Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 738/2024-T
Data da decisão: 2024-11-15  IRS  
Valor do pedido: € 430,09
Tema: IRS. Caducidade do direito de ação.
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SUMÁRIO:

  1. O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos números 1 e 2 (entretanto revogado) do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
  2. O pedido apresentado após o término do prazo de 90 dias é intempestivo.

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO:

 

A..., contribuinte fiscal número..., doravante designado por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRS referentes aos exercícios de 2020 a 2022 e do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, com a consequente condenação da Requerida a restituir ao Requerente o valor indevidamente cobrado e pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal.

 

Para fundamentar o seu pedido alegou, em síntese:

 

  1. Na sequência das declarações de IRS e respetivas declarações de substituição submetidas, respeitantes aos exercícios de 2020 a 2022, foi o Requerente notificado das respetivas liquidações de IRS, das quais resultou o valor total a pagar de € 430,09;
  2. As liquidações efetuadas não tiveram em consideração, para o cálculo do valor mínimo de existência, o salário mínimo regional da Região Autónoma dos Açores, aplicando aos rendimentos auferidos pelo Requerente o valor do salário mínimo nacional fixado para o Continente;
  3. No caso dos residentes na Região Autónoma dos Açores, para efeito de apuramento do mínimo de existência, deve ser tido em consideração o rendimento mínimo mensal garantido aplicável a esta região, correspondente à retribuição mínima mensal garantida, acrescida de 5%;
  4. Não tendo a Autoridade Tributária tido em consideração o acréscimo de 5% previsto, padecem as liquidações impugnadas de ilegalidade;
  5. O Requerente deduziu reclamação graciosa, requerendo a correção das liquidações efetuadas, por incorreta aplicação do artigo 70º do CIRS;
  6. A reclamação graciosa apresentada veio a ser indeferida, por ofício datado de 01/03/2024, recebido pelo Requerente em 05/03/2024.

 

O Requerente juntou 12 documentos e não arrolou testemunhas.

 

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 13 de agosto de 2024.

 

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação.

 

Na defesa por exceção, invocou a Requerida, em síntese:

  1. O despacho de indeferimento da reclamação graciosa foi notificado ao Requerente por ofício datado de 01/03/2024, recebido pelo Requerente em 05/03/2024;
  2. À data em que o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral — 06/06/2024 — já se encontrava precludido o prazo de 90 dias a que alude o artigo 10º nº 1 a) do RJAT;
  3. Pelo que o pedido apresentado é intempestivo;
  4. Nos processos arbitrais tributários é sempre obrigatória a constituição de advogado, por ser admissível recurso das decisões neles proferidas, independentemente do valor da causa;
  5. O Requerente não constituiu advogado, o que constitui exceção dilatória que importa a absolvição da instância

 

Em sede de defesa por impugnação, invocou a Requerida, em síntese:

 

  1. O mínimo de existência consubstancia um limite à aplicação das taxas gerais do imposto, não podendo da sua aplicação resultar para o sujeito passivo um rendimento líquido disponível inferior a esse mínimo de existência, que deve ser o mesmo para todo o território nacional;
  2. Não prevendo a lei qualquer exceção para as regiões autónomas, pese embora nestas regiões o salário mínimo nacional seja superior àquele que vigora no continente;
  3. Não padecendo, assim, as liquidações impugnadas de qualquer ilegalidade;
  4. Nem assistindo ao Requerente, por via disso, o direito ao recebimento de juros indemnizatórios.

 

A Requerida juntou o processo administrativo, não tendo junto qualquer documento nem arrolado testemunhas.

 

Devidamente notificado para o efeito, o Requerente pronunciou-se sobre as exceções invocadas pela Requerida, pugnando pela sua não verificação e juntou procuração outorgada a favor da Senhora Advogada que subscreveu a resposta às exceções.

 

Por despacho de 17/10/2024, foi dispensada a realização da reunião arbitral. As partes prescindiram da apresentação de alegações escritas.

 

  1. SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária.

No que diz respeito ao vício de patrocínio alegado pela Requerida, o mesmo foi sanado pelo Requerente, com a junção posterior de procuração forense outorgada a favor da mandatária subscritora da resposta às exceções.

Note-se que, ao contrário do alegado pela Requerida, tal procuração não carecia de conter a ratificação do processado, o que apenas é aplicável quando o ato seja praticado por advogado sem os necessários poderes.

No caso dos autos, o ato foi praticado diretamente pela parte, não carecendo esta de ratificar os atos por si praticados.

Assim, não se verifica qualquer vício de patrocínio.

  1. QUESTÕES A DECIDIR:

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre:

  1. determinar se se verifica a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela AT;
  2. determinar se as liquidações impugnadas são ilegais, por não terem tido em consideração, para cálculo do mínimo de existência, o salário mínimo regional fixado para a Região Autónoma dos Açores.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO:
  1. Factos provados:

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

  1. Em 02/07/2023, o Requerente submeteu uma declaração de substituição de IRS relativo ao ano de 2020, corrigindo o valor total do rendimento de € 8.423,50 para € 9.508,08, o que deu origem à liquidação n.º 2023..., com o valor a pagar de € 193,07;
  2. Em 30/03/2022, o Requerente entregou a declaração de IRS referente ao ano de 2021, o que deu origem à liquidação n.º 2022..., com o valor a reembolsar de € 28,66;
  3. Em 02/07/2023, o Requerente submeteu uma declaração de substituição de IRS relativo ao ano de 2021, corrigindo o valor total de rendimento de € 8.632,02 para € 9.721,78, o que originou a liquidação n.º 2023..., com o valor a pagar de € 181,65;
  4. O valor total a pagar relativo ao exercício de 2021 ascendeu ao montante global de € 210,31 (€ 28,66 + € 181,65);
  5. Em 02/04/2023, o Requerente submeteu a declaração de IRS respeitante ao ano de 2022, que deu origem à liquidação n.º 2023... com o valor a pagar de € 26,71;
  6. Na mesma data, o Requerente entregou uma declaração de substituição de IRS referente ao ano de 2022, corrigindo o valor total de rendimento de € 10.217,77 para € 10.232,05 o que deu origem à liquidação n.º 2023..., com o valor a pagar de € 29,50, montante a que a AT, no acerto de contas, subtraiu o valor a pagar referido no ponto 5 anterior, originando, assim, um valor a pagar nulo;
  7. O Requerente pagou todas as liquidações emitidas, no valor global de € 430,09 (€ 193,07 + € 210,31 + € 26,71);
  8. As liquidações efetuadas não tiveram em consideração, para o cálculo do valor mínimo de existência, o salário mínimo regional da Região Autónoma dos Açores, aplicando aos rendimentos auferidos pelo Requerente o valor do salário mínimo nacional fixado para o Continente;
  9. O Requerente deduziu reclamação graciosa, requerendo a correção das liquidações efetuadas, por incorreta aplicação do artigo 70º do CIRS;
  10. A reclamação graciosa apresentada veio a ser indeferida, por ofício datado de 01/03/2024, endereçado para o domicílio do Requerente;
  11. O ofício a que se refere o número anterior foi recebido pelo filho do Requerente em 05/03/2024;
  12. Em 06/06/2024, o Requerente formulou junto do CAAD pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral.

 

  1. Factos não provados:

Com relevo para a decisão não se demonstrou que o Requerente apenas tenha tido conhecimento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada em 19/03/2024.

 

  1. Fundamentação da matéria de facto:

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental junta pelas partes, indicada relativamente a cada um dos pontos, e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

No que diz respeito ao facto não provado, o Requerente invocou apenas ter tido conhecimento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada em 19/03/2024, data em que esteve com o seu filho, que recebeu a respetiva notificação.

Conforme resulta do disposto no artigo 39º nº 3 do CPPT, havendo aviso de receção, a notificação considera-se efetuada na data em que ele for assinado e tem-se por efetuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

No caso dos autos, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada foi notificada por carta registada com aviso de receção, dirigida para o domicílio do Requerente, tendo o aviso sido assinado por terceiro – in casu, o filho do Requerente – presente no domicílio do Requerente, pelo que se presume que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (o Requerente).

Trata-se, porém, de presunção ilidível, cabendo ao Requerente o ónus de demonstrar que a notificação não lhe foi oportunamente entregue.

No caso dos autos, o Requerente limita-se a alegar que a notificação apenas lhe foi entregue em 19/03/2024, não juntando ou requerendo, no entanto, qualquer prova suscetível de demonstrar tal alegação.

Assim, à míngua de quaisquer elementos que permitam demonstrar o alegado pelo Requerente, não poderá ser considerada ilidida a presunção resultante do artigo 39º nº 3 do CPPT.

O que motivou a inclusão deste facto na matéria de facto não provada.

 

  1. DO DIREITO:
  1. Da exceção de caducidade do direito de ação invocada pela AT:

Invoca a AT a caducidade do direito de ação, para tanto sustentando que, atenta a data da notificação ao Requerente do despacho de indeferimento da reclamação graciosa (05/03/2024), à data em que o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral (06/06/2024), já havia decorrido o prazo de 90 dias previsto no artigo 10º nº 1 do RJAT.

O Requerente, em sede de pronúncia sobre as exceções, defende que apenas foi notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa em 19/03/2024 e que, ainda que se considerasse que a notificação ocorreu em 05/03/2024, o prazo de 3 meses para apresentação do pedido de pronúncia arbitral teria sido cumprido.

Conforme resulta da matéria de facto provada, resultou demonstrado que o Requerente foi notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa em 05/03/2024 e não em data posterior, como pretendido pelo Requerente.

Sendo certo que, conforme resulta de forma expressa do artigo 10º nº 1 a) do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos números 1 e 2 (entretanto revogado) do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.

Por seu turno, prescreve o artigo 102º nº 1 do CPPT:

“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.”

 

No caso dos autos, não resultam dúvidas de que o prazo para impugnar a decisão proferida é o prazo de 90 dias, previsto no artigo 10º nº 1 a) do RJAT e não o prazo de 3 meses previsto no artigo 102º nº 1 do CPPT e conta-se a partir da data da notificação efetuada ao Requerente do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, despacho esse que foi notificado ao Requerente por ofício datado de 01/03/2024 e por este recebido em 05/03/2024.

Pelo que o Requerente poderia impugnar o ato proferido até 03/06/2024.

Tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado apenas em 06/06/2024, é manifesta a sua extemporaneidade.

Sendo para o efeito irrelevante o alegado pelo Requerente quanto à diferença de fuso horário entre o Continente e a Região Autónoma dos Açores, já que, ainda que se entendesse dever ser considerado o fuso horário da Região Autónoma e não do Continente – o que não nos parece ser o caso -, ainda assim se verificaria a extemporaneidade do pedido, que teria dado entrada em 05/06/2024, data em que o prazo para a sua instauração já havia sido ultrapassado.

Pelo que procede a arguida exceção de caducidade do direito de ação do Requerente, ficando assim prejudicado o conhecimento da outra questão elencada.

 

  1. DISPOSITIVO:

Em face do exposto, decide-se:

  1. julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação arbitral e, por via disso,
  2. absolver a Requerida do pedido.

***

Fixa-se à causa o valor de € 430,09, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

***

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 306,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pelo Requerente, por ser a parte vencida.

 

Lisboa, 15 de novembro de 2024.

 

O Árbitro,

 

Alberto Amorim Pereira