Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 827/2024-T
Data da decisão: 2024-11-22   Outros 
Valor do pedido: € 31.418,33
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário - Competência material do tribunal arbitral - Repercussão legal e económica - Legitimidade processual
Versão em PDF

SUMÁRIO: I - A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) reveste a natureza de imposto, dispondo o tribunal arbitral de competência material para apreciar a legalidade dos respectivos actos de liquidação. II - A Requerente não é sujeito passivo da CSR ou repercutido legal da mesma. A repercussão económica da CSR não é imposta ou sequer pressuposta, quer no seu regime regulador, quer por via do Código dos IECs para o qual remetem as respectivas normas de liquidação e pagamento. III - A legitimidade processual assente na existência de um interesse legalmente tutelado, impõe a coexistência da prova da repercussão económica a montante ao adquirente e da não repercussão económica, por este, no preço dos bens e serviços por si fornecidos.

 

DECISÃO ARBITRAL

A..., LDA, com o número de identificação fiscal ... e sede social em ..., n.º ..., Sala..., ...-..., Linda a Velha (doravante designada por “Requerente”), solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).

I.       Relatório

O pedido formulado pela Requerente consiste na (i) declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão tácita de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação do Imposto Especial de Consumo (IEC), na parcela referente à Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), dos períodos de Outubro de 2019 a Dezembro de 2022, no valor de € 31.418,33 e (ii) no pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 10 de Setembro de 2024.

Na sua resposta e envio do processo administrativo em 11 de Outubro de 2024, a Requerida apresentou defesa por impugnação e por excepção. Em 30 de Outubro a Requerente pronunciou-se sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida.

Foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações finais.

Posição da Requerente

No pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega que:

  1. Em 30 de Novembro de 2023 apresentou um pedido de revisão oficiosa, solicitando a anulação dos actos de liquidação da CSR referentes ao período de Outubro de 2019 a Dezembro de 2022. A AT não se pronunciou sobre o pedido no prazo legal estabelecido para o efeito, tendo-se formado indeferimento tácito;
  2. O repercutido legal (a aqui Requerente) não figura como sujeito passivo, para efeitos de qualificação dos intervenientes da relação jurídico-tributária, sem que tal signifique, contudo, que o mesmo careça de legitimidade para recorrer à via administrativa ou judicial para sindicar os actos tributários que conduziram à repercussão fiscal;
  3. Dispõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que “Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”;
  4. Qualquer pessoa que prove um interesse legalmente protegido terá, por regra, legitimidade para figurar como parte no procedimento tributário, para peticionar o procedimento de revisão oficiosa de actos de liquidação junto da AT e, consequentemente, para agir judicialmente quanto aos actos proferidos (ainda que tacitamente) nesse procedimento;
  5. A CSR foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, com o objectivo de financiar a rede rodoviária nacional a carga da «EP - Estradas de Portugal, EPE». Segundo o o n.º 1 do artigo 3.º da mencionada Lei: “A contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”. Acrescentando, ainda, o n.º 1 do artigo 4.º que: “A contribuição de serviço rodoviário incide sobre a gasolina, o gasóleo rodoviário e o GPL auto, sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e deles não isentos”;
  6. Dos normativos transcritos resulta que o valor da CSR é determinado em função dos consumos de gasolina, gasóleo rodoviário e GPL auto, o qual é suportado, a final, pelo consumidor do combustível sendo este, portanto, o efectivo contribuinte da CSR. Tanto assim, que o legislador foi peremptório ao estabelecer que a CSR constituía uma contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional;
  7. O n.º 4 do artigo 18.º da LGT prevê que o repercutido tem um interesse legalmente protegido, pelo que, também nos termos do artigo 9.º do CPPT, terá direito de agir em processo;
  8. A Requerente é uma sociedade comercial cujo objecto social consiste, entre outros, no transporte rodoviário de mercadorias. Para o exercício da sua actividade, a Requerente adquiriu, ao longo dos anos, 16 viaturas. No período abrangido pelo actual pedido, a Requerente suportou CSR no valor total de € 31.418,33;
  9. Isto, porque, não obstante a CSR ser suportada, em primeira linha, pelo sujeito passivo, certo é que a mesma era repercutida no consumidor final. Competia aos utilizadores da rede rodoviária nacional arcar com os custos de tal contribuição. A qual vinha já incluída no valor do produto petrolífero e, como tal, o apuramento de tal contribuição sempre teria de ser efectuado com referência à fórmula legal imposta ao sujeito passivo;
  10. Os actos de liquidação da CSR e, consequentemente, o acto de indeferimento tácito que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa assentam em erro imputável aos serviços, nomeadamente, por desconformidade dos mesmos com a lei e com o Direito da União Europeia. Com efeito, CSR visava, tão-só, financiar a rede rodoviária nacional, não contemplando qualquer motivo específico, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 1.º da Directiva n.º 2008/118, de 16 de dezembro;
  11. Os “motivos específicos”, ao abrigo daquele normativo, não pode visar apenas uma finalidade orçamental de obtenção de receita, exigindo-se, antes, uma conexão entre a utilização dessa receita e a finalidade do imposto;
  12. Não obstante a Requerente não figurar como sujeito passivo, foi quem, em abono da verdade, suportou, de facto, o imposto em análise, uma vez que os impostos especiais de consumo, no qual se insere a CSR, procuram onerar o consumidor final. Verificando-se, deste modo, uma repercussão legal.

 

Posição da Requerida

A Requerida apresentou contestação, tendo suscitado diversas excepções:

  1. Primeiro, a AT está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, encontrando-se o objecto dessa vinculação definido no artigo 2.º: “(…) que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos (…)”. No caso em apreço está em causa a apreciação da legalidade da CSR e respectivas liquidações, pelo que, tratando-se de uma contribuição e não de um imposto, as matérias sobre a CSR estão excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal;
  2. Ainda que a competência material dos tribunais arbitrais fosse admissível, os actos de repercussão de CSR não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal, a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT. A qual dispõe que: "A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta";
  3. Ao tribunal arbitral é vedado pronunciar-se sobre actos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação. A repercussão não constitui um acto tributário e, no caso concreto, não estamos perante uma repercussão legal, mas antes uma repercussão meramente económica ou de facto. Tratando-se de uma contribuição e não de um imposto, a CSR está excluída da arbitragem tributária;
  4. Segundo, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. No âmbito dos IECs, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo. É a estas entidades que são emitidas as respectivas liquidações de imposto e apenas estas podem identificar tais actos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigos 15.º e 16.º do CIEC);
  5. Os fornecedores «B...  Lda», «C..., LDA», «D..., LDA», «E..., LDA», «F..., LDA», «G..., LDA», «H..., LDA», «I..., LDA», «J..., LDA», «K..., LDA» e «L..., LDA» não dispõem de qualquer estatuto fiscal habilitador da introdução no consumo de gasolinas e gasóleos, não podendo assumir as obrigações de sujeito passivo para efeitos de IECs;
  6. Pese embora o fornecedor «M..., SA» tenha sido, até 7 de Outubro de 2020, titular desse estatuto,  podendo, enquanto tal, ter sido sujeito passivo da CSR liquidada nos combustíveis comercializados à Requerente, é perfeitamente plausível que a introdução no consumo possa ter sido realizada por um outro sujeito passivo;
  7. Os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do acto tributário e consequente pedido de reembolso do imposto. Não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do Código dos IEC, não tem legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral;
  8. Não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal. No caso concreto, não está em causa uma alegada situação de repercussão legal, porquanto a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto;
  9. A repercussão económica da CSR depende da decisão dos sujeitos passivos, de, no âmbito das suas relações comerciais privadas, procederem, ou não, à transferência parcial ou total da carga fiscal para outrem (os seus clientes), tendo em conta a política de definição dos preços de venda e as consequências para a sua actividade no que respeita ao impacto na procura. Com efeito, os revendedores podem ter um interesse económico em suportar, através da diminuição do preço, o custo adicional gerado pelo agravamento da CSR;
  10. Não existe no âmbito da CSR um acto tributário de repercussão legal e autónomo do acto de liquidação de ISP/CSR, sendo que as facturas não corporizam actos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis. Ou seja, a venda não origina, obrigatoriamente, uma repercussão, uma vez que esta, conforme referido, depende da política de definição dos preços de venda pelo fornecedor;
  11. Ainda que o sujeito passivo “repasse” o custo da CSR no preço de venda dos combustíveis, os seus clientes não são, necessariamente, quem suporta tal encargo. A Requerente, enquanto sociedade comercial que desenvolve uma actividade com fins lucrativos, repassa, necessariamente, no preço dos serviços que presta, os gastos em que incorre, o que inclui as aquisições de combustível. Pelo que as entidades potencialmente lesadas com o encargo da CSR serão os consumidores finais de tais serviços;
  12. No caso, a Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis adquiridos aos seus fornecedores inclui o valor da CSR pago pelo sujeito passivo da mesma, nem sequer que suportou, a final, o encargo desse tributo, i. e. que não o repassou no preço dos serviços prestados aos seus clientes. Não dispondo, assim, de legitimidade processual;
  13. Terceiro, o pedido de pronúncia arbitral é inepto, dado que as transacções económicas, que ocorrem após a introdução no consumo, não têm por base um acto de liquidação, o que impede a identificação concreta do acto tributário subjacente. A Requerente limita-se a juntar facturas de aquisição de combustível, sem ser capaz de identificar quer o acto tributário subjacente - que é condição essencial para a aceitação do pedido de pronúncia arbitral - quer o sujeito passivo da obrigação tributária;
  14. Não pode a AT suprir a falha relativa à identificação dos actos tributários, porquanto se revela impraticável estabelecer qualquer correspondência entre os actos de liquidação (que não foram identificados) praticados pelos sujeitos passivos de ISP/CSR (que igualmente se desconhecem) e o alegado pela Requerente;
  15. Também não é possível estabelecer qualquer correspondência entre as quantidades de gasóleo introduzido no consumo e as quantidades desse produto adquiridas pela Requerente. Isto, porque as introduções no consumo assentam em quantidades apuradas a 15 graus centígrados, ao passo que as posteriores alienações entre os diversos operadores económicos se realizam à temperatura observada. Pelo que, dependendo da temperatura, os valores facturados poderão ser inferiores ou (como será na maioria dos casos) superiores. Daqui decorrendo que, no limite, os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado, serão, por isso, superiores às importâncias da CSR efectivamente liquidadas e pagas pelos sujeitos passivos dos IECs (considerando a temperatura a 15º centígrados);
  16. Quarto, da alegada ilegalidade das liquidações não se pode inferir a ilegalidade dos alegados actos de repercussão. Pelo que a Requerente incorre numa inultrapassável quebra do nexo causal necessário entre o pedido e a causa de pedir. A causa de pedir, fundada em actos de repercussão, não pode ser apreciada pelo tribunal arbitral;
  17. Quinto, a ausência dos actos tributários impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, dado que a contagem do prazo se inicia a partir do termos do prazo de pagamento dos IECs, tendo por referência a data do acto de liquidação;
  18. A Requerente funda o seu pedido na prática de um erro imputável à AT. Sucede que esta, estando vinculada ao princípio da legalidade e tendo liquidado os IECs em estrita observância do normativo aplicável, não incorreu em qualquer erro de facto ou de Direito.

Defendeu-se ainda por impugnação:

  1. A Requerente alega ter-lhe sido repercutido um encargo global de € 31.418,33, omitindo ter beneficiado de um reembolso de € 2.248,46 €, nos termos do artigo 93.º-A do Código dos IECs e no período compreendido entre Outubro de 2019 a Dezembro de 2022;
  2. A Requerente não logra fazer prova do que alega, designadamente, que pagou e suportou integralmente a CSR por repercussão. A prova de pagamento do tributo não pode assentar em juízos meramente presuntivos. As regras do ónus da prova apenas se invertem em caso de presunção legal, o que não se verifica no caso em apreço;
  3. As facturas anexas não contêm qualquer referência aos valores pagos a título de CSR. Acresce que não são apresentados elementos concretos, inclusive o quantum repercutido. Não se pode exigir à AT a prova de que não houve repercussão (facto negativo). A Requerente também não provou que o preço dos serviços que presta aos seus clientes não comporta, a jusante, a repercussão da CSR;
  4. Algumas facturas contêm a expressão “desconto”, sem qualquer descritivo adicional, o que, por si só, suscita dúvidas sobre o quantum da CSR repercutida;
  5. Os montantes referenciados pela Requerente como constituindo a CSR liquidada pelos sujeitos passivos, estão incorrectos. Isto, porque a liquidação foi efectuada à temperatura de 15.º ao passo que a subsequente comercialização à Requerente foi praticada à temperatura observada, que não está certificada. Razão pela qual não é possível conhecer o valor da CSR previamente liquidada;
  6. É jurisprudência do TJUE que, ainda que fosse provada a repercussão do imposto a um dado adquirente de produtos sujeitos a IEC, o Estado-membro pode opor-se à devolução do imposto a esse adquirente, com fundamento no facto de este não ter pago o imposto e possa exercer uma acção cível de repetição do indevido contra o sujeito passivo;
  7. Quanto aos juros indemnizatórios, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado na sequência do pedido de revisão oficiosa submetido em 30 de Novembro de 2023. Pelo que os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa. De todo o modo, a improcedência do pedido conduz a idêntico desfecho no que aos juros diz respeito.

A Requerente pronunciou-se pela improcedência das excepções invocadas pela Requerida

  1. Saneamento

O tribunal arbitral é competente e foi regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades e as Partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias.

 

  1. Matéria de facto

Matéria provada e não provada

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente desenvolve a actividade económica de transporte rodoviário de mercadorias;
  2. No período de Outubro de 2019 a Dezembro de 2022, a Requerente adquiriu gasóleos rodoviários à «B..., Lda», «C..., LDA», «D..., LDA», «E..., LDA», «F..., LDA», «G..., LDA», «H..., LDA», «I..., LDA», «J..., LDA», «K..., LDA», «L..., LDA» e «M..., SA»;
  3. Todas as referidas sociedades operaram como revendedores de combustível, que adquiriram a outos distribuidores ou revendedores (que não foram identificados no presente processo) e posteriormente revenderam à Requerente;
  4. Apenas a «M..., SA» foi, até 7 de Outubro de 2020, titular de um estatuto que lhe permitiu actuar como sujeito passivo de IECs e, concretamente, da CSR;
  5. As facturas que titulam as vendas à Requerente, e que foram por esta integralmente pagas, não contêm qualquer referência à CSR;
  6. O valor de € 31.418,33 corresponde à aplicação da taxa legal da CSR sobre as quantidades de gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente;

Dado que a liquidação dos IECs tem por base a temperatura de 15º Celsius (n.º 1 do artigo 91.º do Código dos IECs) e não se conhece a temperatura observada no momento da aquisição dos combustíveis pela Requerente, o referido valor de € 31.418,33 não corresponde ao exacto valor (que não é conhecido) que terá sido liquidado pelo sujeito passivo da obrigação tributária.

  1. Não foi identificado o sujeito passivo que emitiu as declarações de introdução no consumo, a partir das quais foi liquidada a CSR cuja anulação e devolução constitui o objecto do pedido de pronúncia arbitral.

Pese embora o fornecedor «M..., SA» tenha sido detentor de um estatuto que lhe permite introduzir no consumo produtos sujeitos a IECs, não foi apresentado qualquer meio probatório que permita concluir que os combustíveis alienados à Requerente foram previamente introduzidos no consumo por essa sociedade.

  1. A Requerente não é um consumidor final dos combustíveis adquiridos aos seus fornecedores, dado que tais produtos são utilizados no âmbito da sua actividade económica de transporte rodoviário de mercadorias;
  2. Em 30 de Novembro 2023 a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, no qual, alegando a qualidade de repercutido legal e económico da CSR, peticionou a anulação da correspondente liquidação de imposto. Na ausência de resposta dentro do prazo legal previsto para o efeito, o pedido de revisão oficiosa foi considerado como tacitamente indeferido. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo;

 

Considera-se como não provado que:

  1. As facturas de aquisição de combustível permitem demonstrar que os sujeitos passivos de IECs (cuja identidade é desconhecida) liquidaram a CSR e repercutiram o correspondente valor aos posteriores intermediários do circuito económico.
  2. A Requerente suportou efectiva e integralmente o montante da CSR liquidada e paga pelos sujeitos passivos dos IECs.

Desde logo, porque, perante o desconhecimento da identidade dos sujeitos passivos, dos actos tributários por estes praticados e dos valores do imposto liquidado a 15º Celsius no entreposto fiscal (saída do regime suspensivo e simultânea introdução no consumo), soçobra a prova da liquidação e do pagamento do imposto no início do circuito económico. O que não permite efectuar qualquer juízo sobre a ou demonstração da repercussão económica do imposto desde esses sujeitos passivos até à Requerente.

  1. A Requerente é um consumidor final, tendo suportado o encargo da CSR que lhe terá sido repercutida pelos seus fornecedores.

Não foi apresentada prova capaz de demonstrar que, contrariamente à lógica inerente à prossecução de uma actividade económica, o custo dos combustíveis adquiridos aos seus fornecedores (que incluiria a repercussão económica da CSR que lhes teria sido previamente repercutida por outros revendedores ou pelos sujeitos passivos da obrigação tributária), não foi tido em conta no valor dos serviços prestados aos seus clientes.

Não sendo um consumidor final e prestando serviços de transporte rodoviário de mercadorias, o custo decorrente da aquisição de combustível representará uma parcela significativa dos custos totais suportados pela Requerente em resultado dos serviços prestados aos seus clientes. E não ficou minimamente demonstrado que tais custos não foram, no todo ou em parte, considerados (indirectamente repercutidos) no valor dos referidos serviços prestados pela Requerente aos seus clientes.

A Requerente nem sequer apresentou elementos económicos, contabilísticos ou financeiros susceptíveis de permitir aferir da sua capacidade de recuperar os custos directos e indirectos da sua actividade nos preços praticados aos seus clientes. Em suma, não ocorreu qualquer esforço probatório mínimo ou essencial que permita afastar o comum juízo de experiência, segundo o qual os operadores económicos, no âmbito da sua actividade de escopo lucrativo, repercutem (ou pelo menos procuram repercutir) nos preços a totalidade dos custos suportados.

 

Relativamente à fundamentação da matéria de facto supra, o tribunal não carece de se pronunciar sobre a totalidade dos factos alegados pelas partes, antes lhe cabendo o dever de recortar, de entre a matéria alegada, aquela que se afigura relevante para estabelecer os factos provados e não provados (n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do artigo 607.º do Código de Processo Civil).

A prova foi seleccionada pela correspondente relevância para a decisão arbitral e assentou no processo administrativo remetido pela Requerida e nos documentos apresentados pela Requerente.

 

 

  1. Matéria de direito

Tendo sido suscitadas diversas excepções, impõe-se o conhecimento prioritário das mesmas previamente à apreciação do mérito do pedido.

 

 

 

da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral

A Requerida alega a ineptidão do pedido por falta de objecto, i. e. por não estarem identificados os actos tributários controvertidos, imputando à Requerente a mera indicação de facturas de aquisição de combustíveis as quais não configuram actos tributários e de que não resulta a prova de actos de repercussão de CSR.

Improcede esta excepção, por não se verificar qualquer uma das faltas plasmadas no artigo 186.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT e da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT: (i) quando seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, (ii) se o pedido estiver em contradição com a causa de pedir ou (iii) quando se acumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

Com efeito, a Requerente, partindo da condição que alega de repercutido da CSR previamente liquidada pelos respectivos sujeitos passivos, apresenta o pedido de anulação desses actos de liquidação, para o período de Outubro de 2019 a Dezembro de 2022, e fundamenta a causa de pedir na aquisição de combustíveis cuja prévia introdução no consumo preenche a incidência objectiva daquele imposto.

Pese embora a Requerente não seja sujeito passivo da CSR, o normativo aplicável (concretamente o n.º 1 do artigo 9.º do CPPT) admite que da repercussão de um imposto possa advir a necessidade de tutelar um interesse legalmente protegido e, por esse motivo, confere ao repercutido o direito de reacção, por via administrativa e judicial, contra essa repercussão.

Assim, nada impede a Requerente de apresentar um pedido de revisão oficiosa e um pedido de pronúncia arbitral contra a repercussão da CSR, suportados nas facturas de aquisição de combustível, enquanto elementos de que dispõe. Impor-lhe o conhecimento dos actos tributários da CSR, a cuja liquidação e pagamento a mesma é alheia, corresponderia ao esvaziamento da tutela legal do direito que lhe assiste.

Reconhece-se a evidente dificuldade (senão mesmo impossibilidade) da Requerida em identificar os actos de liquidação, atento os elementos subjectivos (identificação dos sujeitos passivos e a cadeia de comercialização que se lhes segue) e objectivos (liquidação e pagamento da CSR) em falta. Todavia, daqui não decorre que essa mesma onerosidade possa ser imputada à Requerente, sob pena de, como vimos, se inutilizar a tutela legal do seu direito à sindicância da legalidade dos actos tributários.

Acresce que a falta de identificação dos actos tributários não impediu o exercício do contraditório, no qual a Requerida manifestou a compreender o teor e alcance do pedido formulado pela Requerente.

 

da incompetência material do tribunal arbitral

A CSR, instituída pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, assentou na autonomização de uma parcela do ISP, cujo valor foi consignado à «EP - Estradas de Portugal, SA» (o Decreto-Lei n.º 374/2007, de 7 de novembro, transformou a «Estradas de Portugal E.P.E.» na «EP - Estradas de Portugal, S.A.» e o Decreto-Lei nº 91/2015 de 29 de maio, operou a incorporação por fusão desta na « REFER, E.P.E.» que é transformada em sociedade anónima, passando a denominar-se «Infraestruturas de Portugal, S.A.»), tendo em vista a concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. O artigo 3.º da referida Lei apresenta a CSR como a contrapartida pela utilização desse rede rodoviária, verificada a partir do consumo de combustíveis rodoviários (gasolinas, gasóleos e GPL de carburação). A CSR apoia-se no Código dos IECs para efeitos de estabelecimento da incidência subjectiva e objectiva, a par das regras de liquidação e pagamento.

Para a qualificação da CSR como imposto, seguimos de perto a decisão arbitral n.º 304/2022-T, de 5 de Janeiro de 2023, cujo sentido e decisão subscrevemos:

«Baseando-nos em todas os anteriores contributos jurisprudenciais e doutrinários, mas sobretudo no último acórdão citado do STA, concluímos que não é o simples facto de um tributo ter, desde logo, a designação de “contribuição” (ac. TC n.º 539/2015) e nem o facto de esse tributo ter a respetiva receita consignada (ac. TC n.º 232/2022), que o qualifica automaticamente como “contribuição financeira”; antes é, para tal, necessário, como judicia o STA, que esse tributo tenha com finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.” Com efeito, o sistema tributário comporta tributos que têm a designação de “contribuições” e são verdadeiros impostos, como se extrai, desde logo, do n.º 3 do art.º 4.º da LGT. Por outro lado, o sistema tributário comporta igualmente impostos que, ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos (estabelecido no art.º 7.º da Lei de Enquadramento Orçamental), têm a sua receita consignada (vg. ac. TC n.º 369/99, de 16.06.1999, proc. 750/98). Por conseguinte, nem o nomen juris “contribuição”, nem a afetação da receita a uma finalidade específica são suficientes para qualificar um tributo como “contribuição financeira”. O elemento decisivo para essa qualificação é a existência de uma estrutura de comutatividade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita e os sujeitos passivos do tributo. […] Ou seja, para que possamos afirmar estar-se perante uma “contribuição financeira”, é necessário que as prestações públicas que constituem a contrapartida coletiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respetivos sujeitos passivos. […] Entendemos, assim, que o que distingue uma “contribuição financeira” de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública. A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007). Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa - que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” - é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.” Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial - a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. - não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade. A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1.º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2.º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento. No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4.º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos. (…) Nos termos do n.º 1 do art.º 20.º da LGT, “a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”. Para que estivéssemos, no caso presente, perante uma situação de substituição tributária, era necessário que os consumidores que pagam o preço dos combustíveis aos revendedores estivessem na posição de “contribuintes”. Sobre o conceito de contribuintes, o n.º 3 do art.º 18.º diz que “o sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.” De onde se retira que o contribuinte é uma das espécies da categoria “sujeitos passivos” e estes são as pessoas (ou entidades) que estão obrigadas ao pagamento da prestação tributária, o que não acontece com os consumidores dos combustíveis. Concluímos, assim, que não estamos perante uma situação de substituição, pelo que os sujeitos passivos da CSR são igualmente os respetivos contribuintes diretos. Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede. Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. […]».

A Requerida argumenta adicionalmente que ao tribunal arbitral está vedado pronunciar-se sobre actos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação. A repercussão não constitui um acto tributário e, no caso concreto, não estamos perante a figura da repercussão legal.

Convocando a decisão arbitral n.º 987/2023-T, que igualmente subscrevemos:

«Como é sabido, é pelo critério do pedido que se afere a competência de um tribunal. Nesta sede, puramente formal, irrelevam assim quaisquer considerações em torno da viabilidade substancial da pretensão deduzida, as quais apenas deverão aferidas na fase do julgamento da causa. Assim, não se verificará aquele apontado vício da instância se a pretensão concretamente deduzida, apreciada em abstrato e alheando-se de qualquer avaliação do seu mérito, couber no quadro das competências jurisdicionais do tribunal em que a ação pende. No caso presente não subsistem dúvidas de que a pretensão deduzida - de resto, de modo bastante claro e sem qualquer ambiguidade ou equivocidade - é a de invalidação de atos de liquidação da CSR, com fundamento em que o conteúdo exatório desses atos foi repercutido na esfera jurídica da requerente e assacando-se-lhes um vício que, de acordo com a argumentação sufragada, seria causa da respetiva ilegalidade. Para apreciar a competência do tribunal é indiferente, portanto, saber se o vício invocado procede quer no que diz respeito à existência efetiva dos seus elementos constitutivos quer mesmo no que diz respeito ao efeito invalidante que se lhe atribui - tudo isso pertence já ao conhecimento da questão de fundo - ou se a requerente tem legitimidade adjetiva para o invocar em juízo, matéria que subingressará já no quadro da apreciação da exceção de ilegitimidade. Ora, a jurisdição arbitral tributária é competente para conhecer de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos” [art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT]. Tanto basta, assim, para concluir pela manifesta improcedência da exceção de incompetência com este fundamento, na medida em que o que se peticiona não é a declaração de ilegalidade dos atos de repercussão, mas antes a declaração de ilegalidade de atos de liquidação da CSR cujos efeitos foram alegadamente repercutidos na esfera da requerente, pretensão que claramente se compreende no âmbito material da jurisdição arbitral tributária».

Assim se concluindo pela improcedência desta excepção.

 

da ilegitimidade da requerente

Sumariamente, a Requerente alega que a CSR, liquidada pelos sujeitos passivos, lhe foi repercutida nas facturas de fornecimento de combustível. Foi a Requerente que, exclusivamente e em última instância, suportou o encargo da CSR. Estamos perante a figura da repercussão legal consagrada na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, pese embora a Requerente não figurar como sujeito passivo.

Já para a Requerida a actuação como sujeito passivo é indissociável da legitimidade para discutir a legalidade da CSR previamente liquidada. Para este tributo não está consagrado qualquer regime de repercussão legal, estando em causa uma mera repassagem económica ou de facto do tributo (que não ficou provada).

Vejamos.

No processo judicial tributário, o CPPT dedica uma norma específica à legitimidade, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT). Em linha com o artigo 65.º da LGT: “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.

Sendo indisputável (incluindo para a própria) que a Requerente não é sujeito passivo em sede de IEC, a sua legitimidade processual e substantiva terá de se fundar na repercussão legal ou económica do imposto.

Apesar de o repercutido legal não ser sujeito passivo, a alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, determina que assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”. O repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição necessária à sua intervenção em juízo.

Todavia, a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não estabelece qualquer mecanismo de repercussão legal deste imposto. Limita-se a identificar os sujeitos passivos da obrigação tributária e o objecto do imposto. E, por remissão para o Código dos IECs (no seu n.º 1 do artigo 5.º), o facto gerador da obrigação tributária, o momento da exigibilidade da mesma, a liquidação e o pagamento.

Em momento algum se determina ou identifica a entidade que, ao longo da cadeia de comercialização dos combustíveis sujeitos a CSR, deve suportar o valor do imposto liquidado e pago. Não se institui um mecanismo de repercussão legal - como sucede com uma retenção na fonte ou o Imposto sobre o Valor Acrescentado - e nada se refere quanto à obrigatoriedade de repercussão económica.

É sabido que, em obediência à finalidade lucrativa a que preside a sua actividade, os operadores económicos procuram repassar os custos em que incorrem. Todavia, um tal comportamento - que sempre careceria de uma concretização mínima - não se funda na observância de uma norma que, à semelhança das regras de liquidação do IVA ou do mecanismo da retenção na fonte, imponha uma repercussão legal. Esta, a existir, teria de constar de uma norma habilitadora, a qual não existe.

Convoca-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 1 de Outubro de 2023, Processo n.º 956/03): “O imposto automóvel é devido pelo requerente da atribuição de matrícula nacional ao respectivo veículo automóvel (…) pelo que que tem o mesmo legitimidade para deduzir impugnação judicial contra a respectiva liquidação, dada a sua qualidade de sujeito passivo da relação jurídica tributária, aliás como contribuinte directo - artºs 9 n° 1 e 4 do CPPT e 18 n° 3 da LGT. (…) O terceiro adquirente do veículo não é, como se disse, um sujeito passivo nem contribuinte (…). Nada importando a eventual repercussão do imposto na venda do mesmo, a que, a lei, nos preditos termos, não atribui, qualquer relevância legal para retirar legitimidade ao dito sujeito passivo e contribuinte”.

 

Em defesa da repercussão legal, poderia ser indicado o artigo 2.º do Código dos IECs, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro: “Os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

E o artigo 6º da citada Lei nº 24-E/2022 estabelece que: “A redação conferida pela presente lei ao artigo 2.º do Código dos IEC tem natureza interpretativa.

Estamos perante uma norma que, apresentando-se como interpretativa, é claramente inovadora. E cuja aplicação a factos anteriores estaria ferida de inconstitucionalidade, por violação do princípio da irretroactividade material, conforme decorre do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021:

A retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição”.

Acresce que a estrutura basilar do IEC - assente na liquidação monofásica do imposto no momento em que ocorre a saída de um regime suspensivo e com absoluta independência de uma transacção económica - não se presta, por mero comando legal, a uma repercussão total e plena. Por muito que uma qualquer solução legal o deseje, não é possível estabelecer uma linha de traçabilidade, causal e directa, entre a obrigação de liquidação do IEC e as posteriores e sucessivas etapas de comercialização dos combustíveis. Basta aliás atentar na unidade de medida de 15º, que apenas ao sujeito passivo seria possível conhecer.

Em suma, estamos perante uma norma claramente inovadora e, como tal, apenas aplicável ex nunc.

Ao não revestir a qualidade de sujeito passivo de CSR ou de repercutido legal, a legitimidade processual da Requerente exige a demonstração de um interesse legalmente protegido, nos termos dos n.º 1 e n.º 4 do artigo 9.º do CPPT.

Sucede que a Requerente baseia a sua intervenção processual na alegação de lhe ter sido repercutida a CSR pelas empresas fornecedoras de combustíveis, caracterizando-se como um consumidor de combustíveis que suporta (a final) o encargo daquele tributo.

Mas esta sua alegação não encontra suporte no probatório.

Não constituindo uma imposição legal, a repercussão económica dependerá das políticas comerciais adoptadas pelos diversos agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização. O qual é mais longo do que o representado, dado que todos os fornecedores da Requerente operam como revendedores de combustível.

Não estando o sujeito passivo (não identificado nos autos) obrigado à repercussão legal do encargo inerente à CSR por si declarada nas introduções no consumo (que originam as liquidações de imposto e consequente pagamento), a repercussão será o resultado das políticas comerciais que, em cada momento, forem sendo livremente praticadas por e entre os diversos operadores.

Não se podendo pressupor ou inferir, legal ou economicamente, que cada um dos intermediários do circuito de comercialização repercute, no todo ou em parte, o valor da CSR liquidado ao sujeito passivo que inicia o circuito de transmissão onerosa de combustíveis sujeitos a imposto, tudo se resume aos meios de prova juntos aos autos e a respectiva aptidão à demonstração, de facto, dessa repercussão.

Ora, o probatório organizado pela Requerente consiste na junção de facturas que nada permitem concluir pela liquidação da CSR a montante. Na verdade, apenas se poderá presumir que os sujeitos passivos (não identificados) terão satisfeito essa sua obrigação tributária, sob pena de incumprimento.

Nada se sabe sobre a repercussão económica do encargo da CSR pelos sujeitos passivos aos seus clientes revendedores, de entre os quais estão os fornecedores da Requerente.

A inexistência de informação sobre o valor que eventualmente terá sido repercutido a estes revendedores, preclude qualquer conclusão quanto à repercussão - por estes - à Requerente.

A todo este quadro de incerteza e dúvida quanto ao valor do imposto liquidado a montante e se este terá sido directa e integralmente repercutido na cadeia de revenda até à Requerente, soma-se a sua actividade económica de transporte rodoviário de mercadorias.

Contrariamente ao que alega, a Requerente não é um consumidor final dos combustíveis que adquire, dado que os utiliza como recurso na prossecução dessa sua actividade comercial de transporte de mercadorias.

A Requerente não juntou elementos probatórios que permitam concluir que o encargo inerente à CSR, a ter-lhe sido integral ou parcialmente repercutido - que, como vimos supra, não se pode dar por estabelecido - não foi também por esta repercutido, total ou parcialmente, aos seus clientes. Na certeza de que também estes poderão ser operadores económicos (e não consumidores finais).

Pelo exposto, a Requerente não logrou demonstrar nem a repercussão económica da CSR nos combustíveis por si adquiridos, nem a ausência de repercussão desse valor nos preços por si praticados.

A liquidação da CSR obedece à unidade de medida de 15º Celsius (n.º 1 do artigo 91.º do Código dos IEC). Todavia, a posterior comercialização a revendedores e por estes à Requerente baseou-se na temperatura observada, a qual não é conhecida.

Quer isto dizer que nem sequer é possível estabelecer, ao contrário do que alega a Requerente, que a CSR foi liquidada no valor de € € 31.418,33. Esta importância resulta da mera aplicação da taxa da CSR às quantidades facturadas pelos fornecedores Requerente, o que, por efeito de temperatura, não poderá corresponder ao imposto liquidado (que poderá ter sido superior ou inferior ao valor indicado pela Requerente).

O que constituirá um dos fundamentos pelo qual o artigo 15.º do Código dos IEC reserva a legitimidade activa aos sujeitos passivos, que, por participação directa na liquidação do imposto, dispõem da informação e documentação necessárias à aferição da factualidade e legalidade.

Em boa verdade, o desconhecimento do valor do imposto efectivamente liquidado pela AT quebra o vínculo entre o acto tributário que lhe subjaz e o acto de repercussão económica. Naturalmente que se aceita que o primeiro origina o segundo, mas o juízo de valor quanto à efectiva repercussão económica (acto de repercussão) é irreparavelmente fragilizado pela falta de quantificação do imposto liquidado (acto tributário).

Note-se que à Requerida não pode ser imposto o conhecimento da relação causal entre as liquidações da CSR por si realizadas e as diversas facturas emitidas pelos operadores que intervêm no circuito económico. Primeiramente, porque tal implicaria a identificação de todo o circuito económico que precede a comercialização dos combustíveis à Requerente até alcançar o sujeito passivo do imposto. Acresce que, como bem alegada a Requerida, os abastecimentos podem ter sido realizados a partir de diferentes entrepostos fiscais, com intervenção de diferentes sujeitos passivos, o que poderá limitar, senão mesmo impedir, o estabelecimento de uma linha causal e directa entre o acto tributário e os diversos actos de repercussão que lhe terão sucedido. O que é dificultado pelo elevado número de fornecedores, os quais são precedidos de outro elevado número de revendedores.

Esta questão não é abtracta, por se constatar das facturas apresentadas pela Requerente que esta aparenta ser titular de cartões frota utilizados na rede «M... » e facturados pela «F..., LDA». Estes abastecimentos são realizados em diversos pontos geográficos e agrupados (facturados) por mês.

Pelo que haverá tantos sujeitos passivos quantos os entrepostos fiscais de saída dos combustíveis (ambos desconhecidos). Às diversas saídas diária corresponderá uma declaração de introdução no consumo e uma liquidação de IECs pela Alfândega territorialmente competente. Acresce ainda que alguns sujeitos passivos nem sequer desenvolvem a actividade de revenda, limitando-se a prestar serviços de armazenagem e logística.

Perante este quadro de onerosidade que impende sobre a Requerida, à Requerente era exigível, por respeito às regras do ónus probatório, um impulso mínimo e essencial que, pelo menos, permitisse a identificação do(s) sujeito(s) passivo(s).

Em suma, no pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega, correctamente, que aquele que demonstrar ter suportado o encargo do imposto terá legitimidade procedimental para contestar a legalidade das liquidações, detenha ou não a qualidade de sujeito passivo.

No entanto, a Requerente não demonstrou que a CSR lhe foi repercutida e, muito menos, que suportou a CSR contra a qual reage. E esta seria a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade para o presente pedido de pronúncia arbitral (dado não ser sujeito passivo nem repercutido legal da CSR).

Mesmo a aceitar-se que o encargo representado pela CSR poderia ter sido repercutido ao longo do circuito económico, certo é que a Requerente, ao não se apresentar como consumidor final, não pode subsumir-se ao conceito de entidade potencial ou efectivamente lesada pela repercussão económica. Em rigor, a Requerente é apenas um de entre os vários operadores no circuito económico entre o sujeito passivo e o consumidor final.

 

  1. Decisão

Face ao exposto, o tribunal arbitral decide julgar procedente a excepção de ilegimitidade activa da Requerente, o que obsta à apreciação do mérito do pedido e determina a consequente absolvição da Requerida da instância.

 

  1. Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de € 31.418,33 indicado pelo Requerente como respeitante ao montante da CSR cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido) e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

 

  1. Custas

Custas no montante de € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), a suportar integralmente pela Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

Lisboa, 22 de Novembro de 2024

 

 

(José Luís Ferreira)