Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 567/2024-T
Data da decisão: 2024-11-27   Outros 
Valor do pedido: € 12.240,00
Tema: ASSB - Adicional de solidariedade sobre o setor bancário; igualdade e capacidade contributiva. contributiva. Direito da União Europeia
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SUMÁRIO

 

As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

 

Acórdão Arbitral

 

Os árbitros, Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Prof Doutor Rui Miguel Zeferino Ferreira e Dr. Amândio Silva (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I-RELATÓRIO

 

1. A..., CRL, titular do NIPC..., com sede em Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa (adiante designada como ‘Requerente’), tendo sido notificada, a 20-02-2024, do Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2023..., contra o ato de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (adiante ‘ASSB’), aprovado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, Lei do Orçamento do Estado Suplementar para 2020 (adiante ‘LOE Suplementar 2020’), por referência ao ano de 2022, vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (adiante ‘RJAT’), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, requerer a Constituição de Tribunal Arbitral, com vista  a anulação dos seguintes atos: (i) Decisão de Indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2023..., da autoria do Diretor de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (adiante ‘UGC’); e (ii)  Ato de autoliquidação do ASSB, por referência ao ano de 2022, no qual foi indevidamente liquidado e pago ASSB no montante total de € 853.820,05.

 

2.O pedido de Constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à AT nos termos regulamentares.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do RJAT, o Conselho Deontológico, designou os árbitros do Tribunal Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.

Desta forma, o Tribunal Coletivo foi regularmente constituído, em 2 de julho de 2024, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.

3-A fundamentar o pedido alega a Requerente, entre o mais:

  1. Depois de breve referência ao regime jurídico e enquadramento do ASSB nos impostos a Requerente alega que, como todos os impostos, visa fins gerais, desligadamente de qualquer contraprestação específica para quem o suporta;
  2. A Requerente conclui que o regime que cria o ASSB padece das seguintes ilegalidades e inconstitucionalidades materiais: i. Violação do Princípio Constitucional da Igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição, nas suas vertentes de generalidade e universalidade dos impostos e de proibição do arbítrio, na medida em que o ASSB é discriminatório, por ser aplicável a um setor específico e único sem que haja motivos suscetíveis de aplicação restrita ao setor em causa, revelando-se essa discriminação completamente arbitrária; ii. Violação do Princípio da Capacidade Contributiva, previsto nos artigos 13.º, 103.º e 104.º da Constituição, enquanto decorrência do Princípio da Igualdade Tributária, por total desadequação do ASSB a qualquer um dos elementos reveladores de capacidade contributiva dos sujeitos passivos, negligenciando e desconsiderando o respetivo regime tais critérios, sendo essa desconsideração igualmente injustificada; iii. Violação do Princípio da Proporcionalidade Legislativa, previsto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, na sua dimensão de proibição do excesso, dado que a consagração do ASSB, por um lado, revela-se uma medida desadequada, desnecessária e excessiva face ao objetivo alegadamente prosseguido pelo legislador aquando da sua criação e, por outro, resulta numa dupla tributação que recai sobre os respetivos sujeitos passivos porquanto coexiste com a CSB;
  3. A fundamentar as inconstitucionalidades a Requerente invoca, entre outras, as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 598/20222-T e 599/2022-T;
  4. A Requerida alega ainda a violação do Direito da União Europeia, designadamente a violação da liberdade de estabelecimento, prevista no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (adiante ‘TFUE’), bem como a violação da Diretiva 2014/59/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio, por o ASSB constituir um tributo sui generis, não previsto na Diretiva 2014/59/EU, o que viola o regime de contribuições consagrado na referida Diretiva e perverte o objetivo final de criação da própria Diretiva e do regime harmonizado europeu. E, de igual modo, são violados os princípios da concorrência e da liberdade de circulação de capitais. 

 

4- Quanto ao mérito, argumenta a Requerida, em suma:

  1. Depois de caracterizar o contexto da criação e enquadramento jurídico do ASSB, realçando o facto de a criação do ASSB estar indissociavelmente relacionada com o contexto histórico da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, tendo sido uma das várias medidas fiscais previstas no Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 41/2020, de 6 de junho, com vista a mitigar os impactos económicos e sociais decorrentes da resposta pública à crise sanitária, a Requerida dedica-se a discordar do Requerente quanto às ilegalidades /inconstitucionalidades suscitadas;
  2. A Requerida discorda da invocada violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade desde logo porque no âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade sujeitos e não isentos de IVA;
  3. A justificação aduzida pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficiam e que é apenas parcialmente colmatada, em matéria de fiscalidade indireta, pela tributação em sede de Imposto do Selo;
  4. Pelo que as instituições de crédito são, também elas, chamadas a contribuir, na medida da sua capacidade contributiva, para as receitas públicas, mais especificamente para o financiamento do sistema de segurança social, tal como sucede, por exemplo, com os restantes setores de atividade através do denominado “IVA social”;
  5. A Requerida discorda das demais alegadas inconstitucionalidades, designadamente relacionadas com a violação do princípio da igualdade na dimensão da capacidade contributiva chamando à colação a Decisão Arbitral proferida na Decisão arbitral n.º 609/2023-T e no voto de vencido aposto à decisão arbitral proferida no processo n.º 325/2023-T. 

 

5-Por despacho do Tribunal, de 24de setembro de 2024, foi dispensada a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT. Mais foi ordenada a notificação das partes para produzirem alegações escritas, sucessivas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do presente despacho e foi designado o dia 2 de dezembro de 2024 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

 

6-As partes alegaram, tendo a Requerida, nas contra-alegações, solicitado a junção aos autos de cópia do voto de vencido emitido pelo árbitro Dr. António Lima Guerreiro, aposto na Decisão arbitral proferida no processo n.º 548/2024-T. Admite-se essa junção por se tratar de matéria de direito do conhecimento do Tribunal.  

 

II-SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, nºs. 1 e 3 ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

III-FUNDAMENTOS

 

III-1-MATÉRIA DE FACTO

 

§1.º Factos dados como provados

  1. A Requerente é uma instituição de crédito, com sede principal e administração efetiva em Portugal, segundo a alínea c) do artigo 3.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (adiante ‘RGICSF’), e nos termos do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola (adiante ‘RJCAM’);
  2. Nos termos do n.º 1 do artigo 63.º do RJCAM, «O sistema integrado do crédito agrícola mútuo é o conjunto formado pela A... e pelas caixas agrícolas suas associadas»;
  3. De acordo com o artigo 1.º do RJCAM, «As caixas de crédito agrícola mútuo são instituições de crédito, sob a forma cooperativa, cujo objecto é o exercício de funções de crédito agrícola em favor dos seus associados, bem como a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária» (cit.);
  4. Atenta a sua natureza jurídica de cooperativa, a Requerente rege-se pelo disposto no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (adiante ‘RGICSF’) e pelo Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola (adiante ‘RJCAM’);
  5. No dia 27-06-2022, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB, relativo ao ano de 2022, através da submissão da Declaração Modelo 57 – cf. doc. n.º 2, já em anexo;
  6. Foi emitida a respetiva nota de cobrança, que se junta como doc. n.º 6, em anexo. 20.
  7. A Requerente procedeu ao pagamento da totalidade do montante autoliquidado – cf. comprovativo de pagamento, que se junta como doc. n.º 7, em anexo;
  8. A Requerente, em sede de Reclamação Graciosa, apresentada em 28-12-2023 (cf. doc. n.º 3, já em anexo), pediu a declaração de ilegalidade da respetiva liquidação do ASSB e o correspondente reembolso do montante pago indevidamente;
  9. Tal Reclamação Graciosa veio, contudo, a ser indeferida pela Autoridade Tributária (mais concretamente, pela Unidade dos Grandes Contribuintes), com base nos seguintes fundamentos: ▪ «17. Ora, tendo em conta a petição da Reclamante, desde logo se nota como não é suscitada qualquer questão respeitante a eventual ilegalidade da liquidação por erro quanto aos pressupostos da aplicação das normas do ASSB, no seu âmbito objetivo e subjetivo, vindo, somente, alegar a inconstitucionalidade deste regime. ▪ 18. Dito isto, e a respeito da conformidade constitucional da ASSB ou das normas que integram o seu regime, ou de qualquer outra figura tributária diga-se, tem sido a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não se pronunciar sobre o mérito de tais pretensões. ▪ 19. De facto, nenhuma outra posição seria admissível. ▪ (…) 26. Acrescente-se também que a Administração Pública, da qual a AT faz parte, não goza das mesmas prerrogativas dos tribunais, isto é, de desaplicar uma norma jurídica em caso concreto com fundamento na sua inconstitucionalidade e que no fundo será sempre uma suposição até pronúncia por parte do Tribunal Constitucional, conforme o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 280.º da CRP. ▪ (…) 30. Ora, não se encontrando prevista nas leis orgânicas da AT ou até do Ministério das Finanças a competência para o controlo legal ou constitucional de normas tributárias, nenhuma decisão nossa sobre o mérito do presente pedido poderá ser proferida sob pena de nulidade. ▪ 31. Deste modo, qualquer pronúncia, favorável ou não aos interesses da Reclamante, pecará sempre por inutilidade da mesma, razão pela qual nos abstemos de quaisquer demais considerações para além das já enunciadas. ▪ (…) 33. Nestes termos, deverá ser assim rejeitada a pretensão formulada» (cit.) – cf. doc. n.º 1, já em anexo);
  10. Não se conformando a Requerente deduziu o presente pedido arbitral.

 

 

§2.º Factos dados como não provados

Não há factos não provados que relevem para a decisão da causa.

 

§3.º Fundamentação da matéria de facto  

A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto assenta na prova documental junta aos autos pelas Partes, entendendo-se que os factos não oferecem controvérsia entre as Partes.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º1, alínea e), do RJAT.

O Tribunal formou a sua convicção, quanto à factualidade dada como provada, com base nos documentos juntos ao Pedido e no processo administrativo junto pela Autoridade tributária com a Resposta. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

 

 

 

III-2- MATÉRIA DE DIREITO

 

A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral peticionando a apreciação da legalidade dos atos tributários objeto do presente PPA, respeitantes ao regime jurídico do adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB), criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março) e constante do Anexo VI a essa Lei:

Nestes termos, e atentas as posições assumidas pelas Partes os argumentos apresentados e a matéria de facto dada como assente, identificam-se em concreto as questões a decidir:

  1. Qualificação jurídica-tributária do ASSB como um imposto;
  2.  Inconstitucionalidades por violação do princípio da igualdade, na vertente de violação do princípio da capacidade contributiva;
  3. Violação do Direito da União, em especial dos princípios da concorrência e da liberdade de circulação de capitais. 

 

Dispõe assim o artigo 124.º do CPPT (“Ordem de conhecimento dos vícios na sentença”) que:

«1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.»

Segundo o princípio enunciado no supracitado artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, a tutela mais eficaz e estável dos interesses ofendidos impõe que sejam conhecidas, em primeiro lugar, as ilegalidades com fundamento em inconstitucionalidades, seguindo-se, aliás, a ordem estabelecida pelo SP.

Previamente impõe-se tecer algumas considerações teóricas sobre o enquadramento jurídico constitucional do ASSB.

Vejamos.

 

III-2-1-Enquadramento jurídico e constitucional do ASSB

 

O ASSB foi introduzido na ordem jurídica portuguesa pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que procede à segunda alteração à Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2020) e à alteração de diversos diplomas. O regime jurídico do ASSB consta do Anexo VI à supramencionada Lei (Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho).

Na determinação do objeto do referido regime jurídico, estabelece-se que o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, fundamentado a partir da ideia de «compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras», aproximando assim a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores (artigo 1.º, n.º 2). Definem-se como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1).

Estabelece o regime jurídico do ASSB (cf. artigo 3.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho), que este tem como âmbito de incidência objetiva «o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos, com as especificações constantes do artigo 3.º».

Neste âmbito, o artigo 4.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho esclarece os termos de quantificação da base de incidência. No seu n.º 1, define assim como passivo o «conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros”. O mesmo normativo prevê ainda as exceções constantes nas suas diversas alíneas, e, como instrumento financeiro derivado, o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente (artigo 4.º, n.ºs 1, 2 e 3).

Segundo o n.º 4 deste normativo, «a base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.»

A lei define ainda as taxas aplicáveis e os procedimentos de liquidação e cobrança (cf. artigos 5.º a 8.º, todos do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho), consignando integralmente a receita do ASSB ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (artigo 9.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho).

Com referência ao regime jurídico do ASSB, cumpre assim apreciar.

 

III-2-2-Qualificação jurídica-tributária do ASSB e vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, na vertente de violação do princípio da capacidade contributiva

 

A discussão sobre a qualificação jurídico-tributária do ASSB foi já objeto de análise por vários tribunais a funcionar no CAAD[1], mas seguimos de perto em toda a sua extensão o consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 14/2024-T, já reproduzido na Decisão arbitral relativa ao processo n.º 347/2024-T, por terem em comum o mesmo juiz presidente.  

Refere-se, ainda, que, esta questão não oferece especial controvérsia entre as Partes, devendo aqui considerar-se o entendimento do Requerente, segundo o qual o ASSB apresenta caraterísticas de um verdadeiro imposto sobre o setor bancário e não de uma contribuição ou de um “adicional” da Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), relativamente ao qual esclarece a AT que, não contesta a qualificação jurídica do ASSB como imposto, explicitando apenas que se trata de um tributo que assume a natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras. Neste sentido, veja-se o ponto 15 da Resposta junta aos presentes autos que aqui se replica: «Conceptualmente, o ASSB apresenta-se como um tributo que assume natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras

“Neste âmbito, importa, no entanto, ter presente a classificação dos tributos existentes no sistema fiscal nacional. Dispõe o artigo 3.º, n.º 2 da LGT que: «Os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias, criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas». “Cabendo igualmente atender aos pressupostos materiais respeitantes aos diferentes tributos, constantes do artigo 4.º da LGT. 

“Ensina a doutrina que o imposto consiste numa prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receita, assentando essencialmente no princípio da capacidade contributiva, revelada nos termos da lei através do rendimento ou da sua utilização (consumo) e do património. SALDANHA SANCHES referiu-se à figura do imposto como «uma prestação pecuniária, singular ou reiterada, que não apresenta conexão com qualquer contra-prestação retributiva e de que é titular uma entidade pública que utiliza as receitas assim obtidas para a cobertura das suas despesas.[2]» Já a Taxa, na sua essência, é uma figura jurídica-tributária caracterizada enquanto prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de uma prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, de tal forma que «a sinalagmaticidade que caracteriza as quantias pagas a título de Taxa somente existirá quando se verifique uma contrapartida resultante da relação concreta com um bem semipúblico, que, por seu turno, se pode definir como um bem público que satisfaz, além de necessidades coletivas, necessidades individuais»[3]. “Por outras palavras, a Taxa constitui, qualitativamente, uma prestação tributária que pressupõe, ou dá origem a uma contraprestação específica, constituída por uma relação concreta (que pode ser ou não de benefício) entre o contribuinte e um sujeito tributário ativo tendo por objeto a utilização privativa um bem do domínio público (taxa de utilização), a prestação de um serviço público (taxa por prestação de serviços públicos), ou a outorga de um título habilitador por motivos de eficiente regulação de um mercado (taxa por emissão de licenças ou autorizações).

“Este entendimento é pacífico, e como se referiu, a questão não é divergente para as Partes nos presentes autos.

“Sobre a figura das contribuições (e sem que aqui se exponham as diferenças entre as contribuições especiais e financeiras), explica SÉRGIO VASQUES que «(…) que as contribuições constituem uma categoria intermédia de tributos públicos, a meio caminho entre a taxa e o imposto, distinguindo-se, quer pelo seu pressuposto, quer pela sua finalidade[4] “Importará ter em conta que a constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos. Assim, a doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Referindo-se a este tipo de figuras tributárias, ensinava SALDANHA SANCHES que, apresentam como particular distinção, o facto de se encontrarem «afectas ao financiamento de certas entidades públicas que comparticipam no preenchimento de objectivos políticos»[5]. Acrescenta ainda o referido autor que «enquanto os impostos comuns integram o “sistema fiscal (…) que visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado”, estas contribuições, que podemos considerar como tributos especiais, por serem tributos com finalidades financeiras específicas (Sonderagbage), são receitas consignadas à satisfação de fins concretos»[6].

“Desta forma, a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que «aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas».[7]

“Ora, como referido (vd. enquadramento jurídico) o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e constitui receita geral do Estado que é integralmente consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Desta forma, o seu objetivo e propósito difere do que caracteriza a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), que foi consensualmente caracterizada como uma contribuição financeira.[8] No caso do «ASSB não pode ser atribuída essa mesma natureza ao ASSB, na medida em que não existe conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário, como também não há uma relação específica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. E, nesses termos, não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caracterização do ASSB como contribuição financeira (idem, págs. 91-96).

E, por maioria de razão, está excluído que o ASSB possa integrar o conceito de taxa, uma vez que não estão em causa qualquer dos pressupostos enumerados no artigo 4.º, n.º 2, da LGT que permitam evidenciar o carácter de bilateralidade do tributo. Em face a todo o exposto, o ASSB constitui um imposto especial sobre o sector bancário, que, não obstante apresentar um âmbito de incidência semelhante à Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), não se limita a estabelecer uma nova taxa sobre a matéria coletável dessa contribuição, nem um novo imposto sobre a coleta, e, nesse sentido, não corresponde a um adicional ou a um adicionamento, mas a um imposto autónomo.»[9] (sobre o conceito de adicional e de adicionamento, cfr. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª edição, Coimbra, pág. 79; no sentido da qualificação do ASSB como imposto, Filipe de Vasconcelos Fernandes, ob. cit., pág. 92, e a decisão arbitral proferida no Processo n.º 504/2021-T).»

“De resto, e como se disse, a própria AT na Resposta considera o ASSB como um imposto indireto que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras.

“Considerando a sua qualificação jurídica-tributária como um imposto, entende o Requerente que é manifesta a violação do princípio da igualdade tributária na vertente da capacidade contributiva, já que o ASSB se assume como um imposto discriminatório incidente sobre o setor bancário com clara discriminação deste setor em relação aos restantes setores da sociedade e, por isso, violador do princípio da igualdade, nas suas vertentes de proibição do arbítrio, do respeito pela capacidade contributiva, da proporcionalidade e do arbítrio.

“Também sobre esta questão acompanhamos a jurisprudência que antecede, no qual, citando CASALTA NABAIS se afirma que: «o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 11ª edição, Coimbra, 2021, págs. 154-155). (…)”.

“O princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da (in)admissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adotadas pelo legislador fiscal, tem expressão na ideia, afirmada, entre outros, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, da necessária «a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo». O Tribunal Constitucional tem vindo a adotar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos, sem descurar a proibição do arbítrio como um elemento relevante para aferir da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema. Seguindo este raciocínio, o princípio da igualdade tributária concretiza-se pela generalidade e uniformidade da lei de imposto (destinada a ser aplicada a todos sem exceção), tratando de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva. Por último, o princípio da igualdade exprime a proibição do arbítrio, e nesse sentido proíbe qualquer discriminação entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional.

“A este propósito e a respeito do ASSB, decidiu-se no Acórdão arbitral proferido no processo n.º 599/2022 – T, de 25.04.2023, pela violação do princípio da igualdade, com a fundamentação que a seguir se transcreve e à qual se adere: «Da leitura da norma de incidência pessoal (subjetiva) deste imposto, resulta claro que apenas as instituições de crédito, ou seja, apenas um sector das empresas (pessoas coletivas) com fins lucrativos, são sujeitos passivos deste imposto. Mais, o carácter sectorial da incidência subjetiva deste imposto não oferece dúvidas, pois é expressamente afirmado pelo legislador: O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores (artº 2 do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho).

Em nosso entender, a expressa previsão, pela revisão constitucional de 1987, da figura das contribuições financeiras decorreu do reconhecimento da necessidade da existência de tributos sectoriais que, antes, estariam feridos de inconstitucionalidade, pois este tipo de tributos não preenche nem as caraterísticas próprias das taxas nem as dos impostos. O mesmo é dizer que entendemos que, à luz da nossa Constituição, os únicos tributos sectoriais admissíveis são as contribuições financeiras.

O certo é que a caraterística generalidade é, pacificamente, aceite pela jurisprudência, e pela doutrina, como essencial a um imposto: O dever de os cidadãos pagarem impostos constitui uma obrigação pública com assento constitucional. Como tal, está sujeito a algumas regras equivalentes às dos direitos fundamentais, designadamente os princípios da generalidade e da igualdade, ou seja, de que devem estar sujeitos ao seu pagamento os cidadãos em geral (artigo 12º, n.º 1), e devem estar sujeitos a ele em idêntica medida, sem qualquer discriminação indevida (artigo 13º, n.º 2), isto constituído o princípio da igualdade tributária.” (acórdão TC n.º 348/97, de 29-04-1997) [sublinhados nossos].

No caso do ASSB, a idêntica medida que este imposto visa tributar são as “realidades” enumeradas no art. 3º do anexo VI da Lei n.º 27-A/2020. Ora, podemos assumir - cremos que incontestavelmente - que existem outros contribuintes detentores dos mesmos índices de capacidade contributiva (assumindo, por mera disciplina de raciocínio, que as “realidades “que constituem a base de incidência do ASSB podem ser entendidas como constituindo índices de capacidade contributiva), os quais não resultam tributados neste imposto.

Com o TC, no acórdão nº 695/2014, de 15 de outubro, diremos: Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (nestes precisos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2010) [sublinhados nossos].

Parece-nos manifesto que, em razão do que antes ficou dito, a definição legal da incidência subjetiva do ASSB não cumpre com a exigência de constitucional de generalidade, o mesmo é dizer, viola o princípio constitucional da igualdade tributária.

Da incidência subjetiva deste imposto resulta que o sector bancário é vítima de uma discriminação negativa face aos restantes sectores de atividade económica, o que é patente e não tem a menor justificação ou fundamento que o possa sustentar. Exige-se mais um imposto ao sector bancário para o financiamento da Segurança Social, mediante a consignação da receita do ASSB ao FEFSS, como se este sector da atividade económica estivesse em alguma situação de vantagem em sede das contribuições (contribuições das entidades bancárias e cotizações dos seus trabalhadores) ou tivesse algum especial dever de financiar a Segurança Social.»

“Com integral relevância para a matéria em apreço, cita ainda este Tribunal o entendimento e consequente decisão proferida pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho, tendo este decido julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o ASSB, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária. Refere este Tribunal (Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho) que:

«2.4.1. Antes de mais, deve sublinhar-se que, embora os apontados parâmetros não se confundam, encontram-se profundamente interligados – a ideia de igualdade tributária, enquanto manifestação, no âmbito tributário, do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, aponta para a proibição de discriminações ou igualizações arbitrárias, sem fundamento; o princípio da capacidade contributiva, que é por si próprio um critério tendente a assegurar a igualdade tributária, exige que os factos tributários sejam suscetíveis de revelar a capacidade do sujeito passivo para suportar economicamente o tributo. Como se sintetiza no Acórdão n.º 344/2019: “[…]

A conformação legal das várias categorias de tributos está sujeita ao princípio da igualdade tributária, enquanto expressão do princípio geral da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” – proibição do arbítrio –, e a
socorrer-se de critérios que sejam materialmente adequados à repartição das categorias tributárias que cria.

No tocante aos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, pois, tratando-se de exigir que os membros de uma comunidade custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um; já quanto aos tributos comutativos e paracomutativos, o critério distintivo da repartição é o da equivalência, pois, tratando de remunerar uma prestação administrativa, a solução justa é que seja paga na medida dos benefícios que cada um recebe ou dos encargos que lhe imputa.

De facto, o Tribunal Constitucional, de forma reiterada e uniforme, considera que em matéria de impostos o legislador está jurídico-constitucionalmente vinculado pelo princípio da capacidade contributiva decorrente do princípio da igualdade tributária consagrado no artigo 13.º e/ou nos artigos 103.º e 104.º da CRP. Consistindo a igualdade em tratar por igual o que é essencialmente igual e diferente o que é essencialmente diferente, não é suficiente estabelecer distinções que não sejam arbitrárias ou sem fundamento material bastante; exige-se ainda que os factos tributáveis sejam reveladores de capacidade contributiva e que a distinção das pessoas ou das situações a tratar pela lei seja feita com base na capacidade contributiva dos respetivos destinatários (Acórdãos n.ºs 57/95, 497/97, 348/97, 84/2013, 142/2004, 306/2010, 695/2014, 42/2014, 590/2015, 620/2015 e 275/16). […]”. [nosso sublinhado]

Refere ainda o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho, em citação que:

«Não se afigura, todavia, que a isenção de IVA constitua “fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa”, desde logo pelas razões que se consignaram no Acórdão n.º 149/2024, às quais aqui regressamos:” […] [nosso sublinhado]

O estabelecimento da necessária conexão entre uma realidade e outra não é possível, desde logo, porque não há uma relação de contornos suficientemente definidos entre o regime do IVA no setor financeiro e o sistema de financiamento da Segurança Social.

Ainda que essa conexão pudesse ser estabelecida – e não se vê como –, seria impossível presumir uma qualquer prestação administrativa (ainda que presumida) que suportasse a bilateralidade do tributo.

Assim é, em primeiro lugar, porque muitas das operações financeiras não sujeitas a IVA são sujeitas a Imposto do Selo, existindo, inclusivamente, uma regra de incidência alternativa no artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo. Assim, o “benefício” da isenção em sede de IVA não corresponde linearmente a uma isenção de tributação. [nosso sublinhado]

Em segundo lugar, e independentemente da incidência de Imposto do Selo, a “isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras” dificilmente pode ser vista como um benefício para as entidades do setor financeiro, uma vez que, na generalidade das hipóteses contempladas, se trata de uma isenção incompleta, que, como tal, não confere direito à dedução (“[…] no caso das isenções incompletas (que limitam o direito à dedução), a despesa fiscal apenas se traduz no valor acrescentado da última operação da cadeia de valor, por contraposição às isenções completas (que conferem o direito à dedução), em que a despesa contempla todo o valor acrescentado gerado ao longo da respetiva cadeia” – cfr. o relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais, Os Benefícios Fiscais em Portugal, 2019, disponível em ttps://www.portugal.gov.pt/, p. 51). Como refere Raquel Machado Lopes Moreira da Costa, Tributação indireta dos serviços e operações financeiras – a Reforma da Diretiva do IVA, disponível em https://www.isg.pt/, p. 1:

“[…]

Atualmente assiste-se, a nível europeu, a uma grande necessidade de definição do regime de tributação indireta dos serviços financeiros, o qual tem sido objeto de diversas e sucessivas propostas de alteração, sem que se tenha alcançado uma versão verdadeiramente satisfatória para todos os interessados.

A nível nacional, estes serviços sofrem de uma “síndrome multilateral” – são objeto de Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo, no entanto, em grande parte, deste isentos. Esta isenção, sendo incompleta, não possibilita a dedução do IVA pago a montante. Assim, verifica-se o pagamento de imposto oculto que, acrescido ao Imposto do Selo a que é sujeito pela não tributação em sede de IVA, se revela um custo. Dado o caráter complementar que o primeiro tem face ao segundo, gera um aumento significativo dos custos para o operador económico e naturalmente do preço do serviço para o consumidor. […]”.

Acresce que o regime fiscal das operações financeiras é complexo e cobre um conjunto heterogéneo de atos dificilmente reconduzíveis a características comuns que permitam o reconhecimento da tal prestação presumida.

Por fim, a modelação de isenções de operações financeiras não está na total disponibilidade do legislador nacional (cfr., designadamente, os artigos 135.º e ss. da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado). […]”.

Não se trata, assim, de um juízo que careça de verdadeira ponderação entre a razão justificativa que sustenta o tributo e as características desse mesmo tributo, porque essa razão justificativa é manifestamente carecida de sentido, assentando em ligações não verificadas. As entidades do setor financeiro não têm um benefício que justifique o imposto pela circunstância de algumas operações serem isentas de IVA. Desde logo, tratar-se de uma isenção incompleta não é algo secundário nesta análise, uma vez que, ao não ser possível a dedução do IVA suportado a montante, aquelas entidades vê-lo-ão economicamente repercutido sobre si por quem lhes vendeu bens e prestou serviços necessários à sua atividade, sem que por sua vez o possam repercutir sobre os sujeitos a quem prestam serviços e sem que possam compensar esse efeito adverso pela dedução do imposto suportado, o que ocorreria no caso de uma isenção completa. Acresce que a isenção de IVA é, como vimos, tendencialmente alternativa da sujeição a imposto do selo. [nosso sublinhado]

Neste contexto, pode questionar-se em que medida as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1, do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que delimita a incidência subjetiva do imposto) – que já são sujeitas a IRC e à CSB – se encontram numa posição particular, face a outros sujeitos isentos de IVA (alguns com isenções completas) que torne justificada a sujeição a um segundo imposto, sem que se encontre uma resposta minimamente satisfatória, muito menos quando a justificação do legislador passa por “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social”, que nenhuma relação aparente tem com a isenção de IVA, que, só por si, insiste-se, também não se afiguraria justificação bastante para tributar, ou melhor, para diferenciar tributando.

Com o que terá de se concluir, com a decisão recorrida, que “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.

Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária. [nosso sublinhado]

“Acrescenta ainda o Tribunal Constitucional que,

«As considerações precedentes conduzem, sem dificuldade, à análise da violação do princípio da capacidade contributiva. […]

Na verdade, ao contrário da CSB, que é uma contrapartida da prevenção de riscos sistémicos no sistema financeiro – o que torna justificada e aceitável a incidência sobre o passivo dos sujeitos passivos – o ASSB não encontra, como vimos, uma correspondência com qualquer prestação pública, ou seja, prefigura-se como um tributo puramente destinado à angariação de receita, apresentando-se como problemática a suscetibilidade de, neste contexto, o passivo, só por si, revelar a capacidade de suportar economicamente o imposto. A possível interferência com o princípio da capacidade contributiva compreende-se sem dificuldade, neste contexto, entendido tal princípio nos termos assim resumidos no Acórdão n.º 178/2023. [nosso sublinhado] […]

Não surpreende, pois, que o artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária preveja que os impostosassentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”. […]

Afastada a integração do passivo num dos clássicos indicadores da capacidade contributiva (neste caso apenas o rendimento e o património), a verdade é que as indicações do legislador são, pelas razões atrás explicitadas, inaproveitáveis. Não sobeja, deste modo, qualquer indicador razoável e objetivo da capacidade contributiva dos sujeitos passivos.  […]

Em suma: como se afirma na decisão recorrida, “[no] caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.

Mostra-se, enfim, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional do acórdão recorrido à violação do princípio da capacidade contributiva. [nosso sublinhado]

“Manifesta assim este Tribunal a sua concordância com o entendimento acima exposto, salientado igualmente o sentido da decisão proferida no Processo n.º 325/2023-T, com a qual se concorda:

«Já o ASSB é um verdadeiro imposto que constitui receita geral do Estado e se encontra consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, e, embora destinado a fazer face de modo indistinto às necessidades de financiamento da segurança social, carateriza-se como um imposto sectorial na medida em que incide exclusivamente sobre o sector financeiro, e, nessa medida, discriminatório e atentatório do princípio da igualdade, nas vertentes já referidas.

No caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam. A criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.».

Neste sentido, refere-se, ainda, a decisão proferida no Processo n.º 329/2023-T: «Pelo que que há que concluir que o ASSB viola, efetivamente, o princípio da igualdade tributária, na sua vertente de generalidade da lei do imposto, que decorre do art.º 13º da CRP.»

Pela análise que se expõe, reiterando este Tribunal a sua concordância com a decisão do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho, conclui-se que as normas conjugadas contidas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

 

Por último, importa realçar que o mesmo regime já foi considerado ilegal à luz do Direito da União, conforme resulta do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 21 de dezembro de 2023, proferido no seguimento de reenvio prejudicial promovido no âmbito de outro processo arbitral tributário no CAAD.

Apesar de se poder considerar prejudicada a sua análise, no caso concreto, porquanto pronunciando-se este Tribunal pela inconstitucionalidade das normas pertinentes ao caso, o que acarreta a desaplicação em concreto das mesmas, deixa de existir qualquer conflito entre o direito nacional aplicável e o primado do Direito da União, importa sublinhar que a jurisprudência do mencionado acórdão vai no sentido do atrás fixado.         

O Acórdão proferido pelo TJUE, em 21-12-2023, veio declarar que:

1)      A Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.° 1093/2010 e (UE) n.° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução.

2)      A liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito com sede situada no território desse Estado‑Membro, das filiais e das sucursais das instituições de crédito cuja sede se situa no território de outro Estado‑Membro, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais.

Como resulta das indicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o ASSB que onera indistintamente todo o setor bancário em Portugal, incluindo as instituições de crédito residentes, as filiais e as sucursais portuguesas das instituições de crédito não residentes, tem por objetivos apoiar financeiramente o sistema nacional de segurança social e restaurar o equilíbrio entre a carga fiscal suportada por esse setor, que beneficia de uma isenção do IVA sobre a maior parte dos serviços financeiros, e a suportada por todos os outros setores da economia portuguesa.

Por sua vez, nos considerandos 51 a 65 do Acórdão, dos quais se transcrevem apenas alguns excertos, pode ler-se:

«À luz destes objetivos, as disposições nacionais apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não procedem a nenhuma distinção entre as instituições de crédito residentes e as filiais e as sucursais de instituições de crédito não residentes.

52. De resto, não resulta da decisão de reenvio que o objeto e o conteúdo das disposições nacionais em causa procedem a essa distinção.

53. Por conseguinte, nada parece indicar que a situação de uma instituição de crédito não residente que exerce a sua atividade através de uma sucursal não seja objetivamente comparável à situação de uma instituição de crédito residente ou de uma filial de uma instituição de crédito não residente.

54. Segundo, no que se refere à justificação da diferença de tratamento por uma razão imperiosa de interesse geral, o Governo português afirma, nas suas observações escritas, que a vantagem fiscal conferida pela regulamentação nacional em causa no processo principal às instituições de crédito residentes, e às filiais de instituições de crédito não residentes, se justifica pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal nacional.

55. Ora, segundo jurisprudência constante, para que tal justificação possa ser admitida é necessário que se demonstre a existência de um nexo direto entre a vantagem fiscal em causa e a compensação da mesma através de uma determinada cobrança fiscal (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de junho de 2018, Bevola e Jens W. Trock, C‑650/16, EU:C:2018:424, n.° 45, e de 27 de abril de 2023, L Fund, C‑537/20, EU:C:2023:339, n.° 68 e jurisprudência referida).

56. No caso em apreço, nenhum elemento dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça indica que a dedutibilidade dos capitais próprios da base de incidência a título do ASSB é compensada por uma determinada cobrança fiscal, suportada pelas instituições de crédito residentes e pelas filiais de instituições de crédito não residentes.

57. Daqui resulta que a restrição à liberdade de estabelecimento operada pela regulamentação nacional em causa no processo principal não pode ser justificada pela necessidade de preservar a coerência do regime fiscal português. (…)

62. No caso em apreço, a República Portuguesa escolheu não tributar as instituições de crédito residentes e as filiais de instituições de crédito não residentes no que respeita aos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios.

63. Assim sendo, este Estado‑Membro não pode invocar a necessidade de assegurar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros para justificar a tributação das sucursais de instituições de crédito não residentes no que respeita a esses instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios.

64. Daqui resulta que a restrição à liberdade de estabelecimento operada pela regulamentação nacional em causa no processo principal não se afigura justificada pela necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros.

65. Por conseguinte, há que responder à segunda questão que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito residentes, bem como das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais.»

 

III-2-3-Vícios de conhecimento prejudicado

 

Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, tendo o Requerente obtido total ganho de causa em razão de este tribunal arbitral ter considerado procedente o primeiro vício apreciado em razão da ordem disposta nos termos do artigo 124.º do CPPT, não o tendo sido aqueles cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – artigo 608.º do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT. Fica assim prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados.

 

III-3-Juros indemnizatórios

 

O Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

De acordo com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Tal regime está em sintonia com o resultante do artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o que, por sua vez, remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos a seguir mencionados.

No entanto, no caso refira-se, ainda, a título de exemplo, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Junho de 2022, proferido no processo n.º 93/21.7BALSB, acima referido, onde se decidiu:“(…) examinemos a questão do termo inicial da obrigação de juros indemnizatórios, quando ligado à existência do procedimento gracioso de revisão oficiosa.

Nesta sede, deve confirmar-se a orientação jurisprudencial, que se tem por consolidada, do Pleno da Secção deste Tribunal, de que é expressão o acórdão lavrado no processo nº.51/19.1BALSB e datado de 11/12/2019, a qual se expressa no seguinte: pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr. artº.78, nº.1, da L.G.T.) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, al.c), da L.G.T., mais não relevando o facto de a A. Fiscal o ter decidido, embora indeferindo, em período inferior a um ano (cfr. v.g. ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 11/12/2019, rec.51/19.1BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.5/19.8BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 29/06/2022, rec.93/21.7BALSB).”.

Face ao exposto, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e de autoliquidação do ASSB, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos da citada jurisprudência.

 

Como vimos, a Requerida alega inexistir direito a juros indemnizatórios por não haver erro imputável aos serviços e suscita diversas inconstitucionalidades designadamente da norma do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), por esta condenação ser ilegal, decorrente da inconstitucionalidade daquela norma, por violação dos arts. 281º, 282º e 18º da CRP, nos termos suprarreferidos, dado que a AT não tinha disponibilidade legal de decidir de modo diferente, sob pena de violação dos identificados preceitos constitucionais.

Argumenta, ainda, a Requerida que “Nesta exata medida, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, em caso de vencimento na impugnação, é violadora do princípio da proporcionalidade (art. 18º n.º 2 da CRP), uma vez que não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu, sendo, contudo, sancionada com o pagamento de juros indemnizatórios.” “Ou seja, há falta de correspondência entre o objetivo dos juros indemnizatórios, que é reparar a privação indevida de meios financeiros do Contribuinte, e uma atuação da AT que lhe impute culpa na privação desses meios financeiros.”

Ora, em primeiro lugar, no caso concreto, a condenação em juros não assenta na norma cuja inconstitucionalidade é suscitada.

Não obstante o exposto, sempre se dirá que não assiste razão à Requerida.

No essencial a argumenta a Requerida que não lhe cabe apreciar as questões de inconstitucionalidade nem de ilegalidade por violação do Direito da União, uma vez que o único parâmetro a que está vinculada é ao princípio da legalidade e que só os Tribunais estão vinculados a não aplicar normas cuja inconstitucionalidade seja suscitada ou qualquer norma que viole o Direito da União. Para a Requerida, no fundo, ao ser condenada ao pagamento de juros tudo se passa como se estivesse a ser condenada por atuação culposa, quando não teve qualquer intervenção direta ou indireta na autoliquidação.

Na verdade, não se pede à Requerida que desaplique normas por inconstitucionalidade ou ilegalidade por violação do Direito da União. Em especial, não se lhe pede que proceda a desaplicação de normas com base num juízo de desconformidade com normas constitucionais, uma vez que este juízo é reservado pela Constituição aos tribunais, no controlo concreto da fiscalização da CRP. O que se pede à Requerida é que seja proferida decisão de anulação da liquidação ainda com base num juízo de ilegalidade fundada na inconstitucionalidade das normas aplicadas. Como referem GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA “Nesses casos de impugnação que suscitam a questão de inconstitucionalidade de uma norma, aplicam-se as regras gerais da fiscalização da constitucionalidade, nomeadamente quanto à competência do TC, limitada ao recurso sobre a questão de constitucionalidade da norma em causa (cfr. AcTC n.º 84/99” (cfr Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 4ª ed. Revista, p. 906.)

Por conseguinte, o pagamento de juros indemnizatórios não se baseia em qualquer juízo de culpa da Requerida. Por um lado, o regime seguido pelo SP é o estipulado pela CRP, no controlo incidental das normas, limitando-se a Requerida a ter de o seguir e, por outro lado, a condenação no pagamento de juros indemnizatórios não pode ser vista como uma sanção por atuação culposa da Requerida, mas como mera decorrência dos efeitos da decisão anulatória do tribunal. Como vimos supra, é a lei a impor à Requerida que em caso de vencimento, proceda à reconstituição da situação jurídica do SP, tal como existiria sem ilegalidade da liquidação impugnada. Neste contexto, se o SP pagou indevidamente o imposto porque ilegalmente liquidado deve ser indemnizado.             

 

 

IV-DECISÃO

 

Termos em que se decide neste tribunal:

  1. Julgar procedente o pedido arbitral e julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva;
  2. Julgar ilegal e anular o ato tributário de indeferimento da reclamação graciosa impugnada e, nesta sequência,
  3. Anular a autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário referente ao exercício de 2022, no montante de €853.820,05;
  4. Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente o valor da quantia indevidamente paga acrescida do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos supra.

 

 

V-Valor da Causa

Fixa-se o valor do processo em € 853.820,05, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).

 

 

VI-CUSTAS

O valor das custas é fixado em € 12. 240,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 5 do RCPAT.

 

NOTIFICAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento da impugnação, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional.

Notifique-se.

Lisboa,  27 de novembro de 2024

 

                                                    O Tribunal Coletivo,

 

                                                   Fernanda Maçãs

                                                 (Árbitro presidente)

 

 

 

Rui Miguel Zeferino Ferreira

(Árbitro vogal)

 

 

 

Amândio Silva

 

(Árbitro vogal)

 

 



[1]    Vd. entre outras: Acórdão arbitral proferido no processo n.º 598/2022 – T, de 21.03.2023; Acórdão arbitral proferido no processo n.º 325/2023 – T, de 26.02.2024; Decisão arbitral proferida no processo n.º 156/2018 - T, de 10.05.2019; Decisão arbitral proferida no processo n.º 21/2023-T de 29.06.2023; e Acórdão arbitral proferido no processo n.º 599/2023-T de 25.04.2023.

[2]    Cfr. SANCHES, J.L. Saldanha (2001), «Manual de Direito Fiscal», p. 22.

[3]      Cfr. J.J. TEIXEIRA RIBEIRO (1985), «Noção Jurídica de Taxa», Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 117.º, p. 291.

[4]    Cfr. VASQUES, Sérgio (2011), VASQUES, Sérgio, «Manual de Direito Fiscal», Almedina, p. 221.

[5]      Cfr. SANCHES, J.L. Saldanha (2007), «Manual de Direito Fiscal», 3.ª Edição, Coimbra Editora, p. 58.

[6]      Cfr. SANCHES, J.L. Saldanha (2007), Ob.cit., p. 59.

[7]    Gomes Canotilho e Vital Moreira. Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095.

[8]    Cfr., entre outros, Acórdão do STA de 25 de janeiro de 2023, Processo n.º 01622/20, in www.dgsi.pt.

[9]    Neste sentido, vd. Ac. Arbitral proferido no processo n.º 379/2023, de 18 de dezembro; Decisão arbitral proferida no Processo n.º 504/2021-T.