Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 372/2024-T
Data da decisão: 2024-11-28  IRC  
Valor do pedido: € 164.664,83
Tema: RFAI. Terrenos para exploração de granito. RGIC. Central fotovoltaica. Sistema de reaproveitamento de águas. Software. Interpretação dos n.os 2 e 3 do artigo 23.º do CFI.
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SUMÁRIO:

            I – Nos termos do disposto na sub-alínea i) da alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI, as aquisições de terrenos destinados à extracção de matérias-primas são consideradas “aplicações relevantes” para efeitos do RFAI.

II – Tal como se escreveu na decisão do processo n.º 546/2020-T, o RGIC “define os princípios e diretrizes que devem servir de enquadramento à ação legislativa dos Estados-Membros nesta área, fazendo parte do respetivo quadro regulatório.”.

III – Tendo em conta que nesse Regulamento se fixam critérios para que os sistemas de auxílio nacionais contemplem objectivos ambientais e de eficiência energética, não pode colher uma interpretação restritiva das normas nacionais nessas matérias.

IV – O contraste da redacção das duas alíneas do n.º 2 do artigo 23.º do CFI quanto ao montante máximo da colecta do IRC que pode ser deduzido justifica que, passados os primeiros três anos de actividade da empresa beneficiária, esta entenda que há um limite máximo de 50 % a descontar em cada ano a título de RFAI, pagando por isso mais imposto do que o devido.

V – Ainda que tal entendimento se afaste do que foi firmado por informações vinculativas da AT, o facto de estas serem doutrina interna não obriga os agentes económicos nem os Tribunais. E muito menos permite extrair efeitos preclusivos do não cumprimento desses seus entendimentos que não tenham estatuição legal.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

 

  1. No dia 15 de Março de 2024, A..., LDA., com o NIF..., e sede na Rua..., n.º ..., ...-... ..., Marco de Canaveses (Requerente), apresentou requerimento de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT).
  2. Pretendia que fosse declarada a ilegalidade e se procedesse à consequente anulação das liquidações com n.os 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2024... e 2023..., bem como das respectivas demonstrações de acerto de contas, com os n.os 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2024 ... e 2023... .
  3. Nomeado os presentes árbitros, que aceitaram a designação no prazo aplicável, e não tendo a Requerente, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida), suscitado qualquer objecção, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 28 de Maio de 2024.
  4. Seguindo-se os normais trâmites, em 9 de Julho a AT apresentou resposta, tendo junto o processo administrativo (PA) no dia seguinte.
  5. Em 2 de Julho, foi proferido despacho a, entre o mais, dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e dispensar a produção de alegações. 

 

 

  1. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e o pedido de pronúncia contém-se no âmbito das suas atribuições.
  2. As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.
  3. O pedido é tempestivo e não foram suscitadas excepções, nem o Tribunal as divisou.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

  1. A Requerente é uma empresa de média dimensão que integra o grupo económico que tem como holding a sociedade “B..., SGPS, SA”, e tem por objecto a extracção de saibro, areia e pedra britada (CAE 08121) e de granito ornamental e rochas e similares (CAE 08112); serviços de dragagens e obras hidráulicas; fabricação de artigos de granito e de outras rochas (CAE 23703); aluguer de máquinas e equipamentos para construção e engenharia; compra, venda, revenda e arrendamento de imóveis; construção e de reparação de estradas, autoestradas, ruas e de vias urbanas para veículos e peões (inclui trabalhos de pavimentação, calcetamento e pintura de sinalização horizontal); terraplanagens; construção de edifícios e equipamentos de todo o tipo incluindo desportivos, residenciais e industriais.
  2. Em 2019 a Requerente tinha em exploração três pedreiras, uma na freguesia de ... e ..., no concelho de Marco de Canaveses (onde tem instalada uma central de produção de betão), outra em ..., freguesia de ..., no concelho de Vila Pouca de Aguiar, e outra em Santo Tirso (presentemente sem actividade);
  3. Na pedreira de ... - Vila Pouca de Aguiar, a Requerente tem uma unidade industrial para a transformação de granito, que constitui a sua actividade principal;
  4. A Requerente adquiriu diversos equipamentos para a unidade fabril de Alpendurada e para a pedreira de ...- Vila Pouca de Aguiar, bem como três terrenos rústicos nesta localidade, tendo incluído o valor de tais aquisições no montante dos investimentos elegíveis para o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) referente ao período de 2014;
  5. Os terrenos adquiridos foram:
    1. o prédio rústico com 20.000m2, composto de terra de mato e pinhal, sito na..., inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo n.º ..., com valor patrimonial de €74,48, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Pouca de Aguiar sob o n.º...;
    2. o prédio rústico com 1.400m2, composto de cultura arvense de sequeiro, sito em..., inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo n.º..., com valor patrimonial de €35,97, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Pouca de Aguiar sob o n.º ...;
    3. o prédio rústico com 1.400m2, composto de cultura arvense de sequeiro, sito em..., inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo n.º ..., com valor patrimonial de €27,13, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Pouca de Aguiar sob o n.º...;
  6. No mesmo dia da aquisição dos ditos imóveis, a Requerente adquiriu ao Conselho Diretivo dos Baldios de ..., a concessão de exploração de uma pedreira sita no lugar de ..., limite da Povoação de..., da freguesia de ..., com área de 98.000 m2, para ser explorada como pedreira para extração de granitos. A cedência tinha a duração de 15 anos, com início no dia 2014/03/01, renovada por períodos de cinco anos;
  7. A Requerente foi sujeita a procedimentos de inspecção associados às liquidações adicionais de IRC, efectuados pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças do Porto, a coberto das Ordens de Serviço n.os OI2023..., OI2023..., OI2023..., OI2023..., OI2023... e OI2023..., de âmbito parcial;
  8. O Relatório de Inspecção Tributária (RIT) referente ao ano de 2014, correspondente à OI2023..., considerou que a Requerente fizera relevar os seguintes activos não ilegíveis ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI):
    1. terrenos para exploração de granitos (53.639,91 €);
    2. central solar fotovoltaica (70.000,00€);
    3. sistema de reaproveitamento e recirculação de águas (89.050,00 €); e
    4. programas informáticos (€3.113,40).
  9. Os demais RIT, referentes aos anos de 2015 a 2018, consideraram – tal como o inicial – que a Requerente, tendo valores de colecta que lhe permitiam deduzir o benefício associado ao RFAI, não poderia ter diferido para anos subsequentes tal benefício, como fez;
  10. Dos diversos RIT vieram a resultar as liquidações com n.os 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2024 ... e 2023..., bem como das respectivas demonstrações de acerto de contas, com os n.os 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2024... e 2023..., num total de € 164.664,83 (cento e sessenta e quatro mil, seiscentos e sessenta e quatro euros e oitenta e três centavos).

 

          III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

            Tendo em conta as posições das partes e, consequentemente, a matéria relevante para a decisão da presente causa, não há factos não provados.

 

          III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO

Os factos dados como provados resultam dos documentos disponíveis nos autos e, ou, do acordo das Partes.

 

  1. DIREITO

IV.1. Questões a decidir

A primeira questão a discutir é a do enquadramento, para efeitos de RFAI, de cada um dos quatro tipos de aquisições efectuadas pela Requerente em 2014, uma vez que o dissídio entre Requerente e Requerida se circunscreve à elegibilidade de cada uma dessas despesas para efeitos desse regime de benefícios fiscais.

A segunda questão a discutir é a da admissibilidade de a Requerente auto-limitar os montantes de benefício a descontar, uma vez que durante os períodos de 2015 a 2018 a Requerente se limitou a abater contra 50 % da colecta o montante em reporte do RFAI gerado em 2014, sem considerar os montantes gerados nos períodos seguintes para abater o remanescente da colecta.

A terceira questão é a das consequências do decidido em relação às anteriores questões, ainda que a Requerente não tenha formulado qualquer pedido de devolução de montantes nem de pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

IV.2. Sobre aquisição de terrenos para exploração de granitos

IV.2.1. Posição da Requerente

A Requerente entendeu, essencialmente, que:

a) a tese da AT não tinha qualquer base legal ou apoio jurisprudencial, por inexistir qualquer definição do conceito de estado novo na legislação europeia e portuguesa, ou na jurisprudência;

b) mesmo que os imóveis tivessem estado antes registados no activo fixo tangível de outra empresa, só a sua prévia utilização para obtenção de benefícios fiscais devia ser impeditivo da sua qualificação para efeitos de RFAI (o que não era o caso);

c) o Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC) refere especificamente, no seu artigo 14.º, n.º 6, que o conceito de “estado novo” não se aplica às PME.

 

IV.2.2. Posição da Requerida

Entende a AT, na Resposta, que:

  1. um bem em “estado novo “é um bem que ainda não foi utilizado, que se encontra no seu original, ou seja, que vai ser utilizado pela primeira vez.”;
  2. os terrenos tinham sido adquiridos pela Requerente à sociedade “ C..., Lda” e esta, no desenrolar da sua actividade produtiva, já os incluíra no seu activo fixo tangível, vindo a ser depreciados no decurso dessa actividade;
  3. os terrenos em discussão, não estavam já em estado novo mas sim em estado de usados, pelo que, em face do exposto não podiam os mesmos ser considerados como aplicações relevantes para efeitos de RFAI da requerente”;

Tal era conforme com a posição assumida no RIT relativo à OI2023..., onde se escrevera o seguinte:

não se trata de uma nova exploração mineira, mas da aquisição de um ativo fixo tangível adquirido em estado de usado, na medida que os terrenos integravam o ativo não corrente da empresa vendedora C..., Lda., ou seja, faziam parte do ativo fixo tangível da sociedade C..., Lda. e esta estava a explorar a referida pedreira ... .

Do exposto, conclui-se que os investimentos com a aquisição dos terrenos rústicos não podem beneficiar do RFAI, uma vez que, conforme disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 22º do CFI, para efeitos de RFAI só são considerados aplicações relevantes os investimentos efetuados em ativos fixos tangíveis que tiverem sido adquiridos em estado de novo.”.

 

A Resposta da AT invocava também

i. a “ficha doutrinária Informação vinculativa proferida no Processo nº 36/2021 ( PIV nº 19533 ), sancionado pelo Despacho da Diretora de Serviços de IRC, datado de 05.03.2021, onde se refere que :

“A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tem vindo a considerar que um ativo fixo tangível é considerado em "estado de novo" se não integrou anteriormente o ativo não corrente da empresa que pretende usufruir do benefício fiscal ou de qualquer outra empresa. Refira-se que é a qualificação do próprio ativo que releva e não o facto de estar ou não “devidamente” contabilizado como tal na esfera do anterior proprietário/transmitente. Ainda que o anterior proprietário fosse uma pessoa singular que não possuísse contabilidade, o raciocínio não se alteraria, porque o que interessa é a qualificação do próprio ativo”;

ii. o teor da ficha doutrinária do “Processo de Informação Vinculativa nº 8949” da qual resultaria que “a condição da aquisição dos ativos fixos tangíveis em “estado de novo” se aplica mesmo no caso de o sujeito passivo de IRC se qualificar como PME.” (segundo a Recomendação da Comissão, de 6 de Maio de 2003, relativa à definição de micro, pequenas e médias empresas, as PME abrangem as “micro, pequenas e médias empresas”, tal como aí definidas).

 

IV.2.3. Apreciando

Ainda que pareça incongruente que a aquisição de terrenos – ao contrário de qualquer outro activo produtivo – tivesse de ficar fora do âmbito das aquisições relevantes para efeitos de RFAI (uma vez que só terrenos conquistados ao mar ou resultantes de erupções vulcânicas é que alguma vez poderiam ser literalmente considerados “em estado novo”), é inteiramente irrelevante discutir isso no contexto do que está em causa nos presentes autos: a Requerente invocou expressamente a finalidade a que destinava a aquisição dos ditos terrenos (a exploração do granito neles existente) e a Requerida assumiu expressamente que os terrenos serviam exactamente para isso[1].

Ora, como o granito não se reproduz, nem se regenera, se há alguma coisa certa é que o que vier a ser extraído pela Requerente dos terrenos adquiridos há-de corresponder à definição usada pela Requerida e já acima transcrita: “um bem em “estado novo “é um bem que ainda não foi utilizado, que se encontra no seu original, ou seja, que vai ser utilizado pela primeira vez.”.

Não faz qualquer sentido, portanto, discutir se – para a actividade tida em vista pela Requerente – a terra, enquanto recurso natural, pode ser nova ou não[2]: todo o granito que puder ser extraído dos terrenos (e a aquisição dos terrenos, acompanhada da celebração do contrato de concessão de exploração da pedreira sita no lugar de ..., só faz sentido desde que possa) foi o granito que não foi extraído pela sua anterior proprietária e, portanto, será “utilizado pela primeira vez”.

Certamente é por isso que o Código Fiscal do Investimento (CFI) afasta, na sub-alínea i) da alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º, a aquisição de terrenos como “aplicações relevantes” de activos afectos à exploração da empresa, mas excepciona os terrenos que se “destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na indústria extrativa;”.

Tem, pois, razão a Requerente – por motivos que se prendem com a natureza objectiva do bem em causa.

Tal como tem razão por motivos que se prendem com a sua natureza subjectiva de PME[3], situação que nunca poderia ser desconsiderada face ao disposto no n.º 6 do artigo 14.º do RGIC (Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de Junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L187, de 26 de Junho de 2014), que estabelece que “os ativos adquiridos devem ser novos, exceto no que se refere às PME, e à aquisição de um estabelecimento.”. Tal normativo nunca poderia ser suplantado por uma Informação Vinculativa da AT – que, de resto, só pode ter sido emitida por desconhecimento daquela norma.

           

IV.3. Sobre aquisição de central fotovoltaica

IV.3.1. Posição da Requerente

A Requerente defendeu, essencialmente, que esse equipamento se integrava num “plano estratégico” que “deve ser visto sob um ponto de vista global, e não, como parece fazer crer a AT, como investimentos independentes e avulsos.”, e que

  1. além dos meios e máquinas que fabricam produtos [é necessário] todo um ecossistema envolvente, que deve ser considerado como parte integrante da produção.”;
  2. sem os meios que foram alvo de investimento, a Requerente não estaria em condições de aumentar a produção, ou não o conseguiria realizar da mesma forma, ou com a mesma eficiência.”;
  3. para um investimento poder beneficiar do RFAI, não é condição necessária que haja efetivamente um aumento efetivo da capacidade, bastando que o investimento seja apto a atingir esse objetivo.”;

Invocou também vária jurisprudência arbitral em apoio (decisões dos processos n.os 546/2020-T, 837/2021-T, 574/2020-T, 567/2021-T, 229/2022-T e 837/2021-T).

 

IV.3.2. Posição da Requerida

Na sua Resposta, a AT limitou-se a argumentar que:

 

  1. a aquisição pela requerente de uma CENTRAL SOLAR FOTOVOTAICA (painéis solares) teve como objetivo primordial satisfazer parcialmente as necessidades da empresa no que respeita ao consumo energético, passando ela própria também a produzir a sua energia.”;
  2. Embora se possa admitir que essa nova fonte de energia possa levar ao aumento da produção de uma empresa, por via de uma melhor eficiência no processo produtivo, não se pode considerar que esteja relacionada com o aumento da sua capacidade produtiva de um estabelecimento já existente.”.

 

A Resposta da AT invocava nesse sentido “a Informação Vinculativa referente ao Processo nº 334/2023 (PIV nº 24275 ), sancionada com o Despacho da Diretora desta DSIRC, datado de 17.04.2023”, onde se escrevera que

o investimento com a aquisição de equipamentos fotovoltaicos, destinados à produção de energia destinada a autoconsumo, não pode beneficiar de RFAI, porquanto não se encontra relacionado com “o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”, nem com qualquer outra das tipologias previstas na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.””.

 

 

IV.3.3. Apreciando

O ponto de partida de apreciação dos investimentos a fazer relevar num sistema de incentivos tem de assentar no quadro fixado pela União Europeia para as ajudas de Estado. Nesse sentido, é no RGIC que se devem encontrar os parâmetros de apreciação das opções legislativas que são incorporados no Código Fiscal do Investimento e, no seu âmbito, do RFAI. Ora, o que aquele regulamento da União determina, em matéria de investimentos na área da energia, é o seguinte (Considerando (58)):

Como parte da estratégia Europa 2020, a União fixou-se a si mesma o objetivo de aumentar em 20 % a eficiência energética até 2020, tendo, nomeadamente, adotado a Diretiva 2012/27/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativa à eficiência energética (…) que estabelece um quadro comum para a promoção da eficiência energética na União perseguindo o objetivo global de poupança de, pelo menos, 20 % do consumo de energia primária da União. Para facilitar a concretização desses objetivos, as medidas de apoio à eficiência energética, à cogeração de elevada eficiência e ao aquecimento e arrefecimento urbano energeticamente eficiente devem ser abrangidas pela isenção por categoria.”.

Sendo essa a teleologia do sistema de incentivos que foi concretizada a nível nacional pelo RFAI, não pode deixar de se admitir que o investimento realizado pela Requerente numa central solar para fornecer energia à sua actividade industrial seja elegível para o efeito. Como se escreveu na decisão do processo n.º 546/2020-T (notas suprimidas):

O primeiro capítulo do atual RGIC, sob a epígrafe “Disposições comuns”, versa sobre as normas comuns a todas as categorias de auxílios aí abrangidas, e consagra “a obrigatoriedade de os Estados respeitarem certos princípios quando se decidem a implementar auxílios sob o seu manto”*, incorporando as diretrizes sobre os elementos que estes auxílios devem respeitar, para serem considerados compatíveis com o mercado interno e estabelecendo expressamente a obrigação de os auxílios terem um efeito de incentivo (v. artigo 6.º do RGIC).

Assim, o RGIC*, além do propósito de isentar certos auxílios de Estado da obrigação de notificação, define os princípios e diretrizes que devem servir de enquadramento à ação legislativa dos Estados-Membros nesta área, fazendo parte do respetivo quadro regulatório.

Tem, pois, razão a Requerente, já que decorre do RGIC que a apreciação deste tipo de investimentos se deve subordinar ao objectivo de “promoção da eficiência energética na União” e ao “objetivo global de poupança de, pelo menos, 20 % do consumo de energia primária da União”.

 

IV.4. Sobre aquisição de sistema de reaproveitamento e recirculação de águas

IV.4.1. Posição da Requerente

A Requerente invocou, essencialmente, que:

  1. inexistia abastecimento público de água no local da pedreira;
  2. A água é um elemento essencial no processo produtivo da ora Requerente, especificamente em todo o processo de corte da pedra, sendo que sem este elemento, a produção não pode continuar.”;
  3. Tal como em relação aos painéis solares, está em causa um projecto de investimento global, não aquisições avulsas, devendo ser considerado um “investimento inicial” que configura “um “aumento da capacidade existente””;

Invocou em abono a mesma jurisprudência arbitral em que fundamentava a pretensão anterior (decisões dos processos n.os 546/2020-T, 837/2021-T, 574/2020-T, 567/2021-T, 229/2022-T e 837/2021-T).

 

IV.4.1. Posição da Requerida

Em contrapartida a Requerida entendeu, em Resposta, que:

  1. “o sistema de reaproveitamento e tratamento de águas em causa consiste assim em extrair a lama da água, permitindo assim uma poupança de água e por conseguinte uma redução de custos de produção.” mas “não aumenta a capacidade produtiva da empresa”;
  2. embora a empresa não disponha de água resultante do fornecimento de rede pública como invoca, foi dado constatar possuir furos de captação de água.”;
  1.  “por não existir legislação que obrigasse legalmente a empresa a ter de adquirir o sistema de reaproveitamento e recirculação de águas, o mesmo não se tornava imprescindível para a atividade da requerente”;
  2. não havia similitude com o caso decidido no “Acórdão proferido no Processo nº 837/2021 - T, no qual está em causa uma ETAR destinada a reduzir a carga poluente da indústria de resinas, porquanto O TRATAMENTO DE EFLUENTES É UM REQUISITO LEGAL E OBRIGATÓRIO A SER CUMPRIDO”;

 

IV.4.3. Apreciando

Convergem na ponderação deste investimento duas ordens de razões:

- por um lado, a da necessidade, uma vez que a Requerente não pode contar com fornecimento de água por parte da rede pública e o recurso a furos de captação de água não lhe fornece a mesma garantia de fornecimento ininterrupto. Só desse ponto de vista já seria avisado que uma programação de exploração de longo prazo incluísse medidas de “reaproveitamento e tratamento de águas”;

- por outro lado, a da salvaguarda ambiental, uma vez que, como reconhece a Resposta da AT, o “reaproveitamento e tratamento de águas em causa consiste assim em extrair a lama da água, permitindo assim uma poupança de água”. Tendo isso presente, não se afigura a este Tribunal que seja aceitável a posição da AT sobre a qualificação de um investimento como “imprescindível para a atividade da requerenteapenas quando dependa da necessidade de cumprimento de regras ambientais obrigatórias. Não por qualquer alargamento ambientalmente correcto do que é o regime do RFAI, mas porque o RGIC admite expressamente (no seu Considerando (55)) que haja nestas matérias falhas de mercado: 

O domínio da proteção do ambiente confronta-se com deficiências de mercado tais que, em condições normais de mercado, as empresas podem não ter o incentivo necessário para reduzir a poluição que provoca, uma vez que tal redução pode aumentar os seus custos, sem que tal seja acompanhado dos benefícios correspondentes. Quando as empresas não são obrigadas a internalizar os custos da poluição, é a sociedade no seu conjunto que os suporta.

E no seu Considerando (56) fixa-se o critério que deve nortear a aplicação dos sistemas de incentivos:

Pode alcançar-se um nível mais elevado de proteção do ambiente através de investimentos que vão além das normas obrigatórias da União. A fim de incentivar as empresas a reforçarem o nível de proteção do ambiente para além destas normas obrigatórias da União, os auxílios estatais neste domínio devem ser abrangidos pela isenção por categoria.”.

Tem razão, pois, a Requerente, ao considerar que o entendimento da AT sobre o seu investimento em matéria de poupança de água e tratamento de efluentes padece de erro de Direito, já que decorre do RGIC que a apreciação deste tipo de investimentos não deve depender da necessidade de cumprimento dos mínimos impostos por normas ambientais obrigatórias – e já se viu que, como se escreveu na decisão do processo n.º 546/2020-T, tal Regulamento “define os princípios e diretrizes que devem servir de enquadramento à ação legislativa dos Estados-Membros nesta área, fazendo parte do respetivo quadro regulatório.”.

 

IV.5. Sobre aquisição de programas informáticos

IV.5.1. Posição da Requerente

A Requerente invocou, essencialmente, que:

  1. resulta “claramente da Lei que as licenças constituem ativos intangíveis elegíveis no âmbito do RFAI”;
  2. não há razão para “uma interpretação restritiva subjacente a estas correções, quando se encontram definições claras para “Direitos de Tecnologia “, “ Acordos de transferência de tecnologia “, “ Direitos de propriedade intelectual “, no Regulamento UE 316/2014, de 21.03.2014.”;
  3. a propriedade intelectual, é apenas uma das possibilidades enumeradas para um acordo de transferência de tecnologia, mas não o único”;
  4. O mesmo teria sido decidido pela AT na Ficha Doutrinária relativa ao processo n.º 2020001469, PIV 17279, sancionado por Despacho de 28 de Maio de 2020, da Diretora de Serviços do IRC.

 

IV.5.2. Posição da Requerida

Em contrapartida a Requerida entendeu, em resposta:

  1. que as únicas aplicações relevantes em ativos intangíveis consideradas elegíveis em sede de RFAI são (…) as “despesas com transferência de tecnologia”, as quais estão associadas a aquisições de propriedade intelectual ou propriedade industrial”;
  2. que “não se pode confundir “propriedade industrial” ( SNC 444 ) com a aquisição de meras atualizações e novas versões de “programas de computador” já em utilização ( SNC 443 - onde se incluem as licenças de softwares e programas de gestão ).”;
  3. que, “a aquisição destas atualizações de software, renovação de autorização de utilização temporária e as despesas de instalação e manutenção de programas de computadores não correspondem à transmissão de qualquer direito de propriedade intelectual, não se qualificando como “transferência de tecnologia””;
  4. que, nos termos da informação vinculativa proferida no processo n.º 2020 001469, PIV 17279, invocada pela Requerente, “para que o investimento efetuado em aplicações relevantes seja elegível, é necessário que integre o conceito de “investimento inicial”, (…) não sendo elegível como aplicação relevante o investimento na “aquisição de equipamentos de substituição”.”; e
  5. que a invocação do decidido no processo n.º 500/2021-T era desadequada, porque tratava-se aí “de software aplicado diretamente ao processo produtivo, e em que ficou provado que este veio permitir uma maior celeridade na produção”.

 

IV.5.3. Apreciando

A alínea b) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI considera como aplicações relevantes os investimentos nos seguintes activos, desde que afectos à exploração das empresas:

Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.”.

 

            Por outro lado, o artigo 2.º, n.º 30 do RGIC define “Ativos incorpóreos” como “os ativos sem qualquer materialização física ou financeira, como patentes, licenças, saber-fazer ou outros tipos de propriedade intelectual;”.

            No caso, as despesas realizadas pela Requerente com activos intangíveis (ou incorpóreos) tiveram a ver com atualizações de software de gestão de pessoal, contabilidade geral e renovação do domínio do site na Internet.

É verdade que a menção legal a “licenças” implica que entre as despesas elegíveis para efeitos do RFAI possa inexistir “transmissão de propriedade intelectual” (um dos argumentos da Requerente), mas o que a lei exige não é que a haja: é sim que haja “transferência de tecnologia”, e esta pode evidentemente ocorrer sem “transmissão de propriedade intelectual”. Não é por não ter havido esta que se pode excluir aquela.

E é também verdade que há limitações aos investimentos de substituição para efeitos do RFAI (como a Resposta da AT invoca), mas os argumentos usados no RIT foram unicamente a suposta identidade entre “transmissão de propriedade intelectual” e “transferência de tecnologia[4], e a diferença entre os “programas de computador” e a “propriedade industrial” para efeitos do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) – onde são classificados, respectivamente, com os números 443 e 444 – mas ambos na conta 44, a dos Activos Intangíveis. Assim, essa diferença de classificação contabilística não é relevante para delimitar os activos intangíveis que são elegíveis para efeitos do RFAI – como já se decidiu no processo n.º 500/2021-T[5] – e, portanto, a fundamentação do acto de liquidação não é adequada. Como não é possível fundamentação a posteriori[6], a questão de o investimento ser inicial ou de substituição (questão suscitada na Resposta da AT e que foi o fundamento da decisão no processo n.º 892/2023-T), ou de levar ou não a um aumento da capacidade produtiva (que foi igualmente invocada na Resposta da AT e constituiu outro dos fundamentos da decisão no processo n.º 500/2021-T), não podem ser feitas relevar para legitimar o acto de liquidação.

            Tem razão, pois, a Requerente, ainda que – pode admitir-se – apenas porque a fundamentação adoptada para o acto de liquidação foi inadequada.

 

IV.6. Sobre a oportunidade da apresentação das deduções a título de RFAI

IV.6.1. Posição da Requerente

A Requerente entendeu, essencialmente, que:

  1. a interpretação que deu aos n.os 2 e 3 do artigo 23.º do CFI foi o de que “a limitação dos 50% de coleta se aplicava ao RFAI, independentemente do ano a que respeitasse”;
  2. admitindo a lei uma dedução durante os 10 períodos seguintes do “montante gerado a título de RFAI durante um determinado período de tributação (e não deduzido por insuficiência da coleta)”, tal interpretação deve ter-se por razoável;
  3. o procedimento por si efectuado não lesou o Estado, porquanto em cada um dos exercícios em questão acabou por entregar imposto superior ao devido;
  4. não terá sido a intenção do legislador penalizar o contribuinte pelo facto de não esgotar o limite da dedução que poderia realizar num determinado período, quando não ocorre manipulação dos resultados, a respectiva utilização ocorre dentro do prazo de reporte legalmente permitido e, como tal, em benefício do Estado e em claro prejuízo do sujeito passivo.
  5. o entendimento da AT coloca em causa os princípios da justiça, da boa-fé, da tributação do lucro real e da capacidade contributiva;
  6. invoca ainda a decisão do processo n.o 370/2015-T (“Uma interpretação da lei, não expressamente imposta pelo texto legal, que restrinja o “aproveitamento” dos benefícios fiscais em causa feriria a credibilidade das “promessas legislativas” em matéria fiscal, seria, em suma, contrária ao princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito.”), e a jurisprudência sobre a prevalência do “princípio da justiça sobre a legalidade estrita, em situações que da atuação dos contribuintes não advenha qualquer prejuízo para o erário público, nomeadamente situações em que o sujeito passivo não obteve vantagens ou até foi prejudicado pelo erro/omissão que praticou – o que se verifica in casu.”.

 

IV.6.1. Posição da Requerida

Em contrapartida a Requerida entendeu, em resposta:

  1. que, conforme Informação Vinculativa relativa ao processo 2015003113, “existindo coleta que permita a sua dedução para efeitos de liquidação de imposto, referente aos exercícios a que os mesmos respeitam, ou nos seguintes, deverá fazer essa dedução, não se podendo reportar para os períodos seguintes o montante que podendo não foi deduzido à coleta desse mesmo período de tributação.”;
  2. que “as deduções à coleta do IRC, apurada nos termos do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, são efetuadas pela ordem definida no n.º 2 do mesmo, não podendo o sujeito passivo optar por deduzir umas em detrimento de outras (…) OU MESMO DEIXAR DE EFETUAR QUALQUER UMA DAS DEDUÇÕES PREVISTAS NO ART.º 90.º DO CIRC, QUANDO AINDA EXISTA COLETA.”;
  3. que, consequentemente, “OS SUJEITOS PASSIVOS NÃO PODEM ESCOLHER OS PERÍODOS DE TRIBUTAÇÃO EM QUE PRETENDEM DEDUZIR OS BENEFÍCIOS FISCAIS.”;
  4. pelo que “existindo coleta disponível nos exercícios de 2015 a 2019, devia a requerente ter deduzido o RFAI até à coleta existente nos respetivos períodos”;
  5. e, em todo o caso, quando notificada para exercer o direito de audição, a Requerente ainda estava em tempo de se socorrer “dos meios de reação legais ao dispor para corrigir as autoliquidações de IRC em causa”, o que não fez;
  6. pelo que admitir essa sua pretendida possibilidade de escolha geraria desigualdade e “colidiria com os procedimentos efetuados por outros sujeitos passivos que norteiam a sua ação cumprindo com os procedimentos a que a lei obriga.

 

IV.5.3. Apreciando

          Está em causa avaliar a legalidade do procedimento adoptado pela Requerente para deduzir benefícios fiscais entre 2015 e 2018, uma vez que se limitou a deduzir o valor de RFAI gerado em 2014 até 50% da colecta de cada um desses anos, “sem considerar os montantes gerados nos períodos seguintes para abater o remanescente da coleta”. Como se escreveu nos vários RIT referentes aos anos de 2015 a 2018 (correspondentes às ordens de serviço internas n.ºs OI2023..., OI2023... e OI2023... e OI2023...),

 “Em síntese, entende-se que o limite da dedução a efetuar, em cada um dos períodos de tributação, está subordinado à coleta (global) apurada nesse mesmo período de tributação em que é efetuada a dedução, atendendo, porém, ao limite a que cada um dos benefícios está sujeito. Ou seja, havendo reporte de mais do que um benefício, com origem em períodos de tributação diferentes, poderá ser absorvida a totalidade da coleta, desde que o beneficio a deduzir, relativo a cada um dos períodos em reporte e/ou do próprio período, não ultrapasse, cada um “per si”, o limite a que cada um está sujeito pela legislação específica que o regulamenta.” 

            Em suma: depois de ter censurado à Requerente o ter descontado imposto a mais, o que a AT lhe censura, nesta parte, é ter descontado imposto a menos – ie, não ter cumulado os benefícios que podia ter usado para diminuir (ou anular) os impostos que pagou durante esses anos.

            O próprio facto de a Resposta da AT remeter para uma informação vinculativa (na verdade, na versão final dos RIT invocava-se mais do que uma[7]), implica a admissão implícita de que tal entendimento não decorre da lei. De facto, a redacção dos n.os 2 e 3 do artigo 23.º do CFI (epigrafado “Benefícios fiscais”) é a seguinte:

 

2 - A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efetuada na liquidação de IRC respeitante ao período de tributação em que sejam realizadas as aplicações relevantes, com os seguintes limites:

a) No caso de investimentos realizados no período de tributação do início de atividade e nos dois períodos de tributação seguintes, exceto quando a empresa resultar de cisão, até à concorrência do total da coleta do IRC apurada em cada um desses períodos de tributação;

b) Nos restantes casos, até à concorrência de 50 % da coleta do IRC apurada em cada período de tributação.

3 - Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de coleta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo nas liquidações dos 10 períodos de tributação seguintes, até à concorrência da coleta de IRC apurada em cada um dos períodos de tributação, no caso de investimentos abrangidos pela alínea a) do número anterior ou com o limite previsto na alínea b) do mesmo número, nos casos aí previstos.

 

            Ora, com o devido respeito por entendimento diverso, do contraste entre as duas alíneas do n.º 2, a primeira admitindo a “concorrência do total da coleta do IRC apurada”, mas limitando-a ao ano de início da actividade e aos dois anos seguintes, a segunda circunscrevendo esse limite a “50 % da coleta do IRC apurada em cada período de tributação”, mas admitindo o n.º 3 a recuperação do sobejante durante os 10 períodos seguintes, é manifestamente injustificado extrair a caducidade imediata (e não ao fim de uma década) dos sucessivos montantes gerados pelo RFAI que excedam 50% da colecta de cada período. Pela mesma razão, também não seria de presumir que não há diferença entre os três primeiros anos de actividade e todos os seguintes quanto à inexistência de um limite ao montante a deduzir à colecta (desde que se somem os créditos de RFAI relativos a anos sucessivos…).

            Entende o presente Tribunal, por isso, que não é necessário recorrer à invocação do princípio da justiça para temperar uma solução que decorra da “legalidade estrita”: pelo contrário, desta não resulta a solução que a AT pretendeu impor por via administrativa, e que só pelo conhecimento de tal posição se terá imposto aos agentes económicos.

Mais uma vez, tem razão a Requerente.

 

 

IV.6. Consequências do decidido em relação às anteriores questões

 

Sem prejuízo da plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, imposta pelo n.º 1 do artigo 100.º da Lei Geral Tributária, uma vez que a Requerente não pagou qualquer montante (as demonstrações de liquidação de IRC juntas aos autos são todas de valor zero, à excepção da de 2018, que contempla valores a reembolsar pela AT), não há que determinar reembolso algum, nem se coloca a questão do pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos decide o presente Tribunal Arbitral:

  1. Conceder integral provimento a todas as pretensões da Requerente, anulando as liquidações com n.os 2023 ..., 2023 ..., 2023 ..., 2023 ..., 2024 ... e 2023 ..., bem como das respectivas demonstrações de acerto de contas, com os n.os 2023 ..., 2023..., 2023..., 2023..., 2024... e 2023.. ..
  2. Condenar a AT nas custas do processo, nos termos fixados infra.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária - RCPAT), fixa-se o valor do processo em €164.664,83 (cento e sessenta e quatro mil, seiscentos e quarenta e quatro euros e oitenta e três cêntimos).

 

  1. CUSTAS

Custas a cargo da Requerida, no montante de € 3.672,00 (três mil seiscentos e setenta e dois euros), nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e do disposto no seu artigo 4.º, n.º 5, e nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, dado que o presente pedido foi julgado inteiramente procedente.

 

Lisboa, 28 de Novembro de 2024

 

 

O árbitro presidente e relator

 

 

Victor Calvete

 

O árbitro adjunto

 

Daniel Taborda

 

O árbitro adjunto

 

Manuel Faustino

A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 excepto em transcrições que o adoptem



[1] Isso resulta claramente do RIT, mas também no §51 da Resposta se escreve o seguinte:

os referidos terrenos foram adquiridos pela requerente (…) para prosseguir com a atividade de extração e comercialização de granitos..., atividade que estava a ser desenvolvida pela empresa C..., Ldª,”.

 

[2] Repita-se que a Informação Vinculativa “proferida no Processo nº 36/2021 ( PIV nº 19533 )”, invocada pela AT, esclareceu que “o que interessa é a qualificação do próprio ativo”, não a sua situação contabilística prévia.

 

[3] Segundo o n.º 1 do artigo 2.º do Anexo à Recomendação da Comissão, de 6 de Maio de 2003, relativa à definição de micro, pequenas e médias empresas, “A categoria das micro, pequenas e médias empresas (PME) é constituída por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.”. Apesar de a Requerente não ter invocado valores de facturação nem de trabalhadores, e da reserva manifestada pela AT na sua Resposta (“Menciona depois ser uma PME”), o RIT referente à OI2023... admitiu que “se trata de uma empresa de média dimensão”. Assim, a conclusão a que a Resposta da AT chega com base na informação vinculativa não poderia prevalecer sobre a norma do RGIC – que, acrescente-se, esclarece no seu Considerando (30) que “a definição de PME utilizada para efeitos do presente regulamento deve basear-se na definição da Recomendação 2003/361/CE da Comissão, de 6 de maio de 2003, relativa à definição de micro, pequenas e médias empresas”.

 

[4] Como aí se escreveu, “será de excluir, do âmbito das aplicações relevantes em sede de RFAI, os gastos com a licença/instalação e manutenção do software, uma vez que não se qualificam como “despesas com transferência de tecnologia”.”.

 

[5] Como aí se escreveu,

no respeitante aos gastos incorridos pela Requerente com a aquisição, renovação e instalação de softwares, consideramos que o citado entendimento vertido no RIT não pode colher, porquanto, contrariamente ao pretendido pela Requerida, das sobreditas normas não decorre qualquer imposição de que a aquisição de uma licença tenha subjacente a transmissão de propriedade intelectual ou industrial, o que, aliás, configura uma contradição, pois se se trata de adquirir uma licença, não pode estar em causa a transmissão de direitos de propriedade e vice-versa. Assim, o que se afigura determinante é que exista um ativo intangível constituído por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de licenças, como acontece no caso concreto.”.

 

[6] Ver, por exemplo, as decisões do STA de 2 de Outubro de 2024 no processo 0120/12.9BEBJA 01224/16, de 28 de Outubro de 2020 no processo 02887/13.8BEPRT e de 22 de Março de 2018 no processo 0208/17.

[7] Nos “Comentários ao direito de audição” dos ditos RIT escrevia-se o seguinte:

No Relatório de Inspeção Tributária foi mencionada a informação vinculativa n.º 2015 003113, por tratar-se de uma ficha doutrinária, com despacho de 2016/02/02 da Subdiretora-Geral, que se encontrava publicada/divulgada à data dos factos aqui em causa e expressa a posição da Autoridade Tributária sobre a matéria. Repare-se que o entendimento constante naquela ficha doutrinária foi reiterado na ficha doutrinária da informação vinculativa proferida no processo 2019 001093, PIV n.º 15306, sancionado por Despacho, de 31 de julho de 2019, da Diretora de Serviços do IRC, onde se refere expressamente que “Havendo reporte de RFAI de mais do que um período de tributação, poderá ser absorvida a totalidade da coleta, desde que o RFAI a deduzir, relativo a cada um dos períodos em reporte e/ou do próprio período, não ultrapasse, cada um “per si”, o montante correspondente a 50% da coleta do IRC (percentagem aplicável ao caso em análise) do período de tributação em que é efetuada a dedução”.”.