2022) de € 208 981,31 e não lhe foram restituídas as retenções na fonte de € 3.757,53, pelo que o total do IRS suportado em 2022 foi de 212 738,84 €.

 

IV - 1 - Quanto ao reembolso do imposto pago indevidamente.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário a que se vai proceder, há lugar ao reembolso do imposto indevidamente suportado no valor global de € 212 738,84.

 

IV - 2 - Quanto aos juros indemnizatórios e à remuneração compensatória.

 

Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º e 61.º de um e outro desses diplomas.

A condenação em juros indemnizatórios, como a própria expressão indica, corresponde ao “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito”.

 

Revertendo o que se refere para o caso concreto deste processo, será de considerar o que refere v.g. o acórdão do STA de 8 de Março de 2017, proferido no  Processo nº 01019/14, em sintonia com jurisprudência constante do mesmo Tribunal, o seguinte:  “sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respectivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro (vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).

 

Esclarece o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

              A Requerente peticiona o direito a juros indemnizatórios “CONTADOS DESDE 04.11.2023 INCLUSIVE QUANTO A € 208.981,31, E DESDE 01.09.2023 INCLUSIVE QUANTO A € 3.757,53, ATÉ AO INTEGRAL REEMBOLSO DOS REFERIDOS MONTANTES”.

 

No caso em apreço, a ilegalidade do acto de liquidação é imputável à AT por erro de direito praticado, para o qual a Requerente em nada contribuiu.

 

Em relação ao montante pago pela Requerente constante da liquidação de IRS, de € 208.981,31, rege o n.º 1 do citado artigo 43.º da LGT, que postula serem devidos juros indemnizatórios os quais, nos termos do artigo 61.º, n.ºs 2 e 5 do CPPT, devem ser calculados “desde a data do pagamento indevido do imposto até à data de processamento da respetiva nota de crédito” a uma taxa igual à dos juros compensatórios (4%).

 

Quanto ao valor do imposto retido na fonte, de € 3.757,53, e não restituído até à data limite de 31 de agosto do ano seguinte ao do período de tributação, prevista no artigo 96.º, n.º 1, por remissão para o artigo 97.º, n.º 1, ambos do Código do IRS, o direito a juros indemnizatórios resulta do disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea a) da LGT, que os prevê quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos, que terminou in casu em 31.08.2023.

A regulação dos juros nesta situação (restituição oficiosa de imposto retido na fonte, por ser superior ao imposto devido a final) é objecto das normas especiais consagradas:

  • no mencionado artigo 96.º do Código do IRS, que determina o início da contagem do prazo a 31.08, em moldes diferentes dos contemplados no artigo 61.º, n.º 5 do CPPT acima referido;
  • no artigo 102.º-A do mesmo diploma, que prevê uma taxa de juro específica (72% da taxa de referência EURIBOR a 12 meses) e uma forma distinta de contagem do prazo, que é desde o mês em que se verifique a situação de crédito (setembro de 2023) até ao mês anterior
    àquele em que a liquidação for efetuada.

Assim, em relação à componente de imposto retido na fonte, de € 3.757,53, os juros (ou remuneração compensatória) devem ser contados em conformidade com as normas especiais referidas, ou seja, a partir de 01.09.2023 e a 72% da taxa indexada à EURIBOR a 12 meses. 

 

À face do exposto, o PPA também é procedente nesta parte.

 

V - Decisão arbitral

 

              De harmonia com o exposto, acorda este Tribunal Arbitral em:

 

  1. Anular a liquidação de IRS impugnada referente ao ano 2022, na parte em que a mesma desconsiderou a dedução à colecta por crédito de SIFIDE de € 247.500,00;
  2. Anular a decisão indeferimento da reclamação graciosa que teve por objecto aquela liquidação e que a manteve;
  3. Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente suportado e pago no valor de 212 738,84 €.
  4. Condenar a Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios:
    1. Nos termos previstos nos artigos 43.º,n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT, para a componente de € 208.981,31, e
    2. De acordo com o preceituado nos artigos 43.º, n.ºs 3, a) da LGT, 96.º e 102.º-A (remuneração compensatória), estes últimos do Código do IRS, para a componente de € 3.757,53.

 

VI - Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 212 738,84, indicado pelo Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

VII – Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4 284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, por decaimento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 28-11-2024

 

Os Árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

(Presidente),

 

 

 

Clotilde Celorico Palma

(Vogal)

 

 

Augusto Vieira, Relator

(Vogal)