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SUMÁRIO:
As autoridades fiscais portuguesas podem utilizar informação obtida por meio de troca de informações com autoridades fiscais estrangeiras ao abrigo de Convenção para evitar a Dupla Tributação, mas as mesmas devem estar devidamente fundamentadas e devem basear-se em critérios objetivos, nos termos do disposto nº. nº. 4 do art.º 76º. da LGT, inquinando do vício de falta de fundamentação o ato tributário cuja prática nelas se baseia.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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Em 14 de março de 2024, A... e B..., contribuinte fiscal número ... e número ..., ambos com residência em Rua..., n.º ..., ..., ...-... ..., doravante designados por “Requerentes”, tendo sido notificados do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º..., de 30-09-2022, relativo ao ano de 2018 invocando igualmente o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa (RO n.º ...2023..., solicitaram a constituição de Tribunal Arbitral e procederam a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista a anular parcialmente a nota de liquidação controvertida, e ordenar a correção da mesma com a consideração dos rendimentos reais dos Requerentes, bem como o consequente reembolso dos montantes indevidamente pagos, no montante de € 1.343,07 (mil trezentos e quarenta e três euros e sete cêntimos) e consequente pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).
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Os Requerentes são representados, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, o Senhor Dr. ..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida) é representada pelas juristas Senhoras Dr.ª C... e Drª. D... .
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Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi o signatário designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e aceitou o cargo, no prazo legalmente estipulado, não se tendo as partes oposto a tal nomeação.
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O presente Tribunal foi constituído no dia 28 de maio de 2024, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular que se encontra junta aos presentes autos.
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No dia 3 de junho de 2024, o Tribunal notificou, por despacho, o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira para apresentar Resposta, juntar o processo administrativo, e caso o pretenda, solicitar produção de prova adicional, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT.
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Em 2 de julho de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo igualmente procedido à junção do processo administrativo.
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Na sua Resposta a Requerida solicita ao Tribunal que seja ordenada a suspensão da instância, com fundamento em causa prejudicial.
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Em 11 de julho de 20024, os Requerentes apresentam um requerimento por intermédio do qual manifestaram a sua posição quanto ao pedido de suspensão da instância, solicitando que a mesma prossiga até ao seu termo.
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No dia 23 de outubro de 2024 o Tribunal lavrou o seguinte despacho:
“O presente processo encontra-se em fase de agendamento da reunião a que se refere o art.º 18.º do RJAT.”
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Contudo, na sua Resposta a entidade Requerida suscita uma questão prévia, que passa pelo facto de entender como indispensável desencadear um mecanismo de troca de informação com as autoridades fiscais brasileiras ao abrigo da respetiva Convenção de Dupla Tributação (CDT), no sentido de obter esclarecimentos daquelas entidades quanto à obtenção de rendimentos no Brasil por parte dos Requerentes, face às incertezas que ela própria manifesta quanto a esse aspeto.
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O pedido foi formalizado em 14/05/2024 (Vd. Doc. nº. 2 junto à Resposta) e até agora não foi respondido, pelo menos tal não é do conhecimento do Tribunal.
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Tais factos fundamentam, no seu entender, um pedido de suspensão do processo, nos seguintes termos:
“Ora, a informação a ser confirmada pela Autoridade Fiscal Brasileira é determinante para aferir da legalidade/ilegalidade da liquidação ora impugnada, pelo que, em nome do princípio da legalidade e da justiça, e ao abrigo do artigo 272.º do CPC, ocorre “motivo justificado” para que o Tribunal possa determinar a suspensão do processo, até conclusão do referido procedimento de troca de informações que corre nos serviços da Requerida, o que se requer”
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A esse pedido, os Requerentes manifestaram a sua oposição, por requerimento entrado nos autos em 11/07/2024, entendendo que:
“…é inadmissível qualquer justificação a posteriori dos factos, porquanto, deverá a legalidade dos actos tributários ser aferida com base em fundamentações procuradas posteriormente à tomada de decisão.”
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Concluindo:
“Cumpria à Recorrida o dever de fundamentar a sua decisão antes ou no momento da prática do acto tributário, e qualquer informações, mesmo que confirme a decisão, não poderá sanar a ilegalidade de incumprimento dos trâmites legais e da fundamentação da decisão.”
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Dá-se conta de que até ao presente momento a informação das autoridades fiscais brasileiras não foi trazida ao conhecimento destes autos, 5 meses passados sobre o pedido das autoridades fiscais portuguesas.
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Ora, nos termos do identificado art.º 272 do CPC, aplicável ex vi com base no art.º 29º. do RJAT, o tribunal pode ordenar a suspensão do processo quando a causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta, o que é o caso, acrescenta, acrescentando que essa mesma suspensão poderá ser determinada “…quando ocorrer outro motivo justificado,…”.
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Entendemos que tal expressão é propositadamente ampla para conceder aos juízes alguma margem de apreciação, neste caso ao Tribunal Arbitral, devendo em caso de suspensão ser arbitrado um prazo para esse efeito.
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Não se perfilando no horizonte um prazo razoável ou expectável para obtenção da Resposta das autoridades fiscais brasileiras, independentemente da sua natureza e da relevância que lhes viesse a ser atribuída, o princípio da celeridade processual, que constitui um dos princípios basilares do funcionamento desta arbitragem tributária, como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos, impede que possamos deferir o solicitado pela Requerida, tendo igualmente em consideração o prazo que o próprio Tribunal dispõe para proferir a sua decisão (Vd. art.º 21º. do RJAT).
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Assim sendo, determina-se o seguinte:
1. Não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, reunindo o processo todos os elementos necessários para prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, nº. 2 do RJAT) o Tribunal entende ser de dispensar a realização da reunião a que se refere o art.º 18 do RJAT, notificando as partes, caso assim o entendam, para, em dez dias e em simultâneo, apresentarem as suas alegações.
… … … “
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Nesse mesmo Despacho, o Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, determinou a prolação da decisão arbitral até ao termo do prazo fixado no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, tendo advertido os Requerentes de que deveriam proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
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Em 4 de novembro os Requerentes, apresentaram as suas alegações.
Ii - A Posição das partes
I). A Posição dos Requerentes
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Os Requerentes foram notificados pela Requerida de que esta havia tomado conhecimento, através da troca automática internacional de informações, de que, para o ano de 2018, os Requerentes obtiveram rendimentos de capitais no Brasil, no valor de no valor de 5.756,65 € (cinco mil, setecentos e cinquenta e seis euros e sessenta e cinco).
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Tendo os Requerentes por diversas vezes questionado a Autoridade Tributária acerca da origem desses rendimentos, invocando que os mesmos não correspondiam à realidade, aquela entidade nada mais acrescentou a não ser que os valores em causa lhe tinham sido comunicados pelas Autoridades Fiscais Brasileiras.
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Invocam os Requerentes que não auferiram quaisquer outros valores para além daqueles que se encontram declarados em sede de IRS, conforme declaração entregue em Portugal, reafirmando não terem auferido quaisquer valores advindos do Brasil.
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Foi o que alegaram no pedido de revisão do ato tributário, apresentado no dia 29 de setembro de 2023, invocando que cumpria à Autoridade Tributária provar o recebimento dos rendimentos que lhes eram imputados.
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Os Requerentes invocam as dificuldades em apresentarem a prova de um facto negativo: - a inexistência de rendimentos de fonte brasileira.
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Passando no seu PPA para a apresentação da sua fundamentação quanto às questões de direito, os Requerentes apelam à aplicação do disposto no artigo 78º. da LGT, no sentido de levar a Autoridade Tributária a revogar atos que consideram ilegais.
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Mais invocam estarmos perante um erro na liquidação, porquanto dela resultou a arrecadação de imposto de valor superior ao legalmente previsto.
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Os Requerentes defendem, como tempestiva, a apresentação do seu pedido de revisão oficiosa, invocando diversa jurisprudência nesse sentido, sem, contudo, identificarem o tribunal que a proferiu, por entenderem que também ao contribuinte assiste esse direito, que pode exercer no prazo de 4 anos, com fundamento em erro imputável aos serviços.
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E, o indeferimento desse pedido, defendem os Requerentes, é suscetível de impugnação contenciosa, o que, no caso concreto, foi concretizado através da apresentação deste PPA.
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Quanto ao erro dos serviços propriamente dito, os Requerentes começam por abordar as questões relacionadas com o ónus da prova, argumentando que tal, neste caso concreto, recai sobre a autoridade tributária.
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Ou seja, competia àquela entidade provar que os Requerentes de facto, auferiram no Brasil os rendimentos que lhes são imputados, tanto mais que, para o efeito, a Autoridade Tributária não apresenta qualquer documento.
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Prosseguem os Requerentes, invocando que a Autoridade Tributária apenas se limitou a repetir a informação que havia sido prestada pelas Autoridades Fiscais Brasileiras
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Deveria esta entidade, na opinião dos Requerentes, ter procurado outros elementos que melhor fundamentassem a sujeição dos valores em causa a imposto em Portugal, nada referindo sequer quanto ao tipo de rendimentos obtido no Brasil.
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Afirmando que as declarações dos contribuintes devem ter-se por verdadeiras e de boa-fé (Vd. art.º 75º., nº. da LGT), entendem os Requerentes que, até prova em contrário devem prevalecer os valores por si apresentados na declaração de rendimentos.
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Questiona de seguida que as informações prestadas pelas autoridades tributárias estrangeiras, apenas fazem fé quando fundamentadas e quando se basearem em critérios objetivos nos termos da lei (Vd. art.º 76º., nº. 4 da LGT)
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E terminam os Requerentes do seguinte modo:
“Pelo que, dever-se-á entender que o ato tributário é ilegal, por vício de violação da lei, consubstanciado em erro sobre os pressupostos de facto e em violação do disposto nos artigos 74.º e 76.º da LGT, quanto às regras do ónus da prova no procedimento tributário.”
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Pedem, igualmente, a anulação da liquidação de juros compensatórios e o pagamento de juros indemnizatórios sobre as quantias por si já satisfeitas, que quantificam em € 1.343,07.
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Referem, a final, que o seu pedido de revisão oficiosa entregue em 29 de setembro de 2023 não foi objeto do qual qualquer decisão expressa por parte da Autoridade Tributária, pelo que o seu indeferimento tácito, nos termos legais, ocorreu no dia 2 de fevereiro de 2024, sendo, assim, o presente PPA tempestivo.
II). A Posição da Requerida
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A Requerida começa por enunciar que os Requerentes:
“…deduzem pedido de pronúncia arbitral, que tem por objeto o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º..., de 30-09-2022, relativo ao ano de 2018 (crendo-se que a referência que fazem ano de 2017 será imprecisa), invocando também o indeferimento tácito da revisão oficiosa (RO n.º ...2023..., que se junta),”
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A Requerida faz notar que no PPA os Requerentes fazem menção a diversos valores liquidados e pagos, os quais entendem estarem erradamente referenciados e não documentados.
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A Requerida embora remetendo a sua fundamentação para a informação intercalar, emanada da Direção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI) (junta à Resposta como Doc. nº.1), não deixa de salientar os seguintes aspetos, que passamos a enunciar.
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Na informação dessa DSRI refere-se que o seguinte:
““(…) 6. Apesar das informações prestadas pela autoridade fiscal brasileira fazerem fé, considerando que as referidas informações foram prestadas àquela autoridade por uma instituição financeira no âmbito do CRS, era improvável que os contribuintes conseguissem obter uma prova negativa dos rendimentos, pelo que se afigurou indispensável desencadear procedimento de troca de informação (com urgência) com a Autoridade Fiscal Brasileira, no sentido de: 6.1. Esclarecer se os contribuintes A... (NIF ...) e B... (NIF...) efetivamente obtiveram rendimentos de capitais no Brasil, pagos pelo E... SA durante o ano de 2018. 6.2. E, em caso afirmativo, remeter: * cópia dos documentos comprovativos da titularidade das contas; e, * cópia dos documentos comprovativos das datas de pagamento, natureza dos rendimentos e dos montantes pagos aos contribuintes no ano de 2018.”
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Este mesmo documento refere que, “…até a presente data…”, ou seja, até 25 de junho de 2024, não foi prestada qualquer informação.
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Aí se referindo posteriormente o seguinte:
“8. Sendo que a informação solicitada é indispensável para a emissão de despacho de manutenção ou revogação parcial do ato tributário, pois está em causa a existência e o montante dos rendimentos efetivamente auferidos pelos contribuintes.”
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Razão pela qual as os órgãos competentes da AT, em 14 de maio de 2024, enviaram um pedido de informações ao abrigo da Convenção entre Portugal e o Brasil para Evitar a Dupla Tributação (cf. Doc. 2 junto com a Resposta).
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A Requerida suscita a questão da suspensão do processo até obtenção de informação por parte das autoridades fiscais brasileiras, questão que o tribunal já resolveu por despacho de 23 de outubro de 2024.
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E, por isso, passemos à defesa por impugnação que a entidade Requerida apresenta de seguida, começando pelos factos que considera relevantes.
“1 – DOS FACTOS
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– Em 2019-05-03 é submetida pelo SP declaração modelo 3 de IRS para o período de 2018 tendo como lote o n.º ...– 2018 - ...- ... .
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– A declaração é composta pela folha de rosto, onde o SP se identifica como residente fiscal no continente, um anexo A e dois anexos B.
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– A liquidação da referida declaração é efectuada em 2019-05-04, recendo o n.º 2019.... Na liquidação é apurado o montante de € 0,00.
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– Em 2022-07-21 é submetida pelo SP declaração de substituição para o mesmo período de 2018 tendo como lote o n.º ... – 2018 -...– ... (Processo de divergência n.º... por Capitais de Fonte Estrangeira e falta de anexo J – Print em anexo).
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– A declaração é composta pela folha de rosto, onde o SP se identifica como residente fiscal no continente, um anexo A, dois anexos B e um anexo J.
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– A liquidação da referida declaração é efetuada em 2022-08-05, recebendo o n.º 2022... . Na liquidação é apurado o montante de € 0,00.
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– Em 2022-09-26 é submetida pelo SP declaração modelo 3 de IRS para o período de 2018 tendo como lote o n.º ... – 2018 -... –...(Processo de divergência n.º ... por Rendimentos Obtidos no Estrangeiro - Print em anexo).
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– A declaração é composta pela folha de rosto, onde o SP se identifica como residente fiscal no continente, um anexo A, dois anexos B e um anexo J.
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– A liquidação da referida declaração é efectuada em 2022-09-30, recebendo o n.º 2022... . Na liquidação é apurado o montante a pagar de € 1.343,07.
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– Desta liquidação, foi pedido o pagamento em prestações ao qual coube o n.º 2022..., deferido para pagamento em 16 prestações o qual, na presente data, se encontra vigente.
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– Em 2022-10-01 é submetida pelo SP declaração de substituição para o mesmo período de 2018 tendo como lote o n.º ... – 2018 –...– ....
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– A liquidação da referida declaração é efetuada em 2022-10-14, recebendo o n.º 2022... Na liquidação é apurado o montante a pagar de € 1.343,07.
Em 2023-10-02 é deduzido pelo SP o presente procedimento com fundamentação de que, a indicação dos rendimentos obtidos no estrangeiro encontra-se incorreta, divergindo da conhecida pela AT, remetendo uma petição com quatro folhas, juntando procuração bem como um pedido de retificação da petição inicial com uma folha.”
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Com base nestes factos vejamos a leitura que dos mesmos faz a Requerida, seguindo sempre a denominada informação intercalar, nomeadamente quanto à razão de ser deste PPA.
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Refere-se o seguinte:
“2. A liquidação contestada foi originada pela submissão de uma declaração de rendimentos de substituição pelos contribuintes, apresentada na sequência de notificação de projeto de decisão emitido no âmbito de procedimento de divergências, pelo motivo “R10 – Rendimentos no estrangeiro (AEOI) com DR3IRS e sem anexo J”, em virtude de terem sido comunicados rendimentos de capitais pela Autoridade Fiscal Brasileira.”
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Aí também se refere que os contribuintes, embora alegando não terem obtido quaisquer rendimentos de capitais oriundos do Brasil, não apresentaram qualquer documento comprovativo do alegado.
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A DSRI refere que, consultada a aplicação SITI, verificou-se que no âmbito da troca automática de informação (CRS), a Autoridade Fiscal Brasileira comunicou à AT, com referência aos contribuintes e ao ano de 2018, o pagamento dos seguintes rendimentos:
“5.1. A... (NIF...): - Juros no valor de 1.035,03 BRL (232,81 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||... detida no E... S A;
- Juros no valor de 5.858,15 BRL (1.317,68 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||...detida no E... S A;
- Juros no valor de 2.583,74 BRL (581,17 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||... detida no E... S A;
- Juros no valor de 7.500,91 BRL (1.687,19 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||... detida no E...S A;
- Juros no valor de 1.079,91 BRL (242,91 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||... detida no E... S A;
- Juros no valor de 2,84 BRL (0,64 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||... detida no E... S A;
- Juros no valor de 7.532,29 BRL (1.694,25 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||... detida no E... S A..
5.2. B... (NIF ...):
- Juros no valor de 2.583,74 BRL (581,17 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||... detida no E... S A;
- Juros no valor de 7.532,29 BRL (1.694,25 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||... detida no E... S A..,
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Como se referiu, na sequência da notificação da AT, os contribuintes entregaram em 1/10/2022, uma declaração de substituição, incluindo estes rendimentos no respetivo anexo J.
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Refere a Requerida, que embora a AT esteja a diligenciar e a aguardar a confirmação dos elementos recebidos das autoridades fiscais brasileiras, os contribuintes também não lograram demonstrar que tais rendimentos não foram por eles auferidos, embora reconhecendo que se trata de uma prova difícil de obter, mas não certamente impossível.
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De seguida, a Requerida alega que se deve aferir se estão ou não reunidos os requisitos para a revisão dos atos tributários com base no art.º 78º. da LGT, o que ela desde logo rejeita veementemente, “… não se vislumbrando de que forma possam estar reunidos os pressupostos para a pretendida revisão oficiosa...”.
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Atendendo a todo o exposto, a Requerida entende que as informações obtidas pela autoridade tributária fazem fé pois estão devidamente fundamentadas e baseiam-se em critérios objetivos, pelo que o ónus da prova de que as mesmas são infundadas recai sobre os Requerentes.
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Apela, para o efeito, ao disposto no art.º 74º. nº. 1 da LGT, que determina que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoca.
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E quanto ao valor probatório das informações, remete para o disposto no artigo 76 nºs 1 e 4 também da LGT, que transcrevemos:
“1 - As informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei. (…)
4 - São abrangidas pelo n.º 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.”
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Essa força probatória das informações de administrações tributárias estrangeiras, é realçada, pelo Conselheiro Jorge Lopes de Souza, numa sua anotação ao Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do qual destacamos o seguinte:
“Por isso, deverá entender-se o referido n.º 4 com o sentido de que a atribuição de força probatória às informações de administrações tributárias estrangeiras não prejudica a possibilidade de prova em contrário nem a de gerar dúvidas sobre os factos nelas afirmados, como meios de contrariar a sua força probatória.”
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É essa força probatória que a Autoridade Tributária reconhece às informações prestadas pelas autoridades brasileiras, não tendo os Requerentes apresentado qualquer prova em contrário, porquanto os mesmos se limitaram a referir não terem recebido os rendimentos em causa.
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Conclui pela legalidade da liquidação sindicada, donde obviamente não resulta qual qualquer justificação que permita o pagamento de juros indemnizatórios também pedidos pelos Requerentes.
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Termina pugnando para que a presente ação seja julgada improcedente por não provada e a Requerida absolvida dos pedidos.
III - SANEAMENTO
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
IV - Matéria de Facto
Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral dos Requerentes e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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Factos dados como Provados
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
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Em 3 de maio de 2019, os Requerentes apresentam a declaração modelo 3 de IRS para o período de 2018, onde se identificam como residentes fiscais no continente, juntando um anexo A e dois anexos. (Facto contante do PA e não impugnado)
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Em 4 de maio de 2019, a Autoridade Tributária procede à liquidação do imposto, sendo apurado o montante de € 0,00.
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Em 21 de julho de 2022, é submetida pelos Requerentes declaração de substituição para o mesmo período de 2018 (Processo de divergência n.º ... por Capitais de Fonte Estrangeira e falta de anexo J), na qual os Requerentes se identificam como residentes fiscais no continente, juntando um anexo A, dois anexos B e um anexo J.
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Em 5 de agosto de 2022 a Autoridade Tributária procede à liquidação do imposto, sendo apurado o montante de € 0,00.
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Em 26 de setembro de 2022, é submetida pelos Requerentes nova declaração modelo 3 de IRS para o período de 2018 (Processo de divergência n.º ... por Rendimentos Obtidos no Estrangeiro - Print em anexo), sendo a declaração composta pela folha de rosto, onde os Requerentes se identificam como residentes fiscais no continente, um anexo A, dois anexos B e um anexo J.
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Em 30 de setembro de 2022, é liquidado o imposto, tendo-se apurado o montante a pagar de € 1.343,07.
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Desta liquidação, foi pedido o pagamento em prestações ao qual coube o n.º 2022..., deferido para pagamento em 16 prestações.
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Em 1 de outubro de 2022, é submetida pelos Requentes nova declaração de substituição para o mesmo período de 2018.
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Em 14 de outubro de 2022, é liquidado o imposto, tendo-se apurado o montante a pagar de € 1.343,07.
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Os Requerentes foram notificados pela AT, de que relativamente ao ano de 2018, tendo a sua declaração de impostos sido selecionada para análise foram detetadas as seguintes situações/
Divergências:
“Necessidade de comprovação dos rendimentos obtidos no estrangeiro e respetivo imposto pago.” (Doc. nº. 1, junto com o PPA)
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Em 29 de setembro de 2023, os Requerentes apresentam um pedido de revisão ofício da liquidação do imposto, ao abrigo do disposto no art.º 78º. da LGT. (Doc. nº. 2, junto com o PPA).
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Em 14 de maio de 2024 os órgãos competentes da AT, enviaram um pedido de informações ao abrigo da Convenção entre Portugal e o Brasil para Evitar a Dupla Tributação (cf. Doc. 2 junto com a Resposta), por intermédio do qual solicitavam
“6.1. Esclarecer se os contribuintes A... (NIF ...) e B...(NIF ...) efetivamente obtiveram rendimentos de capitais no Brasil, pagos pelo E... SA durante o ano de 2018.
6.2. E, em caso afirmativo, remeter: * cópia dos documentos comprovativos da titularidade das contas; e, * cópia dos documentos comprovativos das datas de pagamento, natureza dos rendimentos e dos montantes pagos aos contribuintes no ano de 2018.”
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No âmbito da troca automática de informações (CRS), a DSRI, consultada a aplicação SITI, constatou que as Autoridades Fiscais Brasileiras comunicaram, com referência aos contribuintes e ao ano de 2018, o pagamento dos seguintes rendimentos:
“5.1. A... (NIF...): - Juros no valor de 1.035,03 BRL (232,81 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||... detida no E... S A;
- Juros no valor de 5.858,15 BRL (1.317,68 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||... detida no E... S A;
- Juros no valor de 2.583,74 BRL (581,17 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||... detida no E... S A;
- Juros no valor de 7.500,91 BRL (1.687,19 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||... detida no E... S A;
- Juros no valor de 1.079,91 BRL (242,91 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||...6 detida no E... S A;
- Juros no valor de 2,84 BRL (0,64 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||... detida no E... S A;
- Juros no valor de 7.532,29 BRL (1.694,25 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||... detida no E... S A.
5.2. B... (NIF ...):
- Juros no valor de 2.583,74 BRL (581,17 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||... detida no E... S A;
- Juros no valor de 7.532,29 BRL (1.694,25 EUR) pagos através da conta financeira n.º 6698||... detida no E... S A. (Doc. nº. 1 junto à Resposta).”
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O pedido de revisão oficiosa entregue em 29 de setembro de 2023 não foi objeto de qualquer decisão expressa por parte da Autoridade Tributária, pelo que o seu indeferimento tácito, nos termos legais, ocorreu no dia 2 de fevereiro de 2024, tendo o presente o presente PPA sido apresentado em 14 de março de 2024.
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As autoridades fiscais brasileiras não responderam o pedido de troca de informações solicitado com carácter de urgência pelas autoridades fiscais portuguesas.
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Factos dados como não Provados
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As autoridades tributárias portuguesas não apresentaram prova bastante quanto à titularidade de contas bancárias no Brasil por parte dos Requerentes, da natureza dos produtos financeiros em causa, o tipo, o valor dos rendimentos obtidos e do imposto pago no Brasil.
THEMA DECIDENDUM –
Primeiro que tudo importa aferir se no caso concreto estão reunidos requisitos para a apresentação, por parte dos Requerentes, de pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto no artigo 78 da LGT e em caso afirmativo se esse pedido é tempestivo.
Em segundo, se a liquidação em causa efetuada ao abrigo das informações obtida das autoridades fiscais brasileiras, no contexto do mecanismo de troca de informações previsto na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada em Portugal e o Brasil, está suficientemente fundamentada.
V – PRESSUPOSTOS DA DECISÃO.
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Face às posições assumidas e aos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, importa decidir.
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Comecemos pelas questões relacionadas com o pedido de revisão oficiosa apresentado pelos Requerentes.
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O pedido de revisão oficiosa, apresentado pelos Requerentes em 29 de setembro de 2023, pretendia que a Autoridade Tributária procedesse à revisão da liquidação do IRS do ano de 2018.
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Na base da apresentação deste pedido está o facto de os Requerentes entenderem não terem obtido no Brasil os rendimentos que as autoridades tributárias portuguesas considerem que os mesmos teriam ali obtido, isto exclusivamente com base nas informações prestadas pelas autoridades brasileiras.
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Os Requerentes entendem que estamos perante um erro dos serviços na determinação do imposto liquidado.
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Os Requerentes entendem que a revisão do ato tributário por iniciativa da administração tributária pode ser efetuada a pedido do contribuinte e no prazo de 4 anos contados da liquidação.
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Invocam para o efeito diversa jurisprudência.
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E defendem que:
“A revisão do ato tributário por iniciativa da administração tributária pode ser efetuado a pedido do contribuinte, como resulta do artigo 78.º, n.º 7 da LGT e do artigo 88.º, n.º 4, alínea a), do CPPT, bem como dos princípios da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade, constantes no artigo 266.º, número 2, da CRP, a que actuação da Administração Tributária se deve conformar.”
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Face à argumentação que apresentam, os Requerentes concluem do seguinte modo:
“Nestes termos, a revisão oficiosa dos actos tributários exige que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Que o pedido seja formulado no prazo de quatro anos contados a partir do acto cuja revisão se solicita ou a todo o tempo quando o tributo não se encontre pago;
b) Que tenha origem num erro imputável aos serviços;
c) E que proceda da iniciativa do contribuinte ou se realize oficiosamente pela Administração Tributária;
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Relativamente ao erro, particularizma que o mesmo está comprovado em duas vertentes:
I). na tributação de rendimentos inexistentes e
ii). na falta de comprovação dos factos constitutivos do imposto.
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E porque, igualmente, a informação prestada pela administração fiscal do Brasil não se encontra devidamente fundamentada não se baseia em critérios objetivos, o que condiciona a necessária fundamentação da liquidação do imposto em causa.
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E também que as declarações dos contribuintes devem ter-se por verdadeiras e de boa-fé, porque até prova em contrário devem valer os valores apresentados pelos Requerentes na sua declaração de rendimentos, tudo nos termos do nº. 1 do artº. 75º. da LGT,
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Efetivamente, na sua Resposta, a Requerida apela a que o tribunal verifique se estão reunidos os requisitos para a revisão dos atos tributários com base no art.º 78º. da LGT, rejeitando veementemente essa possibilidade, limitando-se a dizer que não vislumbra de que forma possam estar reunidos os pressupostos para que para a pretendida revisão oficial. E nada mais.
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Importa decidir quanto a este primeiro aspeto.
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Ora dispõe o art.º 78º. da LGT, na parte que ora releva:
“1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 - (Revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)
3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior. (Redação da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro)
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Tem sido entendimento pacífico da jurisprudência, nomeadamente arbitral, que o sujeito passivo pode pôr em causa a legalidade da liquidação de um imposto, e por sua iniciativa, mesmo que já tenha decorrido o prazo de reclamação administrativa, mas dentro dos 4 anos previstos no nº. 1 do art.º 78º. da LGT, sendo imposto que estejamos perante um “erro imputável aos serviços”.
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Quanto ao chamado erro imputável aos serviços, tem-se entendido que tal pode consistir simplesmente em qualquer ilegalidade não imputável aos contribuintes, numa visão muito ampla dessa imputabilidade, anteriormente muito contestada, e agora definida pela negativa ou exclusão de partes.
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Assim:
“1. O erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade, compreendendo o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, ….”
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Existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da Administração Tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão considera-se imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a Administração Tributária actuar em plena conformidade com a lei.” (Vd. Proc. nº. 457/2020-T do CAAD).
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Por seu turno, a Autoridade Tributária na sua Resposta nada invoca a seu favor que contrarie este entendimento.
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Assim sendo, dão-se por verificados os pressupostos de aplicação do mecanismo previsto no artigo 78º. da LGT, tendo o pedido de revisão oficiosa do imposto sido apresentado tempestivamente, sendo igualmente tempestivo o presente PPA (o que não vinha questionado), resultante do indeferimento tácito do pedido de revisão oficial.
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Num segundo momento, os Requerentes invocam que a Autoridade Tributária não fundamentou suficientemente a sua decisão de proceder à liquidação do imposto, já que apenas se limitou a reproduzir a informação, considera insuficiente, enviada pelas autoridades fiscais brasileiras.
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Aliás, diga-se em abono da verdade, que, quer os Requerentes quer a Requerida, ambas as Partes, consideram tais informações manifestamente insuficientes.
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Não se sabe a natureza dos rendimentos em causa, quais os produtos financeiros que eventualmente os poderão ter gerado, se os mesmos foram alvo de tributação no Brasil, etc.
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E são tão evidentes as dúvidas da autoridade tributária quanto a estes aspetos, que, inclusivamente a Requerida solicitou a este Tribunal a suspensão do presente processo, enquanto as parcas informações que já possuía não fossem devidamente completadas, invocando mesmo que sem essa informação a respetiva Direção de Serviços não poderia emitir parecer quanto à manutenção ou revogação do ato tributário aqui em causa.
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Ora, o art.º 268.º da Constituição da República Portuguesa estabelece os direitos dos cidadãos no âmbito da atuação da Administração Pública e garante que as decisões que afetam diretamente os seus direitos ou interesses legalmente protegidos devem ser fundamentadas. Isso significa que qualquer decisão administrativa precisa explicar de forma clara e suficiente as razões que levaram a essa decisão.
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Assim se garantindo a transparência, o controlo da legalidade e o respeito pelos direitos dos cidadãos, permitindo-lhes compreender as razões subjacentes às decisões que os afetam e, se necessário, contestá-las.
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Essa suposta falta de fundamentação, detetada, ab inicio pelo contribuinte, pode levá-lo a utilizar a faculdade prevista no art.º 37º. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o que no caso concreto os Requerentes não fizeram, tendo antes solicitado, e por diversas vezes, à Autoridade Tributária os elementos concretos que a levaram a notificar os contribuintes da existência de rendimentos obtidos no Brasil.
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Por seu turno importa ter em consideração que:
“De harmonia com o preceituado no artigo 153.º do Código do Procedimento Administrativo, «equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato».
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Neste contexto, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. (1)
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Assim, para a fundamentação ser considerada suficiente é necessário a sejam perceptíveis as razões por que se decidiu no sentido em que se decidiu. (Vd. Proc. 87/2024-T).
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A indicação da natureza dos rendimentos e das disposições legais aplicáveis é, pois, um requisito mínimo da fundamentação dos atos tributários. No caso em apreço, é manifesto que a demonstração da liquidação nada esclarece, nomeadamente, quanto à origem à natureza e ao modo de cálculo e apuramento dos rendimentos em causa.
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Vejamos, por exemplo, o que encontra consagrado no Acórdão do STA Proc. nº. 0723/15:
“I - A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
II - No que concerne aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
III - A Administração Tributária cumpre este dever de fundamentação quando, estando em causa um acto de liquidação oficiosa de IVA, dá a conhecer ao sujeito passivo as operações aritméticas a que procedeu para determinar o quantum de imposto em dívida, depois de identificar, individualizar e quantificar os factores que utilizou nessas operações: ratio do sector da actividade exercida, volume de negócios, tributação mínima e declarações periódicas em falta.”
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O Tribunal entende que, no caso concreto, a Autoridade Tributária nem estes requisitos mínimos cumpriu.
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Por seu turno, se tivermos em consideração também o que dispõe o já referenciado art.º 77º. da LGT, poderemos chegar à mesma conclusão, como nos dizem, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em anotação a esta disposição legal:
“Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.” (vd., Lei Geral Tributária. Anotada e Comentada, 4.ª ed., Lisboa, Encontro da Escrita Editora, 2012, pp. 675).
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O que a Autoridade Tributária, no caso concreto, reconhece não ter conseguido fazer, ou seja, dar a conhecer ao destinatário o itinerário cognoscitivo e valorativo por si percorrido, de forma a que se conheçam claramente as razões que a levaram a decidir desta forma e não de outra qualquer.
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Neste caso concreto, a Autoridade Tributária poderia perfeitamente não ter procedido à liquidação do imposto, com base na insuficiência dos elementos que dispunha para o efeito.
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Em resumo, a "falta de fundamentação" significa que uma decisão administrativa foi tomada sem uma explicação adequada, o que pode violar os direitos estabelecidos no artigo 268.º da Constituição, que foi precisamente o que aconteceu no caso concreto.
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Mas continuemos a acompanhar o referenciado Acórdão do CADD, no que diz respeito à falta de fundamentação do ato, quando se distingue entre fundamentação material e fundamentação formal:
“Esta última «pode ser entendida como uma exposição enunciadora das razões ou motivos da decisão», enquanto a fundamentação material corresponde à «recondução do decidido a um parâmetro valorativo que o justifique: no primeiro sentido, privilegia-se o aspecto formal da operação, associando-a à transparência da perspectiva decisória; no segundo, dá-se relevo à idoneidade substancial do acto praticado, integrando-o num sistema de referência em que encontre bases de legitimidade». (...) «O dever da fundamentação expressa obriga a que o órgão administrativo indique as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aquele acto, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória. O dever cumpre-se desde que exista uma declaração a exprimir um discurso que pretenda justificar a decisão, independentemente de esse arrazoado». (VIEIRA DE ANDRADE, O dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, páginas 11-13). A falta de fundamentação formal constituirá vício de forma.
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A falta de fundamentação substancial, que os Requerentes invocam, decorre de incorrecção ou falta de prova dos pressupostos de facto ou o erro de direito e consubstanciará vício de erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito. (Vd. Proc. 87/2024-T).
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No caso em apreço, para além de falta de fundamentação formal, verifica-se a falta de fundamentação substancial pois a Autoridade Tributária não conseguiu provar, nem a origem nem a fonte dos rendimentos nem tão pouco a natureza dos investimentos efetuados pelos Requerentes que pudessem ter gerados rendimentos tributáveis em Portugal.
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É a própria Autoridade Tributária, que depois de ter procedido à liquidação do imposto pede às autoridades fiscais brasileiras que enviem:
“cópia dos documentos comprovativos da titularidade das contas;
cópia dos documentos comprovativos das datas de pagamento natureza dos rendimentos e dos montantes pagos aos contribuintes no ano de 2018”.
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A Autoridade Tributária não sabe se estamos a falar de juros, dividendos, royalties, ou mais valias.
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Foi a Autoridade Tributária que, não tendo fundamentado devidamente a liquidação, não conseguiu provar a obtenção pelos Requerentes de rendimentos tributáveis em Portugal, não recaindo o ónus da prova sobre estes, o que seria de difícil obtenção, face à natureza da prova de factos negativos: a prova diabólica.
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É que embora se reconheça a força probatória às informações oficiais ao abrigo do mecanismo de troca de informações entre Estados subscritores de convenções para evitar a dupla tributação, até nessa sede se consagra, naturalmente, a necessidade de tais informações serem devidamente fundamentadas e de se basearem em critérios objetivos (Vd. Art.º 76º. nº. 4 da LGT).
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O que, no caso concreto, também está longe de ter acontecido.
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Assim sendo, se outras razões não houvesse, a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei por erro sobre as propostas de facto e de direito que justifica a sua anulação.
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Serão igualmente devidos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43 da LGT, sobre a quantia de, € 1.343,07 (mil trezentos e quarenta e três euros e sete cêntimos), provado que fique em sede de execução de sentença que os Requerentes procederam ao respetivo pagamento,
VI - DECISÃO
Face ao exposto, é considerado procedente por provado o pedido de pronuncia arbitral apresentado pelos Requerente relativamente à liquidação do IRS referente ano de 2018, no montante de € 1.343,07 (mil trezentos e quarenta e três euros e sete cêntimos), que assim deve ser anulada, sendo igualmente de deferir o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º. da LGT, sobre a quantia de€ 1.343,07 (mil trezentos e quarenta e três euros e sete cêntimos), provado que fique em sede de execução de sentença o seu efetivo pagamento.
VII - Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 1.343,07 (mil trezentos e quarenta e três euros e sete cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VIII - Custas
Custas a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 306,00 (trezentos e seis euros).
Notifique-se.
Lisboa, 25 de novembro de 2024
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O Árbitro
(Jorge Carita)
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