Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 807/2023-T
Data da decisão: 2024-11-25  IRC  
Valor do pedido: € 550.032,21
Tema: IRC – Retenção na fonte. Rendas de locação operacional pagas a entidades não residentes. Transporte marítimo.
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SUMÁRIO

  1. A atividade de locação operacional de contentores (a qual é distinta da atividade de transporte marítimo, não obstante a conexão económica entre ambas) não se encontra abrangida pela delimitação negativa de incidência objetiva de IRC prevista no artigo 4.º, n.º 3, alínea c), subalínea 7), do Código do IRC, sendo as respetivas rendas tributáveis, em sede de IRC, como decorrentes do uso ou concessão do uso de equipamento industrial, agrícola, comercial ou científico (nos termos do artigo 4.º, n.º 3, alínea c), subalínea 2), do Código do IRC), sempre que pagas por um devedor com sede ou direção efetiva em território nacional a uma entidade não residente sem estabelecimento estável no mesmo.
  2. Todavia, a Convenção para Eliminar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América contém uma disposição específica, no número 11 do respetivo Protocolo, que dispõe que “as royalties recebidas pelo uso, ou pela concessão de uso, de contentores no tráfego internacional só podem ser tributadas no Estado Contratante de que a pessoa que recebe as royalties é residente”; in casu, nos Estados Unidos da América.
  3. O formulário 21-RFI é uma formalidade não exigida pela CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América para efeitos de dispensa ou não da retenção na fonte, pelo que a sua apresentação, mesmo tardia, não tem relevância quando está convencionado que será o Estado da Residência a tributar tais rendimentos.

DECISÃO ARBITRAL

Os Árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha, Dra. Vera Figueiredo e Professor Doutor Rui Miguel Zeferino Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

I.  RELATÓRIO

A..., S.A., com sede social no ..., Rua ..., ..., ...-... Lisboa, com o número de identificação de pessoa coletiva ... (doravante designada por “Requerente”), veio, em 10-11-2023, solicitar a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em que é requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada de “Requerida” ou “AT”), tendo em vista:

  • A declaração de ilegalidade e anulação integral (a) da decisão final de indeferimento expresso da reclamação graciosa com o número de processo ...2021..., proferida pelo Diretor da Direção de Finanças de Lisboa, e (b) dos atos de liquidação de retenções na fonte em sede de IRC n.º 2021..., de 13-07-02021, bem como das correspondentes liquidações de juros compensatórios, relativas ao ano de 2017, constantes da demonstração de liquidação n.º 2021..., correspondendo o montante de € 477.260,64 a imposto, e € 72.771,57 a juros compensatórios, no valor global de € 550.032,21, por, à luz do normativo fiscal vigente, os rendimentos derivados da locação de contentores não se encontrarem sujeitos a retenção na fonte dos rendimentos;
  • A título subsidiário, a declaração de ilegalidade e anulação parcial da liquidação de retenção na fonte em apreço, passando a mesma de € 477.260,64 para € 61.734,14, e respetivos juros compensatórios, pela aplicação da dispensa total/parcial destas retenções na fonte ao abrigo das CDT’s aplicáveis entre Portugal e o país/Estado de residência dos beneficiários dos rendimentos;
  • A restituição do imposto indevidamente pago e o pagamento de indemnização por garantia indevidamente prestada.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou os signatários como árbitros, que comunicaram a aceitação no prazo aplicável. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 26-01-2024 para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a AT.

No dia 26-02-2024, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, tendo junto o processo administrativo no dia seguinte.

Por requerimento apresentado em 11-04-2024, a Requerente veio informar aos autos, entre o mais, que não logrou obter os documentos que protestou juntar (i.e., os certificados de residência fiscal e Modelos RFI relativos às sociedades não residentes L... BV e M...), pelo que não poderia proceder à respetiva junção.

No dia 03-07-2024, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas duas testemunhas arroladas pela Requerente: B..., Diretor Coordenador da Requerente, e C..., Diretor Financeiro. Na mesma, as partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas até 12-07-2024, tendo ainda a Requerida sido notificada para juntar despacho de revogação parcial até 09-07-2024 e a Requerente para se pronunciar sobre o mesmo até 12-07-2024.

Em 09-07-2024, a Requerida juntou a informação que sustentou a revogação parcial da liquidação de retenção na fonte de IRC, na parte relativa às sociedades não residentes D... Ltd. (Reino Unido); E... Limited (Reino Unido); F... Limited (Hong Kong), por a Requerente ter apresentado o respetivo atestado de residência fiscal e o Modelo 21-RFI, mantendo a referida liquidação com referência às sociedades não residentes G... Inc (Estados Unidos da América); H... (Estados Unidos da América); I... LTD (Estados Unidos da América); J... (Estados Unidos da América); K... LLC (Estados Unidos da América), por a Requerente apenas ter apresentado o respetivo atestado de residência fiscal, e às sociedades não residentes L... (Holanda) e M... (Singapura), por a Requerente não ter apresentado qualquer documento. Informou a Requerida também que, por lapso, não foi efetuada a notificação à Requerente nos termos consignados no n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, nem efetuada remessa da informação sancionada à Direção de Finanças de Lisboa para efeitos de execução da decisão.

A Requerente e a Requerida apresentaram alegações escritas em 12-07-2024.

Em 29-08-2024, a Requerida juntou documentos comprovativos da revogação parcial supra referida, dos quais resultou a anulação do valor de € 271.385,71 (correspondendo o montante de € 235.430,14 a imposto, e € 35.955,57 a juros compensatórios), e a manutenção do valor em dívida de € 278.646,50 (correspondendo o montante de € 241.830,50 a imposto, e € 36.816,00 a juros compensatórios).

 

 

 

II.  SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

O PPA é tempestivo porquanto foi apresentado em 10-11-2023, ou seja, no prazo de 90 dias contados da notificação da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa dos atos tributários em apreço, conforme resulta dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 102.º, n.º 1, alínea b), 38.º, n.º 9, 39.º, n.º 10, do CPPT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades. As partes não invocaram exceções.

 

 

  1. REVOGAÇÃo PARCIAL e QUESTÕES DECIDENDAS

A revogação parcial da liquidação de retenção na fonte de IRC impugnada (comunicada aos autos em 09-07-2024), com os fundamentos referidos supra, determinou a anulação de imposto em falta no montante de € 235.430,12, correspondendo a uma redução do imposto em falta de € 477.260,64 para € 241.830,50, e dos correspondentes juros compensatórios.

Considerando esta revogação parcial e a admissão expressa da Requerente que não dispõe de quaisquer documentos relativos às sociedades L... BV (Holanda) e M... (Singapura), cumpre ao Tribunal Arbitral apreciar a legalidade da liquidação impugnada na parte relativa à aplicação da Convenção para Eliminar a Dupla Tributação (“CDT”) entre Portugal e os Estados Unidos da América, relevante para efeitos das retenções na fonte efetuadas com referência às sociedades residentes nos Estados Unidos (G... Inc; H…; I… LTD; J…; K…). Conforme demonstrado infra, a estas retenções corresponde o montante de € 149.229,69.

A este propósito, as partes contendem relativamente à questão de saber se o facto de a Requerente ter apresentado o respetivo atestado de residência fiscal, mas não o Modelo 21-RFI, obsta a uma dispensa da retenção na fonte ao abrigo da CDT aplicável.

Relativamente à qualificação e tributação em sede de IRC das rendas de locação operacional de contentores pagas pela Requerente a entidades não residentes, as partes contendem sobre (i) se as ditas rendas estão sujeitas a retenção na fonte de IRC, em Portugal, a título definitivo, à taxa de 25%, nos termos dos artigos 4.º, n.º 3, al. c), subalínea 2), e 94.º, n.º 1, al. g), ambos do CIRC – por constituírem rendimentos derivados do uso ou da concessão do uso de equipamento agrícola, industrial, comercial ou científico – como defende a Requerida, ou (ii) se tais rendas beneficiam da delimitação negativa de incidência objetiva do IRC prevista no artigo 4.º, n.º 3, alínea c), subalínea 7, do citado diploma, estando dispensadas de retenção na fonte nos termos do artigo 94.º, n.º 1, alínea g), do mesmo diploma, por corresponderem a rendimentos relativos a transportes (in casu, transportes marítimos), como defende a Requerente.

Por último, as partes não acordam quanto à verificação dos pressupostos da indemnização pela garantia prestada pela Requerente com vista à suspensão de processo executivo.

 

 

IV.  MATÉRIA DE FACTO

§1. Factos provados

Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal Arbitral, cumpre enunciar, de seguida, a matéria de facto relevante, baseada na prova documental constante dos autos e na prova testemunhal produzida na reunião do artigo 18.º do RJAT realizada em 03-07-2024:

  1. A Requerente é uma sociedade anónima de direito português que tem como principal atividade o transporte marítimo de mercadorias (CAE 50200) (cf. alegado no artigo 17.º do PPA, e não contestado pela Requerida - facto não controvertido).
  2. No desenvolvimento da sua atividade, além dos navios que integram o seu ativo fixo tangível, a Requerente opera contentores em regime de locação operacional, cujas rendas (mensais) são contabilizadas na conta #62601 – Rendas e Alugueres (cf. RIT junto como Documento 5 ao PPA - facto não controvertido).
  3. Em 2017, a Requerente efetuou pagamentos de rendas por locação de contentores a entidades não residentes (cf. Documentos 6 a 16 juntos ao PPA - facto não controvertido).
  4. Na Modelo 30 do IRC referente ao exercício de 2017, a Requerente não declarou os pagamentos das rendas efetuados a sujeitos passivos não residentes, nem efetuou qualquer retenção na fonte (cf. RIT junto como Documento 5 ao PPA - facto não controvertido).
  5. Na sequência do procedimento inspetivo externo aberto em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2019..., a AT determinou e fundamentou, no RIT, um conjunto de correções em sede de IRC por considerar que a Requerente, enquanto substituto tributário, deveria ter efetuado, no ano de 2017, retenções na fonte com referência a rendas de locação de contentores pagas a entidades não residentes em Portugal, no valor de € 477.260,64 (cf. Documento 5 junto ao PPA - facto não controvertido).
  6. A Requerente foi notificada da correspondente demonstração de liquidação n.º 2021..., nos termos da qual a AT procedeu à liquidação do imposto decorrente das retenções na fonte alegadamente em falta, acrescido dos correspondentes juros compensatórios, no valor de € 72.771,57, num montante total de € 550.032,21, com a data- limite de pagamento até ao dia 31-08-2021 (cf. Documento 2 junto ao PPA - facto não controvertido), conforme detalhado no quadro infra:

 

  1. Não tendo procedido ao pagamento do valor liquidado, a Requerente foi notificada da instauração do processo executivo n.º ...2021... em 03-10-2021 (cf. alegado no artigo 30.º do PPA, e referido no e não contestado pela Requerida - facto não controvertido).
  2. Em 28-10-2021, a Requerente prestou garantia bancária para efeitos de suspensão do referido processo executivo (cf. Documento 17 junto ao PPA - facto não controvertido).
  3. A Requerente deduziu reclamação graciosa contra os atos de retenção na fonte em sede de IRC n.º 2021..., de 13-07-2021, bem como das correspondentes liquidações de juros compensatórios relativas ao ano de 2017, constantes da demonstração de liquidação n.º 2021..., no valor global de € 550.032,21, peticionando (i) a respetiva anulação, e (b) subsidiariamente, a correção das ditas liquidações, por forma a refletir a redução das alegadas retenções na fonte devidas de € 477.260,64 para € 61.734,14, e respetivos juros compensatórios, pela aplicação da dispensa total/parcial destas retenções na fonte ao abrigo das CDTs aplicáveis entre Portugal e o país/estado de residência dos beneficiários dos rendimentos (cf. Documento 3 junto ao PPA - facto não controvertido).
  4. Esta reclamação graciosa foi expressamente indeferida pela AT (cf. Documento 1 junto ao PPA - facto não controvertido).
  5. A Requerente interpôs o PPA que deu origem aos presentes autos em 10-11-2023, tendo junto ao mesmo certificados de residência fiscal e Modelos 21-RFI relativamente às seguintes entidades: D... Ltd. (Reino Unido); E... Limited (Reino Unido); F... Limited (Hong Kong) (cf. Documentos 6 a 11 juntos ao PPA - facto não controvertido).
  6. Na mesma data, a Requerente juntou aos autos certificados de residência fiscal das seguintes entidades: G... Inc (Estados Unidos da América); H... (Estados Unidos da América); I... (Estados Unidos da América); J... (Estados Unidos da América); K... (Estados Unidos da América) (cf. Documentos 12 a 16 junto ao PPA - facto não controvertido).

 

§2. Factos não provados

Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal Arbitral, consideram-se como não provados os seguintes factos:

  1. A sociedade L... BV tem residência fiscal na Holanda;
  2. A sociedade M... tem residência fiscal em Singapura.

 

§3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, da prova testemunhal produzida, e dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados, e a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

Relativamente à prova testemunhal produzida na reunião do artigo 18.º do RJAT, importa sublinhar que ambas as testemunhas salientaram a essencialidade dos contentores para a atividade da Requerente (permitindo a carga e descarga de mercadoria de forma muito célere), sublinhando que a empresa é proprietária de parte dos contentores que utiliza e, quando necessário, aluga contentores a empresas estrangeiras dada a escassez de oferta nacional. Ambas as testemunhas revelaram conhecimento direto dos factos.

Quanto aos factos não provados, como foi referido supra, a Requerente não apresentou certificados de residência fiscal relativamente às sociedades L... BV (Holanda) e M... (Singapura).

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

V. MATÉRIA DE DIREITO

§1. Da qualificação da atividade de locação operacional de contentores para efeitos do Código do IRC?

Tal como referido supra, a Requerida defende que os pagamentos em apreço devem ser considerados como decorrentes de uma mera locação autónoma de equipamento sem qualquer conexão com serviços de transporte, tributáveis nos termos do artigo 4.º, n.º 3, alínea c), subalínea 2), do Código do IRC (i.e., enquanto rendimentos derivados do uso ou da concessão do uso de equipamento agrícola, industrial, comercial ou científico, cujo devedor tem residência, sede ou direção efetiva em território português), sujeitos a retenção na fonte, à taxa de 25%, nos termos do artigo 94.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC (i.e., enquanto rendimentos obtidos em território português e derivados do uso ou da concessão do uso de equipamento agrícola, industrial, comercial ou científico). Isto porque, segundo a Requerida, a locação de contentores não encerra em si a finalidade relativa a transportes, pois os bens locados poderão ter como finalidade atividade diversa desta.

Já a Requerente argumenta que os pagamentos em causa devem ser considerados como partes integrantes de um serviço global de transporte (marítimo) como um todo, não sendo sujeitos a IRC à luz da exceção prevista na subalínea 7 da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC (aplicável a rendimentos relativos a transportes, não obstante o devedor ter residência, sede ou direção efetiva em território português), e encontrando-se isentos de retenção na fonte nos termos do artigo 94.º, n.º 1, alínea g), do Código do IRC (i.e., enquanto rendimentos relativos a transportes). Isto porque, segundo a Requerente, a atividade de transporte apelas é possível mediante o recurso a contentores alugados.

Cumpre, primeiramente, ao Tribunal Arbitral determinar se serviços de locação de contentores podem ser subsumidos no conceito de serviços “relativos a transportes” para efeitos da subalínea 7 da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC?

Sobre esta questão pronunciou-se o Tribunal Arbitral Coletivo constituído no processo n.º 822/2021-T, em cuja Decisão Arbitral se pode ler:

“80.  O conceito de contrato de transporte (em particular, do contrato de transporte marítimo), e os elementos necessários para a sua caracterização fornecem um importante auxílio na determinação dos rendimentos, que relativos a transporte caem fora do âmbito de incidência do artigo 4.º, do CIRC. 

VI.1. DO CONTRATO DE TRANSPORTE (MARÍTIMO)

81. O contrato de transporte é disciplinado pelos artigos 366.º a 393.º., do Código comercial, sendo o seu conceito jurídico unitário na doutrina e na jurisprudência, que o caracterizam, em termos gerais, como sendo o contrato pelo qual uma pessoa – o transportador – se obriga perante outra – o interessado ou expedidor – a providenciar o deslocamento de pessoas ou de bens de um local para o outro. 

82.  Tal contrato é uma prestação de serviços que tem como finalidade a colocação de uma pessoa ou de um bem, de modo íntegro no local de destino. 

83. Em suma, pode concluir-se que “o contrato de transporte é um negócio jurídico representativo de uma prestação de serviço por meio do qual o transportador compromete-se a deslocar, de forma organizada e mediante o controle da atividade, pessoas ou mercadorias de um lugar para o outro, em favor de outrem (passageiro ou expedidor) ou de terceiros (destinatários), mediante uma vantagem económica.” – Cf. Alessandro Meliso Rodrigues, O contrato de transporte marítimo de mercadorias e o regime especial exonerativo e limitativo da responsabilidade civil do transportador no ordenamento jurídico português, RJLB, Ano 1 (2015), n.º 1, pág. 270

84. Assim, constituem elementos essenciais do contrato de transporte, a deslocação (“é a obrigação do transportador, que consiste em deslocar, com segurança e exatidão, pessoas, animais, bagagens e mercadorias”); o exercício de uma atividade organizacional (“surge a necessidade de que toda a operação de transporte seja realizada pelo transportador de forma organizada e sistemática, com engenharia pré-definida para o seu cumprimento”); a autonomia (“o transporte é resultado de uma atividade exercida com autonomia”) e controlo da atividade operativa de deslocação por parte do transportador (“o transportador deve ter a exclusiva gestão comercial e técnica da execução material da operação de deslocamento da pessoa ou da coisa”), a incolumidade (“Há a necessidade de que esse deslocamento seja operado de modo a propiciar que cheguem incólumes ao local de destino”) e a remuneração (“A contrapartida da prestação do transporte é o preço que deverá ser pago pela prestação do serviço, denominado de tarifa, para o transporte de passageiros, e de frete, para o transporte de mercadoria”). – Cf. Alessandro Meliso Rodrigues, O contrato de transporte marítimo de mercadorias e o regime especial exonerativo e limitativo da responsabilidade civil do transportador no ordenamento jurídico português, RJLB, Ano 1 (2015), n.º 1, páginas 272-276 –

85. Por sua vez, o contrato de transporte marítimo é disciplinado pelas regras gerais do Código Comercial, previstas nos artigos 366.º a 393.º (disposições gerais do contrato de transporte), pelo Decreto - Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro (disposições específicas deste tipo de contrato) e ainda pelos artigos 1.º a 8.º da Convenção de Bruxelas, por força do disposto no Decreto - Lei n.º 37.748/50 (que respeitam à regulamentação do regime da responsabilidade do transportador e às causas de exoneração da responsabilidade).

86. Dispõe o artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro que, “O contrato de transporte marítimo por mar é aquele em que uma das partes se obriga, em relação a outra, a transportar determinada mercadoria de um porto para porto diverso, mediante uma retribuição pecuniária denominada de frete.”

87. Francisco Costeira da Rocha, O contrato de transporte de mercadorias – contributo para o estudo da posição jurídica do destinatário no contrato de transporte de mercadorias, 1ª edição, Coimbra, Editora Almedina, 2000, pág. 55, define o contrato de transporte de mercadorias como o contrato pelo qual umas das partes encarrega outra de deslocar determinada mercadoria de um local para outro e de a entregar pontualmente ao destinatário, mediante retribuição. 

88. Sendo que o aludido contrato só se dá por integralmente cumprido aquando da entrega da mercadoria ao seu destinatário, conforme já foi reconhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

89. Neste contexto, considera, ainda, a jurisprudência que os intervenientes essenciais neste contrato são o expedidor (que celebra, inicialmente o contrato de transporte), o transportador (que é quem se obriga, inicialmente, a deslocar e a entregar determinadas mercadorias e, por fim, o destinatário (pessoa a quem devem ser entregues as mercadorias transportadas) – Cf. artigos 4.º, 5.º, 8.º, 18.º, 19.º e 21.º, do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro. 

90. Aqui chegados, conclui-se que a autonomia conceitual e substancial deste tipo de contrato está bem consolidada no nosso ordenamento jurídico, encontrando-se devidamente caracterizado e dispondo de autonomia face a quaisquer outros negócios jurídicos ou contratos, ainda que possam ser complementares, conexos e/ou acessórios daquele, na medida em que as suas vinculações subsistem independentemente destes. 

91. É certo que, com referência ao caso dos autos, poderá dizer-se, a priori, que existe uma complementaridade funcional entre o aluguer dos contentores e o transporte marítimo das mercadorias, na medida em que a Requerente utiliza os contentores para acondicionar as mercadorias e, assim, transportá-las.

92. Contudo, é manifesto, que tais atividades – aluguer de contentores e transporte marítimo de mercadorias – mantém a independência entre si, porquanto, gozam de autonomia conceitual e substantiva e obedecem a regimes jurídicos diferentes, pois, correspondem a distintos tipos contratuais (contrato de locação operacional de contentores e contrato de transporte marítimo), justificando-se relativamente aos mesmos um tratamento fiscal diverso. 

93. Ou seja, cada operação (seja ela a prestação de serviços de carga, de descarga, de armazenamento, de depósito ou, até, como no caso dos autos, de concessão/aluguer de contentores para acondicionamento de mercadorias) corresponde a uma figura típica e autónoma, existindo, apenas entre elas uma conexão económica. 

94. Desta feita, o contrato de transporte marítimo é totalmente autónomo em relação a outro que com ele se relacione.

95. Dito isto, e analisado o conceito do contrato de transporte (em particular, do contrato de transporte marítimo) e os seus elementos caracterizadores, impõe-se agora aferir se o artigo 4.º, n.º 3, al. c), parágrafo 7), do CIRC, contempla no seu âmbito as rendas pagas pela Requerente a entidades não residentes, resultantes da locação dos contentores, com vista ao transporte marítimo de mercadorias, correspondem a rendimentos derivados da prestação de serviços relativos a transporte (ou a outro tipo de rendimentos), para determinar o seu tratamento fiscal. 

VI.2. DA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 4.º, n.º 3, al. c), parágrafo 7), DO CIRC

96. Ora, relativamente aos rendimentos auferidos por não residentes sem estabelecimento estável no território nacional, ou se o possuírem, os rendimentos em causa não lhe sejam imputáveis, o artigo 3.º, n.º 1, al. d), do CIRC estipula que o IRC incide sobre os rendimentos de diversas categorias, considerados para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (doravante “IRS”). 

97. Por sua vez, o artigo 4.º, do CIRC, sob a epígrafe “Extensão da obrigação de imposto”, estabelece no seu n.º 2, que “As pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.” 

98. Já o n.º 3, do artigo 4.º, do citado diploma, enumera de forma taxativa os casos em que os rendimentos se consideram obtidos em território Português, estipulando que: “Para efeitos do disposto no número anterior consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam:  (...)  c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território Português, ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado: 

7) Os derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com exceção dos relativos a transportes, comunicações e atividades financeiras.”

99. Com efeito, é face a este parágrafo 7), da al. c), do n.º 3, do artigo 4.º, do CIRC, que reside o cerne do diferendo entre as partes, e se levanta a questão de saber se os serviços prestados pelas entidades não residentes (locação operacional de contentores) podem ser qualificados como “atividades relativas a transportes”, caso em que a respetiva remuneração não estaria sujeita a tributação. 

100. Nesta senda, e no que toca à interpretação do preceito normativo em causa - parágrafo 7), da al. c), do n.º 3, do artigo 4.º, do CIRC –, somos a sufragar a posição vertida na Decisão Arbitral do CAAD, de 01.10.2012, proferida no processo n.º 44/2012-T (a qual foi, inclusive, utilizada pela AT na sua fundamentação), que passamos, em parte, a transcrever: 

“Tendo em conta que se trata de uma exceção ao regime-regra estabelecida em tal norma, da tributação dos rendimentos devidos pela prestação de serviços (utilizados em Portugal) por não residentes sem estabelecimento estável no país, impõe-se, por ser um verdadeiro ius singulare, que tal exceção seja interpretada de forma restritiva, não sendo permitida uma sua interpretação extensiva. O que aliás, dada a ligação do teor da exceção às matérias essenciais dos impostos, estaria em desconformidade com o princípio da legalidade fiscal, assim como com o princípio da tipicidade que, como expressão do princípio do Estado de Direito, exige que os tipos fundamentadores de tributos sejam determinados de tal modo que o sujeito passivo comum e médio possa apreender facilmente o sentido normativo das disposições legais, não necessitando para isso de ser um técnico de direito. 

Tendo presentes estes princípios, entendemos que a interpretação mais consentânea com eles é aquela que não faça extrapolações do vocábulo “relativamente”, tomando-o, tão só, no sentido de que atividades de transporte são unicamente aquelas que integram um contrato de transporte (mesmo que algumas delas, quando consideradas isoladamente, não revistam a natureza de atos de transporte) e não aquelas que tenham apenas com afinidade com a atividade de transporte o facto de serem prestadas a um sujeito passivo que exerça a atividade transportadora.

De facto, se apelarmos ao elemento teleológico da norma, por certo não serão suscitadas grandes dúvidas de que o legislador, ao consagrar a exceção em análise, apenas teve em vista precisamente a atividade transportadora e não outro tipo de atividades com ela relacionadas. Na verdade, a atividade transportadora (tal como as demais enumeradas na parte final da norma) é marcada por uma natureza plurilocalizada, por grande diferença entre o rendimento bruto e o rendimento líquido (pouco comum nas atividades normalmente sujeitas a taxas liberatórias), o que levantaria problemas complexos caso existisse tributação na fonte. Assim, só relativamente àquela justifica a não tributação. Ora, os cânones interpretativos gerais mandam que o intérprete assuma que o legislador consagrou a melhor solução, entre as que o teor do preceito legal permite. 

Assim, não se concebe que, racionalmente, o legislador pudesse ter tido em vista excecionar todo e qualquer serviço prestado a contribuintes que exerçam uma atividade transportadora. Este raciocínio levaria a situações complexas e violadoras do princípio da igualdade. Basta dizer que os sujeitos passivos, enquanto prestadores de uma mesma atividade, estariam ou não sujeitos a retenção na fonte, consoantes prestassem esse serviço a uma transportadora ou a uma empresa que exercesse uma atividade distinta. Ora, esta situação desafiaria não só alguns princípios jurídico-constitucionais já aludidos, mas também a coerência desejável num qualquer sistema fiscal. 

Por último, a interpretação que agora se sustenta é ainda confirmada pelos trabalhos preparatórios. Com efeito, através da consideração do elemento histórico, isto é, fazendo a arqueologia da norma, acaba por resultar clarificado o próprio elemento teleológico. Se atentarmos no Relatório da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, de 30 de Abril de 1996, que esteve na base da criação do preceito que analisamos (o qual resulta de uma adição ao texto inicial da norma feita pelo DL n.º 25/98, de 12 de Fevereiro), verificamos que a proposta original – que, certamente, traduz aquilo que terá sido o pensamento do legislador – se referia unicamente à atividade transportadora (...): Os membros da comissão estão igualmente de acordo que não deveriam ser abrangidos certos serviços, designadamente os próprios da atividade bancária ou seguradora (...) da atividade transportadora.

Face ao exposto, depreendemos que a referência aos rendimentos relativos a transportes tem unicamente como significado a atividade transportadora; são os rendimentos derivados apenas dos atos necessários e adequados ao exercício da atividade transportadora, sendo a utilização relativos, em lugar de próprios, apenas uma questão de linguagem, ou, se quisermos, de forma de expressão, não devendo ser feitas a partir daí extrapolações. A consideração do elemento histórico surge-nos, com efeito, como suficiente clarificadora e sugestiva. Esta será, em síntese, a única forma de interpretar a norma de um modo consentâneo com os princípios constitucionais e, por outro lado, de refletir o que, de forma clara, resulta dos trabalhos preparatórios (...)” (sublinhado e negrito nosso) 

101. Assim, face à interpretação que perfilhamos – de que tal norma (parágrafo 7, al. c), n.º 3, do artigo 4.º, do CIRC), abrange unicamente as atividades que integram o contrato de transporte marítimo –, e atendendo ao conceito e aos elementos caracterizadores deste tipo contratual (não se incluindo em qualquer um deles a concessão/aluguer de bens/equipamentos para acondicionamento de mercadorias) é inequívoco que a atividade exercida pelas entidades não residentes (locação operacional de contentores) não consubstancia uma atividade inerente ao contrato de transporte.

102. Conforme já referido supra, é manifesto que a expressão “atividades relativas a transportes” não inclui (nem poderia incluir), as atividades que tenham apenas como afinidade com a atividade de transporte o facto de serem prestadas a um sujeito passivo que exerça tal atividade, caso contrário, a citada norma deixaria de ser uma exceção ao regime-regra de sujeição de IRC e ficaria totalmente desprovida de conteúdo, o que, naturalmente, afrontaria com os princípios constitucionais (da legalidade fiscal, da tipicidade, da igualdade), bem como com a própria coerência fiscal.  

103. Uma interpretação contrária, levaria a que os sujeitos passivos, enquanto prestadores de uma mesma atividade, estivessem ou não sujeitos a retenção na fonte, em sede de IRC, conforme prestassem esse serviço a uma transportadora ou a uma empresa que exercesse uma atividade diversa.

104. Na verdade, o legislador ao estipular a exceção em análise, apenas visou a própria atividade transportadora e não outro tipo de atividades com ela relacionada, o que se compreende, pois, o contrato de transporte dispõe de autonomia conceitual e substancial, obedecendo a um determinado regime jurídico, diferenciando-se de outros tipos contratuais existentes que com ele possam ter, eventualmente, uma conexão/ligação.  

105. É certo que a utilização dos contentores por parte da Requerente é necessária para transportar as mercadorias, contudo, tal não significa que estejamos perante atividades iguais (embora, possam ser complementares), com os mesmos elementos caracterizadores e que obedeçam a idênticos regimes jurídicos e tenham semelhante tratamento fiscal. 

106. Assim sendo, é manifesto que a atividade exercida pelas entidades não residentes não integra o contrato de transporte marítimo (que é definido como sendo o contrato “em que uma das partes se obriga, em relação a outra, a transportar determinada mercadoria de um porto para porto diverso, mediante retribuição pecuniária denominada frete”), pois, como é bom de ver, não consta da sua definição (nem tampouco dos seus elementos caracterizadores) qualquer menção ou exigência quanto à concessão/aluguer/ de equipamentos para alocar as mercadoria. 

107. Aliás, a locação tem uma definição (“A locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição” – Cf. artigo 1022.º, do Código Civil), completamente distinta do contrato de transporte, conforme é sabido.  

108. Nesta senda, não podemos acompanhar o entendimento da Requerente de que a “locação é absolutamente indissociável e não poderá ser considerada de forma autónoma ao próprio serviço global de transporte marítimo”, porquanto, nada obriga a que uma empresa dedicada ao transporte marítimo recorra à locação operacional de contentores, como nada obriga a que uma empresa dedicada à locação operacional de contentores, os afete necessariamente à atividade de transporte marítimo.

109. É certo, como também refere a Requerente, que existem um conjunto de atividades conexas que permitem que a operação de transporte funcione eficazmente, como um todo, e que estão diretamente relacionadas com as características da carga, dos navios, dos portos, contudo, já não é verdade que estas sejam indissociáveis daquele contrato, na medida em que cada operação corresponde a uma figura típica e autónoma, existindo, apenas entre elas uma conexão económica, que não permite a sua subsunção, quer jurídica, quer económica, no conceito de atividade de transporte marítimo. 

110.  Face ao exposto, tratando-se no caso dos autos de rendimentos decorrentes da atividade de locação operacional de contentores, a qual é distinta da atividade de transporte (por não integrar o conceito de contrato de transporte e os seus elementos), constitui nosso entendimento que a realidade apresentada pela Requerente não se encontra abrangida pela delimitação negativa de incidência objetiva de IRC, prevista no artigo 4.º, n.º 3, al. c), parágrafo 7), do CIRC, não se tratando, assim, no caso dos autos, de rendimentos relativos a transportes”.

 

Desta jurisprudência arbitral, que acompanhamos, retira-se que a atividade de locação operacional de contentores (a qual é distinta da atividade de transporte marítimo, não obstante a conexão económica entre ambas) não se encontra abrangida pela delimitação negativa de incidência objetiva de IRC prevista no artigo 4.º, n.º 3, alínea c), subalínea 7), do Código do IRC.

Tal como defendido pela Requerida, para efeitos do Código do IRC, estão em causa “rendimentos derivados do uso ou da concessão do uso de equipamento agrícola, industrial, comercial ou científico”, tributáveis à taxa de 25% (nos termos do artigo 4.º, n.º 3, alínea c), subalínea 2), do Código do IRC), e eventualmente sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo (nos termos do artigo 94.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC).

Neste sentido, veja-se a já citada Decisão Arbitral proferida no processo n.º 822/2021-T, na qual se pode ler:

“(...) à luz do direito tributário português, resulta das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3, al. c), parágrafo 2), 94.º, n.º 1, alíneas b) e c), ambos do CIRC e do artigo 5.º, n.º 1, al. n), do CIRS, que as rendas auferidas em razão da locação operacional de contentores para transporte marítimo são subsumíveis no conceito de rendimentos decorrentes do uso ou concessão do uso de equipamento industrial, agrícola, comercial ou científico, constituindo, por conseguinte, rendimentos de capitais tributáveis, por retenção na fonte, a título definitivo, a uma taxa de 25%, sempre que pagas a uma entidade não residente sem estabelecimento estável, por um devedor com sede ou direção efetiva em território Português”.

Todavia, para aferir a tributação destes rendimentos no caso sub judice, interessa considerar o disposto na CDT entre Portugal e os Estados Unidos da América.

 

§2. Da qualificação do rendimento derivado da atividade de locação operacional de contentores para efeitos da CDT entre Portugal e os Estados Unidos da América, e respetiva tributação

No caso dos autos, visto que existe uma CDT entre Portugal e o país de residência do locador (Estados Unidos da América), é à luz desta que se deve encontrar a qualificação do rendimento derivado da atividade de locação operacional de contentores e determinar o Estado competente para tributar o mesmo.

O artigo 13.º desta CDT, sob a epígrafe “Royalties” estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

“1 – As royalties provenientes de um Estado Contratante e pagas a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributadas nesse outro Estado. 

2 – Todavia, essas royalties podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efetivo das royalties for residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não poderá exceder 10% do montante bruto das royalties. As autoridades competentes dos Estados Contratantes estabelecerão de comum acordo, a forma de aplicar este limite. 

3 – O termo royalties, usado nesta Convenção, significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas pelo (...) uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico (...).”

Resulta deste n.º 3 que as rendas auferidas pelas locadoras no âmbito de contratos de locação operacional se enquadram no conceito de “royalties”.

Quanto à tributação deste rendimento, e tal como notado pela Requerente, a CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América contém uma disposição específica no número 11 do respetivo Protocolo, que dispõe que “as royalties recebidas pelo uso, ou pela concessão de uso, de contentores no tráfego internacional só podem ser tributadas no Estado Contratante de que a pessoa que recebe as royalties é residente”, ou seja, in casu, nos Estados Unidos da América.

Não restam, assim, dúvidas que, por aplicação desta CDT, o rendimento em apreço não é tributável em Portugal.

Tal como referido supra, a Requerente juntou aos autos certificados de residência referentes às entidades residentes nos Estados Unidos da América. Todavia, a Requerida não aceita a aplicação desta CDT por falta de apresentação do formulário de modelo aprovado por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças (21-RFI), integrante da documentação legalmente exigida na alínea a) do n.º 2 do artigo 98.º do Código do IRC.  

Sobre esta questão pronunciou-se o Douto Supremo Tribunal Administrativo, que decidiu, no Acórdão de 22-06-2011, proferido no processo n.º 0283/11, que “estes formulários não constituem requisitos “ad substantiam”, sendo a prova de residência um mero requisito “ad probationem”, já que a certificação de residência é um ato de mero reconhecimento dos pressupostos dos benefícios previstos nas convenções, limitando-se a AF à confirmação desses pressupostos, sendo que, na verdade, o que releva é a efetiva verificação dos respetivos pressupostos, pelo que não devem aqueles formulários constituir o único meio de prova necessário para certificar a residência”.

No mesmo sentido: Acórdão do Supremo Tribunal, de 14-12-2016, processo n.º 0141/14, e Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 320/2018-T, 755/2020-T, 822/2021-T, entre outras. Conclui-se, assim, que o formulário 21-RFI é uma mera formalidade não exigida na Convenção para efeitos de dispensa ou não da retenção na fonte, pelo que a sua apresentação, mesmo tardia, não tem relevância quando está convencionado que será o Estado da residência a tributar tais rendimentos.

Neste contexto, concordando este Tribunal Arbitral com a fundamentação das mencionadas decisões do Supremo Tribunal Administrativo e dos tribunais arbitrais, e tendo a Requerente junto aos autos certificados de residência referentes às entidades residentes nos Estados Unidos da América em apreço, estão reunidos os requisitos essenciais para a dispensa da exigência de retenção na fonte por parte da Requerente com referência aos pagamentos que efetuou a tais entidades.

Resta, assim, ao Tribunal Arbitral concluir que as rendas pagas pela Requerente às entidades locadoras residentes nos Estados Unidos da América não estão sujeitas a tributação em Portugal, devendo a liquidação de retenções na fonte de IRC impugnada ser anulada na parte relativa aos rendimentos auferidos pelas aludidas entidades locadoras, no montante de € 149.229,69.

 

§3. Pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia bancária

No concerne ao pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, interessa salientar que (1) a Requerente prestou garantia bancária para efeitos de suspensão do processo executivo n.º ...2021... em 28-10-2021 (tendo mantido a mesma por período superior a três anos), e (2) tanto a revogação parcial da liquidação impugnada, que anulou o montante de imposto de € 235.430,14, como a anulação parcial da liquidação impugnada por este Tribunal Arbitral, que ora anula o montante de imposto de € 149.229,69, não resultam de erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, mas sim da apresentação tardia por parte da Requerente (já em sede arbitral) da prova exigida nos termos do n.º 2 do artigo 98.º do CIRC.

Os pressupostos do direito à indemnização encontram-se estipulados no artigo 53.º, da LGT, nos seguintes temos: 

“1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.”

Atendendo à realidade fáctica presente nos autos, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada, nos termos do n.º 1 deste artigo, visto que manteve a mesma por um período superior a três anos, mas apenas em proporção do vencimento que obteve.

Considerando que o montante de imposto constante da liquidação impugnada é de € 477.260,64, que a AT revogou unilateralmente o montante de imposto de € 235.430,14, e que o Tribunal Arbitral ora anula o montante de imposto de € 149.299,69, conclui-se que a Requerente obteve vendimento no montante de € 384.659,83 (de um montante total de € 477.260,64), o que corresponde a uma proporção de 81%.

Com este fundamento, defere-se o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia bancária, nos termos do artigo 53.º da LGT, na proporção de 81% dos encargos suportados pela Requerente com a mesma.

 

VI. DECISÃO

Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:

  1. Declarar ilegais e anular parcialmente a decisão final de indeferimento expresso da reclamação graciosa impugnada, bem como a liquidação de IRC n.º 2021..., relativa ao ano de 2017, na parte relativa às retenções na fonte referentes às sociedades com sede nos Estados Unidos da América, no montante de € 149.299,69, e respetivos juros compensatórios;
  2. Condenar a Requerida a restituir à Requerente o montante de imposto de € 149.229,69, bem como os juros compensatórios correspondentes;
  3. Julgar procedente o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia bancária, nos termos do artigo 53.º da LGT, nos termos acima referidos.

 

VALOR DO PROCESSO

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 550.032,21.

 

CUSTAS ARBITRAIS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas em € 8.568,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, ficando o montante de € 1.627,92 a cargo da Requerente (correspondendo a 19% de € 8.568,00) e € 6.940,08 a cargo da Requerida (correspondendo a 81% de € 8.568,00), em razão do respetivo decaimento.

***

 

CAAD, 25 de novembro de 2024

O Tribunal Arbitral,

 

 

 

Rita Correia da Cunha

 

 

Vera Figueiredo

 

 

 

Rui Miguel Zeferino Ferreira