SUMÁRIO:
No regime jurídico do ASSB (anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho), as normas conjugadas do n.º 2 do artigo 1.º, do artigo 2.º e da alínea a) do artigo 3.º, são inconstitucionais por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
Decisão Arbitral
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RELATÓRIO
A..., S.A., com sede na ..., n.º ..., Porto, pessoa coletiva n.º ... (doravante designado por “Requerente”), veio apresentar, em 18 de março de 2024, pedido de pronúncia e constituição de Tribunal arbitral, em que é requerida a “Autoridade Tributária e Aduaneira” (doravante designada por “Requerida” ou “AT”), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (RJAT), em conjugação com os artigos 1.º e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) é apresentado na sequência de notificação, em 22 de janeiro de 2024, do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa da autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (ASSB), referente ao ano de 2021, submetida pelo Requerente a 14 de dezembro de 2021, através da declaração Modelo 57 n.º..., com imposto apurado e pago no valor de € 3.606.657,32.
Em 10 de maio de 2024, dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foram os signatários designados como árbitros pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2 do RJAT, tendo as nomeações sido aceites, no prazo e termos legalmente previstos.
Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de as recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
Em 28 de maio de 2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data (notificado a 28 de maio de 2024), no sentido de notificar a Requerida, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, para apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.
A Requerida, em 05 de julho de 2024, apresentou Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído no sentido de que “(…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências, pela manifesta conformidade constitucional do ASSB”. Na mesma data, a Requerida anexou aos autos cópia do processo administrativo.
Por despacho arbitral de 16 de setembro de 2024, foram ambas as Partes notificadas da dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo o Requerente sido ainda notificado para proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente e à junção aos autos do respetivo comprovativo (o que veio a juntar em 18 de setembro de 2024). Por último, foi ainda referido que a decisão final seria proferida até ao dia 28 de novembro de 2024.
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Posição do Requerente
O Requerente apresenta o PPA com vista à anulação do ato tributário de autoliquidação de ASSB do ano de 2021, invocando nesse pedido, em síntese, o seguinte:
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“Estando em causa a legalidade da autoliquidação do ASSB e tendo este a natureza de imposto, o Tribunal Arbitral é materialmente competente para julgar o pedido de pronúncia arbitral. (…)
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Que tendo sido notificado do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa da autoliquidação do ASSB em 22 de janeiro de 2024, atento o prazo legal para impugnar o ato tributário, através de pedido de constituição de Tribunal Arbitral, a respetiva apresentação é tempestiva.
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"A norma de incidência subjectiva constante do artigo 2.º, n.º 1, do RASSB, ao definir como sujeitos passivos somente as instituições de crédito, filiais e sucursais aí elencadas, incluindo de forma discriminatória apenas entidades do sector bancário, visando assim um único sector de contribuintes para suportar uma despesa de que esse sector apenas é responsável em parte, viola os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP (…)"
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Que a "(…) incidência subjectiva é gravemente violadora dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, atenta a injustificada e arbitrária discriminação que comporta."
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Atento o disposto nos artigos 1.º e 2.º do Regime do ASSB, verifica-se que o imposto "(…) incide subjectiva e injustificadamente sobre um determinado grupo de contribuintes (…), uma vez que se tributa exclusivamente o sector bancário, quando existem outros sectores que beneficiam igualmente de isenção de IVA."
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Que o "(…) princípio da igualdade tributária obriga a tratar (rectius tributar) de forma igual o que é igual, na medida da igual capacidade contributiva."
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Que a "(…) discriminação é evidente, por exemplo, face ao sector segurador, que à semelhança do sector bancário está isento de IVA sobre a esmagadora maioria dos seus outputs, mas ainda assim não ficou sujeito ao ASSB (…)".
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Alega, ainda, que “(…) o "IVA social" é calculado por referência às receitas gerais efectivas do IVA aplicável a todos os sectores da actividade económica (e não somente do sector bancário) - v. artigo 8.º, n. º1, do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de Novembro.”
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Termos em que o Requerente considera que "(…) esta restrição ilegítima de incidência subjectiva reputa-se de duvidosa conformidade constitucional à luz do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, na medida em que onera com especial ênfase o sector financeiro, sem que seja evidente a superior capacidade contributiva daquele sector face aos restantes sectores económicos, em especial aqueles também isentos de IVA, (…).
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(…) não existe justificação racional para pretender onerar fiscalmente de forma mais acentuada as empresas do sector bancário relativamente às restantes empresas de sectores também eles isentos de IVA.”
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Que a norma de incidência é “(…)violadora do princípio da igualdade, na medida em que se tributa de forma desigual (rectius, até agravadamente) situações iguais, encerrando necessariamente uma discriminação entre contribuintes gritantemente irracional ou arbitrária.
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(…) a norma de incidência subjectiva constante do artigo 2.º, n.º 1, do RASSB, ao definir de forma discriminatória como sujeitos passivos somente as entidades do sector bancário, viola o princípio constitucional da igualdade e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP.” (…)
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O Requerente, igualmente, entende que “(…) a norma apontada relativa à incidência objectiva é claramente violadora dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, concretizados no artigo 13.º da CRP, em conjugação com os artigos 103.º e 104.º da CRP, no sentido em que estabelecem, de forma discriminatória, uma tributação exclusiva do sector financeiro.” (…)
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“(…) a norma de incidência objectiva constante do artigo 3.º, als. a) e b), do RASSB, ao coincidir com a norma de incidência objectiva da CSB [artigo 3.º, als. a) e b) do Regime da CSB, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro], tributando aquele imposto os factos já tributados pela CSB, viola os princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade (nas vertentes de proibição do excesso e da adequação), consagrados nos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP e no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, respectivamente, inconstitucionalidade essa que se invoca para todos os efeitos legais, incluindo para a anulação do acto de autoliquidação.”
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“(…) estamos perante um caso de dupla tributação jurídica doméstica, uma vez que os sujeitos passivos e a base de incidência do ASSB e da CSB são iguais (v. artigos 2.º e 3.º do RASSB e do Regime da CSB).
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A norma de incidência objectiva constante do artigo 3.º, als. a) e b), do RASSB, ao tributar uma realidade que não está contemplada no artigo 104.º da CRP enquanto índice de capacidade contributiva, é inconstitucional por violação do princípio da capacidade contributiva, assim como do princípio da tipicidade consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, devendo por isso o acto de autoliquidação ser anulado.
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“(…)estamos perante uma forma de tributação não prevista na Constituição, que prevê somente a tributação sobre o rendimento, o património e o consumo.” (…)
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Considera o Requerente que as inconstitucionalidades por si invocadas são “(…) parte integrante do bloco de legalidade a que a actuação da AT se deverá sujeitar, atento o artigo 12.º, n.º 1, da LGT,” motivo pelo qual considera que a violação desses princípios comporta ainda um vício de violação de lei, gerador de anulabilidade, nos termos dos n.ºs 1 e 3, do artigo 163.º, do Código de Procedimento Administrativo”.
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Por fim, entende que são “(…) devidos juros indemnizatórios sobre o ASSB autoliquidado, que deverá ser anulado e restituído, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, aplicáveis ex vi artigo 24.º, n.º 5, do RJAT”.
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Em consequência, vem requerer o deferimento do pedido e, em conformidade, que o Tribunal Arbitral determine:
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“A anulação da autoliquidação de ASSB em apreço, nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d), do CPPT, assim como do indeferimento da reclamação graciosa, por inconstitucionalidade de várias normas do RASSB, designadamente:
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Inconstitucionalidade da norma de incidência subjectiva constante do artigo 2.º, n.º 1, do RASSB, por violação do princípio constitucional da igualdade e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP;
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Inconstitucionalidade da norma de incidência objectiva constante do artigo 3.º, als. a) e b), do RASSB, por violação dos princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade (nas vertentes de proibição do excesso e da adequação), consagrados nos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP e artigo 18.º, n.º 2, da CRP;
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Inconstitucionalidade da norma de incidência objectiva constante do artigo 3.º, als. a) e b), do RASSB, por violação do princípio da capacidade contributiva, assim como do princípio da tipicidade consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP;
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A condenação da AT ao reembolso do ASSB indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT e 61.º do CPPT, aplicáveis ex vi artigo 24.º, n.º 5, do RJAT.”
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Posição da Requerida
A Requerida, na resposta ao PPA, alega, em síntese, o seguinte:
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“Conceptualmente, o ASSB apresenta-se como um tributo que assume natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras. (…)
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Sobre a alegada inobservância do princípio da igualdade na dimensão da proibição do arbítrio, a Requerida contesta, afirmando que; “No âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade sujeitos e não isentos de IVA. (…)
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Ora, considerando que o IVA constitui, per se, uma das fontes de financiamento da Segurança Social, através da consignação de uma parcela da sua receita para essa finalidade (o denominado “IVA social”), a criação do ASSB como forma de contrabalançar a isenção de IVA associada aos serviços e operações financeiras, com a consequente consignação da sua receita ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), apresenta-se como uma opção natural e, certamente, coerente do legislador.” (…)
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Atualmente, a consignação do IVA à realização da despesa com prestações sociais está expressamente prevista no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de novembro, que estabelece o quadro do financiamento do sistema de segurança social.
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Ora, em razão da isenção de que a esmagadora maioria dos serviços e operações financeiras beneficia ao abrigo do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, o “IVA social” onera, pelo menos essencialmente, apenas os setores não financeiros. (…)
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“(…) desde 2021, todos os trabalhadores do setor bancário terem passado a integrar o regime geral de segurança social, incluindo-se aqui os trabalhadores de sucursais nacionais de bancos estrangeiros, que beneficiam do sistema de segurança social nos mesmos termos dos trabalhadores dos bancos nacionais.
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Sendo, por isso, razoável e materialmente justificado que um setor reconhecidamente subtributado em matéria de fiscalidade indireta, como é o caso do setor financeiro e, em concreto, das instituições de crédito, seja, também ele, chamado a contribuir para o sistema de segurança social. (…)
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Que a isenção de IVA “(…) não é inócua, uma vez que não se limita a minimizar as dificuldades de determinação da base tributável, tendo ainda o efeito de beneficiar, em termos de carga fiscal, o exercício de atividades financeiras, de modo a evitar um aumento do custo do crédito ao consumo, tal como tem sido reiteradamente afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).” (…)
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“(…) serviços e operações financeiras que, apesar de também estarem isentas de IVA, proporcionam o direito a dedução do imposto suportado a montante, em conformidade com o disposto na subalínea v), da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, por transposição da norma prevista na alínea c) do artigo 169.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (“Diretiva do IVA”). (…)
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“(…) os inputs com IVA no âmbito da atividade financeira serem residuais e, também eles, genericamente isentos de IVA.
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“(…) no período de 2016 a 2022, os “outros gastos gerais administrativos” corresponderam em média a apenas 19,7% do produto bancário (oscilando entre um valor máximo de 24,0% em 2016 e um mínimo de 16,1% em 2022) enquanto que a soma das rubricas relativas a custos com pessoal, amortizações, provisões, perdas por imparidade, impostos sobre os lucros e resultado líquido representaram, em média, 83,9% do mesmo produto bancário (variando entre um valor mínimo de 82,3%, em 2016 e um valor máximo de 85,6% em 2021).
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Pelo que o entendimento de que o setor financeiro é, afinal, prejudicado com as isenções simples ou incompletas de IVA assenta numa lógica falaciosa. (…)
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“(…) não se pode ignorar que a isenção de IVA desonera objetivamente de tributação o valor acrescentado a final no setor bancário, em detrimento de outros setores cujas atividades estão sujeitas e não isentas de tributação indireta em sede de IVA que, como já se demonstrou acima, contribuem para o FEFSS através do denominado “IVA social”.
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Na verdade, em Portugal, somente uma parte diminuta da atividade financeira das instituições de crédito está sujeita a tributação indireta, mais concretamente em sede de Imposto do Selo, o qual, aliás, desde a reforma do Código do Imposto do Selo (CIS) levada a cabo pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, apresenta um mecanismo de funcionamento semelhante ao do IVA, porquanto o imposto é liquidado e entregue ao Estado pelo sujeito passivo e repercutido no adquirente.” (…)
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“(…) a receita do Imposto do Selo incidente sobre os serviços e operações financeiras é, em termos comparativos, consideravelmente mais baixa do que aquela que seria arrecadada com a tributação, em sede de IVA, do valor acrescentado pela atividade bancária.” (…)
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Não se podendo ainda olvidar que a receita do Imposto do Selo não está, nem mesmo parcialmente, consignada à Segurança Social, diversamente do que sucede com o IVA e o ASSB.” (…)
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Alega, ainda, a Requerida que: “Segundo dados estatísticos da PORDATA, a riqueza produzida pelo setor financeiro e de seguros nos anos de 2021 e 2022 correspondeu, respetivamente, a 9,4% e 10,2% do total do valor acrescentado bruto de todos os setores da atividade económica nacional (…).”
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“(…) a receita da ASSB nos anos de 2020 a 2022 corresponde, em média, a somente [*] 0,5% da margem financeira, [*] 0,3% do produto bancário e [*] 0,4% do produto bancário líquido de outros gastos gerais administrativos, a qual equivalerá assim a um valor significativamente inferior a 1 ponto percentual (logo, inferior ao encargo equivalente ao previsto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de novembro).
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Atenta a relevância económica do setor financeiro na produção de riqueza em Portugal, a não incidência de tributação indireta sobre uma parte relevante das suas operações suscita não só questões de perda de receita fiscal e de distorção e desigualdade entre operadores, como também de desigualdade na distribuição do esforço tributário.” (…)
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“A justificação aduzida pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficiam e que é apenas parcialmente colmatada, em matéria de fiscalidade indireta, pela tributação em sede de Imposto do Selo.
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Pelo que as instituições de crédito são, também elas, chamadas a contribuir, na medida da sua capacidade contributiva, para as receitas públicas, mais especificamente para o financiamento do sistema de segurança social, tal como sucede, por exemplo, com os restantes setores de atividade através do denominado “IVA social”.
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Podendo-se concluir que a criação do ASSB apenas violaria o princípio da igualdade se os setores não financeiros não estivessem sujeitos a uma tributação indireta equivalente ou, pelo menos, comparável.“ (…)
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A Requerida contesta, igualmente, a alegada violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária, invocando, em síntese, que “(…) Resumidamente, para que tenhamos um sistema fiscal equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua real capacidade contributiva. (…)
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Exigindo-se que o imposto incida sobre manifestações de riqueza, por um lado, e que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas, por outro.” (…)
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Ora, o ASSB assume-se como um imposto que visa colmatar a ausência do IVA (também ele um imposto indireto) tendo como alvo um determinado setor que dele é isento, assumindo um recorte idêntico ao da CSB, no que toca à incidência objetiva - abarca operações registadas no passivo e instrumentos financeiros derivados fora do balanço.” (…)
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“(…) para que o imposto corresponda efetivamente à força económica do sujeito passivo, é obrigatório que incida sobre realidades economicamente relevantes que, tradicionalmente, se reconduzem ao rendimento, ao património e ao consumo.
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A escolha do legislador tributário há de recair sobre estes três bens tributários essenciais, numa das suas incontáveis particularizações, desde que estas comportem valor económico.” (…)
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O que releva é que exista uma conexão entre a prestação tributária, o pressuposto económico visado pelo tributo, e a capacidade do sujeito passivo para suportar o peso desse encargo. (…)
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O legislador agiu dentro do escopo da liberdade de conformação fiscal, e encontrou como fundamento para delinear o âmbito de incidência do novo ASSB, a ausência ou a menor tributação num imposto indireto – IVA e Imposto do Selo – de determinadas operações.
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Ainda que se compreenda (e concorde, no caso da Requerida) a opção do legislador, no que toca ao âmbito da incidência objetiva do ASSB, não nos compete fazer qualquer consideração acerca das escolhas que o mesmo adota dentro do espetro da sua liberdade de conformação.” (…)
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Conclui a Requerida que: “Como já se demonstrou na Resposta, o ASSB tem a natureza de imposto indireto. Do mesmo modo que, a título exemplificativo, um imposto sobre o volume de negócios pode configurar um imposto indireto (cfr. Diretiva IVA).
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Com efeito, o ASSB assume-se como um imposto que visa colmatar a ausência do IVA (também ele um imposto indireto) tendo como alvo um determinado setor que dele é isento, assumindo um recorte idêntico ao da CSB, no que toca à incidência objetiva - abarca operações registadas no passivo e instrumentos financeiros derivados fora do balanço.” (…)
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Por fim, a Requerida contesta o pedido de juros indemnizatórios nos seguintes termos: “(…) afigura-se que em caso de vencimento do Requerente, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios deve ser indeferido, porque não existe erro imputável aos serviços, nos termos do art. 43º n.º 1 da LGT, e cautelarmente, dado que a aplicação do art. 43º n.º 3 al. d) da LGT é ilegal e inconstitucional, por violar os arts. 281º, 282º e 18º da CRP, nos termos supra contestados.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
Não existem nulidades que invalidem o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto no artigo 10.º do RJAT.
Não existem exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.
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QUESTÕES A DECIDIR
Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos e na prova produzida, cumpre determinar e decidir se o ato de autoliquidação de ASSB do ano de 2021, padece ou não de ilegalidade, por aplicação de normas do respetivo regime jurídico que não observam a Constituição da República Portuguesa (CRP) e demais normas tributárias aplicáveis, nomeadamente, pela não observação: (i) do princípio constitucional da igualdade e da capacidade contributiva; (ii) do princípio constitucional da capacidade contributiva e da proporcionalidade; e (iii) do princípio da tipicidade.
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, atento o PPA, a prova junta, a resposta da Requerida e o processo administrativo (PA), deram-se como provados os factos seguintes:
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O Requerente é uma instituição de crédito devidamente autorizada pelo Banco de Portugal para o exercício da atividade bancária, residente, para efeitos fiscais, em Portugal.
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O Requerente encontra-se sujeito ao regime do ASSB.
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Em 14-12-2021, o Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB referente ao ano de 2021, mediante a submissão da declaração Modelo 57 n.º ..., com imposto apurado e pago no valor de € 3.606.657,32.
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Em 13-12-2023, o Requerente deduziu reclamação graciosa contra o ato de autoliquidação acima identificado, por entender que o regime do ASSB está ferido de inconstitucionalidades.
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Em 20 de dezembro de 2023, foi o Requerente notificado da intenção da Requerida indeferir a reclamação graciosa apresentada, alegando não se poder pronunciar sobre a conformidade constitucional do ASSB, não tendo o Requerente exercido o seu direito de audição.
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Em 22 de janeiro de 2024, o Requerente foi notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa por parte da Requerida.
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Em 18 de março de 2024, o Requerente apresentou o presente PPA, aceite no dia 20 subsequente.
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Factos não provados
Com interesse para os autos não existem factos não provados.
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Fundamentação da matéria de facto
A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base os elementos constantes dos autos, as alegações e prova documental junta pelas Partes e cuja adesão à realidade não foi questionada.
Esses factos foram apreciados e valorados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tendo sido valorados e apreciados de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos, conforme resulta da alínea e) do art.º 16.º do RJAT e do n.º 1 do art.º 596.º, dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi alínea e), do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.
De modo concomitante à prova relevante para os autos, observa-se que no articulado 33.º do PPA, é afirmado (sugerindo eventual lapso de escrita) que: “A autoliquidação referida teve por base a média dos saldos finais do passivo de cada mês do primeiro semestre de 2021, no montante de € 18.032.836.610,50, e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço de € 179.992.613,52 (documento n.º 2).”
Esses montantes são confirmados pela declaração Modelo 57 n.º ... (doc. n. 2), a qual é omissa quanto ao(s) período(s) a que respeitam por manifesta insuficiência desse modelo declarativo, pelo que caso sejam efetivamente relativos ao primeiro semestre de 2021, os rendimentos considerados para efeitos de autoliquidação não se apresentam conformes com o disposto na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 21.º da Lei n.º 27-A/2020.
A Requerida, quer no processo administrativo, quer na resposta ao PPA, nada refere sobre essa eventual desconformidade temporal, o que reforça a convicção de se tratar de um eventual lapso de escrita.
Assim, subsiste o dever legal de a AT confirmar o período de tributação e os respetivos montantes considerados, em suma, de confirmar a autoliquidação do contribuinte, caso seja entendido, a final, esse ato tributário e o pagamento do ASSB se devem manter.
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MATÉRIA DE DIREITO
O Requerente imputa ao regime jurídico do ASSB diversas inconstitucionalidades como fundamento para o pedido de declaração de ilegalidade e anulação do ato de autoliquidação relativo ao ano 2021, pelo que o julgador deverá fixar, segundo o seu prudente critério, a respetiva apreciação pela ordem que assegurar a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, no caso, apreciará a/as inconstitucionalidades pela ordem que constam no pedido – cf. art.º 124 do CPPT, aplicável ex vi art.º 19.º do RJAT.
Subsequentemente, o Tribunal em função da(s) conclusão(ões) extraídas sobre a apreciação do(s) vício(s) invocado(s) e no caso da respetiva fundamentação para a improcedência/procedência do pedido, concluirá o seu julgamento, dispensando a apreciação de outros vícios invocados, por forma a observar o princípio da economia processual, consubstanciado designadamente no “princípio da limitação dos atos”, previsto no art.º 130.º do CPC.
Com relevância para o pedido, recorda-se que o ASSB foi criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março), cujo regime jurídico consta do seu Anexo VI, tendo como fundamento e objetivo reforçar o financiamento da Segurança Social, prevendo uma integral consignação da receita ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, conforme resulta do n.º 2, do artigo 1.º e do artigo 9.º do citado regime - anexo VI daquela lei.
A criação do ASSB e a sua aplicação exclusiva ao sector bancário foi justificada, de acordo com o estabelecido no n.º 2, do artigo 1.º, do referido anexo VI, enquanto “(…)forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais sectores”.
Desse modo, o ASSB constitui um imposto especial sobre o sector bancário que, não obstante apresentar um âmbito de incidência semelhante à Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), não se limita a estabelecer uma nova taxa sobre a matéria coletável dessa contribuição, nem um novo imposto sobre a coleta, e, nesse sentido, não corresponde a um adicional ou a um adicionamento, mas a um imposto autónomo[1].
Quanto à incidência subjetiva do ASSB, prevê o n.º 1 do artigo 2.º do respetivo regime jurídico que são sujeitos passivos do ASSB (a) as instituições de crédito residentes em Portugal, (b) as filiais em Portugal de instituições de crédito residentes noutros Estados e (c) as sucursais em Portugal de instituições de crédito residentes noutros Estados.[2]
Relativamente à incidência objetiva do ASSB, determina o artigo 3.º do respetivo regime que o imposto incide sobre o passivo ajustado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço, ambos apurados contabilisticamente no final do exercício.
Verifica-se, assim, que na sequência da criação, em 2011, da CSB, o referido adicional (ASSB) incide, igualmente, sobre passivos e, bem assim, sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço das instituições bancárias ao mesmo sujeitas.
Na determinação do imposto é aplicada a percentagem de 0,02% sobre os valores dos elementos passivos das instituições bancárias abrangidas, acrescida da aplicação de uma percentagem de 0,00005% sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço dessas mesmas entidades.
O apuramento do tributo, em regra, é realizado anualmente, através de autoliquidação pelos SP, sendo a respetiva declaração de modelo oficial enviada à AT até ao último dia do mês de junho, e devendo o respetivo pagamento ser efetuado no mesmo prazo.
Porém, foi estatuída uma disposição transitória que, em 2020 e 2021, a base de incidência seria calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tinham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020 com imposto a entregar em dezembro desse ano e, ao segundo semestre de 2020, no caso do “adicional” devido em 2021.
A qualificação jurídica do ASSB como imposto sobre o setor bancário e não como contribuição financeira ou “adicional” da CSB, não é contestada pela Requerida, a qual entende, ainda, tratar‑se de um tributo que assume a natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras.
Neste âmbito, releva ter presente a classificação dos tributos existentes no sistema fiscal nacional, designadamente dispõe o n.º 2 do art.º 3.º da LGT que: «Os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias, criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas». Igualmente, se deve atender aos pressupostos materiais respeitantes aos diferentes tributos, constantes do artigo 4.º da LGT.
A diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que «aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas» - cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095.
Sobre a natureza jurídica do ASSB, na decisão do Processo n.º 598/2022-T, o Tribunal Arbitral considerou esse tributo como um “imposto especial sobre o setor bancário” porquanto, não obstante partilhar com a CSB a incidência objetiva, não corresponde, em rigor, a um adicional daquela, mas a um verdadeiro imposto autónomo. Salienta-se que nessa decisão arbitral se observa que apesar da semelhança entre a CSB e o novo ASSB quanto à incidência objetiva, o método de quantificação da base de incidência desses dois tributos não coincide e, por esse motivo, a jurisprudência anterior que havia entendido que a CSB não violava o princípio da proibição da retroatividade fiscal, não se apresenta transponível para o caso do ASSB.
Por sua vez, no Processo n.º 599/2022-T, a decisão arbitral, igualmente, entendeu que o ASSB é um imposto que não configura “um tributo acessório da CSB, pois não remete para as normas de incidência desta” sendo, antes, um imposto completo, uma vez que a Lei que o criou prevê os respetivos elementos essenciais, como a incidência objetiva e subjetiva.
Considerando a respetiva qualificação jurídica-tributária como um imposto, entende o Requerente ser manifesta a violação de princípios constitucionais, designadamente, “(…) da igualdade e da capacidade contributiva – a norma discriminatória relativa à incidência subjetiva do ASSB” (..) da capacidade contributiva e da proporcionalidade (nas vertentes de proibição do excesso e da adequação) – a norma relativa à incidência objetiva do ASSB e a sua coincidência com o CSB (…) da legalidade (tipicidade) tributária (…)”.
A vexata quaestio da alegada inconstitucionalidade de normas do regime jurídico do ASSB foram objeto de apreciação pelos Tribunais Arbitrais, designadamente nos Processos: n.º 598/2022-T, n.º 599/2022-T, n.º 104/2023-T, n.º 326/2023-T, n.º 327/2023-T, n.º 15/2024-T e n.º 410/2024-T.
Considerando o teor das decisões proferidas nesses processos, as quais se dão por integralmente reproduzidas, passaremos a citar o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 21 de Março de 2023, no Processo n.º 598/2022-T, no qual se afirma:
“Conforme refere CASALTA NABAIS, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 11.ª edição, Coimbra, 2021, págs. 154-155).
Configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva – segundo o mesmo autor - enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece de um específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respetiva “constituição fiscal” e, em especial, aqueles que decorrem já dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103.º e 104.º da Constituição (ob. cit., pág. 155).
Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva – dentro da mesma linha de entendimento - «afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação o dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto» (ob. cit., pág. 157).
Também o Tribunal Constitucional tem analisado o princípio da igualdade fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, como se pode constatar designadamente no acórdão n.º 142/2004, onde se consigna que «[o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação».
O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adotadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará «a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo».
O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adotar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.
Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e n.º 695/2014).
9.Como se deixou exposto, o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e incide sobre instituições de crédito sediadas em território português e filiais ou sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigos 1.º e 2.º).
Tem uma estrutura de incidência objetiva e subjetiva similar ao previsto para a Contribuição sobre o Sector Bancário (artigo 3.º), com a significativa diferença de a receita do adicional de solidariedade sobre o setor bancário constituir receita gera do Estado, consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (artigo 9.º).
Importa fazer notar, num primeiro momento, que, não obstante a similitude de incidência com a Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), o ASSB não pode ser entendido como uma tributação acessória ou adicional do CSB, nem constitui uma contribuição de estabilidade financeira. (...)
Como se concluiu no acórdão do STA de 19 de Junho de 2019 (Processo n.º 02340/13), a motivação legislativa constante dos diplomas que regularam a contribuição para o sector bancário e o Fundo de Resolução legitima a ilação de que a contribuição visou, em primeiro lugar e desde o início, atenuar as consequências resultantes das intervenções públicas no sector financeiro, face à situação de crise financeira então desencadeada no âmbito desse mesmo sector, reconduzindo-se a um instrumento de apoio na prevenção dos inerentes riscos do sistema, não se destinando a colmatar necessidades genéricas de financiamento do Estado. (...)
“(…) o ASSB é um verdadeiro imposto que constitui receita geral do Estado e se encontra consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, e, embora destinado a fazer face de modo indistinto às necessidades de financiamento da segurança social, se carateriza como um imposto sectorial na medida em que incide exclusivamente sobre o sector financeiro.
10.A Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de junho de 2020, que, na sequência da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, aprovou o Programa de Estabilização Económica e Social, refere-se no ponto 4.3.5 à criação de um adicional de solidariedade sobre o setor bancário, “cuja receita é adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise”. Esse mesmo propósito é mencionado na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 33/XIV, que originou a Lei n.º 27-A/2020, e a que, num momento anterior, já se fez referência.
O artigo 1.º, n.º 2, do Regime do ASSB, já transcrito, refere ainda que o tributo tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.
No entanto, o próprio Relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), incidente sobre a proposta de alteração da lei orçamental para 2020 (Relatório n.º 13/2020), consigna que “a iniciativa legislativa não tem justificação no contexto COVID-19, antes sendo apresentada pelo Governo para contribuir, de modo permanente, para a diversificação das fontes de financiamento das pensões pagas pelo sistema previdencial da Segurança Social Pública” e acrescenta que, “do ponto de vista técnico, não se entende a necessidade de justificar publicamente a criação do imposto como sendo uma compensação por o sector das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras estar isento de IVA nas transmissões efetuadas”, quando “deveria também dizer-se que as operações deste sector são tributadas por uma miríade de taxas do imposto do selo”.
E, com efeito, dificilmente se compreende a justificação fornecida pelo legislador quando pretende associar a sujeição das instituições de crédito ao ASSB à despesa fiscal decorrente da isenção aplicável a serviços e operações financeiras.
A isenção de IVA relativamente a operações bancárias e financeiras está expressamente prevista na Diretiva 2006/112/CE (artigo 135.º) e artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA limita-se a efetuar a transposição dessa regra para o direito interno. E, por outro lado, o conteúdo das isenções não pode ser alterado pelos Estados Membros, dado que estão em causa conceitos autónomos de direito europeu que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA, devendo ainda ser objeto de uma interpretação restritiva, na medida em que constituem derrogações ao princípio geral segundo o qual o imposto sobre o valor acrescentado é cobrado sobre todas as prestações de serviços efetuadas a título oneroso por um sujeito passivo (cfr. acórdãos do TJUE, nos Processos n.ºs C-348/1987 e C-455/05).
Acresce que, como esclarece CLOTILDE CELORICO PALMA, “[a]s isenções em sede de IVA assumem uma natureza objetiva, ou seja, para efeitos da sua concessão releva essencialmente a natureza da atividade prosseguida e não a natureza jurídica da entidade que prossegue a atividade”. Além de que as isenções em IVA têm uma lógica diferente das isenções concedidas no âmbito dos impostos sobre o rendimento. Como refere a mesma Autora, “[a]o passo que nestes impostos, a isenção libera o beneficiário do pagamento do imposto, no IVA as situações de isenção clássica traduzem-se na não liquidação do imposto nas operações ativas por parte sujeito passivo beneficiário (o beneficiário paga imposto mas não liquida). Isto é, nas suas operações passivas (aquisições de bens e prestações de serviços) os sujeitos passivos de IVA não beneficiam de isenção” (Introdução sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 6.a edição, págs. 172-174).
Na situação prevista no artigo 135.º da Diretiva IVA, como explica ainda SÉRGIO VASQUES, trata-se de “isenções simples ou incompletas que não conferem direito à dedução do imposto suportado a montante, pelo que o sujeito passivo, não liquidando IVA imposto sobre a operação isenta, não deduz o imposto em que incorra nas aquisições destinadas à sua realização”. E, nesse sentido, “o sujeito passivo passa a ocupar posição idêntica à do consumidor final, suportando na sua esfera o imposto relativo às suas aquisições”, pelo que a isenção não representa um verdadeiro benefício para o sujeito passivo, como sucede com a generalidade das isenções de imposto, na medida em que acaba por suportar o peso do imposto por via das suas aquisições, originando um imposto oculto pela incorporação do IVA incorrido a montante no preço dos bens e serviços prestados a terceiros (O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 2015, págs. 312-313; em idêntico sentido, ANGELINA TIBÚRCIO, Código do IVA e RITI Notas e Comentários, Coimbra, 2014, pág. 160).
Por outro lado, como refere o Autor há pouco citado, as isenções de IVA relativas a serviços financeiros são motivadas por razões de ordem técnica que respeitam à dificuldade em apurar o valor acrescentado inerente a essas operações e, em especial, no que se refere à determinação da matéria coletável e do montante do IVA dedutível (ob. cit., págs. 318-319, e ainda o acórdão do TJUE, no Processo n.º C-455/05, considerando 24.)
Num outro plano de análise, importa ainda reter que a isenção de IVA para serviços e operações financeiras tem como contraponto a sujeição das operações financeiras a imposto do selo, nos termos da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sendo sintomático, quanto ao nível de dependência entre os dois impostos, que o artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo exclua do âmbito de incidência objetiva do imposto “as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas”. Como assinala SALDANHA SANCHES, “o imposto do selo assume a sua vocação de tributar aquilo que não pode ser tributado de outra forma” e ao contribuinte assiste o direito de ser tributado da forma que melhor se adequa ao normal funcionamento da economia de mercado e ao princípio da tributação segundo a capacidade contributiva do sujeito passivo (Manual de Direito Fiscal, 3ª edição, Coimbra, pág. 435).
Em todo este contexto, não é possível determinar objetivamente o critério de diferenciação que conduziu o legislador a sujeitar as instituições de crédito a um imposto especial sobre o sector bancário, nem é possível discernir qual a sua real fundamentação.
Encontrando-se a medida legislativa descrita como sendo um tributo destinado a compensar a isenção de IVA de que beneficia o setor financeiro, não se compreende que, simultaneamente, sejam excluídas outras categorias de atividades que se encontram igualmente isentas e que poderão revelar idêntica ou superior capacidade contributiva. E não é tido em devida consideração, na aplicação da medida, que as isenções previstas na Diretiva, e transpostas para o direito interno pelo artigo 9.º do Código do IVA, são de carácter obrigatório, e, no que se refere aos serviços e operações financeiras previstos no artigo 135.º da Diretiva, essas isenções são motivadas pelas dificuldades práticas de apuramento do valor acrescentado e de aplicação do imposto, e não por qualquer propósito de favorecimento fiscal. O legislador desconsidera ainda que a isenção simples, que é aplicável ao caso, não confere o direito à dedução do imposto a montante, e não representa, por isso, uma efetiva vantagem para o sujeito passivo, que acaba por suportar a incidência do imposto através das suas aquisições. Além de que não se tem em linha de conta que essa isenção, no direito nacional, já é contrabalançada pelo imposto do selo, que abrange a generalidade das operações financeiras, tal como sucede, em geral, na legislação dos Estados Membros, em que as operações relativamente às quais se afasta a aplicação da diretiva, são sujeitas a impostos especiais (cfr. SÉRGIO VASQUES, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, citado, pág. 317).
Em todo este condicionalismo, a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.
11. As condicionantes da criação do ASSB justifica ainda que se recoloque a questão sob o prisma da capacidade contributiva.
Como ressalta do disposto no artigo 4.º, n.º 1, da LGT, em linha com o artigo 104.º da Constituição, “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”, pelo que são esses os indicadores possíveis do critério de repartição dos impostos. Nesse mesmo sentido, SÉRGIO VASQUES considera que, em razão do princípio da capacidade contributiva, “os impostos devem adequar-se à força económica do contribuinte e por isso o seu alcance mais elementar está na exigência de que o imposto incida sobre manifestações de riqueza e que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas”. E sublinha que, “para que o imposto corresponda à força económica de quem o paga, é forçoso que incida sobre realidades economicamente relevantes, realidades que se podem reconduzir sinteticamente ao rendimento, ao património e ao consumo” (Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 295).
Como explicita FILIPE DE VASCONCELOS FERNANDES (ob. cit., págs. 107-109), o rendimento corresponde ao produto imputável, regularmente e durante um certo período, a uma fonte durável, designadamente ao trabalho (salários, comissões, etc.), ao património (rendas, juros, etc.) ou a uma combinação integrada de trabalho e património (lucros de uma exploração industrial ou comercial). Por outro lado, o rendimento pode corresponder, além do rendimento consumido, à diferença, num determinado período, entre o património final e inicial do contribuinte, compreendendo o rendimento não consumido ou aforrado, os bens adquiridos a título gratuito ou aleatório e as valorizações do ativo, na conceção de rendimento- acréscimo. Os impostos sobre o consumo tributam o rendimento através da sua manifestação em atos de despesa, ou seja, o rendimento propriamente gasto com a aquisição de bens ou serviços. Podem revestir a forma de impostos gerais (IVA) ou de impostos especiais (IEC), apresentando em comum a circunstância de onerarem a transmissão de bens ou serviço. Os impostos sobre o património incidem sobre o rendimento acumulado que, entretanto, foi transformado em valor patrimonial tributário, quer considerado estaticamente o património em si mesmo (IMI), quer numa perspetiva dinâmica, tributando-se o património apenas no momento da respetiva transmissão (IMT).
No caso do ASSB, como conclui o mesmo Autor, não está em causa qualquer modalidade de tributação do rendimento, mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do passivo. Do mesmo modo que não se trata da oneração de atos de despesa, que pudesse reconduzir-se a um imposto sobre atividades financeiras ou sobre transações financeiras. E, por outro lado, ainda que pudesse dizer-se, de um ponto de vista contabilístico e financeiro, que os elementos do passivo que são objeto de tributação por via do ASSB integram o balanço dos sujeitos passivos, não poderá entender-se que estamos aí perante modalidade de tributação do património.
A ausência de uma cabal correspondência entre o ASSB e um concreto índice de valoração de capacidade contributiva coloca em causa a viabilidade constitucional do imposto, na medida em que impossibilita o estabelecimento de qualquer tipo de relação causal entre o objeto da tributação que é imposto aos sujeitos passivos e um efetivo incremento de capacidade contributiva, sobretudo quando não está em causa uma contrapartida pela prevenção de riscos sistémicos em que as instituições de crédito possam estar envolvidas (como sucedia com a CSB), mas uma exclusiva medida de angariação de receita.
Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 217/15, [“] o princípio da capacidade contributiva assume um valor paramétrico fundamentalmente como condição da tributação, de molde a impedir que determinado imposto atinja uma riqueza ou rendimento que não existe, vedando a exação de uma capacidade de gastar que verdadeiramente não se verifica. Em idênticos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 142/2004 consigna que a capacidade contributiva preenche o critério unitário da tributação, entendendo-se esse critério como sendo aquele em que “a incidência e a repartição dos impostos se deverá fazer segundo a capacidade económica ou capacidade de gastar (-) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)”.
No caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam. (…)
Em conclusão:
(...)
As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho[3], são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.” [fim de citação].
No sentido da decisão proferida no citado Processo n.º 598/2023-T, as decisões arbitrais, maioritariamente, têm entendido que não existe conexão entre os objetivos que presidem à criação do ASSB e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário, nem se identifica uma relação específica entre o grupo de sujeitos passivos e o ónus acrescido de custear o serviço público de segurança social, bem como não se identifica qualquer benefício para esses SP por efeito da carga fiscal com que é específica e diferenciadamente onerado.
Nas decisões do CAAD suprarreferidas e atentos os fundamentos citados, entende-se que a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário e como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta coerência, nem se encontra materialmente justificado.
Igualmente, verifica-se a ausência de uma adequada e objetiva correspondência entre o ASSB e um concreto índice de valoração de capacidade contributiva, inviabilizando o estabelecimento de uma relação causal entre o objeto da tributação que é imposto aos sujeitos passivos e um efetivo incremento de capacidade contributiva, sobretudo quando não está em causa uma contrapartida pela prevenção de riscos sistémicos em que as instituições de crédito possam estar envolvidas (como sucedia com a CSB), mas antes exclusiva medida de angariação de receita.
No sentido da inconstitucionalidade da incidência subjetiva do ASSB pronunciou-se, também, o Tribunal Arbitral na decisão do Proc. 599/2022-T, afirmando, em síntese, que “(…) a definição legal da incidência subjetiva do ASSB não cumpre com a exigência de constitucional de generalidade, o mesmo é dizer, viola o princípio constitucional da igualdade tributária”.
Na referida decisão afirma-se ainda :“Com o TC, no acórdão nº 695/2014, de 15 de outubro, diremos: Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (nestes precisos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2010) [sublinhados nossos].”
Conclui-se, nessa decisão, que “Da incidência subjetiva deste imposto resulta que o sector bancário é vítima de uma discriminação negativa face aos restantes sectores de atividade económica, o que é patente e não tem a menor justificação ou fundamento que o possa sustentar. Exige-se mais um imposto ao sector bancário para o financiamento da Segurança Social, mediante a consignação da receita do ASSB ao FEFSS, como se este sector da atividade económica estivesse em alguma situação de vantagem em sede das contribuições (contribuições das entidades bancárias e cotizações dos seus trabalhadores) ou tivesse algum especial dever de financiar a Segurança Social.”
Igualmente, na decisão arbitral do Proc. 326/2023-T, o Tribunal aderiu às conclusões citadas, declarando: “(..) materialmente inconstitucional o regime do ASSB, nas concretas normas consagradas nos artigos 1.º, n.º 2, 2,º e 3.º, n.º 1 alínea a), do anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, por violação dos princípios da igualdade (tributária) e da capacidade contributiva, que decorrem dos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP.”.
Por sua vez, na decisão arbitral do Proc. 410/2024-T, afirma-se, citamos, que: “A ausência de uma cabal correspondência entre o ASSB e um concreto índice de valoração de capacidade contributiva coloca em causa a viabilidade constitucional do imposto, na medida em que impossibilita o estabelecimento de qualquer tipo de relação causal entre o objeto da tributação que é imposto aos sujeitos passivos e um efetivo incremento de capacidade contributiva, sobretudo quando não está em causa uma contrapartida pela prevenção de riscos sistémicos em que as instituições de crédito possam estar envolvidas (como sucedia com a CSB), mas uma exclusiva medida de angariação de receita.
Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 217/15, o princípio da capacidade contributiva assume um valor paramétrico fundamentalmente como condição da tributação, de molde a impedir que determinado imposto atinja uma riqueza ou rendimento que não existe, vedando a exação de uma capacidade de gastar que verdadeiramente não se verifica. Em idênticos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 142/2004 consigna que a capacidade contributiva preenche o critério unitário da tributação, entendendo-se esse critério como sendo aquele em que “a incidência e a repartição dos impostos se deverá fazer segundo a capacidade económica ou capacidade de gastar (-) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício).
No caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam.”. [fim de citação]
No sentido da confirmação factual da fundamentação suprarreferida, sublinham-se as próprias alegações da Requerida, a saber: “Segundo dados estatísticos da PORDATA, a riqueza produzida pelo setor financeiro e de seguros nos anos de 2021 e 2022 correspondeu, respetivamente, a 9,4% e 10,2% do total do valor acrescentado bruto de todos os setores da atividade económica nacional (fonte: https://www.pordata.pt/db/portugal/ambiente+de+consulta/tabela).”
Termos em que a capacidade manifestada pelo setor financeiro se apresenta objetivamente inferior a outro setor congénere - o setor segurador -, ambos setores cujas atividades são sujeitas a regimes de tributação semelhantes. Estamos perante uma evidente desigualdade no tratamento de contribuintes em situação semelhante, sem justificação para essa diferenciação de tratamento, não podendo a tributação ser arbitrária ou discricionária.
Acresce que a carga tributária deve incidir sobre todos os SP que reúnam as mesmas condições e possuam a mesma capacidade económica, maxime, em setores e contribuintes em igualdade de situações e regimes de tributação semelhantes.
A opção do legislador em beneficiar ou onerar determinado setor/es em detrimento de outro/s deve ser fundamentada em critérios objetivos e racionais, que demonstrem a necessidade de um tratamento específico e diferenciado.
A discriminação tributária referida no caso do ASSB, distorce a concorrência, favorece setor/es com realidades tributárias e económicas semelhantes, maxime, o setor segurador, em detrimento do setor financeiro, o que é incompatível com o princípio da igualdade.
No domínio tributário é essencial que os respetivos regimes promovam, ainda, a justiça, a eficiência económica e a segurança jurídica, sem o recurso a soluções setoriais ad hoc e práticas arbitrárias e discriminatórias, as quais contrariam aqueles objetivos e não observam os princípios constitucionais.
Por sua vez, sobre estas questões e atento o teor do PPA, assume especial relevância o entendimento expresso na decisão proferida pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho (retificado pelo Acórdão n.º 507/2024, de 28 de junho), tendo decido julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o ASSB, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
No referido Acórdão n.º 469/2024, o Tribunal Constitucional pronuncia-se, em síntese, nos seguintes termos:
«2.4.1. Antes de mais, deve sublinhar-se que, embora os apontados parâmetros não se confundam, encontram-se profundamente interligados – a ideia de igualdade tributária, enquanto manifestação, no âmbito tributário, do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, aponta para a proibição de discriminações ou igualizações arbitrárias, sem fundamento; o princípio da capacidade contributiva, que é por si próprio um critério tendente a assegurar a igualdade tributária, exige que os factos tributários sejam suscetíveis de revelar a capacidade do sujeito passivo para suportar economicamente o tributo. Como se sintetiza no Acórdão n.º 344/2019:»
“[…]
A conformação legal das várias categorias de tributos está sujeita ao princípio da igualdade tributária, enquanto expressão do princípio geral da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” – proibição do arbítrio –, e a socorrer-se de critérios que sejam materialmente adequados à repartição das categorias tributárias que cria.
No tocante aos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, pois, tratando-se de exigir que os membros de uma comunidade custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um; já quanto aos tributos comutativos e paracomutativos, o critério distintivo da repartição é o da equivalência, pois, tratando de remunerar uma prestação administrativa, a solução justa é que seja paga na medida dos benefícios que cada um recebe ou dos encargos que lhe imputa.
De facto, o Tribunal Constitucional, de forma reiterada e uniforme, considera que em matéria de impostos o legislador está jurídico-constitucionalmente vinculado pelo princípio da capacidade contributiva decorrente do princípio da igualdade tributária consagrado no artigo 13.º e/ou nos artigos 103.º e 104.º da CRP. Consistindo a igualdade em tratar por igual o que é essencialmente igual e diferente o que é essencialmente diferente, não é suficiente estabelecer distinções que não sejam arbitrárias ou sem fundamento material bastante; exige-se ainda que os factos tributáveis sejam reveladores de capacidade contributiva e que a distinção das pessoas ou das situações a tratar pela lei seja feita com base na capacidade contributiva dos respetivos destinatários (Acórdãos n.ºs 57/95, 497/97, 348/97, 84/2013, 142/2004, 306/2010, 695/2014, 42/2014, 590/2015, 620/2015 e 275/16).
[…]”.
Acrescenta, ainda, aquele Tribunal «Ou, na formulação do Acórdão n.º 268/2021 (adotada também, por remissão, no Acórdão n.º 505/2021):»
“[…]
A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” – proibição do arbítrio.
A conceção puramente negativa da igualdade tributária, excluindo os casos de discriminação absurda, não garante, porém, a justiça material ou a coerência interna do sistema tributário. Impõe-se a definição de critérios materialmente adequados à repartição dos diversos tributos públicos. No caso dos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, na medida em que, exigindo-se aos membros de uma comunidade que custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um (cfr., entre muitos, o Acórdão n.º 590/2015, n.º 12).
[…]”.
No referido Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho, afirma-se, ainda, que:
«Não se afigura, todavia, que a isenção de IVA constitua “fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa”, desde logo pelas razões que se consignaram no Acórdão n.º 149/2024, às quais aqui regressamos:»
” […]
O estabelecimento da necessária conexão entre uma realidade e outra não é possível, desde logo, porque não há uma relação de contornos suficientemente definidos entre o regime do IVA no setor financeiro e o sistema de financiamento da Segurança Social.
Ainda que essa conexão pudesse ser estabelecida – e não se vê como –, seria impossível presumir uma qualquer prestação administrativa (ainda que presumida) que suportasse a bilateralidade do tributo.
Assim é, em primeiro lugar, porque muitas das operações financeiras não sujeitas a IVA são sujeitas a Imposto do Selo, existindo, inclusivamente, uma regra de incidência alternativa no artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo. Assim, o “benefício” da isenção em sede de IVA não corresponde linearmente a uma isenção de tributação. [nosso sublinhado]
Em segundo lugar, e independentemente da incidência de Imposto do Selo, a “isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras” dificilmente pode ser vista como um benefício para as entidades do setor financeiro, uma vez que, na generalidade das hipóteses contempladas, se trata de uma isenção incompleta, que, como tal, não confere direito à dedução (“[…] no caso das isenções incompletas (que limitam o direito à dedução), a despesa fiscal apenas se traduz no valor acrescentado da última operação da cadeia de valor, por contraposição às isenções completas (que conferem o direito à dedução), em que a despesa contempla todo o valor acrescentado gerado ao longo da respetiva cadeia” – cfr. o relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais, Os Benefícios Fiscais em Portugal, 2019, disponível em https://www.portugal.gov.pt/, p. 51). Como refere Raquel Machado Lopes Moreira da Costa, Tributação indireta dos serviços e operações financeiras – a Reforma da Diretiva do IVA, disponível em https://www.isg.pt/, p. 1:
“[…]
Atualmente assiste-se, a nível europeu, a uma grande necessidade de definição do regime de tributação indireta dos serviços financeiros, o qual tem sido objeto de diversas e sucessivas propostas de alteração, sem que se tenha alcançado uma versão verdadeiramente satisfatória para todos os interessados.
A nível nacional, estes serviços sofrem de uma “síndrome multilateral” – são objeto de Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo, no entanto, em grande parte, deste isentos. Esta isenção, sendo incompleta, não possibilita a dedução do IVA pago a montante. Assim, verifica-se o pagamento de imposto oculto que, acrescido ao Imposto do Selo a que é sujeito pela não tributação em sede de IVA, se revela um custo. Dado o caráter complementar que o primeiro tem face ao segundo, gera um aumento significativo dos custos para o operador económico e naturalmente do preço do serviço para o consumidor. […]”.
Acresce que o regime fiscal das operações financeiras é complexo e cobre um conjunto heterogéneo de atos dificilmente reconduzíveis a características comuns que permitam o reconhecimento da tal prestação presumida.
Por fim, a modelação de isenções de operações financeiras não está na total disponibilidade do legislador nacional (cfr., designadamente, os artigos 135.º e ss. da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado).
[…]”.
Neste âmbito, citando o referido Acórdão n.º 469/2024, «Não se trata, assim, de um juízo que careça de verdadeira ponderação entre a razão justificativa que sustenta o tributo e as características desse mesmo tributo, porque essa razão justificativa é manifestamente carecida de sentido, assentando em ligações não verificadas. As entidades do setor financeiro não têm um benefício que justifique o imposto pela circunstância de algumas operações serem isentas de IVA. Desde logo, tratar-se de uma isenção incompleta não é algo secundário nesta análise, uma vez que, ao não ser possível a dedução do IVA suportado a montante, aquelas entidades vê-lo-ão economicamente repercutido sobre si por quem lhes vendeu bens e prestou serviços necessários à sua atividade, sem que por sua vez o possam repercutir sobre os sujeitos a quem prestam serviços e sem que possam compensar esse efeito adverso pela dedução do imposto suportado, o que ocorreria no caso de uma isenção completa. Acresce que a isenção de IVA é, como vimos, tendencialmente alternativa da sujeição a imposto do selo.»
«Neste contexto, pode questionar-se em que medida as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1, do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que delimita a incidência subjetiva do imposto) – que já são sujeitas a IRC e à CSB – se encontram numa posição particular, face a outros sujeitos isentos de IVA (alguns com isenções completas) que torne justificada a sujeição a um segundo imposto, sem que se encontre uma resposta minimamente satisfatória, muito menos quando a justificação do legislador passa por “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social”, que nenhuma relação aparente tem com a isenção de IVA, que, só por si, insiste-se, também não se afiguraria justificação bastante para tributar, ou melhor, para diferenciar tributando.»
«Com o que terá de se concluir, com a decisão recorrida, que “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.»
«Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária.»
«2.4.3. As considerações precedentes conduzem, sem dificuldade, à análise da violação do princípio da capacidade contributiva.» - cf. Tribunal Constitucional, in Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho (retificado pelo Acórdão n.º 507/2024, de 28 de junho).
Nesse Acórdão, refere-se, ainda, que «Na verdade, ao contrário da CSB, que é uma contrapartida da prevenção de riscos sistémicos no sistema financeiro – o que torna justificada e aceitável a incidência sobre o passivo dos sujeitos passivos – o ASSB não encontra, como vimos, uma correspondência com qualquer prestação pública, ou seja, prefigura-se como um tributo puramente destinado à angariação de receita, apresentando-se como problemática a suscetibilidade de, neste contexto, o passivo, só por si, revelar a capacidade de suportar economicamente o imposto. A possível interferência com o princípio da capacidade contributiva compreende-se sem dificuldade, neste contexto, entendido tal princípio nos termos assim resumidos no Acórdão n.º 178/2023 (…)».
Continuando a citar o referido Acórdão n.º 469/2024:
«Não surpreende, pois, que o artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária preveja que os impostos “assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”. (…) «Afastada a integração do passivo num dos clássicos indicadores da capacidade contributiva (neste caso apenas o rendimento e o património), a verdade é que as indicações do legislador são, pelas razões atrás explicitadas, inaproveitáveis. Não sobeja, deste modo, qualquer indicador razoável e objetivo da capacidade contributiva dos sujeitos passivos.»
«Em suma: como se afirma na decisão recorrida, “[no] caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.»
Termos em que o Tribunal Constitucional conclui que «Mostra-se, enfim, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional do acórdão recorrido à violação do princípio da capacidade contributiva.».
O entendimento do presente Tribunal Arbitral está em concordância com os argumentos e decisões antes apresentados, formados no âmbito do CAAD e do Tribunal Constitucional, no sentido de considerar materialmente inconstitucionais as normas n.º 2 do artigo 1.º, artigo 2.º e da alínea a) do artigo 3.º, todas do Regime do ASSB (anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho), por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária
Em consequência, considera-se ilegal o ato de autoliquidação de ASSB relativo ao período de tributação de 2021, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esse ato tributário.
Face à conclusão a que se chega, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados sobre o ato tributário impugnado, face ao “princípio da limitação dos atos”, previsto no artigo 130.º do CPC ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por fim, o Requerente pede a condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, face ao disposto no artigo 43º da LGT.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. Disposição em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na LGT e no CPPT, acarretando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Atento o referido ordenamento jurídico, a fundamentação invocada e a conclusão do presente Tribunal Arbitral e a consequente anulação da autoliquidação impugnada, resulta que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, a pagar pela Requerida, calculados sobre o imposto indevidamente liquidado e calculados às taxas legais, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da correspondente nota de crédito, nos termos e para os efeitos do disposto no n.ºs 1 e 3 do artigo 43.º e artigo 100.º, ambos da LGT e do n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, aplicáveis ex vi, alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
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DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:
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declarar materialmente inconstitucionais as normas n.º 2 do art.º 1.º, art.º 2.º e alínea a) do art.º 3.º, todas do Regime do ASSB (anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho), por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária, consagrados nos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP;
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anular a autoliquidação de ASSB relativa ao ano de 2021;
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anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente;
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condenar a Requerida a reembolsar o Requerente do valor do imposto indevidamente pago, no montante de € 3.606.657,32;
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condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios ao Requerente;
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condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
Fixa-se à causa o valor de € 3.606.657,32, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 45.900,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida, por ser a parte vencida.
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NOTIFICAÇÃO
Notifiquem-se as Partes e o representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo do Sul, neste caso para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do art.º 72.º da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 27 de novembro de 2024.
Os Árbitros,
Carla Castelo Trindade
(Presidente)
Catarina Belim
(Vogal)
Vítor M.R. Braz
(Vogal e Relator)
[1] Cf. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª edição, Coimbra, pág. 79; no sentido da qualificação do ASSB como imposto, Filipe de V. Fernandes, O (Imposto) Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, pág. 92.
[2] Para efeitos de aplicação do ASSB deve entender-se por instituições de crédito, filiais e sucursais as entidades definidas nas alíneas u), w) e ll) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.
[3] A referência ao n.º 1 do referido art.º 3.º é um lapso. Vide, também, Acórdão n.º 507/2024, do Tribunal Constitucional.