Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 593/2024-T
Data da decisão: 2024-11-18  IRS  
Valor do pedido: € 77.413,50
Tema: IRS- tributação de alienação de quinhão hereditário (cat. G).
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SUMÁRIO:

  1. A alienação de um quinhão hereditário não está prevista na norma de incidência do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS.
  2. A aplicação desta norma a essa realidade é ilegal.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Prof. Doutor Rui Duarte Morais (Presidente), Prof. Doutor Jónatas Machado e Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães (relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 05-07-2024, deliberam o seguinte:

           

1.         Relatório

 

A..., titular do NIF..., sujeito passivo de IRS pelo Serviço de Finanças de Vila Verde, representada perante a autoridade Tributária e Aduaneira (AT), enquanto sujeito passivo não residente, por. B..., com residência na Av. ..., n.º..., ...-... ..., notificada do despacho de indeferimento proferido na Direção de Finanças de Braga pelo senhor Chefe de Divisão ... (por subdelegação), no procedimento de reclamação graciosa autuado com o n.º ...2023... – tudo conforme ofício, e expediente junto, da referida Direção de Finanças n.º..., de 30-01-2024, de que para melhor identificação junta cópia, como doc. n.º 1, de 2 fls.; e não se conformando com o mesmo, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, REQUERER A CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA E PEDIR A PRONÚNCIA ARBITRAL de declaração de ilegalidade do mencionado despacho de indeferimento do Senhor Chefe de Divisão e bem assim da liquidação de IRS que era questionada no supra referido procedimento de reclamação graciosa, o qual tem por objeto:

i)         o indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada que correu na Direção Distrital de Finanças de Braga sob o processo n.º ...2023... a 29 de janeiro de 2024;

ii)        A liquidação de IRS em sede de categoria G, nº 2022... de 2022 no valor de € 77.413,50 (setenta e sete mil, quatrocentos e treze Euro e cinquenta cêntimos).

iii)       A repristinação a liquidação n.º 2022..., que apura o valor a pagar de € 192,00 (cento e noventa e dois Euro);

iv)       O pagamento de juros indemnizatórios ou moratórios que se mostrem devidos nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT ao abrigo do disposto no artigo 100.º da LGT.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira na data de 30-04-2024.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou em 17-06-2024 como árbitros do tribunal arbitral os acima referidos, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 17-06-2024 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 05-07-2024.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou, em 23.09.2024, resposta em que defendeu que os pedidos devem ser julgados improcedentes por impugnação dos fundamentos apresentados.

Por despacho de 25-09-2024, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e marcado o prazo de quinze dias para alegações simultâneas.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades. Não há exceções de que cumpra conhecer.

 

  1. Matéria de facto
  2.  

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

A.        A Requerente alienou, em 30-11-2021. A totalidade de  seu quinhão hereditário, obtido por disposição testamentária de C..., pelo montante de 325000,00 (trezentos e vinte e cinco mil Euros), o qual incluía os onze imóveis descritos no Doc. 5 junto com o PPA.

B.        A Requerente fez uma primeira declaração de IRS, da qual decorreu uma primeira liquidação de imposto – liquidação n.º 2022..., efetuada em 2022-06-22 – que apurou um valor a pagar de € 192,00.

C. Tal liquidação foi posteriormente substituída por nova declaração, da qual decorreu uma segunda liquidação – a liquidação n.º 2022..., ora impugnada.

D.        A Requerente reclamou graciosamente desta liquidação.

E.        A reclamação foi indeferida expressamente, com fundamentação que a seguir se analisara´.

                       

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não se retiram outros factos relevantes dos articulados por serem citações de textos legais, acórdãos ou posições de parte sem conteúdo fáctico.

 

3. Matéria de direito

 

A única questão de mérito objeto deste processo é:

1.         Saber se os ganhos (mais-valia) resultantes da venda de um quinhão hereditário estão sujeitos a IRS, na Categoria G, por força d0 artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS como pretende a Requerida.

 

3.1. Posições das Partes

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

 

- A venda de um quinhão hereditário não preenche o definido no artigo 10.º n.º 1 alínea a) do CIRS, não cabendo nem na previsão nem na estatuição desta norma de incidência.          

 

A Requerida defende:

-  A situação dos autos preenche definido no artigo 10.º n.º 1 alínea a) do CIRS, do que decorre a sujeição a tributação em sede de IRS pela categoria G.

 

3.2. Apreciação da questão.

 

A questão que é objeto deste PPA tem sido tratada pela jurisprudência de forma uniforme, concluindo pela ilegalidade da liquidação, pelo menos desde 2021.

De diversos arrestos do CAAD (que se citam, sem pretender ser exaustivo: 301/2024-T, 525/2023-T, 524/2023-T, 247/2022-T, 698/2022-T) resulta uma posição alinhada com a dos Tribunais superiores, eg. (STA), no processo n.º 0975/09, processo n.º 0450/14, em acórdão de 28-01-15.

Assumindo a posição de testar a bondade da solução maioritária, cabe deixar claro que a norma de incidência não admite interpretação extensiva nem analógica e o critério económico tem de ter respaldo legal – cfr. artigo 11.º da LGT.

Ora, alienar um direito sobre um património autónomo (herança) constituído por direitos e deveres não é a mesma coisa que alienar um direito de propriedade ou afim sobre um ou mais  imóveis, mesmo que a herança seja constituída apenas por imóveis. Não estando a alienação de herança prevista na norma de incidência das transmissões de direitos sobre imóveis não é possível tributá-la em sede de categoria G em IRS por força do princípio da tipicidade da lei fiscal.

Dúvidas parecem não existir quanto à aplicabilidade desta jurisprudência ao caso em concreto pelo que, sem mais, passamos à decisão.

Deixa-se consagrado que, foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, c) e e) do RJAT).

Está nesta categoria a repristinação da anterior liquidação, solicitada no PPA, que é competência da AT não podendo o Tribunal Arbitral compelir a Requerida à prática desse ato.

 

4. Decisão.

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando a anulação da liquidação impugnada de IRS com o consequente reembolso da importância indevidamente cobrada de € 77.413,50 (setenta e sete mil, quatrocentos e treze Euro e cinquenta cêntimos) acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até efetivo pagamento ao abrigo dos artigos 43.º e 100.º da LGT.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 77.413,50 (setenta e sete mil, quatrocentos e treze Euro e cinquenta cêntimos) nos termos do artigo 97.º - A, n.º 1, alínea a do CPPT, aplicável por remissão do artigo, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas: Vai a AT condenada em custas por ser sua a responsabilidade da ilegalidade existente, sendo o seu montante fixado em 2.448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito Euro).

 

Lisboa, 18 de novembro de 2024

 

 

Os Árbitros

 

 

Prof. Doutor Rui Duarte Morais

 

                                                               

 

Prof. Doutor Jónatas Machado

 

 

 

Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães (relator)