DECISÃO ARBITRAL
SUMÁRIO:
1. As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a) do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
2 – Em consequência, o acto de liquidação de ASSB relativo ao período de tributação de 2021, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzida, são ilegais.
I. RELATÓRIO
1. No dia 15 de Maio de 2024, o sujeito passivo A..., S.A., doravante designado “Requerente”, NIPC..., veio, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, al. a), 3.º-A, n.º 2 e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de autoliquidação do imposto “adicional de solidariedade sobre o sector bancário” (aqui, abreviadamente ASSB), relativo a 2021, cujo regime foi aprovado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, integrando o respetivo anexo VI.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado pela Requerente em 15 de Maio de 2024, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente comunicado à Requerida, que foi do mesmo notificada em 17 de Maio de 2024.
3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como Árbitro único do Tribunal Arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 8 de Julho de 2024, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar o Árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 26 de Julho de 2024.
4. Os fundamentos que sustentam o pedido de pronúncia arbitral do Requerente são, em súmula, os seguintes:
4.1. O Requerente é uma instituição de crédito autorizada e registada junto do Banco de Portugal, dada a sua qualidade de “Banco”, conforme resulta a alínea a) do artigo 3.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, desenvolvendo as atividades que lhe são legalmente permitidas pelo artigo 4.º do citado Regime Geral, e registada junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, conforme o seu registo como contribuinte junto da AT.
4.2. Dada a qualidade de instituição de crédito com sede em Portugal, o Requerente encontra-se sujeita ao pagamento do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (ASSB), tributo criado pelo estatuído no artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, e no Anexo VI, aprovado pelo citado artigo, fazendo parte integrante dessa lei.
4.3. Desde a entrada em vigor do regime de criação do ASSB, o Requerente procedeu à liquidação e pagamento do ASSB acima identificado, portanto, realizando a sua autoliquidação, bem como outras liquidações cuja impugnação se encontram em curso.
4.4. O acto de autoliquidação visado resulta identificado na declaração Modelo 57, apresentada em 15/12/2021, que implicou o pagamento do valor resultante da liquidação, de € 38.454,23, no dia 15/12/2021, conforme o documento de certificação de pagamento com o n.º..., com a referência de pagamento n.º ..., e do respectivo comprovativo do pagamento.
4.5. Considerando o Requerente que o mencionado acto de liquidação do ASSB se fundou na aplicação de normas ilegais do RJ do ASSB, conforme a ampla produção jurisprudencial arbitral (e bem assim do próprio Tribunal Constitucional, quanto à violação da proibição da retroactividade dos impostos, relativamente ao ASSB incidente sobre o 1.º semestre de 2020 – aspecto de não se cura no presente processo).
4.6. O Requerente apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira (abreviadamente, AT), uma reclamação graciosa necessária, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, requerendo a anulação do acto tributário de liquidação e o consequente reembolso do valor pago, acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos, reclamação que culminou com a decisão de indeferimento do pedido.
4.7. Várias instituições de crédito peticionaram nos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD a declaração de ilegalidade e anulação do actos tributários de autoliquidação e das decisões de indeferimento das reclamações graciosas necessárias, todas indeferidas pela AT, e o consequente reembolso acrescido de juros indemnizatórios legalmente devidos.
4.8. Dos mencionados processos da arbitragem tributária do CAAD, dada a sua relevância para a presente reclamação, identifica-se o conjunto dos acórdãos arbitrais, a partir da decisão mais recente, os Processos CAAD n.ºs: - 326/2023-T, decisão proferida em 2024-03-19; - 329/2023-T, decisão proferida em 2024-03-09; - 325/2023-T, decisão proferida em 2024-02-26; - 379/2023-T, decisão proferida em 2023-12-08; - 327/2023-T, decisão proferida em 2023-12-05; - 104/2023-T, decisão proferida em 2023-11-14; - 21/2023-T, decisão proferida em 2023-06-29; - 599/2022-T, decisão proferida em 2023-04-05 - 598/2022-T, decisão proferida em 2023-03-01.
4.9. Existindo outra jurisprudência tendo por objecto o regime jurídico do ASSB, apenas quanto à violação da proibição da retroactividade dos impostos, consagrada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, o que não releva na presente impugnação, mas que esteve na génese do citado douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 149/2024.
4.10. No sítio da internet do “Provedor de Justiça” – encontra-se uma comunicação de 23/09/2023, intitulada “Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário. Provedora de Justiça recomenda ao ministro das Finanças a revogação do regime em que assenta o tributo”.
4.11. O Requerente solicita assim a declaração de inconstitucionalidade material das normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a) do anexo VI a que se refere o artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
4.12. Em consequência, o Requerente solicita a declaração de ilegalidade e anulação da autoliquidação, realizada pela Requerente em 14/12/2021, no valor de € 38.454,23, bem como a declaração de ilegalidade e de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida com esse acto de liquidação e o reembolso do valor pago de € 38.454,23, acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos, desde a data do pagamento até à emissão da nota de crédito pela AT.
5. Em 24 de Setembro de 2024, após notificação à Requerida para apresentação de resposta, a mesma apresentou-a, bem como juntou o respectivo processo administrativo, invocando em síntese o seguinte:
5.1. A criação do ASSB está indissociavelmente relacionada com o contexto histórico da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2.
5.2. De facto, o ASSB foi uma das várias medidas fiscais previstas no Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 41/2020, de 6 de Junho, com vista a mitigar os impactos económicos e sociais decorrentes da resposta pública à crise sanitária.
5.3. Para o efeito, a RCM n.º 41/2020, de 6 de Junho, determinou que a receita do ASSB fosse integralmente “(…) adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social [FEFSS]”, atento o impacto directo e significativo que, como é notório, as diversas medidas adoptadas em contexto pandémico tiveram no financiamento do sistema de segurança social.
5.4. É isto, aliás, o que também se depreende da simples leitura da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 33/XIV, que esteve na base da aprovação da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, o que, ademais, está em consonância com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º da Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro (Lei de Enquadramento Orçamental), que integra nas exceções à regra de não consignação, “as receitas afetas ao financiamento da segurança social e dos seus diferentes sistemas e subsistemas nos termos legais”.
5.5. Conceptualmente, o ASSB apresenta-se como um tributo que assume natureza de imposto indirecto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras.
5.6. É, inclusive, o próprio legislador que anuncia, logo no n.º 2 do artigo 1.º do regime que criou o ASSB, que este se destina a aproximar “(…) a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”, reconhecendo-se assim que, no cômputo global da carga fiscal incidente sobre este setor, existe uma vantagem associada à “(…) isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras”.
5.7. A questão que aqui se pretende esclarecer consiste em saber se a sujeição das instituições de crédito ao ASSB consubstancia uma distinção discriminatória em relação aos demais sectores de actividade, isto é, se configura uma desigualdade de tratamento materialmente infundada ou sem qualquer fundamento razoável, objectivo e racional.
5.8. No entender da Requerida, é inequívoco, e até mesmo facilmente compreensível, a opção do legislador de sujeitar as instituições de crédito ao ASSB, a qual assenta num critério distintivo objectivo, razoável e materialmente justificado.
5.9. Pelo que a tributação das instituições de crédito em sede de ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do sector financeiro em geral e, em particular, das instituições de crédito.
5.10. No âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo sector financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade sujeitos e não isentos de IVA.
5.11. Sendo isso o que, claramente, resulta da norma do n.º 2 do artigo 1.º do Anexo VI da Lei n.º 27- A/2020, de 24 de Julho, que aprovou o regime do ASSB, resultando ainda do artigo 9.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, que “a receita do adicional de solidariedade sobre o setor bancário constitui receita geral do Estado, sendo integralmente consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social”.
5.12. Ora, considerando que o IVA constitui, per se, uma das fontes de financiamento da Segurança Social, através da consignação de uma parcela da sua receita para essa finalidade (o denominado “IVA social”), a criação do ASSB como forma de contrabalançar a isenção de IVA associada aos serviços e operações financeiras, com a consequente consignação da sua receita ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), apresenta-se como uma opção natural e, certamente, coerente do legislador.
5.13. Ora, em razão da isenção de que a esmagadora maioria dos serviços e operações financeiras beneficia ao abrigo do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, o “IVA social” onera, pelo menos essencialmente, apenas os setores não financeiros.
5.14. Ao que acresce ainda o facto de, desde 2011, todos os trabalhadores do sector bancário terem passado a integrar o regime geral de segurança social, incluindo-se aqui os trabalhadores de sucursais nacionais de bancos estrangeiros, que beneficiam do sistema de segurança social nos mesmos termos dos trabalhadores dos bancos nacionais.
5.15. Sendo, por isso, razoável e materialmente justificado que um setor reconhecidamente subtributado em matéria de fiscalidade indireta, como é o caso do setor financeiro e, em concreto, das instituições de crédito, seja, também ele, chamado a contribuir para o sistema de segurança social.
5.16. O que, aliás, vai ao encontro da permanente preocupação, cada vez mais justificada, de assegurar a sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social, designadamente através da diversificação das suas fontes de financiamento, que constitui um princípio há muito adoptado nas Leis de Bases da Segurança Social (cf. artigo 78.º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, artigo 107.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de dezembro e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro).
5.17. Sendo de lembrar que, a par do “IVA social”, novas fontes de financiamento da Segurança Social têm sido criadas, contando-se, entre as mais recentes, as receitas do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) (cf. n.º 2 do artigo 1.º do CIMI) e a, partir de 2018, a consignação de 2 p.p. das taxas previstas no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) ao FEFSS.
5.18. Não se pode ignorar que a isenção de IVA desonera objectivamente de tributação o valor acrescentado a final no sector bancário, em detrimento de outros setores cujas atividades estão sujeitas e não isentas de tributação indirecta em sede de IVA que, como já se demonstrou acima, contribuem para o FEFSS através do denominado “IVA social”.
5.19. Na verdade, em Portugal, somente uma parte diminuta da actividade financeira das
instituições de crédito está sujeita a tributação indirecta, mais concretamente em sede de
Imposto do Selo, o qual, aliás, desde a reforma do Código do Imposto do Selo (CIS) levada a cabo pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, apresenta um mecanismo de funcionamento semelhante ao do IVA, porquanto o imposto é liquidado e entregue ao Estado pelo sujeito passivo e repercutido no adquirente.
5.20. Isto porque a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras em que se consubstancia parte do negócio das instituições de crédito – designadamente, operações de recepção de depósitos, concessão de crédito, cobrança de juros e comissões, e garantias – é, apenas em parte, colmatada pela incidência da verba 17 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS).
5.21. Porém, não só as taxas aplicáveis em sede de Imposto do Selo são substancialmente inferiores à taxa média do IVA, como não estão abrangidos, de resto, outros serviços e operações em que as instituições de crédito intervêm e que estariam sujeitas a IVA se não estivessem isentas, nomeadamente as transações financeiras e as locações financeiras.
5.22. Donde resulta possível inferir, desde logo, que a receita do Imposto do Selo incidente sobre os serviços e operações financeiras é, em termos comparativos, consideravelmente mais baixa do que aquela que seria arrecadada com a tributação, em sede de IVA, do valor acrescentado pela atividade bancária.
5.23. Não se podendo ainda olvidar que a receita do Imposto do Selo não está, nem mesmo parcialmente, consignada à Segurança Social, diversamente do que sucede com o IVA e o ASSB.
5.24. Sendo que as diferentes formas de financiamento das instituições de crédito – quer através do mercado interbancário, quer através da aceitação de depósitos ou da realização de contratos de mútuos – não são objeto de tributação em sede de Imposto do Selo.
5.25. Atenta a relevância económica do sector financeiro na produção de riqueza em Portugal, a não incidência de tributação indireta sobre uma parte relevante das suas operações suscita não só questões de perda de receita fiscal e de distorção e desigualdade entre operadores, como também de desigualdade na distribuição do esforço tributário.
5.26. Não havendo nada que impeça o legislador de acrescentar tributação às operações sujeitas e isentas de IVA já tributadas em sede de Imposto do Selo.
5.27. Aqui, é mister referir que a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras constitui um dos principais fundamentos assinalados em experiências internacionais – nas quais, inclusive, Portugal fez ou ainda faz parte – com vista a introdução de impostos indirectos que incidem sobre este setor, designadamente impostos sobre transacções financeiras (Financial Transactions Tax – FTT) e impostos sobre actividades financeiras (Financial Activities Tax – FAT).
5.28. Subjacentes à proposta de criação desses tributos estão propósitos de justiça fiscal – e não, evidentemente, de penalização do setor –, por se ter constatado que o setor financeiro se encontra, em larga medida, subtributado no âmbito da fiscalidade indireta
5.29. Sendo essa ideia de justiça fiscal que, aliás, o legislador pretendeu pôr em prática ao explicitamente referir, na já citada norma do n.º 2 do artigo 1.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020,de 24 de julho, que o ASSB “(…) tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, comoforma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”.
5.30. A justificação aduzida pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficiam e que é apenas parcialmente colmatada, em matéria de fiscalidade indireta, pela tributação em sede de Imposto do Selo.
5.31. Pelo que as instituições de crédito são, também elas, chamadas a contribuir, na medida da sua capacidade contributiva, para as receitas públicas, mais especificamente para o financiamento do sistema de segurança social, tal como sucede, por exemplo, com os restantes setores de atividade através do denominado “IVA social”.
5.32. Sendo, portanto, evidente que o critério distintivo utilizado pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do setor bancário, uma vez que a diferença de tratamento em causa é justificada com base num fundamento material objetivo, racional e razoável.
5.33. Pelo que deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente, por se entender que as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, não violam o princípio constitucional da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, nem qualquer outro princípio constitucional.
5.34. No que respeita à violação do princípio constitucional da capacidade contributiva, enquanto corolário do princípio da igualdade tributária, em suma, aventa o Requerente que o ASSB viola igualmente o princípio da capacidade contributiva, porquanto os elementos objetivos da sua incidência não têm relação com nenhum dos indicadores demonstrativos dessa mesma capacidade - rendimento, consumo ou património.
5.35. Sendo por isso, desconforme com o princípio constitucional da igualdade tributária, na vertente da capacidade contributiva, entendimento que a Requerida, com o devido respeito, e salvo melhor opinião, não pode sufragar.
5.36. Resumidamente, para que tenhamos um sistema fiscal equitativo é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua real capacidade contributiva, exigindo-se que o imposto incida sobre manifestações de riqueza, por um lado, e que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas.
5.37. Daqui depreendemos que o que o princípio da capacidade contributiva determina é que a carga económica inerente ao imposto seja regulada de modo a acompanhar as variações de poder aquisitivo do sujeito passivo que se encontra adstrito ao pagamento do mesmo, sem nunca olvidar a finalidade do tributo.
5.38. O sustento da incidência subjetiva do tributo é a compensação de uma vantagem aferida em termos de carga fiscal global, associada à aplicação da isenção de IVA, sobre um conjunto vasto de operações financeiras que também se encontram, em certos casos, isentas de IS.
5.39. Ora, o ASSB assume-se como um imposto que visa colmatar a ausência do IVA (também ele um imposto indirecto) tendo como alvo um determinado sector que dele é isento, assumindo um recorte idêntico ao da CSB, no que toca à incidência objectiva - abarca operações registadas no passivo e instrumentos financeiros derivados fora do balanço.
5.40. Ao fazer coincidir a base de incidência do ASSB com a da CSB, logrou o legislador alcançar significativos ganhos de eficiência, desde logo ao mitigar custos de implementação e contexto, que se afiguram como sendo, desde logo, uma das principais dificuldades na criação de impostos de consumo nos serviços financeiros.
5.41. No que toca ao ASSB, o legislador nacional, entre vários indicadores possíveis, optou pelo valor do passivo e o valor dos derivados fora do balanço, por serem factores que recaem, efetivamente, sobre a realidade económica relevante dos sujeitos passivos visados, o que permite mensurar, de forma rigorosa, a sua capacidade contributiva.
5.42. Em termos de capacidade contributiva, o que releva é que exista uma conexão entre a prestação tributária, o pressuposto económico visado pelo tributo, e a capacidade do sujeito passivo para suportar o peso desse encargo.
5.43. O legislador agiu dentro do escopo da liberdade de conformação fiscal, e encontrou como fundamento para delinear o âmbito de incidência do novo ASSB, a ausência ou a menor tributação num imposto indireto – IVA e Imposto do Selo – de determinadas operações.
5.44. Ao contrário do que propugna a Requerente, o ASSB permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva, que se propõe enquanto imposto que visa compensar a isenção do IVA nas operações financeiras, sendo até possível enquadrá-lo em experiências internacionais, como demonstrado supra, sempre com inteiro respeito pelo princípio constitucional da igualdade tributária.
5.45. No sentido de que o ASSB não enferma das inconstitucionalidades apontadas pela Requerente, permitimo-nos, chamar à colação o Exmo. Senhor Professor Doutor Tomás Cantista Tavares, na decisão proferida no âmbito do processo 609/2023–T, bem como o o voto de vencido também do Exmo. Professor Doutor Tomás Cantista Tavares, exarado no processo n.º 325/2023–T, ambos deste CAAD.
5.46. Pelo deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente, por se entender, também nesta senda, que o art.º 2 do anexo VI a que se refere o art.º 18.º da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, que define a incidência pessoal do Adicional sobre o Sector Bancário, não é inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária, na sua dimensão de exigência da generalidade dos impostos, e por violação do princípio da proporcionalidade legislativa, nem qualquer outro princípio constitucional.
5.47. Em relação ao pedido de juros indemnizatórios, o mesmo é improcedente, uma vez que o valor pago a título de ASSB era devido e foi pago correctamente, não existindo qualquer erro de facto e ou de direito na autoliquidação impugnada que leve à procedência da impugnação judicial.
5.48. Em qualquer caso, a AT está obrigada a aplicar os diplomas legais criados pela Assembleia da República e pelo Governo, estando-lhe, consequentemente, vedado anular a autoliquidação em crise, dado que não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (arts. 281º e 282º da CRP), ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (art. 18º da CRP), o que não é o caso.
5.49. Pelo que, contrariamente ao afirmado pela Requerente, o erro não pode ser imputável à AT, mesmo tendo sido chamada a pronunciar-se em sede de reclamação graciosa, e tendo decidido indeferir o pedido feito pelo Requerente naquela.
5.50. Assim, a ser procedente a impugnação judicial, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43º n.º 1 da LGT é totalmente ilegal, porque inexistiu erro imputável aos Serviços.
5.51. Acrescidamente, afigura-se ainda que também a AT não pode ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43º n.º 3 al. d) da LGT, por esta condenação ser ilegal, decorrente da inconstitucionalidade daquela norma, por violação dos arts. 281º, 282º e 18º da CRP, nos termos supra referidos, dado que a AT não tinha disponibilidade legal de decidir de modo diferente, sob pena de violação dos identificados preceitos constitucionais.
5.52. Nesta exacta medida, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, em caso de vencimento na impugnação, é violadora do princípio da proporcionalidade (art. 18º n.º 2 da CRP), uma vez que não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu, sendo, contudo, sancionada com o pagamento de juros indemnizatórios.
5.53. Assim, afigura-se que em caso de vencimento do Requerente, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios deve ser indeferido, porque não existe erro imputável aos serviços, nos termos do art. 43º n.º 1 da LGT, e cautelarmente, dado que a aplicação do art. 43º n.º 3 al. d) da LGT é ilegal e inconstitucional, por violar os arts. 281º, 282º e 18º da CRP, nos termos supra contestados.
6. Em 24/9/2024 foi proferido despacho arbitral dispensando a reunião prevista no art. 18º do RJAT, por não estarem preenchidos os pressupostos da mesma, bem como a produção de alegações pelas partes, dado estarem claras as suas posições nos articulados.
II. SANEAMENTO
7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º da n.º 112- A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação).
III. FACTOS PROVADOS
8. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
8.1. A Requerente é uma instituição de crédito autorizada e registada junto do Banco de Portugal.
8.2. Dada a qualidade de instituição de crédito com sede em Portugal, o Requerente encontra-se sujeita ao pagamento do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (ASSB).
8.3. O Requerente procedeu à liquidação e pagamento do ASSB acima identificado, portanto, realizando a sua autoliquidação identificada na declaração Modelo 57, apresentada em 14/12/2021, que implicou o pagamento do valor resultante da liquidação, de € 38.454,23, no dia 15/12/2021, conforme o documento de certificação de pagamento com o n.º ..., com a referência de pagamento n.º..., e do respectivo comprovativo do pagamento.
8.4. Em 13/12/2023 o Requerente apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira uma reclamação graciosa necessária, requerendo a anulação do acto tributário de liquidação e o consequente reembolso do valor pago, acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos, à qual foi atribuído o número de processo....
8.5. Por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade de Grandes Contribuinte, datado de 23/4/2024, foi indeferida a referida reclamação graciosa.
8.6. Em 15/4/2024 o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral, que deu origem aos presentes autos, nos quais solicita a anulação da liquidação do ASSB e o reembolso do montante de € 38.454,23, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.
IV- FACTOS NÃO PROVADOS:
9. Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.
V- FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA
10. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de seleccionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, bem como o processo administrativo e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados os factos acima referenciados.
VI. MATÉRIA DE DIREITO
11. A questão que cabe julgar nestes autos é apenas a questão da inconstitucionalidade do ASSB, a qual já foi apreciada por este Centro de Arbitragem em sucessivas decisões, salientando-se como mais recentes as dos processos 14/2024-T, de 17 de Julho de 2024, 410/2024-T, de 12 de Agosto de 2024, e 515/2024-T, de 22 de Outubro de 2024.
Em consequência das decisões tomadas por este Centro de Arbitragem, também o ASSB veio a ser objecto de sucessivas decisões de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional, salientando-se os Acórdãos nºs 469/2024, de 19 de Junho de 2024, e 529/2024, de 2 de Julho de 2024, e a Decisão Sumária nº 460/2024, de 30 de Julho de 2024.
Seguir-se-á, por isso, esta jurisprudência:
No acórdão emitido no processo 410/2024-T, referiu-se, a propósito da fundamentação para a criação deste imposto, o seguinte:
“E, com efeito, dificilmente se compreende a justificação fornecida pelo legislador quando pretende associar a sujeição das instituições de crédito ao ASSB à despesa fiscal decorrente da isenção aplicável a serviços e operações financeiras.
A isenção de IVA relativamente a operações bancárias e financeiras está expressamente prevista na Diretiva 2006/112/CE (artigo 135.º) e artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA limita-se a efetuar a transposição dessa regra para o direito interno. E, por outro lado, o conteúdo das isenções não pode ser alterado pelos Estados Membros, dado que estão em causa conceitos autónomos de direito europeu que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA, devendo ainda ser objeto de uma interpretação restritiva, na medida em que constituem derrogações ao princípio geral segundo o qual o imposto sobre o valor acrescentado é cobrado sobre todas as prestações de serviços efetuadas a título oneroso por um sujeito passivo (cfr. acórdãos do TJUE, nos Processos n.ºs C-348/1987 e C-455/05).
Acresce que, como esclarece Clotilde Celorico Palma, “[a]s isenções em sede de IVA assumem uma natureza objetiva, ou seja, para efeitos da sua concessão releva essencialmente a natureza da atividade prosseguida e não a natureza jurídica da entidade que prossegue a atividade”. Além de que as isenções em IVA têm uma lógica diferente das isenções concedidas no âmbito dos impostos sobre o rendimento. Como refere a mesma Autora, “[a]o passo que nestes impostos, a isenção libera o beneficiário do pagamento do imposto, no IVA as situações de isenção clássica traduzem-se na não liquidação do imposto nas operações ativas por parte sujeito passivo beneficiário (o beneficiário paga imposto mas não liquida). Isto é, nas suas operações passivas (aquisições de bens e prestações de serviços) os sujeitos passivos de IVA não beneficiam de isenção” (Introdução sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 6.ª edição, págs. 172-174).
Na situação prevista no artigo 135.º da Diretiva IVA, como explica ainda Sérgio Vasques, trata-se de “isenções simples ou incompletas que não conferem direito à dedução do imposto suportado a montante, pelo que o sujeito passivo, não liquidando IVA imposto sobre a operação isenta, não deduz o imposto em que incorra nas aquisições destinadas à sua realização”. E, nesse sentido, “o sujeito passivo passa a ocupar posição idêntica à do consumidor final, suportando na sua esfera o imposto relativo às suas aquisições”, pelo que a isenção não representa um verdadeiro benefício para o sujeito passivo, como sucede com a generalidade das isenções de imposto, na medida em que acaba por suportar o peso do imposto por via das suas aquisições, originando um imposto oculto pela incorporação do IVA incorrido a montante no preço dos bens e serviços prestados a terceiros (O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 2015, págs. 312-313; em idêntico sentido, Angelina Tibúrcio, Código do IVA e RITI Notas e Comentários, Coimbra, 2014, pág. 160).
Por outro lado, como refere o Autor há pouco citado, as isenções de IVA relativas a serviços financeiros são motivadas por razões de ordem técnica que respeitam à dificuldade em apurar o valor acrescentado inerente a essas operações e, em especial, no que se refere à determinação da matéria coletável e do montante do IVA dedutível (ob. cit., págs. 318-319, e ainda o acórdão do TJUE, no Processo n.º C-455/05, considerando 24.)
Num outro plano de análise, importa ainda reter que a isenção de IVA para serviços e operações financeiras tem como contraponto a sujeição das operações financeiras a imposto do selo, nos termos da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sendo sintomático, quanto ao nível de dependência entre os dois impostos, que o artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo exclua do âmbito de incidência objetiva do imposto “as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas”. Como assinala Saldanha Sanches, “o imposto do selo assume a sua vocação de tributar aquilo que não pode ser tributado de outra forma” e ao contribuinte assiste o direito de ser tributado da forma que melhor se adequa ao normal funcionamento da economia de mercado e ao princípio da tributação segundo a capacidade contributiva do sujeito passivo (Manual de Direito Fiscal, 3ª edição, Coimbra, pág. 435).
Em todo este contexto, não é possível determinar objetivamente o critério de diferenciação que conduziu o legislador a sujeitar as instituições de crédito a um imposto especial sobre o sector bancário, nem é possível discernir qual a sua real fundamentação”.
Nos acórdãos proferidos nos processos 14/2024-T e 515/2024-T referiu-se também o seguinte:
“O certo é que a caraterística generalidade é, pacificamente, aceite pela jurisprudência, e pela doutrina, como essencial a um imposto: O dever de os cidadãos pagarem impostos constitui uma obrigação pública com assento constitucional. Como tal, está sujeito a algumas regras equivalentes às dos direitos fundamentais, designadamente os princípios da generalidade e da igualdade, ou seja, de que devem estar sujeitos ao seu pagamento os cidadãos em geral (artigo 12º, n.º 1), e devem estar sujeitos a ele em idêntica medida, sem qualquer discriminação indevida (artigo 13º, n.º 2), isto constituído o princípio da igualdade tributária.” (acórdão TC n.º 348/97, de 29-04-1997) [sublinhados nossos].
No caso do ASSB, a idêntica medida que este imposto visa tributar são as “realidades” enumeradas no art. 3º do anexo VI da Lei n.º 27-A/2020. Ora, podemos assumir - cremos que incontestavelmente - que existem outros contribuintes detentores dos mesmos índices de capacidade contributiva (assumindo, por mera disciplina de raciocínio, que as “realidades “que constituem a base de incidência do ASSB podem ser entendidas como constituindo índices de capacidade contributiva), os quais não resultam tributados neste imposto.
Com o TC, no acórdão nº 695/2014, de 15 de outubro, diremos: Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (nestes precisos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2010) [sublinhados nossos].
Parece-nos manifesto que, em razão do que antes ficou dito, a definição legal da incidência subjetiva do ASSB não cumpre com a exigência constitucional de generalidade, o mesmo é dizer, viola o princípio constitucional da igualdade tributária”.
Em relação à posição assumida pelo Tribunal Constitucional, tem sido seguida nas diversas decisões a fundamentação constante do Acórdão 469/2024, de 19 de Junho, onde se refere o seguinte:
“Não se trata, assim, de um juízo que careça de verdadeira ponderação entre a razão justificativa que sustenta o tributo e as características desse mesmo tributo, porque essa razão justificativa é manifestamente carecida de sentido, assentando em ligações não verificadas. As entidades do setor financeiro não têm um benefício que justifique o imposto pela circunstância de algumas operações serem isentas de IVA. Desde logo, tratar-se de uma isenção incompleta não é algo secundário nesta análise, uma vez que, ao não ser possível a dedução do IVA suportado a montante, aquelas entidades vê-lo-ão economicamente repercutido sobre si por quem lhes vendeu bens e prestou serviços necessários à sua atividade, sem que por sua vez o possam repercutir sobre os sujeitos a quem prestam serviços e sem que possam compensar esse efeito adverso pela dedução do imposto suportado, o que ocorreria no caso de uma isenção completa. Acresce que a isenção de IVA é, como vimos, tendencialmente alternativa da sujeição a imposto do selo.
Neste contexto, pode questionar-se em que medida as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1, do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que delimita a incidência subjetiva do imposto) – que já são sujeitas a IRC e à CSB – se encontram numa posição particular, face a outros sujeitos isentos de IVA (alguns com isenções completas) que torne justificada a sujeição a um segundo imposto, sem que se encontre uma resposta minimamente satisfatória, muito menos quando a justificação do legislador passa por “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social”, que nenhuma relação aparente tem com a isenção de IVA, que, só por si, insiste-se, também não se afiguraria justificação bastante para tributar, ou melhor, para diferenciar tributando.
Com o que terá de se concluir, com a decisão recorrida, que “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado".
Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária.
2.4.3. As considerações precedentes conduzem, sem dificuldade, à análise da violação do princípio da capacidade contributiva (…).
Nos presentes autos, foi recusada a norma contida na alínea a) do referido artigo 3.º. Trata-se de norma de incidência objetiva dirigida ao passivo das instituições de crédito, o que suscita algumas dificuldades de caracterização do tributo. Na verdade, ao contrário da CSB, que é uma contrapartida da prevenção de riscos sistémicos no sistema financeiro – o que torna justificada e aceitável a incidência sobre o passivo dos sujeitos passivos – o ASSB não encontra, como vimos, uma correspondência com qualquer prestação pública, ou seja, prefigura-se como um tributo puramente destinado à angariação de receita, apresentando-se como problemática a suscetibilidade de, neste contexto, o passivo, só por si, revelar a capacidade de suportar economicamente o imposto. A possível interferência com o princípio da capacidade contributiva compreende-se sem dificuldade, neste contexto (…)".
O Tribunal Arbitral acompanha esta jurisprudência, considerando igualmente por estes motivos que no ASSB não se encontra qualquer relação entre a incidência real do imposto e os factores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, não sendo procedente o argumento de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal em relação aos restantes contribuintes porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam.
Conclui-se assim que as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a) do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
Em consequência, o acto de liquidação de ASSB relativos ao período de tributação de, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida, são ilegais, devendo por isso ser anulados por este Tribunal Arbitral.
12. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
Tal está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação do ASSB, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
Ao contrário do suscitado pela Requerida, não considera o Tribunal Arbitral que se verifique qualquer inconstitucionalidade do art. 43º, nº3, d) da LGT, estando esta norma em plena conformidade com a reparação integral dos prejuízos causados ao contribuinte.
VII. DECISÃO
13. Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito que supra ficaram expostos, decide o Tribunal Arbitral:
— Julgar procedente o pedido arbitral e julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva;
— Consequentemente, julgar ilegal e anular o acto tributário de autoliquidação identificada na declaração Modelo 57, apresentada em 15/12/2021, que implicou o pagamento do valor de € 38.454,23 e a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa relativos ao Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário referente ao exercício de 2021;
E em consequência:
— Ordenar a devolução ao Requerente do montante de € 38.454,23, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados da data do seu pagamento até efetivo e integral reembolso.
VIII. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de € 38.454,23 (trinta e oito mil, quatrocentos e cinquenta e quatro euros e vinte e três cêntimos), de acordo com o disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º- A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicáveis por força do que se dispõe no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT.
IX. CUSTAS
Custas no montante de € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), a cargo da Requerida, por ter sido total o seu decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Registe e notifique.
Notifique o Ministério Público nos termos do artigo 17.º n.º3 do RJAT, e do artigo 72.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua redacção actual.
Lisboa, 25 de Novembro de 2024
O Árbitro
(Luís Menezes Leitão)