DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Luciano dos Santos Carvalho e Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 17-09-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., NIPC..., registada sob o mesmo número na Conservatória do Registo Comercial, com sede na Rua ..., ...-... ..., ... (doravante “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.ºs 2024..., 2024..., 2024 ... e 2024..., de juros compensatórios n.ºs 2024..., 2024..., 2024... e 2024 ... e 2024 ..., e respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação n.ºs 2024..., 2024..., 2024 ... e 2024 ..., com um valor total a pagar de € 271.105,47.
A Requerente pede também reembolso do montante pago acrescido de juros indemnizatórios e ainda indemnização por garantia indevida.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 10-07-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 30-08-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 17-09-2024.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 21-10-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente é uma empresa do sector industrial cuja atividade consiste na moagem de trigo e de germinação de milho, com o CAE Principal "10611 -Moagem de Cereais";
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No ano de 2016, a Requerente realizou investimentos no montante global de € 2.415.306,84 de que resultou um benefício fiscal a titulo de RFAI no montante de € 603.826,71 (mapa de activos RFAI 2016 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Foram efectuadas inspecções tributárias à Requerente, credenciadas pelas Ordens de Serviço nº OI 2023..., OI 2023..., OI 2023..., e OI 2023..., visando o controlo de benefícios fiscais deduzidos à coleta de IRC, relacionados com o RFAI, referentes aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019;
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Na inspecção relativa ao exercício de 2016, foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
V.5. Dotação indevida de RFAI
Da análise dos elementos fornecidos pelo SP justificativos da dotação de RFAI, do ano de 2016, nomeadamente, o mapa de apuramento da mesma e os documentos comprovativos dos investimentos realizados, foram detetadas situações em que se observou que parte dos investimentos não são elegíveis como aplicações relevantes para efeitos do regime do RFAI, como a seguir se expõe.
V.5.1. Motor elevador de carga
O equipamento identificado no quadro anterior respeita à aquisição de um motor elevador de carga para instalação nos silos localizados na Rua ..., ..., Maia, ou seja, uma unidade fabril distinta da que foi objeto do projeto de investimento relacionado com o RFAI/2016, que se situa na Rua ..., em ..., Matosinhos.
Tratou-se, portanto, de uma aquisição isolada de bens que não é passível de ser qualificada como “aplicação relevante”, para efeitos do RFAI, por não integrar o conceito de “investimento inicial”, tal como é definido na alínea d) do nº 2 do artigo 2º da Portaria nº 297/2015, de 21 de setembro (abaixo transcrita), o qual pressupõe a existência de uma estratégia global de investimento, o que não aconteceu neste caso.
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
1 – (…).
2 – Para efeitos do disposto no artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento:
a) (…) ;
b) (…);
c) (…);
d) Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC, considerando -se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.
(…).”
Do exposto resultou uma dotação indevida de RFAI no montante de 1.231,32 € (4.925,29 x 25%).
V.5.2. Reparações da viatura com a matrícula ...
Pela análise dos documentos disponibilizados pelo SP verificou-se que o investimento identificado no quadro precedente respeita a (grandes) reparações da viatura pesada de mercadorias com a matrícula ... .
O investimento em causa não pode ser considerado elegível para efeitos de cálculo do valor do crédito fiscal RFAI, uma vez que respeita a reparações de equipamento de transporte, reparações essas que se encontram excluídas do âmbito do regime por não serem aplicações relevantes.
Com efeito, no âmbito deste regime, apenas se consideram elegíveis as aplicações relevantes em ativos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo que se traduzam em "adições", conforme dispõe o nº 5 do artigo 22º do CFI, que refere "Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso."
Deste modo, conclui-se que o SP efetuou uma dotação indevida de RFAI, no montante de 1.757,35 € (7.029,39 x 25%).
V.5.3. Quadro elétrico da oficina
O equipamento identificado no quadro anterior respeita ao fornecimento e aplicação de um quadro elétrico na oficina, como se verifica no descritivo da fatura comprovativa do dispêndio efetuado.
Ou seja, tratou-se da instalação de um quadro elétrico num setor da fábrica que não faz parte do projeto de investimento relacionado com o RFAI/2016, o qual “foi efetuado em toda a área produtiva, assim como na área de produto acabado da Moagem de Trigo”, conforme resposta do SP (cfr. 2º parágrafo do ponto 1 da imagem 4).
Significa isto que o investimento em causa não contribuiu para o aumento da capacidade da unidade fabril, sendo, pelo contrário, uma aquisição isolada de bens que não se enquadra no conceito de “investimento inicial” na aceção da alínea d), nº 2, do artigo 2º da Portaria nº 297/2015, de 21 de setembro (transcrita no ponto V.5.1), e que, nessa medida, não pode ser considerada elegível para efeitos de cálculo do valor do crédito fiscal RFAI.
Do exposto resultou uma dotação indevida de RFAI no montante de 1.104,66 € (4.418,64 x 25%).
V.5.4. Substituição de motor
No que se refere ao investimento referenciado no quadro anterior, verificou-se, pela análise dos documentos disponibilizados pelo SP, que se tratava da substituição de um motor de uma máquina do setor da moagem, conforme imagem seguinte:
Estando em causa um investimento relativo à substituição de um motor de uma máquina, o mesmo traduz-se num mero investimento de substituição e não numa “adição” e, como tal, não pode ser considerado elegível para efeitos de cálculo do valor do crédito fiscal RFAI.
Com efeito, no âmbito deste regime, apenas se consideram elegíveis as aplicações relevantes em ativos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo que se traduzam em "adições", conforme dispõe o nº 5 do artigo 22º do CFI, que refere "Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso."
Deste modo, conclui-se que o SP efetuou uma dotação indevida de RFAI, no montante de 275,00 € (1.100,00 x 25%).
V.5.5. Síntese das correções à dotação de RFAI
Apurou-se, assim, que as dotações indevidas de RFAI, do exercício de 2016, totalizaram o montante de 4.368,33 € (1.231,32 + 1.757,35 + 1.104,66 + 275,00).
Deste modo, o valor da dotação a considerar para o projeto de investimento “Moagem de Trigo” ascende agora ao montante de 599.458,38 €, correspondente à diferença entre a dotação apurada pelo SP (cfr. mapa em anexo 1) e a correção referida no parágrafo anterior (603.826,71 – 4.368,33 = 599.458,38).
V.6. Incumprimento das condições de acesso ao RFAI
De acordo com o nº 4 do artigo 22º do CFI, podem beneficiar dos incentivos fiscais os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as condições elencadas nas suas alíneas a) a f), destacando-se, no que ao caso interessa, as alíneas c) e f), que se transcrevem de seguida:
«c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, ou cinco anos nos restantes casos, os bens objeto do investimento ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, alterado pelas Leis n.ºs 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 2/2014, de 16 de janeiro, ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 31.º-B do Código do IRC;»
«f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).»
Relativamente aos postos de trabalho há ainda a ter em atenção o entendimento veiculado pelo Ofício-circulado n.º 20259/2023, de 28 de junho, do SUB-DG (GT - AREA IMP. S/RENDIMENTO), que no seu ponto 5 refere que «para que os sujeitos passivos possam beneficiar do RFAI, tem de se verificar a criação de postos de trabalho diretamente conexos com o investimento em causa, tendo esses mesmos postos de trabalho de ser mantidos durante o período mínimo de detenção dos bens objeto de investimento nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, dando assim cumprimento à norma que se encontra prevista nesse diploma e que é de aplicação especifica quando esteja em causa o benefício fiscal (RFAI).»
Enquanto que no ponto 18 refere que «o desenvolvimento económico de determinadas regiões é alcançado se houver contratação liquida de pessoas (ainda que um único trabalhador), com um contrato sem termo (sustentável), e se o nível de empregabilidade (trabalhadores com contrato sem termo no final do período) se mantiver superior à média dos 12 meses precedentes ao início do investimento relevante, durante o período mínimo imposto pelo regime do RFAI.» (sublinhados
nossos).
Acrescentando, ainda, no ponto 22 que «Caso esteja em causa um projeto com uma duração plurianual, admite-se que os requisitos exigidos quanto à criação dos postos de trabalho só possam vir a ser aferidos após a conclusão do projeto».
Tal entendimento já havia sido, igualmente, transmitido pela Informação Vinculativa - Proc n º 2010 001800 PIV n º 818, com Despacho de 16/07/2010, do Diretor Geral, que refere no ponto 1 que «Apenas pode integrar o conceito de “criação de postos de trabalho” a admissão de trabalhadores através da celebração de contrato de trabalho sem termo (ou por tempo indeterminado), abrangendo a admissão de trabalhadores novos e de trabalhadores que já estivessem na empresa mas ao abrigo de um contrato com termo», e no ponto 4 que «caso o investimento realizado constitua, tão só, adições às imobilizações em curso, elegíveis, a criação de postos de trabalho só pode ser aferida no final do período de tributação em que o investimento estiver concluído». (sublinhado nosso).
Por outro lado, o nº 2 do artigo 14º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) estabelece que «Os benefícios fiscais, quando temporários, caducam pelo decurso do prazo por que foram concedidos e, quando condicionados, pela verificação dos pressupostos da respetiva condição resolutiva ou pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário.»
Atendendo a que a empresa A..., SA, é considerada NÃO PME, conforme foi referido no ponto II.2.2, os prazos a cumprir, a que se referem as alíneas c) e f) do nº 4 do artigo 22º do CFI, são de cinco anos em ambas as situações.
Assim, para efeitos de averiguação do cumprimento das condições estabelecidas nas alíneas c) e f) do nº 4 do artigo 22º do CFI, nomeadamente, a criação e a manutenção dos postos de trabalho até ao fim do período mínimo de cinco anos após a conclusão do investimento, foi o SP notificado, através de notificação enviada para a caixa postal eletrónica ViaCTT, em 16/10/2023 (cfr. ponto V.2), para “Demonstrar que cada projeto de investimento relacionado com o RFAI proporcionou a criação de posto de trabalho (art. 22º, nº4, f) do CFI), apresentando a descrição dos postos de trabalho criados, os cálculos do aumento líquido ocorrido em cada período e a média dos 12 meses precedentes, a identificação dos trabalhadores contratados (nome e NIF), as funções, os locais de trabalho e o tipo de contrato, juntando cópia dos respetivos contratos de trabalho”.
Na resposta, via correio eletrónico do dia 17/10/2023, remeteu a cópia do contrato de trabalho e reportou a seguinte informação:
Da análise da resposta acima reproduzida, bem como da consulta dos Relatórios Únicos fornecidos pelo SP (cfr. pontos V.1 e V.4) e da informação disponível na base de dados informática da AT (DMR’s), verificou-se o seguinte:
a) O projeto de investimento objeto de análise foi iniciado em janeiro de 2016 (cfr. ponto V.3), sendo que a média de trabalhadores ao serviço da empresa, nos doze meses anteriores ao início do mesmo (janeiro de 2015 a dezembro de 2015), era de 35, sendo 30 referentes a trabalhadores com contratos de trabalho sem termo (incluindo 2 administradores) e 5 referentes a trabalhadores com contratos de trabalho a termo certo, cfr relatório único do ano de 2015;
b) A média de trabalhadores com contrato de trabalho sem termo (30), verificada nos 12 meses anteriores ao do início do projeto de investimento, será uma das referências para avaliação do cumprimento da condição de criação líquida de emprego estabelecida no RFAI, cfr. ponto 18 do ofício-circulado acima mencionado;
c) Na data de conclusão do projeto de investimento, em fevereiro de 20176 (cfr. ponto V.3), a empresa ficou com 36 trabalhadores, dos quais 31 tinham contrato de trabalho sem termo (incluindo 2 administradores) e 5 tinham contrato de trabalho a termo certo, cfr DMR e relatório único do ano de 2017;
d) No final de cada um dos cinco anos subsequentes à conclusão do projeto de investimento foram verificadas as seguintes variações nos trabalhadores ao serviço da empresa:
e) A trabalhadora B..., foi readmitida na empresa através de contrato de trabalho a termo certo, com data de início em 07/03/2016 e data de termo em 06/03/2017, sendo que já tinha estado ao serviço da empresa no período de janeiro de 2015 a dezembro de 2015, ou seja, saiu da empresa no mês imediatamente anterior ao do início do projeto de investimento (janeiro de 2016);
f) A categoria profissional de “Técnica de Qualidade“, pela qual foi contratada, em 07/03/2016, corresponde à que foi por ela exercida no ano anterior, conforme se verifica no correspondente código de categoria profissional 35291, indicado nos relatórios únicos relativos aos anos de 2015 e 2016, com as chaves de certificação ...3 e..., respetivamente, ao qual corresponde a designação “ANALISTA (MOAGEM TRIGO)”;
g) A conversão do seu contrato de trabalho a termo certo, em contrato de trabalho sem termo, ocorreu, apenas, durante o ano de 2022, conforme Relatório Único desse ano com a chave de certificação nº ...T, portanto, no último ano do período mínimo estabelecido para cumprimento das condições a que se referem as alíneas c) e f) do nº 4 do artigo 22º do CFI.
Em conclusão,
O número médio de trabalhadores da empresa com contrato de trabalho sem termo, nos doze meses anteriores ao início do projeto de investimento, totalizava 30, enquanto que no final de cada um dos anos de 2019, 2020 e 2021, o número de trabalhadores nessas condições se ficou pelos 29, ou seja, nestes três anos houve incumprimento das condições legalmente estabelecidas por se ter verificado uma diminuição do número de trabalhadores ao serviço da empresa com contrato de trabalho sem termo, face à média dos doze meses precedentes ao início do projeto de investimento.
A trabalhadora contratada para ocupar o alegado posto de trabalho criado com o projeto de investimento, esteve ao serviço da empresa até ao mês anterior ao início do mesmo, sendo readmitida cerca de 2 meses após a saída com um contrato de trabalho a termo certo, contrariando os entendimentos divulgados pela AT sobre o assunto, nomeadamente, a Informação Vinculativa - Proc n º 2010 001800 PIV n º 818, com Despacho de 16/07/2010, do Diretor Geral (cuja data de publicação foi muito anterior à data de readmissão da trabalhadora) e, mais recentemente, o ofício-circulado nº 20259/2023, de 28 de junho, do SUB-DG (GT - AREA IMP. S/ RENDIMENTO).
Verificando-se que a trabalhadora em questão foi admitida na empresa, em 07/03/2016, com a mesma categoria profissional que detinha aquando da saída, em dezembro de 2015, facilmente se depreende que não houve criação de qualquer posto de trabalho conexo com o projeto de investimento, mas, antes, o retomar da função anteriormente exercida.
Fica assim demonstrado que o projeto de investimento “Moagem de Trigo” não proporcionou criação líquida de emprego, em claro incumprimento do disposto nas alíneas c) e f) do nº 4 do artigo 22º do CFI, pelo que se conclui que o valor do benefício fiscal (dotação de RFAI), relativo ao mesmo projeto, no montante de 599.458,38 €, (cfr. ponto V.5.5), se encontra caducado, nos termos do nº 2 do artigo 14º do EBF.
V.7. Saldo de RFAI a reportar
Face ao exposto nos pontos anteriores, propõe-se a correção à dotação de RFAI, do ano de 2016, disponível para utilização, nesse ano e nos seguintes, do montante de 603.826,71 €, declarado pelo SP8, para € 0,00 (saldo nulo), sendo 4.368,33 €, relativos a dotações indevidas (cfr. ponto V.5.5), e 599.458,38 €, por o beneficio fiscal se encontrar caducado (cfr. ponto V.6).
Consequentemente, propõe-se também uma correção à dedução, no exercício de 2016, de benefícios fiscais à coleta de IRC relacionados com RFAI, no montante de 2.600,00 €.
(...)
X.1. Exercício do direito de audição prévia
(...)
O sujeito passivo veio a exercer o direito de audição prévia que lhe assistia, em 30/01/2024, através de exposição entregue na área reservada da Inspeção Tributária e Aduaneira no Portal das Finanças, à qual anexou cópias dos contratos de trabalho e de estágio, bem como cópia do relatório de estágio da trabalhadora B... .
Na aludida exposição manifestou discordância com as conclusões e as correções propostas no ponto V.6 do projeto de relatório de inspeção tributária, conforme excerto dos fundamentos que se reproduzem na imagem seguinte:
X.2. Apreciação dos fundamentos da audição prévia
Para apreciação dos fundamentos invocados pelo SP, no exercício do direito de audição prévia, terá de se ter novamente em atenção o que dispõe a alínea f) do nº 4 do artigo 22º do CFI, sobre as condições exigidas aos sujeitos passivos para que estes possam beneficiar dos incentivos fiscais relacionados com o RFAI, na qual é exigido que os mesmos “efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)” (negrito e sublinhado nossos).
Conforme foi devidamente explanado no ponto V.6, do projeto de relatório, os fatores que estiveram na base da conclusão da inspeção tributária de que o projeto de investimento em apreço não proporcionou a “criação” e a “manutenção” de postos de trabalho (emprego sustentável) foram os seguintes:
- Relacionados com a criação de postos de trabalho: A pessoa contratada para ocupar o posto de trabalho criado com o projeto de investimento e os requisitos da sua admissão na empresa (modalidade do contrato de trabalho).
- Relacionados com a manutenção de postos de trabalho: O número médio de trabalhadores com contrato de trabalho sem termo verificado nos doze meses anteriores aos inicio do projeto de investimento e o número de trabalhadores com contrato de trabalho sem termo verificado no final de cada um dos períodos de tributação subsequentes à conclusão do mesmo.
-
Criação de postos de trabalho
Face aos novos elementos trazidos ao processo em sede do exercício do direito de audição prévia (fundamentos dos pontos 11 a 14, contrato de estágio e relatório de estágio), admite-se que a trabalhadora B..., no ano de 2015, efetivamente não integrasse os quadros da empresa por ser estagiária, e, por esse facto, devesse ter sido considerada pela inspeção tributária como a pessoa que ocupou o posto de trabalho criado com o projeto de investimento em apreço.
Importa, no entanto, ressalvar que a conclusão da inspeção tributária, exposta no projeto de relatório, de que a referida trabalhadora já pertencia aos quadros da empresa no ano anterior ao início do projeto de investimento foi suportada em informação, reputada de credível, elaborada pelo próprio SP e por ele comunicada a entidades oficiais.
Referimo-nos, concretamente, ao Relatório Único de 2015, comunicado ao Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP), do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, com a chave de certificação nº..., disponibilizado pelo SP aos serviços de inspeção tributária, cfr. ponto V.1.
Na linha 35, do quadro II. TRABALHADORES, do anexo A, deste RU, com chave de certificação nº..., a trabalhadora em questão foi identificada com o código “3” na situação na profissão (coluna 12), correspondente ao descritivo “Trabalhador por Conta de Outrem”, e com código “1” no nível de qualificação (coluna 17), correspondente ao descritivo “Quadros superiores”, sendo que, de acordo com as instruções de preenchimento dos RU9, aos estagiários, na situação na profissão, deveria ter sido atribuído o código “8”, correspondente ao descritivo “Outra situação”, e no nível de qualificação deveria ter sido atribuído igualmente o código “8”, correspondente ao descritivo “Estagiários, praticantes e aprendizes”.
Quanto aos requisitos da sua admissão na empresa (modalidade do contrato de trabalho), retomamos o que já foi dito sobre o assunto no ponto V.6 do presente relatório, concretamente, o entendimento da AT divulgado no Ofício-circulado n.º 20259/2023, de 28 de junho, do SUB-DG (GT - AREA IMP. S/RENDIMENTO), e na Informação Vinculativa - Proc n º 2010 001800 PIV n º 818, com Despacho de 16/07/2010, do Diretor Geral, e que, em resumo, considera que para efeitos de RFAI os postos de trabalho criados com os projetos de investimento devem proporcionar emprego sustentável, entendendo-se como tal os que têm por base contratos de trabalho sem termo.
Neste contexto, verificou-se que não foi dado cumprimento à condição de criação de postos de trabalho de emprego sustentável, uma vez que a trabalhadora B..., contratada para ocupar o posto de trabalho criado com o projeto de investimento, foi admitida na empresa ao abrigo de um contrato de trabalho a termo certo10, com data de início em 07/03/2016 e data de termo em 06/03/2017, tendo-se verificado, igualmente, através da consulta aos Relatórios Únicos, que se manteve na empresa com contrato de trabalho a termo certo durante os anos de 2017 a 2021 (cfr. código “20” inscrito nas colunas 9 – Tipos de contrato, dos anexos A, dos correspondentes RU).
-
Manutenção dos postos de trabalho
Quanto aos fundamentos constantes nos pontos 9 e 10 da exposição, entendemos que não será de aceitar a pretensão do SP, dado que se verificou que neste caso, também, não deu cumprimento à condição de manutenção do posto de trabalho em emprego sustentável, como a seguir se expõe.
Sendo o RFAI um auxílio com finalidade regional que prevê dotações anuais, a aferição das condições de “criação” e “manutenção” dos postos de trabalho deve ser feita por referência a 31 de dezembro em comparação com a média dos 12 meses anteriores ao início do projeto de investimento, conforme entendimento veiculado nos pontos 6 a 11 e 15 do Ofício-circulado n.º 20259/2023, de 28 de junho, que se transcrevem:
«6. Por outro lado, não poderá deixar de se atender às condições gerais exigíveis para que os auxílios com finalidade regional possam ser considerados como compatíveis com o mercado interno, designadamente, no que respeita ao objetivo geral de “desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável.”.
7. Para atingir esse objetivo, terá então de se verificar, a par dos postos de trabalho criados estritamente em razão do investimento relevante para efeitos de RFAI, os quais devem ser mantidos pelo período já referido, um aumento efetivo do número de postos de trabalho do estabelecimento, ou seja, que se verifique, em termos líquidos, uma efetiva “criação de emprego”.
8. Para esse efeito, deve atender-se à definição constante da alínea 16) das Definições das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2022-2027 (OAR), onde se esclarece que deve entender-se como “«Criação de emprego», um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir, do número de postos de trabalho criados, os postos de trabalho suprimidos durante o mesmo período, expresso em unidades de trabalho anuais;”.
9. Sendo que, de acordo com a alínea 20) das Definições acima indicadas, o número de trabalhadores corresponde ao número de unidades de trabalho anuais, isto é, o número de assalariados a tempo inteiro durante um ano; os trabalhadores a tempo parcial ou os trabalhadores sazonais são considerados como frações de unidades de trabalho anuais.
10. E, nos termos em que se encontra definido no § 32 do artigo 2.º do RGIC, deve entender-se como “«Aumento líquido do número de trabalhadores», o aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento em causa em comparação com a média durante um determinado período de tempo, devendo os postos de trabalho suprimidos durante esse período ser, por conseguinte, deduzidos e o número de trabalhadores a tempo inteiro, a tempo parcial e sazonais ser considerado segundo as respetivas frações de trabalho anual;”.
11. Assim, a par do cumprimento das normas especificas previstas no RFAI quanto à criação de postos de trabalho proporcionados por um determinado investimento, bem como quanto à respetiva manutenção, terá, em simultâneo, de se verificar um aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento, de forma a assegurar a “criação de emprego” nos termos em que este conceito é definido no RGIC, devendo, tanto as condições relativas à criação de postos de trabalho, como as condições relativas à sua manutenção, verificar-se até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI.
(…)
15. Assim, no final de cada um dos períodos de tributação compreendidos no período determinado nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, terá de verificar-se número superior de trabalhadores face à média dos 12 meses anteriores ao início do investimento, sendo que têm de ser mantidos os postos de trabalho criados, em concreto, por força do investimento relevante para efeitos de RFAI.» (sublinhado nosso).
Para demonstrar que foram criados e mantidos postos de trabalho (emprego sustentável) na empresa, o SP apresentou um quadro síntese, reproduzido na imagem 8, com a evolução dos contratos de trabalho, nos anos de 2014 a 2022, argumentando que “comparando o ano anterior ao início do projeto com a respetiva conclusão, verifica-se a criação de postos de trabalho, que não se reduziram (pelo contrário!) até 2022”.
Da comparação do quadro em apreço com o quadro 13, do ponto V.6, do presente relatório, constata-se existirem diferenças, entre um e outro, no número médio de trabalhadores com contrato de trabalho sem termo, nos doze meses anteriores (2015) ao início do projeto de investimento (janeiro de 2016) e número de trabalhadores nas mesmas condições no final dos anos de 2019, 2020 e 2022, como segue:
O quadro elaborado pela inspeção tributária teve por base os RU e as DMR dos anos de 2015 a 2022.
Quanto ao mapa elaborado pelo SP desconhecem-se os pressupostos subjacentes à sua elaboração, não tendo sido apresentado qualquer elemento comprovativo dos dados nele constantes, pelo que, tendo o SP invocado o direito de usufruir de um benefício com base nesse mapa, compete-lhe o ónus da prova dos factos que lhe conferem esse direito, conforme determina o artigo 74º, da LGT, o nº 2 do artigo 25º, do CFI, e o artigo 7º da Portaria nº 297/2015, de 21 de setembro.
Ainda assim, admitindo que os dados do mapa elaborado pelo SP estão corretos, constata-se que houve incumprimento das condições legalmente estabelecidas para poder usufruir do crédito fiscal de RFAI, isto porque, para se verificar a manutenção dos postos de trabalho em emprego sustentável, o número de trabalhadores com contrato sem termo, no final de cada um dos anos de 2017 a 2022, teria de ser sempre igual ou superior à média dos trabalhadores da empresa, nessas condições, nos doze meses precedentes ao início do projeto de investimento, acrescida do posto de trabalho criado com o mesmo, ou seja, o número de trabalhadores com contrato sem termo teria de ser sempre igual ou superior a 32 (31 + 1), que não aconteceu nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, em que foram de 31, 30, 30, 30 e 29, respetivamente.
X.3. Conclusão
Face ao anteriormente exposto, propõe-se a manutenção das correções constantes no projeto de relatório de inspeção tributária, validamente notificado ao sujeito passivo, tendo nesta data sido elaborado o documento de correção (DC) nº..., do ano de 2016, de acordo com os cálculos que se apresentaram no ponto V.8 do presente relatório.
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Na inspecção relativa ao exercício de 2017 foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, , cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades
V.1. Dedução indevida de benefícios fiscais à coleta (RFAI)
Conforme foi referido no ponto anterior, o SP deduziu à coleta de IRC, no campo 355, do quadro 10, da declaração periódica de rendimentos modelo 22, o montante de 33.610,32 €, relativo a benefícios fiscais relacionados com Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), do ano de 2016, nos termos dos artigos 22º a 26º do mesmo diploma legal.
Acontece que em resultado da ação inspetiva interna, ao ano de 2016, credenciada pela ordem de serviço nº OI2023..., foi efetuada uma correção à dotação de RFAI disponível para utilização nesse ano e nos seguintes, no montante de 603.826,71 €, sendo 4.368,33 €, relativos a dotações indevidas, e 599.458,38 €, por o beneficio fiscal se encontrar caducado, tendo o correspondente saldo passado de 603.826,71 €, para 0,00 € (saldo nulo).
Consequentemente, o SP deixou de ter disponível para utilização qualquer saldo transitado de anos anteriores, pelo que se propõe uma correção à dedução, no exercício de 2017, de benefícios fiscais à coleta de IRC relacionados com RFAI de 2016, no montante de 33.610,32 €.
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Na inspecção relativa ao exercício de 2018 foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, , cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades
V.1. Dedução indevida de benefícios fiscais à coleta (RFAI)
Conforme foi referido no ponto anterior, o SP deduziu à coleta de IRC, no campo 355, do quadro 10, da declaração periódica de rendimentos modelo 22, o montante de 68.716,42 €, relativo a benefícios fiscais relacionados com Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), do ano de 2016, nos termos dos artigos 22º a 26º do mesmo diploma legal.
Acontece que em resultado da ação inspetiva interna, ao ano de 2016, credenciada pela ordem de serviço nº OI2023..., foi efetuada uma correção à dotação de RFAI disponível para utilização nesse ano e nos seguintes, no montante de 603.826,71 €, sendo 4.368,33 €, relativos a dotações indevidas, e 599.458,38 €, por o beneficio fiscal se encontrar caducado, tendo o correspondente saldo passado de 603.826,71 €, para 0,00 € (saldo nulo).
Consequentemente, o SP deixou de ter disponível para utilização qualquer saldo transitado de anos anteriores, pelo que se propõe uma correção à dedução, no exercício de 2018, de benefícios fiscais à coleta de IRC relacionados com RFAI de 2016, no montante de 68.716,42 €.
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Na inspecção relativa ao exercício de 2019 foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades
V.1. Dedução indevida de benefícios fiscais à coleta (RFAI)
Conforme foi referido no ponto IV.5, o SP deduziu à coleta de IRC, no campo 355, do quadro 10, da declaração periódica de rendimentos modelo 22, o montante de 127.462,66 €, relativo a benefícios fiscais relacionados com Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), do ano de 2016, nos termos dos artigos 22º a 26º do mesmo diploma legal.
Acontece que em resultado da ação inspetiva interna, ao ano de 2016, credenciada pela ordem de serviço nº OI2023..., foi efetuada uma correção à dotação de RFAI disponível para utilização nesse ano e nos seguintes, no montante de 603.826,71 €, sendo 4.368,33 €, relativos a dotações indevidas, e 599.458,38 €, por o beneficio fiscal se encontrar caducado, tendo o correspondente saldo passado de 603.826,71 €, para 0,00 € (saldo nulo).
Consequentemente, o SP deixou de ter disponível para utilização qualquer saldo transitado de anos anteriores, pelo que se propõe uma correção à dedução, no exercício de 2019, de benefícios fiscais à coleta de IRC relacionados com RFAI de 2016, no montante de 127.262,66 €.
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Na sequência das inspecções, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações IRC n.ºs 2024..., 2024..., 2024... e 2024..., as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2024..., 2024..., 2024... e 2024 ... e 2024..., e as respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação n.ºs 2024 ..., 2024..., 2024 ... e 2024..., com um valor total a pagar de € 271.105,47 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A trabalhadora B... manteve-se ao serviço da Requerente, ainda estando ao seu serviço em Fevereiro de 2024 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente procedeu ao pagamento integral do plano de pagamento em prestações oficiosamente proposto pela AT quanto à liquidação referente ao período de 2016 (nota de cobrança n.º 2024/..., junta com o pedido de pronúncia arbitral como Documento n.º 3,cujo teor se dá como reproduzido e artigos 3.º e 101.º, cujo conteúdo não é contestado);
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A Requerente não pagou as liquidações relativas aos exercícios de 2017, 2018 e 2019 e, após o decurso do prazo de pagamento voluntário dessas liquidações, foram instaurados contra a Requerente os respetivos processos de execução fiscal, tendo a mesma apresentado garantia bancária, no valor de € 340.440,35, com vista à respetiva suspensão (Documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Em 09-07-2024, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não se provaram os factos alegados pela Requerente nos 42.º, 43.º, 48º., 49.º e 51.º do pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente também não se considerou demonstrado o nexo de causalidade invocado nos artigos 45.º, 46.º e 50.º. A Requerente não apresentou qualquer prova do que afirma nesses artigos.
Não se provaram as despesas que a Requerente suportou com a prestação de garantia.
Não se apuraram as datas em que a Requerente efectuou o pagamento das quantias referentes à liquidação de 2016.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.
3. Matéria de direito
A Requerente realizou em 2016 investimentos no valor global de € 2.415.306,84, com base num projecto de investimento iniciado nesse ano, de que resultou um benefício fiscal no âmbito do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), no valor de € 603.826,84, que foi utilizado nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019.
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou inspecções a estes exercícios de que resultaram correcções baseadas em inelegibilidade de alguns investimentos e a desconsideração global dos investimentos para efeitos do RFAI, co fundamento em incumprimento das condições a que o benefício fiscal está sujeito.
3.1. Investimentos considerados inelegíveis pela Autoridade Tributária e Aduaneira que são contestados
A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou inelegíveis para o RFAI investimentos realizados pela Requerente, sendo contestado o decidido quanto aos seguintes:
– com o motor elevador de carga;
– com o quadro elétrico da oficina;
– com a substituição do motor de uma máquina do sector da moagem;
– reparação da viatura pesada de mercadorias.
3.1. 1. Investimento num motor elevador de carga (valor de € 4.925,29 a que correspondeu uma dotação de € 1.231,32)
A Requerente procedeu à aquisição de um motor elevador de carga para instalação nos silos localizados na Rua..., ..., Maia, que é uma unidade fabril distinta da que foi objeto do projeto de investimento relacionado com o RFAI/2016, que se situa na Rua ..., em Custóias, Matosinhos.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que se está perante «uma aquisição isolada de bens que não é passível de ser qualificada como “aplicação relevante”, para efeitos do RFAI, por não integrar o conceito de “investimento inicial”, tal como é definido na alínea d) do nº 2 do artigo 2º da Portaria nº 297/2015, de 21 de setembro».
A alínea d) do nº 2 do artigo 2º da Portaria nº 297/2015, de 21 de setembro, estabelece o seguinte:
d) Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC, considerando -se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.
A Requerente imputa erro a esta correcção alegando o seguinte, em suma:
– «não se trata de uma unidade fabril distinta, mas sim de uma propriedade pertencente à Requerente, que é utilizada exclusivamente para armazenamento do produto, pelo que, atento o fim a que se destinam os silos, i.e. ao armazenamento de matéria-prima, facilmente se compreende a utilidade prática e a relevância do investimento quando enquadrado num projeto que visa o aumento da capacidade produtiva da empresa»;
– na sequência do referido aumento da produção não pode este ativo ser considerado como uma aquisição isolada, ainda que instalado num edifício fisicamente distinto, mas obviamente integrante da mesma sociedade, pois efetivamente a necessidade de aquisição de um motor elevador de carga decorre única e exclusivamente do aumento da produção»;
– « lei não exige que todos os ativos tenham de ser considerados/instalados na mesma unidade fabril, sendo perfeitamente compreensível que dado o aumento da produção seja necessário proceder ao armazenamento do produto em lugar distinto, por falta de espaço, e nem por isso se deixe de enquadrar aquela aquisição como conexo ao projeto de investimento»;
– «fica demonstrado o nexo de causalidade entre o investimento e a aquisição deste ativo».
No entanto, a Requerente não apresentou qualquer prova da alegada relação deste motor e das instalações em que ele foi montado de com o projecto de investimento visando o aumento da capacidade produtiva da empresa, o que levou este tribunal arbitral a não considerar provada a relação desse investimento com o projecto.
Perante a situação de non liquet em que se fica, tem de fazer-se uso das regras do ónus da prova, em primeira linha do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».
Mas, no específico caso dos benefícios fiscais, há que ter em conta o artigo 14.º, n.º 2, da LGT, que estabelece que «os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito».
Desta norma infere-se que o ónus da prova dos pressupostos dos benefícios fiscais recai sobre os contribuintes e concretiza-se através da revelação desses pressupostos ou autorização para eles serem revelados à Administração Tributária.
Na falta de cumprimento desse ónus, os benefícios fiscais ficam sem efeito, como estatui a parte final daquele n.º 2 do artigo 14.º.
O artigo 65.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) confirma esta conclusão ao estabelecer, no seu n.º 1, que «salvo disposição em contrário e sem prejuízo dos direitos resultantes da informação vinculativa a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º, o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei» e, no seu n.º 5, que «a manutenção dos efeitos de reconhecimento do benefício dependem de o contribuinte facultar à administração fiscal todos os elementos necessários ao controlo dos seus pressupostos de que esta não disponha».
Resulta, assim, destas normas que, nos casos em que a Administração Tributária não dispõe de elementos de prova dos benefícios fiscais, é o contribuinte que lhos tem de fornecer, «sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito», como determina a parte final do n.º 2 do artigo 14.º da LGT.
Embora estas regras estejam previstas para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo jurisdicional que se lhes seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova de certos factos no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo jurisdicional. ( [1] )
Assim, por força das regras do ónus da prova, as dúvidas sobre a hipotética relação entre este investimento no motor de elevação e o projecto de investimento visando o amento da capacidade produtiva têm de ser valoradas processualmente contra a Requerente, o que equivale processualmente à inexistência dessa relação.
Pelo exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção.
3.1.2. Quadro elétrico da oficina (€ 4.418,64, a que corresponde a dotação do RFAI de € 1.104,66)
A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou inelegível este investimento por entender que
– «tratou-se da instalação de um quadro elétrico num setor da fábrica que não faz parte do projeto de investimento relacionado com o RFAI/2016, o qual “foi efetuado em toda a área produtiva, assim como na área de produto acabado da Moagem de Trigo”, conforme resposta do SP»;
– «significa isto que o investimento em causa não contribuiu para o aumento da capacidade da unidade fabril, sendo, pelo contrário, uma aquisição isolada de bens que não se enquadra no conceito de “investimento inicial” na aceção da alínea d), nº 2, do artigo 2º da Portaria nº 297/2015, de 21 de setembro (transcrita no ponto V.5.1), e que, nessa medida, não pode ser considerada elegível para efeitos de cálculo do valor do crédito fiscal RFAI».
A Requerente defende que
– «este ativo foi adquirido no âmbito do projeto de investimento e expansão, consistindo num Posto de Transformação, e respetivo quadro elétrico, devido à necessidade sentida com o aumento da produção, consequência do investimento realizado»;
– «como será natural, e dado os montantes despendidos pela Requerente com o projeto de investimento, facilmente se depreenderá que não só se verificará um aumento de produção, como também se sentirá uma necessidade de consumo de mais energia»;
– «pelo que, não restam dúvidas sobre o nexo de causalidade entre o ativo e projeto de investimento».
Também neste caso, a Requerente não apresentou qualquer prova do que afirma, pelo que os factos alegados não foram considerados como provados.
Na verdade, a aquisição de novos equipamentos não significa forçosamente aumento do consumo de energia, inclusivamente porque as novas tecnologias, num mundo cada vez mais preocupado por problemas ambientais, tendem a ser energeticamente mais eficientes.
Por outro lado, estando o quadro eléctrico situado «num setor da fábrica que não faz parte do projeto de investimento relacionado com o RFAI/2016», como se diz no RIT e não é controvertido pela Requerente, não se pode considerar como provada a sua relação com o projecto de investimento.
Assim, também neste caso, está-se parente uma situação de non liquet quanto à hipotética relação deste quadro eléctrico com o projecto de investimento, em que se têm de aplicar as regras do ónus da prova, de que decorre, pelo que se referiu no ponto anterior, que as dúvidas devem ser valoradas processualmente contra a Requerente.
Pelo exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção.
3.1.3. Substituição do motor de uma máquina do sector da moagem (€ 1.100,00 a que corresponde a dotação do RFAI de € 275,00)
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou esta correcção dizendo o seguinte:
– «Estando em causa um investimento relativo à substituição de um motor de uma máquina, o mesmo traduz-se num mero investimento de substituição e não numa “adição” e, como tal, não pode ser considerado elegível para efeitos de cálculo do valor do crédito fiscal RFAI.
– «Com efeito, no âmbito deste regime, apenas se consideram elegíveis as aplicações relevantes em ativos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo que se traduzam em "adições", conforme dispõe o nº 5 do artigo 22º do CFI, que refere "Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso."
A Requerente, no presente processo, diz que
– a substituição de um motor de uma máquina de moagem de trigo, está indubitavelmente associada ao escopo e âmbito do projeto de investimento, que incidiu precisamente na moagem de trigo;
– relativamente a "equipamentos de substituição", "beneficiações de equipamentos preexistentes" e a "equipamentos complementares", temos que o respetivo enquadramento no conceito de "investimento inicial" depende, não da sua natureza, mas da sua relação com uma das finalidades referidas no artigo 2.º n.º 2 alínea d), da Portaria n.º 297/2015;~
– a substituição de um motor de uma máquina usada utilizada para atingir a finalidade que se propõe obter com o projeto de investimento, não poderá deixar de ser considerada elegível.
O artigo 22.º, n.º 5, do Código Fiscal do Investimento (CFI), invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira como fundamento desta correcção estabelece que
¨ «Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso».
O RFAI constitui um regime de auxílio com finalidade regional, sendo objecto, actualmente, do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho de 2014 (RGIC), pelo que tem de se aplicar o regime previsto neste diploma, em face da supremacia do Direito da União Europeia, imposta pelo n.º 4 do artigo 8.º da CRP.
Nos termos do artigo 2.º, n. º 2, na redacção anterior à Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho, o RFAI constitui um regime «de auxílios com finalidade regional aprovados nos termos do, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC).»
No n.º 31 do Preâmbulo do RGIC refere-se que «os auxílios com finalidade regional podem ser concedidos para promover a criação de novos estabelecimentos, a extensão da capacidade de um estabelecimento existente, a diversificação da produção de um estabelecimento ou uma mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente».
O artigo 2.° do RGIC fornece várias definições, entre as quais se incluem os n.ºs 41 e 49, que esclarecem o que se entende por Auxílios regionais ao investimento e Investimento inicial.
41) «Auxílios regionais ao investimento», os auxílios com finalidade regional concedidos para um investimento inicial ou um investimento inicial a favor de uma nova atividade económica;
9) «Investimento inicial»,
a) Um investimento em ativos corpóreos e incorpóreos relacionado com a criação de um novo estabelecimento, aumento da capacidade de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente; ou
b) Uma aquisição de ativos pertencentes a um estabelecimento que tenha fechado ou teria fechado se não tivesse sido adquirido, desde que seja adquirido por um investidor não vinculado ao vendedor e exclua a mera aquisição das ações de uma empresa;
Semelhante definição de «investimento inicial» é adoptada na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro, em que se refere que
Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC, considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.
À face desta definição não é de excluir deste conceito de «investimento inicial» o «investimento de substituição», pois, no que aqui interessa, se ele estiver relacionado com «aumento da capacidade de um estabelecimento existente», enquadra-se claramente no âmbito desta definição.
Na verdade, o n.º 49 do artigo 2.º do RGIC e o artigo 2.º, n.º 2, alínea d), da Portaria n.º 297/2015 apenas exigem, no que aqui interessa, que os investimentos estejam «relacionados» com aumento da capacidade de um estabelecimento existente.
Basta a relação desses investimentos com o aumento da capacidade produtiva para assegurar o direito da Requerente a dele usufruir, independentemente de ela se concretizar imediatamente na fabricação de novos produtos.
No entanto, para se relacionar com o aumento da capacidade de um estabelecimento, o investimento de substituição não se poderá traduzir numa mera substituição de um equipamento por outro idêntico, sendo necessário que da substituição resulte um activo fixo diferente do existente e potenciado de aumento da capacidade, reconduzindo-se, nessa medida, a uma adição, na terminologia do n.º 5 do artigo 22.º do CFI.
No caso em apreço, não foi produzida qualquer prova no sentido de o novo motor ter potencialidade para, mesmo indirectamente, aumentar a capacidade do estabelecimento, o que, aliás, sem sequer é alegado.
Neste contexto, tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao considerar inelegível este motor de substituição.
Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.
3.1.4. Reparação da viatura pesada de mercadorias (€ 7.029,39, a que corresponde a dotação do RFAI de € 1.757,35)
A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou inelegíveis para o RFAI a despesas a reparação da viatura pelo seguinte:
– O investimento em causa não pode ser considerado elegível para efeitos de cálculo do valor do crédito fiscal RFAI, uma vez que respeita a reparações de equipamento de transporte, reparações essas que se encontram excluídas do âmbito do regime por não serem aplicações relevantes.
– Com efeito, no âmbito deste regime, apenas se consideram elegíveis as aplicações relevantes em ativos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo que se traduzam em "adições", conforme dispõe o nº 5 do artigo 22º do CFI, que refere "Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso."
A Requerente defende, em suma, que:
– esta despesa enquadra-se no conceito de "beneficiações de equipamentos preexistentes" e não sendo numa simples reparação;
– a viatura é essencial para o transporte da matéria-prima produzida, tendo sido através da intervenção realizada que se permitiu que a mesma pudesse desempenhar a sua função, e ter capacidade de armazenamento sem comprometer a segurança do produto e dos intervenientes, oferecendo assim, todas as garantias de segurança no transporte;
– por isso, existe nexo de causalidade e o projecto de investimento global de aumento da capacidade do estabelecimento.
Constata-se, também, quanto a este ponto, que não foi produzida qualquer prova sobre aquilo que a Requerente diz ser uma beneficiação da viatura, nem sobre a potencialidade da alegada beneficiação para influenciar o aumento da capacidade do estabelecimento.
Está-se, assim, perante uma situação de non liquet quanto à alegada beneficiação e sua eventual relação com o projecto de investimento global, em que têm de ser aplicadas as regras do ónus da prova, nos termos atrás referidos, contra a Requerente.
Assim, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção.
3.2. Incumprimento das condições de acesso ao RFAI
Para além dos referidos investimentos considerados inelegíveis, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção global, abrangendo todo o benefício fiscal de que Requerente usufruiu, invocando incumprimento das condições exigidas pelo RFAI.
Numa primeira linha, antes do exercício do direito de audição relativamente ao projecto de RIT referente ao ano de 2016, o incumprimento das condições, consistiria no seguinte:
O número médio de trabalhadores da empresa com contrato de trabalho sem termo, nos doze meses anteriores ao início do projeto de investimento, totalizava 30, enquanto que no final de cada um dos anos de 2019, 2020 e 2021, o número de trabalhadores nessas condições se ficou pelos 29, ou seja, nestes três anos houve incumprimento das condições legalmente estabelecidas por se ter verificado uma diminuição do número de trabalhadores ao serviço da empresa com contrato de trabalho sem termo, face à média dos doze meses precedentes ao início do projeto de investimento.
A trabalhadora contratada para ocupar o alegado posto de trabalho criado com o projeto de investimento, esteve ao serviço da empresa até ao mês anterior ao início do mesmo, sendo readmitida cerca de 2 meses após a saída com um contrato de trabalho a termo certo, contrariando os entendimentos divulgados pela AT sobre o assunto, nomeadamente, a Informação Vinculativa - Proc n º 2010 001800 PIV n º 818, com Despacho de 16/07/2010, do Diretor Geral (cuja data de publicação foi muito anterior à data de readmissão da trabalhadora) e, mais recentemente, o ofício-circulado nº 20259/2023, de 28 de junho, do SUB-DG (GT - AREA IMP. S/ RENDIMENTO).
Verificando-se que a trabalhadora em questão foi admitida na empresa, em 07/03/2016, com a mesma categoria profissional que detinha aquando da saída, em dezembro de 2015, facilmente se depreende que não houve criação de qualquer posto de trabalho conexo com o projeto de investimento, mas, antes, o retomar da função anteriormente exercida.
Fica assim demonstrado que o projeto de investimento “Moagem de Trigo” não proporcionou criação líquida de emprego, em claro incumprimento do disposto nas alíneas c) e f) do nº 4 do artigo 22º do CFI, pelo que se conclui que o valor do benefício fiscal (dotação de RFAI), relativo ao mesmo projeto, no montante de 599.458,38 €, (cfr. ponto V.5.5), se encontra caducado, nos termos do nº 2 do artigo 14º do EBF.
Depois do exercício o direito de audição, reconhecendo que a trabalhadora contratada para ocupar o alegado posto de trabalho criado com o projeto de investimento tinha estado anteriormente na empresa como estagiária, a Autoridade Tributária e Aduaneira manteve a correcção, mas alterou a fundamentação, que passou a ser a seguinte, em suma:
– aceitou que a trabalhadora B... não integrava os quadros da empresa, por ser estagiária, assim, podia ser considerada «como a pessoa que ocupou o posto de trabalho criado com o projeto de investimento em apreço»;
– no entanto, a referida trabalhadora «foi admitida na empresa ao abrigo de um contrato de trabalho a termo certo, com data de início em 07/03/2016 e data de termo em 06/03/2017, tendo-se verificado, igualmente, através da consulta aos Relatórios Únicos, que se manteve na empresa com contrato de trabalho a termo certo durante os anos de 2017 a 2021»;
– Sendo o RFAI um auxílio com finalidade regional que prevê dotações anuais, a aferição das condições de “criação” e “manutenção” dos postos de trabalho deve ser feita por referência a 31 de dezembro em comparação com a média dos 12 meses anteriores ao início do projeto de investimento, conforme entendimento veiculado nos pontos 6 a 11 e 15 do Ofício-circulado n.º 20259/2023, de 28 de junho;
– admitindo que os dados do mapa elaborado pelo SP estão corretos, constata-se que houve incumprimento das condições legalmente estabelecidas para poder usufruir do crédito fiscal de RFAI, isto porque, para se verificar a manutenção dos postos de trabalho em emprego sustentável, o número de trabalhadores com contrato sem termo, no final de cada um dos anos de 2017 a 2022, teria de ser sempre igual ou superior à média dos trabalhadores da empresa, nessas condições, nos doze meses precedentes ao início do projeto de investimento, acrescida do posto de trabalho criado com o mesmo, ou seja, o número de trabalhadores com contrato sem termo teria de ser sempre igual ou superior a 32 (31 + 1), que não aconteceu nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, em que foram de 31, 30, 30, 30 e 29, respetivamente.
No presente processo, a Requerente defende o seguinte, em suma:
– para efeitos do RFAI releva a "criação de postos de trabalho" relacionados com o investimento e não "criação líquida de emprego", como tem sido afirmado por jurisprudência arbitral, e decorre do Regulamento (UE) n. ° 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou “RGIC”);
– no que respeita à forma de contratação, o legislador também não faz qualquer referência à "tipologia" da mesma, mencionando apenas a expressão "Postos de Trabalho", sendo admitida para efeitos de RFAI, tanto contratos a termo, como contratos sem termo;
– no caso sub-judice efetivamente sucedeu, com a criação de um posto de trabalho sustentável, que perdura à data de hoje, tendo inclusivamente ocorrido a conversão do contrato da trabalhadora B..., em contrato sem termo.
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, a posição assumida no RIT.
3.2.1. Questão da aplicação do requisito da criação líquida de postos de trabalho no âmbito do RFAI
A alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI estabelece, como requisito do RFAI, que os sujeitos passivos de IRC «efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)».
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que este requisito previsto no CFI se reconduz ao previsto na alínea a) do n.º 9 do artigo 14.º do RGIC, em que se estabelece que «o projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período».
Para fundamentar a sua interpretação, a Autoridade Tributária e Aduaneira invocou no RIT uma decisão administrativa em que se adopta o entendimento de que «apenas pode integrar o conceito de "criação de postos de trabalho" a admissão de trabalhadores através da celebração de contrato de trabalho sem termo (ou por tempo indeterminado), abrangendo a admissão de trabalhadores novos e de trabalhadores que já estivessem na empresa, mas ao abrigo de um contrato com termo».
Antes de mais, impõe-se esclarecer que as orientações administrativas invocadas ela Autoridade Tributária e Aduaneira não têm relevância como fundamento de direito das correcções efectuadas.
Na verdade, nos termos do artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT, as orientações administrativas vinculam (unicamente) Administração Tributária, surgindo no âmbito do princípio da colaboração recíproca que compreende, designadamente, a publicação de orientações genéricas sobre a interpretação e a aplicação das normas tributárias [art. 59.º, n.º 3, alínea b) da LGT].
Deste modo, as circulares e fichas doutrinárias não constituem fontes de direito fiscal, integrando antes o chamado «direito circulatório», composto por orientações genéricas dirigidas aos serviços da administração fiscal relativas à interpretação e aplicação das normas tributárias, mas que não vinculam os Tribunais nem os contribuintes.
À face do princípio da legalidade fiscal, proclamado no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes», pelo que não pode por via de uma orientação administrativa ser regulamentada uma situação de incidência tributária, como é o campo de aplicação de benefícios fiscais.
Apreciando a questão à luz dos diplomas legislativos referidos, tem de se constatar que não há suporte textual para concluir que o investimento relevante tem de proporcionar um aumento líquido de postos de trabalho.
Na verdade, na alínea f) do n.º 4 do artigo 21.º do CFI não se faz referência a aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento, mas apenas a «criação de postos de trabalho» e sua manutenção, o que constitui um elemento interpretativo de acentuada relevância no âmbito de benefícios fiscais, pois, como é jurisprudência pacífica, as normas sobre benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que devem ser interpretadas, em princípio, nos seus termos, sem ampliações ou restrições, com primazia do elemento literal, como é jurisprudência pacífica sobre a interpretação desse tipo de normas ( [2] ), sem prejuízo da aplicação da regras gerais de interpretação e princípios jurídicos, designadamente em situações em que a redacção das normas seja imprecisa. ( [3] ).
Isto é, as normas sobre benefícios fiscais devem ser interpretadas em termos estritos, o que se é certo que não afasta a necessidade de interpretação, designadamente teleológica, não viabiliza a exigência de requisitos restritivos do campo de aplicação do benefício fiscal para que não há qualquer suporte textual, designadamente o de ser condição do RFAI a criação líquida de postos de trabalho.
Por outro lado, se é certo que o n.º 9 do artigo 14.º do RGIC, refere que «o projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período», também o é que ele é apenas aplicável «quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados», como nele se refere expressamente, o que não sucede no caso, pois está-se perante benefício fiscal em que os custos elegíveis se baseiam em investimento em activos fixos tangíveis e intangíveis (artigo 21.º, n.º 2, do CFI) e não nos custos salariais.
Na verdade, aquele artigo 14.º do RGIC prevê, no seu n.º 4, como custos elegíveis, «custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos» [alínea a)], e «custos salariais estimados decorrentes da criação de emprego, em virtude de um investimento inicial, calculados ao longo de um período de dois anos» [alínea b)],ou «uma combinação» desses custos [alínea c)] e o seu n.º 9, em que se alude ao «aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa» só se aplica «quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b)».
Esta expressa referência no n.º 9 do artigo 14.º do RGIC à alínea b) do n.º 4, e não também à sua alínea a) ou à sua alínea c), constitui uma manifestação de vontade legislativa expressiva de que aquele aumento líquido do número de trabalhadores apenas é exigido nos casos de auxílios calculados com base em postos de trabalho ou em custos salariais estimados.
De resto, como se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 307/2019-T ( [4] ), «terá sido por ter noção do quanto se expôs que o legislador não utilizou a expressão “criação líquida de emprego”, quando a mesma era utilizada, por exemplo, no art.º 19.º do EBF vigente à data, esse sim, um benefício fiscal que tem por base os custos de investimento em postos de trabalho».
Como também se refere no mesmo acórdão:
«Tendo em conta que, pelos fundamentos expostos, não se deverá equiparar a expressão “criação de postos de trabalho” a “criação líquida de postos de trabalho”, dever-se-á, em obediência ao princípio hermenêutico do legislador razoável, obter um resultado interpretativo que seja coerente com a teleologia do benefício fiscal em questão e que tenha um efectivo conteúdo prático.
Nessa perspectiva, a única interpretação que não se reconduza à “criação líquida de postos de trabalho”, será, julga-se, a de que a “criação de postos de trabalho” pressuposta pelo benefício fiscal em questão se refere à criação de postos de trabalho, e a sua manutenção, causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.
Ou seja: o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa será elegível para usufruir do benefício fiscal em questão se, e na medida em que, dele resulte, de forma causalmente adequada, a criação de, pelo menos, um posto de trabalho, e a sua manutenção».
Assim, é errado o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira ao transpor para este benefício fiscal enquadrável na alínea a) do n.º 4 do artigo 14.º do RGIC, (como custos elegíveis, «custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos») o regime previsto no seu n.º 9 quanto ao «aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa» que só se se aplica «quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b)».
Neste sentido, relativamente a regime semelhante do RFAI de 2009, pode ver-se o acórdão os Supremo Tribunal Administrativo de 08-11-2023, processo 0411/16.0BEPNF, em que se decidiu que «no âmbito do RFAI 2009, nem a letra nem a ratio legis da alínea f) do n.º 3 do art. 2.º autorizam a interpretação da expressão aí utilizada de criação de postos de trabalho com o sentido de criação líquida de emprego» e em cuja fundamentação se refere o seguinte:
Mas ainda que se pudesse considerar que a letra da lei comportava o significado que a Recorrente lhe aponta – e, a nosso ver, não pode –, sempre teríamos de ter presente que «na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas» (Cfr. BAPTISTA MACHADO, ibidem.). Ora, criação de postos de trabalho não se confunde com criação líquida de emprego, sendo que esta última expressão tem, manifestamente, um carácter bem mais restritivo que a primeira. Tenha-se presente que se aconselha redobrado cuidado na tarefa hermenêutica uma vez que nos situamos no âmbito de benefícios fiscais, que, como é sabido, se encontram a coberto do princípio da legalidade tributária (cfr. art. 8.º da LGT e art. 103.º da Constituição da República Portuguesa), o que proíbe a sua integração por analogia (cfr. art. 11.º, n.º 4, da LGT). Para além disso, as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais (cfr. art. 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais), pelo que devem ser interpretadas nos seus precisos termos, sem ampliações ou restrições.
Mas não é só a letra da lei a apontar esse significado. Também a sua razão de ser (a ratio legis) – factor hermenêutico cuja consideração é imposta ao intérprete pelo n.º 1 do art. 9.º do CC (Nos termos do art. 9.º, n.º 1, do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, antes procurando reconstituir a partir do seu texto o pensamento legislativo.) – vai no sentido de que a norma releva a criação efectiva (e ulterior manutenção durante o período da dedução) de postos de trabalho (Sendo de realçar que a AT, através da Ficha Doutrinária – Processo 2010 002853 e 2010 001800, divulgou já o entendimento de que é suficiente a criação de um posto de trabalho), independentemente de ser positiva a relação entre o número absoluto dos trabalhadores nesse ano e no ano anterior, i.e., independentemente do efectivo aumento global do número de trabalhadores da empresa.
(...)
No mesmo sentido aponta o Regulamento (CE) n.º 800/2008 da Comissão, de 6 de Agosto de 2008, vigente na altura da implementação do RFAI 2009 e que está na sua génese.
Na verdade, o referido Regulamento distingue dois tipos de apoios às PME: os apoios quantificados com base nos custos do investimento e os apoios quantificados com base nos custos relativos aos postos de trabalho directamente criados por um projecto de investimento. É para este último tipo de apoios que é utilizado o conceito de criação líquida de postos de trabalho por serem, justamente, aqueles em que a utilização de tal conceito se justifica.
Ora, como deixámos já dito, o RFAI 2009 foi um apoio ao investimento, calculado com base nos custos de investimento em activos corpóreos e/ou incorpóreos, e não com base nos custos de investimento em postos de trabalho ou em custos salariais estimados.
Por isso, também a ratio legis não autoriza a invocação do conceito de criação líquida de postos de trabalho para a interpretação a fazer da alínea f) do n.º 3 do art. 2.º do RFAI 2009, que se refere a criação de postos de trabalho.
Concluímos, pois, que a expressão criação de postos de trabalho não pode ser interpretada, como pretende a Recorrente, com o sentido de criação líquida de postos de trabalho.
A esta luz, tem de se concluir que a interpretação da Autoridade Tributária e Aduaneira enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito quanto à interpretação da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, pelo que não pode basear-se nela a não aplicação do RFAI a qualquer dos investimentos referidos.
3.2.2. Questão da aplicação do requisito da relevância dos contratos de trabalho a termo para efeitos do requisito previsto na alínea f) do n. 4 do artigo 22.º do CFI
A Requerente defende que o legislador também não faz qualquer referência dos contratos de trabalho relevantes para o RFAI, referindo-se na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI a "postos de trabalho", fórmula que abrange tanto contratos a termo como contratos sem termo, conforme foi decidido nos processos arbitrais n.º 307/2019-T n.º 229/2022-T.
Afigura-se correcta a posição da Requerente adoptada nestas decisões arbitrais, além de outras.
O CFI não inclui na regulamentação do RFAI qualquer norma semelhante à do artigo 19.º do EBF ( [5] ) que permita inferir uma ligação entre o benefício fiscal e determinados tipos de contratos de trabalho.
Na verdade, pelo contrário, na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI estabelece-se, como uma das condições de atribuição do benefício fiscal, o «investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento».
Não há neste regime do RFAI qualquer fundamento para concluir que só se pretendeu a criação de emprego duradouro, pois não se formula qualquer exigência, para atribuição do benefício, de que os postos de trabalho criados sejam ocupados por trabalhadores contratados por tempo indeterminado, o mesmo sucedendo com o artigo 14.º do RGIC, que estabelece o regime dos
auxílios regionais ao investimento, em que se integra o RFAI.
Também neste caso, a interpretação estrita que se tem de fazer das normas sobre benefícios fiscais, obsta que se considere que apenas seja relevante a criação de postos de trabalho por tempo indeterminado.
Por outro lado, o estabelecimento expresso de que apenas é exigido, como condição relativa à criação de postos de trabalho, a sua «manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento», que é de três ou cinco anos, nos termos da alínea c) do mesmo n.º4 do artigo 22.º do RFAI, revela que não está entre as preocupações legislativas a manutenção dos postos de trabalho por tempo indeterminado, e pelo contrário, bastam postos de trabalho que se mantenham durante esse período aplicável.
No caso em apreço, era aplicável o prazo de cinco anos e a condição foi cumprida, pois a trabalhadora contratada ainda se encontrava ao serviço da empresa em Fevereiro de 2024.
Pelo exposto, também quanto a este fundamento, a correcção baseada em incumprimento das condições do RFAI enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado por errada interpretação da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI.
3.3. Conclusão
Conclui-se, assim, que têm fundamento legal as correcções baseadas em inelegibilidade de determinados investimentos, mas não a correcção relativa a incumprimento das condições para usufruir do RFAI.
Aquelas correcções relativas à inelegibilidade de investimentos totalizam € 17.473,32, a que correspondem € 4.368,33 (1.231,32 + 1.757,35 + 1.104,66 + 275,00, como se refere no ponto V.5.5. do RIT) de dedução do RFAI (25%).
Sendo de € 603.826,71 o valor total do RFAI de que a Requerente beneficiou, retirando aquele valor de € 4.368,33, conclui-se que a Requerente pode beneficiar de dedução do RFAI no valor de € 599.458,38.
As liquidações de juros compensatórios têm como pressupostos as respectivas liquidações de IRC, pelo que enfermam dos mesmos vícios.
Assim, justifica-se a anulação parcial das liquidações de IRC e juros compensatórios, impugnadas nas partes em que não se baseiam na inelegibilidade de investimentos.
4. Reembolso e juros indemnizatórios
A Requerente pagou a quantia da liquidação relativa ao exercício de 2016, pelo que, na sequência a sua anulação parcial tem direito a ser reembolsada do que pagou indevidamente, o que é consequência da anulação.
No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
(...)
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
No caso em apreço, conclui-se que há erro nas liquidações imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira pois foi esta que as elaborou por sua iniciativa.
Tendo a Requerente feito o pagamento da liquidação referente ao exercício de 2016, tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre o montante a reembolsar, que devem ser contados desde as datas em que foram efectuados os pagamentos, até integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
Não constando do processo todos os elementos necessários para determinar o montante a reembolsar, este deverá ser determinado em execução desta decisão arbitral, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
5. Indemnização por garantia indevida
A Requerente prestou garantia para suspender execuções fiscais instauradas para cobrança coerciva das liquidações relativas aos exercícios de 2017, 2018 e 2019 e formula um pedido de indemnização, nos termos do artigo 53.º da LGT.
O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de indemnização por garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
No caso em apreço, é manifesto que o erro subjacente às liquidações relativas aos exercícios de 2017, 2018 e 2019 são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois aquelas foram de sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.
Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada, em percentagem correspondente à anulação dessas liquidações.
Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
6. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto ao pedido de anulação da autoliquidação;
-
Anular parcialmente, nas partes em que não têm subjacentes as correcções indicadas nos pontos 3.1.1., 3.1.2., 3.1.3. e 3.1.4. desta decisão arbitral, as liquidações de IRC n.ºs 2024 ..., 2024 ..., 2024 ... e 2024 ..., as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2024..., 2024..., 2024 ... e 2024 ... e 2024..., e respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação n.ºs 2024..., 2024..., 2024... e 2024...;
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso da quantia paga e condenar a Administração Tributária a pagar Requerente a quantia que for apurada em execução desta decisão arbitral;
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos referidos no ponto 4 desta decisão arbitral;
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for apurada em execução desta decisão arbitral, em conformidade com o que se refere no ponto 5.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 271.105,47, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
8. Custas
O pedido de pronúncia arbitral improcede quanto ao valor de RFAI de € 4.368,33 e o pedido tem o valor de € 271.105,47.
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 1,61% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 98,39%, tendo em conta os valores de decaimento de cada uma das Partes.
Lisboa, 19-11-2024
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Relator)
(Luciano dos Santos Carvalho)
(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)
[1] Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 24-10-2007, processo n.º 0479/07; de 20-10-2010, processo n.º 0495/10; e de 28-9-2011, processo n.º 0494/11.
( [2] ) O TJUE tem decidido que as normas derrogatórias, como são as relativas a isenções e benefícios fiscais, devem ser objecto de interpretação estrita (acórdãos 14-06-2007, processo C-434/05, n.º 16; de 05-03-2015, processo C-553/13, n.º 39; de 07-02-2022, processo n.º C-460/21, n.º 26; de 08-10-2020, processo C-235/19, n.º29; de 12-03-2015, processo C-594/13, n.º 17).
( [3] ) Essencialmente neste sentido, CLOTILDE CELORICO PALMA, Enquadramento das operações financeiras em Imposto sobre o Valor Acrescentado, in Colecção Cadernos IDEFF, n.º 13, [Coimbra], Almedina, 2011, páginas 60-63.
[4] Posição também adotada nos acórdãos arbitrais proferidos nos processos n.ºs 488/2019-T, 546/2020-T, 500/2021-T, 508/2021-T, 544/2022-T, 483/2022-T e 299/2024-T.
[5] Redacção da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro
O artigo foi revogado pela Lei n.º 43/2018, de 9 de Agosto, com efeitos a partir de 01-01-2019, e, portanto, vigente em 2016.