Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 594/2014-T
Data da decisão: 2015-09-01  Selo  
Valor do pedido: € 10.336,42
Tema: IS – Verba 28 da TGIS - Propriedade vertical
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I.         RELATÓRIO

 

A, contribuinte fiscal nº …, cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito de B, com domicílio na Avenida … Lisboa (de ora em diante designado apenas por “Requerente”), apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria, doravante apenas designado por “RJAT”), com vista à declaração de nulidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo (“IS”) emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “entidade Requerida”), na importância total de 6.837,75 euros, com fundamento na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), com data de 17 de Março de 2014 e relativos ao ano de 2013, constante dos documentos de cobrança juntos ao pedido de pronúncia arbitral sob os documentos nºs 1 a 27 que incidiram sobre o prédio urbano que integra as heranças indivisas.

Para o efeito, alega, em síntese, que:

1.      Os atos de liquidação do Imposto do Selo são ilegais, por estarem os mesmos viciados por erro de apreciação dos pressupostos de direito por:

                    i.            A liquidação do Imposto do Selo deve obedecer às regras previstas no Código do IMI (“CIMI”), por remissão do nº 2 do art. 67.º do Código do Imposto do Selo (“CIS”) e na ausência de uma regra própria para a tributação das frações de um imóvel no âmbito do CIS, o critério legal para definir a incidência do IS terá de corresponder ao que se encontra fixado no CIMI;

                  ii.            Em conformidade com o disposto no nº 3 do art. 12.º do CIMI, cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é avaliada individualmente e a cada uma é atribuído um valor patrimonial tributário próprio. A liquidação do IMI recai sobre esse valor patrimonial tributário de cada uma dessas frações, funcionando individualmente, independentemente de o imóvel do qual fazem parte se encontrarem em regime de propriedade horizontal;

                iii.            O valor patrimonial tributário (“VPT”) que determina a sujeição ao IS é o VPT de cada andar, parte ou fração e não a soma desses valores patrimoniais;

                iv.            As liquidações do IS recaíram especificamente sobre cada uma das frações do prédio, objeto de pronúncia, autonomamente inscritas na matriz, refletindo o VPT de cada uma delas, que é inferior a € 1.000.000,00; 

2.      As liquidações do IS são ainda inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, da proporcionalidade e da confiança de um Estado de Direito.

*

O tribunal arbitral ficou constituído em 2014.10.01, em conformidade com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 11.º do RJAT.

*

Notificada para o efeito, a Entidade Requerida apresentou resposta, na qual, invoca, em suma: 

  1. A situação do prédio urbano subsume-se na verba 28.1 da TGIS, pois, o prédio encontra-se em regime de propriedade total e o que o Requerente pretende é que exista analogia entre o regime de propriedade total e o regime da propriedade horizontal;
  2. O VPT relevante para efeitos da verba 28 da TGIS é o valor patrimonial total do prédio urbano e não valor patrimonial de cada uma das partes que o compõem, ainda que suscetíveis de utilização independente, não afastando esta interpretação o facto de a liquidação do IMI ser calculado em função do valor patrimonial tributário de cada uma dessas partes; 
  3. A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é afetada pelo facto de os mesmos serem suscetíveis de utilização económica e independente, não deixando de ser um único prédio, não podendo assim as suas partes distintas juridicamente serem equiparadas às frações autónomas de um prédio constituído em propriedade horizontal;
  4. Outra interpretação violaria o princípio da legalidade previsto no art. 103.º da CRP;
  5. A tributação em causa não violou o princípio da igualdade, pois a propriedade vertical e a propriedade horizontal são institutos jurídicos diferenciados, implicando este último uma mera alteração jurídica, não dando lugar a uma nova avaliação, sendo que o legislador pode submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto e discriminatório os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, “sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária”;

Concluí pela legalidade e manutenção dos atos de liquidação do IS.

 

*

Por se tratar de uma questão estritamente de direito, o Tribunal Arbitral decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, prescindindo igualmente da apresentação de alegações, por proposta da Entidade Requerida e com o consentimento do Requerente, por não se ter pronunciado em sentido contrário.

Por despacho de 2015.03.19, fixou-se o valor do presente processo arbitral em 10.336,42 euros.

Nos termos do n.º 2 do art. 22.º do RJAT foi decidido fundamentadamente prorrogar por dois meses o prazo para a prolação da decisão arbitral.

 

*

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, de acordo com o disposto no art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e a entidade requerida encontra-se regularmente representada, conforme o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades e inexistem exceções de que cumpra conhecer ou que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

*

II.        FUNDAMENTAÇÃO

 

2.1.      De facto

 

Com base nos elementos constantes do processo e com interesse para decisão, dão-se como provados os factos seguintes:

  1. Na herança indivisa aberta por óbito de C integra-se um prédio urbano em regime de propriedade total, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4.º da freguesia de … (anterior artigo … da freguesia da …), do concelho de Lisboa (cfr. Documentos nºs 1 a 27 juntos ao pedido de pronúncia arbitral e documento nºs 1 a 4 juntos por requerimento superveniente àquele pedido arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Por óbito de B, o prédio urbano supra integra igualmente a herança indivisa aberta por aquele (cfr documento nºs 1 a 4 juntos por requerimento superveniente ao pedido arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
  3. O identificado prédio em propriedade total é composto por rés-do-chão direito, rés-do-chão esquerdo e seis andares, com direito e esquerdo, perfazendo um total de catorze andares ou divisões com utilização independente, todos destinados a habitação (cfr. Documentos nºs 1 a 27 junto ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, igualmente provado por acordo);
  4. O VPT atribuído a cada um dos catorze andares ou divisões com utilização independente destinadas a habitação do supra identificado prédio urbano é inferior a € 1.000.000,00, compreendendo-se entre € 31.952,48 e € 88.785,37 (cfr. Documentos nºs 1 a 27 juntos ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Nos documentos de cobrança para pagamento do Imposto do Selo do ano de 2013 consta como Valor Patrimonial do Prédio – total sujeito a Imposto: 1.033.642,92 (cfr. Documentos nºs 1 a 27 juntos ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)
  6. O Requerente foi notificado dos atos de liquidação do Imposto do Selo do ano de 2013, com data de liquidação em 2014-03-17, constante dos documentos de cobrança para pagamento da primeira prestação do imposto liquidado por cada andar ou divisão com utilização independente afeto a habitação do mencionado prédio urbano, à taxa de 1%, com a data limite de pagamento em abril de 2014, nos termos a seguir discriminados:

IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO (COBRANÇA)

DESCRIÇÃO DO PRÉDIO

VERBA DA TGIS

VALOR PATRIMONIAL

TAXA (%)

COLECTA

1ª PRESTAÇÃO

2014 …

...-RC-E

28.1

56.373,53

1

563,74

187,92

2014 …

...-RC-D

28.1

31.952,48

1

319,52

159,76

2014 …

...-1º-E

28.1

77.044,89

1

770,45

256,83

2014 …

...-1º-D

28.1

68.584,06

1

685,84

228,62

2014 …

...-2ºE

28.1

84.565,64

1

845,66

281,9

2014 …

...-2º-D

28.1

73.284,52

1

732,85

244,29

2014 …

...-3ºE

28.1

87.097,48

1

870,97

290,33

2014 …

...-3º-D

28.1

75.485,19

1

754,85

251,63

2014 …

...-4ºE

28.1

87.097,48

1

870,97

290,33

2014 …

...-4º-D

28.1

75.485,19

1

754,85

251,63

2014 …

...-5ºE

28.1

88.785,37

1

887,85

295,95

2014 …

...-5º-D

28.1

76.948,75

1

769,49

256,51

2014 …

...-6ºE

28.1

81.884,24

1

818,84

272,96

2014 …

...-6ºD

28.1

69.054,10

1

690,54

230,18

           

(cfr. documentos nºs 1 a 27 juntos ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

7.        Em 29 de abril de 2014, o Requerente procedeu ao pagamento da primeira prestação do Imposto do Selo liquidado, no montante total de € 3.498,84 euros (cfr. documentos nºs 1 a 27 juntos ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

8.        O Requerente foi notificado dos atos de liquidação do Imposto do Selo do ano de 2013, com data de liquidação em 2014-03-17, constante dos documentos de cobrança para pagamento da segunda prestação do imposto liquidado por cada andar ou divisão com utilização independente afeto a habitação, à taxa de 1%, com a data limite de pagamento em julho de 2014, nos termos a seguir discriminados:

IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO (COBRANÇA)

DESCRIÇÃO DO PRÉDIO

VERBA DA TGIS

VALOR PATRIMONIAL

TAXA (%)

COLECTA

2ª PRESTAÇÃO

2014 …

...-RC-E

28.1

56.373,53

1

563,74

187,91

2014 …

...-1º-E

28.1

77.044,89

1

770,45

256,81

2014 …

...-1º-D

28.1

68.584,06

1

685,84

228,61

2014 …

...-2ºE

28.1

84.565,64

1

845,66

281,88

2014 …

...-2º-D

28.1

73.284,52

1

732,85

244,28

2014 …

...-3ºE

28.1

87.097,48

1

870,97

290,32

2014 …

...-3º-D

28.1

75.485,19

1

754,85

251,61

2014 …

...-4ºE

28.1

87.097,48

1

870,97

290,32

2014 …

...-4º-D

28.1

75.485,19

1

754,85

251,61

2014 …

...-5ºE

28.1

88.785,37

1

887,85

295,95

2014 …

...-5º-D

28.1

76.948,75

1

769,49

256,49

2014 …

...-6ºE

28.1

81.884,24

1

818,84

272,94

2014 …

...-6ºD

28.1

69.054,10

1

690,54

230,18

 

(cfr. documentos nºs 1 a 27 juntos ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. Em 25 de julho de 2014, o Requerente procedeu ao pagamento da segunda prestação do Imposto do Selo liquidado, no montante total de € 3.338,91 euros (cfr. documentos nºs 1 a 27 juntos ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. As liquidações do Imposto do Selo constantes dos documentos de cobrança supra identificados foram efetuadas por referência à verba 28.1 da TGIS (cfr. documentos nºs 1 a 27 juntos ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Dos atos de liquidação constantes dos identificados documentos de cobrança resultou um imposto total (coleta) de 10.336,42 euros (cfr. documentos nºs 1 a 27 juntos ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

Atentas as posições assumidas pelas partes e dado que a questão a dirimir por este tribunal arbitral é estritamente jurídica (adiante identificada), a factualidade provada teve por base os documentos oficiais juntos ao processo e assinalados em cada um dos pontos da matéria de facto, os quais não foram impugnados. 

Não existem outros factos não provados com interesse para a decisão da causa.

 

2.2        De Direito

 

A questão a decidir nos presentes autos arbitrais consiste em saber se os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo são ilegais, por errónea interpretação e aplicação da verba nº 28.1 da TGIS, aditada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, ao se considerar que o valor patrimonial tributário (“VPT”) de um prédio urbano constituído em regime de propriedade total, com andares ou divisões de utilização independente afetos a habitação que, releva para efeitos de incidência daquela verba é constituído pelo valor resultante do somatório do VPT imputado a cada um daqueles andares ou divisões. Se as liquidações do Imposto do Selo padecem ainda do vício de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, da proporcionalidade e da confiança.

Sobre a questão objeto dos presentes autos já se pronunciou o presente Tribunal Arbitral, nomeadamente nas decisões proferidas nos processos nºs 50/2013-T; 132/2013-T e 194/2014-T, cuja jurisprudência arbitral acompanhamos.

Conforme resulta da factualidade assente, os serviços da AT liquidaram Imposto do Selo à herança indivisa, à taxa de 1%, por considerar que o VPT do prédio urbano constituído em regime de propriedade total, que integra aquela herança é superior a € 1.000.000,00, atendendo ao somatório do VPT de cada um dos catorze andares ou divisões com utilização independente afetas a habitação, que compõem aquele prédio.

Alega o Requerente que a AT liquidou erradamente Imposto do Selo pois não se encontram verificados os pressupostos de que depende a aplicação da verba nº 28.1 da TGIS, uma vez que não pode a AT considerar o VPT total dos catorze andares ou divisões com utilização independente do prédio urbano em questão, quando o próprio legislador determinou regras diferentes em sede do Código de IMI e é este o Código aplicável às matérias não reguladas no que concerne à verba em referência.

Por sua vez, a Requerida sustenta, em síntese que, o VPT que releva para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS é o VPT total do prédio urbano e não o VPT de cada umas das partes que compõem o prédio em propriedade vertical, ainda que suscetíveis de utilização independente.

Vejamos.

O art. 4.º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro veio aditar à TGIS a verba nº 28, com a redação seguinte (na sua versão originária):

28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.

(itálico nosso)

Dispondo o nº 2 do art. 6.º da supra citada Lei quanto ao ano de 2013 que, “a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.”

À data dos factos, são assim pressupostos de incidência da verba 28.1 da TGIS os prédios urbanos, com afetação habitacional, cujo VPT constante da matriz e utilizado para efeitos de liquidação de IMI, seja igual ou superior a 1.000.000,00 euros.

A Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, por referência à verba 28 da TGIS veio ainda estabelecer várias alterações ao CIS, nomeadamente quanto à sua liquidação e pagamento, remetendo expressamente para as regras previstas no CIMI (cfr. art. 23º, nº 7, art. 44º, nº 5, art. 46º, nº 5, art. 49.º, nº 3 do CIS) com as devidas adaptações, prevendo-se no º 2 do art. 67.º do CIS que, “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”

Das referidas normas, constata-se que o conceito de “prédio com afetação habitacional” previsto na sobredita verba nº 28, nº 1 não se encontra definido no CIS, nem na citada Lei, nem no CIMI, cujas normas são de aplicação subsidiária, conforme disposto no nº 2 do art. 67.º do CIS.

Sobre esta questão, já se pronunciou este Tribunal Arbitral na decisão proferida no processo nº 53/2013-T, que aqui acompanhamos, ao entender-se que um “prédio com afetação habitacional” terá «de ser um prédio que já tenha efetiva afetação a esse fim».

É inequívoco que um prédio em propriedade total ou em regime de propriedade vertical constitui um prédio urbano, nos termos do disposto no nº1 do artigo 2º e 4.º do CIMI, aplicáveis subsidiariamente por força do disposto no art. 67.º do CIS, sendo certo também que, quer para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS, quer para efeitos de classificação de prédios urbanos, nos termos do disposto do art. 6.º do CIMI (também de aplicação subsidiária), o legislador não faz distinção entre prédios constituídos em propriedade vertical e em regime de propriedade horizontal (tal como mencionado nas decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 50/2013-T e 132/2013-T), sendo pressuposto tributário da verba 28.1 os prédios urbanos que efetivamente já estão afetos a habitação, pois, o que releva é a utilização efetiva e atual de cada um dos prédios.

Qual será então o valor patrimonial tributário relevante no caso de prédios urbanos em regime de propriedade total composto por andares ou divisões suscetíveis de utilização independente com “afetação habitacional”, para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS?

De acordo com o disposto na própria verba 28.1 da TGIS (na sua redação originária) e do nº2 do art. 6.º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, o Imposto do Selo incidirá o VPT utilizado para efeitos de IMI.

     Vejamos então qual o VPT utilizado para efeitos de IMI.

O valor patrimonial tributário de cada prédio é determinado nos termos do art. 38.º e seguintes do CIMI, em conformidade com o preceituado no nº 1 do art. 7.º do CIMI. No caso de um prédio em regime de propriedade total ou vertical, cada andar ou divisão com utilização independente que o integra é igualmente sujeito a avaliação, sendo-lhe atribuído um valor patrimonial tributário a cada um daqueles andares ou divisões, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º e 38.º e seguintes daquele normativo.

Com efeito, o n.º 1 do art. 12.º do CIMI estabelece que “as matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identificação dos proprietários (…)”, preceituando o seu nº 3 que, “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”, e, em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 119.º do CIMI, é sobre aquele valor patrimonial separadamente considerado que será apurado e liquidado o IMI em relação a cada andar ou parte com utilização independente que integram um prédio urbano em regime de propriedade vertical ou total, atenta a autonomia de cada uma daquelas unidades.

Como escrevem Silvério Mateus e Freitas Corvelo, in “os Impostos sobre o Património Imobiliário e O Imposto do Selo, Comentados e Anotados”, 1ª Edição, Engifisco, págs. 159 e 160, “Um outro aspeto que deve ser evidenciado na matriz tem a ver com a necessidade de fazer relevar a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuído a cada uma das suas partes, funcional e economicamente independentes. Nestes casos, a inscrição matricial não só deve fazer a referência a cada uma destas partes como deve fazer referência expressa ao valor patrimonial correspondente a cada uma delas.

Um exemplo que pode ilustrar esta situação é o caso de um prédio urbano, não constituído em regime de propriedade horizontal e que seja composto por vários andares. (…) Porém, como cada uma destas unidades pode ser objeto de arrendamento ou de outra qualquer utilização por parte do respetivo titular, a matriz deve evidenciar essas unidades e deve ser atribuído valor patrimonial a cada uma delas.”       (itálico nosso)

Tal como evidenciado no Acórdão arbitral proferido no processo nº 194/2014-T, que aqui acompanhamos, “o Código do IMI consagra, quer quanto à inscrição matricial e discriminação do respetivo valor patrimonial tributário, quer quanto à liquidação do imposto, a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente e a segregação/individualização do VPT relativo a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente.

Assim a cada prédio, nos termos conceptualmente definidos pelo artigo 2.º do CIMI, corresponde um único artigo na matriz (nº 2 do artigo 82.º do CIMI) mas, segundo o nº 3 do art. 12.º do mesmo Código, referente ao conceito de matriz predial (…), “cada andar ou andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário (…).

Ou seja, a regra é a autonomização, a caracterização como “prédio” de cada parte de um edifício, desde que funcional e economicamente independente, susceptível de utilização independente, de acordo com o conceito de prédio definido logo no nº 1 do artigo 2º do CIMI: prédio é toda a fração (de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência) desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica.”

Considerando que à luz do CIMI, os andares ou divisões com utilização independente que compõem um prédio urbano em regime de propriedade total ou vertical são tributados autonomamente, uma vez que o IMI é liquidado individualmente sobre o VPT atribuído a cada daqueles andares ou divisões com utilização independente, atenta a relevância da sua autonomia, necessariamente, os princípios e as regras terão de ser os mesmos em sede de Imposto do Selo (mormente, no que se preceitua quanto à inscrição na matriz e liquidação de IMI), quer por assim o impõe a verba 28.1 da TGIS in fine, quer por aplicação subsidiária, por força do disposto no nº 2 do art. 67.º do Código do Imposto do Selo.

Em conformidade, e, no pressuposto que o legislador em causa «consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (de acordo com o preceituado no nº 3 do art. 9.º Código Civil (“CCv”), por remissão do art. 11.º da LGT), só estão abrangidas pela norma de incidência da verba 28.1 da TGIS os andares, partes ou divisões com utilização independente com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

Tal como salientado na decisão arbitral proferida no processo nº 132/2013-T, “O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afetação habitacional, possua um VPT superior a €1.000.000,00” (itálico nosso) e não quando este valor resulta do somatório do VPT imputado a cada andar ou divisão com utilização independente.

Conforme também mencionado na decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013-T “O critério pretendido pela AT, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS.

Ao que acresce o facto da própria lei estabelecer expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o IS a incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a €1.000.000,00 – “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.”

Em face do exposto, não se pode concordar com a AT ao afirmar que o Requerente pretende aplicar o regime da propriedade horizontal ao regime de propriedade total dado que o recurso à analogia implicaria que se verificasse uma lacuna na lei, o que nem sequer acontece no presente caso.

Pois, é própria norma disposta na verba 28.1 da TGIS in fine que determina que o Imposto do Selo incide “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, pelo que, o que releva para efeitos de incidência tributária é o valor patrimonial tributário individualizado para cada uma das partes, andares ou divisões com utilização independente sobre o qual é liquidado o IMI anualmente, ou seja, a liquidação do Imposto do Selo obedece às regras previstas no CIMI, por remissão expressa da mencionada verba 28 e do nº 2 do art. 67º do Código do IS.

Tanto assim é que, a AT para liquidar a verba 28.1 da TGIS, aqui em causa, parte de cada um daqueles andares ou divisões com utilização independente, fazendo incidir a taxa de 1% sobre o valor patrimonial tributário atribuído a cada uma daquelas divisões com afetação habitacional, de acordo com as normas do CIMI, para depois somar aquele valor patrimonial tributário.

A interpretação no sentido de que o que releva na norma de incidência da verba 28.1 da TGIS é o VPT imputado a cada das partes autónomas, andares ou divisões com utilização independente com afetação habitacional e não o valor resultante da soma daqueles valores patrimoniais tributários é a que resulta igualmente da sua ratio legis, conforme impõe o nº 1 do art. 9.º do CCv, aplicável por força do disposto no art. 11.º da LGT. 

Com efeito, na apresentação e discussão da proposta de Lei nº 96/XII/2ª (pode ser consultada no Diário da Assembleia da República DAR, I Série nº 9/XII/2012, de 11-10-2012) na Assembleia da República, o Secretário de Estado de Assuntos Fiscais, declarou a dado passo o seguinte:

É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013”.

        (realce e itálico nosso)

A este propósito, acompanhamos a decisão arbitral proferida no processo nº 50/2013-T ao referir que “O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.

 Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.

A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”

 (itálico nosso)

     De acordo com a factualidade assente, o VPT de cada um dos catorze andares ou divisões com utilização independente afetos a habitação, que integram o prédio constituído em propriedade total que pertence às heranças indivisas, e, que foi determinado segundo as regras do CIMI, é inferior a € 1.000.000,00, não estando assim reunidos os pressupostos de tributação da verba 28.1 da TGIS.

     Pelo que, os atos de liquidação de IS, objeto do presente processo de pronúncia arbitral, na importância total de € 10.336,42 euros (dez mil, trezentos e trinta e seis euros e quarenta e dois cêntimos), padecem do vício de violação do disposto na verba 28.1 da TGIS e do nº 2 do art. 67.º do Código do Imposto do Selo, por erro sobre os seus pressupostos de direito, declarando-se assim a ilegalidade daqueles atos de liquidação, com a consequente anulação dos mesmos (art. 135.º do anterior Código do Procedimento Administrativo, por aplicação subsidiária ex vi art. 29.º nº 1, al. a) e d) do RJAT) e não a declaração de nulidade como pretende o Requerente.

     Com efeito, os vícios alegados pelo Requerente – erro de apreciação dos pressupostos de direito – são causa de anulabilidade e não de nulidade em conformidade com o disposto no art. 135.º do (anterior) Código do Procedimento Administrativo, uma vez que de harmonia com o preceituado no nº 1 do art. 133.º do mesmo normativo “São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade”.

     Fica assim prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelo Requerente, nomeadamente o alegado vício de inconstitucionalidade, por ter sido declarada a ilegalidade das liquidações supra identificadas, por vício substantivo que impede a renovação dos atos, assegurando-se eficazmente a tutela dos direitos do Requerente, de harmonia com o preceituado no art. 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na al. a) do nº1 do art. 29.º do RJAT.

 

     IVDECISÃO

 

Nestes termos e na fundamentação exposta, o presente Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos liquidação de Imposto do Selo, constante dos identificados documentos de cobrança, na importância total de 10.336,42 euros (dez mil, trezentos e trinta e seis euros e quarenta e dois cêntimos), com a consequente anulação dos mesmos.

 

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Fixa-se o valor do processo em € 10.336,42 euros (dez mil, trezentos e trinta e seis euros e quarenta e dois cêntimos), em conformidade com o disposto na al. a) do nº 1 do art. 97º-A do CPPT e nº 2 do art. 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do art. 306.º do C.P.C.

 

*

Custas a cargo da Entidade Requerida, no montante de 918,00 euros, de acordo com o disposto no nº 4 do art. 22.º do RJAT e do nº 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo Regulamento.

    

     Notifique-se.

 

     Lisboa, 1 de junho de 2015.

 

     A árbitro,

 

Conceição Pinto Rosa