Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 783/2024-T
Data da decisão: 2024-11-14  IRS  
Valor do pedido: € 56.316,02
Tema: IRS. Mais-valias imobiliárias. Prédio rústico - lote para construção — Inutilidade superveniente da lide.
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Sumário:

A revogação parcial do ato tributário objeto do PPA após a constituição do Tribunal Arbitral, que dá satisfação à pretensão formulada pelo Requerente, inclusive, considerando o pagamento dos juros indemnizatórios, é causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, e), CPC, ex vi art. 29.º, 1, e), RJAT.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

A. Dinâmica processual

 

  1. A..., NIF ..., residente na Rua ..., ..., ...,  ...-... Alcabideche (“Requerente”)  apresentou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo art. 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), para que seja declarada a ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa bem como do respetivo ato de liquidação que a tinha como objeto, relativo ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2023..., referente ao período tributário de 2022 e, consequentemente, o mesmo parcialmente anulado, e efetuado o reembolso correspondente, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.
  2. No dia 24 de junho de 2024 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado ao Requerente e à AT.
  3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, 1, e artigo 11.º, 1, b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  4. Em 9 de agosto de 2024 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
  5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 28 de agosto de 2024.
  6. Por despacho de 2 de setembro de 2024 foi concedido prazo para a Requerida responder, querendo, no prazo legal.
  7. No dia 1 de outubro de 2024, a Requerida apresentou requerimento informando os autos do despacho de 26 de setembro de 2024, da Subdiretora-Geral da área do IR, de revogação parcial do ato em apreciação.
  8. No mesmo dia foi proferido despacho para o Requerente se pronunciar no sentido de informar se pretendia prosseguir com o presente PPA, determinando-se ainda a suspensão do prazo para apresentação da Resposta por parte da AT durante o período de 10 dias.
  9. No dia 14 de outubro de 2024 o Requerente veio informar que não pretendia o prosseguimento do presente PPA.
  10. No dia 8 de novembro de 2024 foi proferido despacho para dispensar a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, bem como a de apresentação de alegações escritas. Mais foi indicado que a decisão final seria notificada até ao dia 30 de novembro de 2024.

 

B. Posição das partes

 

            Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, que lhe foi apurado um rendimento global sujeito a tributação IRS 2022 de €389.064,24, por não terem sido excluídos da tributação os montantes indicados no quadro 5 (reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado à habitação própria permanente) do anexo G da declaração de rendimentos, com fundamento de o prédio identificado no quadro A1 do anexo G não poder ser considerado um prédio urbano/lote de terreno para construção.

            No entanto, na perspetiva do Requerente, essa apreciação não é a correta pois tais prédios estavam originariamente inscritos nas respetivas matrizes prediais rústicas e a AT entendeu classificá-los como prédios urbanos, na categoria de "terrenos para construção", em face da indicação de que os mesmos estão afetos e declarados no título aquisitivo para construção de equipamentos desportivos.

            Além disso, o lote de terreno em causa foi adquirido para a construção da habitação própria e permanente do ora Requerente e do seu agregado familiar.

            De tudo isto resulta ter a AT partido de um pressuposto errado de o prédio objeto do reinvestimento não ser um lote de terreno para construção, não obstante estar inscrito na matriz com prédio rústico, cuja atualização não ocorreu por culpa imputável à própria AT, já que sobre ela recai o dever de efetuar essa mesma atualização.

            Por estas razões, deve a Requerida aplicar o disposto no art. 10.º, 5, CIRS e, consequentemente, excluir de tributação o valor de realização que pretende reinvestir. Sendo assim, o ato de liquidação que se questiona é ilegal, pelo que deve ser parcialmente anulado.

            Notificada por despacho arbitral de 2 de setembro de 2024, nos termos e para os efeitos previstos no art. 17.º, RJAT, a AT apresentou, em 01 de outubro de 2024, requerimento juntando cópia do Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da Área da Gestão Tributária - IR, datado de 26 de setembro de 2024, nos termos do qual se determinou a revogação parcial da liquidação de IRS objeto nos presentes autos, de acordo com o Despacho do DS IMP. S/RENDIMENTO SINGULAR n.º 6400, de 26 de setembro de 2024, tendo sido reconhecido o direito do Requerente a juros indemnizatórios, nos termos do art 43.º, LGT, e art. 13.º, 5, RJAT.

 

II. SANEAMENTO

     O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º, 6.º, 1, e 10.º, 1, todos do RJAT.

     As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. arts. 4.º e 10.º, 2, RJAT, e art. 1.º, Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

     O processo não enferma de nulidades.

     Não foram invocadas exceções que ao tribunal arbitral compra apreciar e decidir.

 

III FUNDAMENTAÇÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

A) O Requerente procedeu a 31 de agosto de 2023 ao pagamento integral da liquidação de IRS n.º 2023..., melhor identificado no PPA, no valor de €117.655,69.

B) O pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 21 de junho de 2024, tendo sido aceite 3 dias depois.

C) O PPA foi automaticamente notificado à Requerida AT a 27 de junho de 2024.

D) O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 28 de agosto de 2024 tendo sido de imediato notificado às partes.

E) Por despacho n.º 6400, de 26 de setembro de 2024, da Senhora Subdiretora-Geral da Área da Gestão Tributária - IR, foi determinada a revogação parcial da liquidação de IRS objeto nos presentes autos, tendo sido reconhecido o direito do Requerente a juros indemnizatórios.

F) Consta o seguinte na informação de suporte ao referido despacho:

 

 

G) Em 1 de outubro de 2024, a AT comunicou aos autos o teor do Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da Área da Gestão Tributária-IR antes mencionado.

H) Notificado pelo despacho arbitral de 21 de setembro de 2022 para no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre o teor da comunicação da Requerida, designadamente informar se pretende prosseguir ou não com o presente PPA, veio o Requerente dizer que "não pretende o prosseguimento do presente PPA".

 

A.2. Factos dados como não provados

            Com relevo para a decisão, não foram identificados outros factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

            Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, 2, CPPT, e art. 607.º, 3, CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, 1, a), e e), RJAT).

            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior art. 511.º, 1, CPC, correspondente ao atual art. 596.º, aplicável ex vi art. 29.º, 1, e), RJAT).

            Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do art. 110.º, 7, CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

            Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DE DIREITO

            B.1 Da inutilidade superveniente da lide

            A presente ação arbitral tem por objeto pronuncia que se subsume na previsão do art. 2.º, 1, a), RJAT, pois o Requerente pretende que seja “declarada a ilegalidade do ato tributário de liquidação n.º 2023...”, da competência dos Tribunais Arbitrais constituídos sob o regime jurídico do CAAD.

            De acordo com o disposto no art 13.º, 1, RJAT, a AT dispõe de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral para proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, iniciando-se então a contagem do prazo para constituição do tribunal arbitral, de acordo com o art. 11.º, 1, c), RJAT.

            A revogação parcial do ato tributário em apreciação após constituição do Tribunal Arbitral, dando satisfação à pretensão formulada pelo Requerente quanto à sua anulação parcial, constitui causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, e), CPC, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi art. 29.º, 1, e), RJAT.

            Com efeito, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, a inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, “por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por ter encontrado satisfação fora do esquema da providência pretendida" — cf. acórdão do STA, de 08 de junho de 2022, proc. n.º 02321/17.4BEPRT.

              Além disso, in casu, para além do pedido de anulação parcial da liquidação de IRS melhor identificada, o Requerente formulou o pedido acessório de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, enquadrável nos termos do art. 43.º, 1, LGT.

            Pelo Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da Área da Gestão Tributária-IR, de 26 de setembro de 2024, foi revogada parcialmente a liquidação de IRS impugnada, na medida do peticionado pelo Requerente.

            Além disso, do referido despacho resulta que lhe foi igualmente reconhecido o direito a juros indemnizatórios.

             Considerando a revogação parcial bem como o reconhecimento aos juros indemnizatórios, deve concluir-se terem os pedidos formulados pelo Requerente obtido satisfação integral.

            O processo arbitral tributário, tal como o processo de impugnação judicial, tem a natureza de ação constitutiva, dado ter “como objetivo a modificação ou anulação de um ato administrativo” (...) que “tem sempre como pressuposto um interesse em agir, o que atinge a sua expressão mais nítida sempre que se verifica, por parte da administração, a produção de um determinado ato tributário considerado pelo contribuinte como estando em desconformidade com a lei" — cf. Saldanha Sanches, Princípios do Contencioso Tributário, Editorial Fragmentos, Lisboa, 1987, págs. 78 e 80.

            A ausência superveniente de interesse processual, por ter sido obtida extra-processo a satisfação da pretensão do Requerente, gera a absolvição da instância da Requerida.

            Tendo a Requerida dado causa à inutilidade superveniente da lide, fica então responsável pelas custas do processo, nos termos do art. 536.º, 3, CPC.

 

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar:

  1. Extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide;
  2. Absolver da instância a Requerida;
  3. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

D. Valor do processo

       Fixa-se o valor do processo em €56.316,02, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

       Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, n.º 4, RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de novembro de 2024

 

O Árbitro Singular

 

(Ricardo Marques Candeias)