Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 727/2024-T
Data da decisão: 2024-11-13  IRC  
Valor do pedido: € 111.397,86
Tema: IRC - Não Residente; Dividendos; Liberdade de Circulação de Capitais; Discriminação proibida.
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SUMÁRIO:

 

  1. A liberdade de circulação de capitais é estabelecida pelo artigo 63.º do TFUE como uma liberdade fundamental do mercado interno, dotada de relevância constitucional no âmbito do Direito da União Europeia, que impõe a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-membros.
  2. A liberdade de circulação de capitais goza da primazia normativa sobre o direito interno, cabendo aos poderes públicos legislativos e administrativos a tomada das medidas internas de transposição, execução e aplicação, consoante os casos, do direito primário e secundário relevante, de forma a assegurar a efectividade da livre circulação de capitais.
  3. As normas do n.º 1, parte final, e n.º 3 do artigo 22.º do EBF, interpretadas conjugadamente, ao estabelecerem um tratamento fiscal diferenciado para os OIC´S que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, em relação aos organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
  4. A retenção na fonte em IRC de 25% sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s estabelecidos noutros Estados Membros da União Europeia ou de países terceiros, simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal, é desconforme com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE que garante a liberdade de circulação.

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Os Árbitros José Poças Falcão, Magda Feliciano e Augusto Vieira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, acordam na seguinte

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português ..., com sede em..., ..., Frankfurt, Alemanha, ( (doravante Requerente) veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (daqui em diante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante “AT” ou “Requerida”), com vista à anulação da Decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada dos actos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2020 e 2021 identificados nos autos, no montante de €111.397,86 (cento e onze mil, trezentos e noventa e sete Euros e oitenta e seis cêntimos).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 5 de Junho de 2024 pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

O Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 13 de Agosto de 2024.

A Requerida, tendo sido notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, para apresentar a sua resposta, veio sustentar, em 30 de Setembro de 2024, a improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral e a manutenção na ordem jurídica dos actos tributários impugnados e a sua absolvição do pedido.

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

II.1 ARGUMENTOS DAS PARTES

  1. Os argumentos trazidos aos autos centram-se, fundamentalmente, na questão da conformidade da aplicação da taxa de retenção na fonte aplicável aos dividendos de fonte portuguesa distribuídos ao Requerente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
  2. O Requerente alega que os actos de retenção na fonte violam a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE com os fundamentos que a seguir se sintetizam:
  1. Considera o Requerente que os actos impugnados violam o decidido no Acórdão AlliaznGI Fonds- (AEVN, Proc. C-545/19), e 17.03.2022 e no Acórdão de Uniformização do STA, de 28.09.2023 (P.º 93/19.7BALSB), aplicável à situação do Requerente;
  2. No entender do Requerente,  os OIC´s não residentes são objecto de uma discriminação contrária ao TFUE, na medida em que o regime previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, é aplicável apenas aos OIC´s residentes em Portugal que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional – i.e. ao abrigo da Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que transpõe a Directiva 2009/65/CE –, não permitindo o Estado português que os OICVM não residentes, acedam a tal regime, ainda que demonstrem que cumprem no seu Estado de residência exigências equivalentes às contidas na lei portuguesa;
  3. Para efeitos de aferir se uma legislação como a que está em causa constitui uma restrição à liberdade de circulação de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE, urge responder às seguintes três perguntas: (i) A legislação interna prevê uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes? (ii) Essa diferença de tratamento é suscetível de estar abrangida pelo artigo 63.º do TFUE? (iii) A diferença de tratamento que resulta da legislação interna é suscetível de dissuadir as entidades residentes noutro EM de realizarem investimentos naquele outro EM – Portugal?
  4. Quanto à primeira questão, entende o Requerente que da matéria de facto e do acima exposto resulta inquestionável que existe uma diferença de tratamento conferida pela legislação fiscal portuguesa, entre os OIC residentes e os OIC não residentes, na tributação de dividendos de fonte portuguesa;
  5. Concretamente, esta diferença de tratamento consubstancia-se no diferente tratamento fiscal que é conferido aos rendimentos obtidos em Portugal por OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa – que estão isentos de imposto – e aos rendimentos obtidos em Portugal por OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa – que estão sujeitos a retenção na fonte liberatória de IRC a uma taxa de 25%;
  6. Isso mesmo foi confirmado pelo TJUE, no recente acórdão proferido no processo C-545/19, nos seguintes termos: “Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes” (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 38).
  7.  Ora, um tratamento desfavorável por um EM dos dividendos pagos a entidades não residentes face ao tratamento favorável reservado aos dividendos pagos às entidades aí residentes é inequivocamente susceptível de dissuadir as entidades não residentes de realizarem investimentos nesse EM e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre de circulação de capitais.
  8. No que respeita à comparabilidade das situações, enquanto critério na avaliação da conformidade de determinado normativo com o Direito da UE, cumpre clarificar, em linha com o que vem sendo professado pelo TJUE, que a partir do momento em que um EM estende a sua soberania tributária a contribuintes não residentes, sujeitando, de modo unilateral ou por via convencional, a imposto sobre o rendimento, não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente a dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos contribuintes não residentes é comparável à situação dos contribuintes residentes (v., neste sentido, acórdãos de 14 de dezembro, Denkavit International e Denkavit France, C-170/05, parágrafo 35; de 20 de outubro de 2011, Comissão/Alemanha, C-284/09, parágrafo 56, de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o., C-10/14, C-14/14 e C-17/14, parágrafo 67 e de 17 de março de 2022, AlliaznGI-Fonds AEVN, C-545/19);
  9. De facto, embora residentes e não residentes não estejam sempre numa situação comparável, são colocados nessa posição a partir do momento em que um EM opte por exercer o seu poder de tributação sobre ambos;
  10. Efectivamente, a comparabilidade é aferida apenas tendo em consideração a extensão ou não da soberania tributária de um Estado aos contribuintes residentes num outro Estado, sendo irrelevante a eventual incidência de outros impostos, taxas ou tributos incidentes sobre os investimentos efetuados pelos OIC;
  11. Termos em que, nas palavras do TJUE, apenas se pode concluir que “[t]endo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram-se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida)” (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 67).
  12. Ainda, no que respeita à justificação da existência de legislação interna restritiva, nomeadamente para assegurar a coerência do regime fiscal, entendeu o TJUE no referido processo AllianzGI-Fonds AEVN que haveria de averiguar se existia alguma vantagem fiscal suscetível de compensar o tratamento desfavorável concedido a determinados contribuintes.
  13. Segundo o TJUE, “a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C-338/11 a C-347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C-190/12, EU:C:2014:249, n.° 93)” (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 79);
  14. Assim, em conclusão: “[a] necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal”, que é em tudo idêntico ao caso dos presentes autos arbitrais (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 81);
  15. É entendimento pacífico e unânime que o Direito da UE prevalece sobre o direito ordinário nacional, quer esteja em causa legislação adotada anteriormente, quer estejam em causa atos legislativos, entre outros (neste sentido, v., entre outros, o acórdão de 14 de julho de 1964, Costa vs Enel, C-65/64 e, ainda, acórdão do STA de 03.02.2016, tirado no processo n.º 01172/14).
  16. Nestes termos, tendo o regime interno que impõe a aplicação de retenção na fonte a dividendos distribuídos a um OIC não residente – como o Requerente – (enquanto se prevê que os dividendos distribuídos a OIC residentes estão isentos dessa retenção) sido expressamente e sem reservas julgado incompatível com o Direito da UE no passado dia 17 de março de 2022, impõe-se a anulação dos atos de retenção na fonte sindicados, por força do princípio do primado consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

 

Por sua vez a AT defende, em suma, o seguinte:

 

  1. A situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas;

 

  1. No caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português;

 

  1. De acordo com o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito do Processo nº 0654/13, de 27 de Novembro referiu que “Resulta da jurisprudência comunitária que embora da legislação nacional decorra, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia (actual art. 63º TFUE), importa averiguar se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.”;

 

  1. Também não existe nos autos qualquer prova de que o Requerente tenha a mesma natureza que os OIC portugueses e que cumprem as exigências equivalentes às contidas na lei interna, para efeitos de eventual aplicação do regime de tributação do art.º 22.º do EBF;

 

  1. Optou-se por uma tributação na esfera do Imposto do Selo tendo sido aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) a Verba 29 de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos;

 

  1. Refira-se também que estas entidades estão sujeitas a tributação autónoma nos termos previstos no artigo 88.º do Código do IRC, conforme estipulado no n.º 8 do artigo 22.º do EBF;

 

  1. Ou seja, a sujeição a Imposto do Selo, a par da tributação autónoma prevista no artigo 88.º n.º 11 do CIRC (ex vi do artigo 22.º, n.º 8, do EBF), serão então a contrapartida da não sujeição a IRC dos lucros distribuídos, prevista no n.º 3 do artigo 22.º do EBF;

 

  1. Por isso, no presente caso, e com o devido respeito, não parece estarmos em presença de situações objectivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente;

 

  1. E ainda que, por mera hipótese, o Requerente não conseguisse recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado não possa vir a ser recuperado pelos investidores;

 

  1. No âmbito da apreciação da conformidade das normas do Código do IRC e do EBF, atinentes aos dividendos com o princípio da liberdade de circulação de capitais, o Requerente convoca o artigo 63.º do TFUE que estabelece o seguinte: “1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros” 2.”No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as retenções aos pagamentos entre Estados-Membros e países terceiros.”

 

  1. Por sua vez, prescreve o Artigo 65.º do TFUE:

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

  1. - (…)

As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º”.

 

  • Para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é susceptível de afectar o investimento em acções emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos;

 

  1. Além do mais, o imposto retido ao Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera do Requerente, bem como na esfera dos investidores;

 

  • A verdade é que o Requerente não esclareceu/provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera da próprio Requerente ou dos investidores.

 

  • Assim, contrariamente ao afirmado pelo Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objectivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente, antes, pelo contrário;

 

  1. Assim sendo, considera a AT que, à luz do disposto no artigo 348.º do Código Civil, segundo o qual àquele que invocar direito estrangeiro compete fazer prova da sua existência e conteúdo, O Requerente não fez prova da discriminação proibida, pelo que só se pode defender a improcedência do pedido, por falta de prova da impossibilidade de neutralização da discriminação contestada.

 

III – SANEAMENTO

  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
  2. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, e 5.º, n.º 3, alínea b), todos do RJAT.
  3. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
  4. O processo não padece de nulidades ou de quaisquer outros vícios que o invalidem, podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.

IV.1 QUESTÃO DECIDENDA

A questão decidenda consiste em determinar a conformidade das normas relevantes do Código do IRC e do EBF em vigor à data dos factos tributários relativas ao regime de tributação dos dividendos auferidos pelo OIC em presença com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE que garante a liberdade de circulação de capitais. Por outras palavras, em causa está saber se a retenção na fonte em IRC sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s estabelecidos noutros Estados Membros da União Europeia (in casu, na Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, ou não, o artigo 63.º do TFUE.

IV.2 MATÉRIA DE FACTO

IV.2.1 Factos provados

  1.  O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária.;
  2.  O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país (cfr. certificado de residência fiscal emitido pelas Autoridades Fiscais alemãs, que se junta como documento n.º 1);
  3. O Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal;
  4. Nos anos de 2020 e 2021, o Requerente era detentor de participações sociais na seguinte sociedade residente em Portugal: B... S.A;
  5. Os dividendos recebidos pelo Requerente em 2020 e 2021 foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, conforme a seguinte tabela descritiva:

 

Ano da Retenção

 

Valor Bruto do Dividendo

 

Data de Pagamento

 

Taxa de Retenção na Fonte

 

Guia de pagamento

 

 

Valor da

retenção (€)

2020

223 229,67

14.05.2020

25%

55 807,42

2021

222 361,75

26.04.2021

25%

55 590,44

TOTAL

111 397,86

 

  1. O Requerente suportou, em Portugal, nos anos de 2020 e 2021 a quantia total de imposto de €111.397,86 resultante das retenções na fonte acima identificadas;
  2. A 20 de Junho de 2022, o Requerente apresentou reclamação graciosa dos actos de retenção na fonte identificados nos autos, consubstanciados nas guias ... e ...;
  3. A 1 de Março de 2024, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, nos seguintes termos:
  1. Efetivamente, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pronunciou-se sobre tal exclusão, através do acórdão proferido no processo n.0 C--545/19 de 17 de março de 2022, do qual resulta que "o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção".

V.6. De notar que, o legislador prevê no n.º 10 do art. 22.º do EBF uma dispensa (e não uma isenção) da obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC, relativamente aos rendimentos obtidos pelos OIC constituído se que operem de acordo com a legislação nacional

V7. que, a interpretação do direito europeu constante das decisões jurisprudenciais é vinculativa para os órgãos jurisdicionais, mas não afastam a vigência legal das normas consideradas pelo TJUE como contrárias ao direito europeu.

V9. E, no que diz respeito aos OIC não residentes (que não disponham de um estabelecimento estável em território português), os mesmos não têm enquadramento na atual previsão do n.º 1 do art.º 22. º do EBF e, consequentemente, dos n.ºs 2, 3 e 10 da referida norma legal.

iv.1O. Na esteira do Acórdão do TJUE, no âmbito do n.0 1O do art.º 22.º do EBF, estão incluídos OIC constituídos nos demais Estados-membros e, por maioria de razão, os OIC constituídos nos demais Estados-Membros da EU e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado.

V.11. Pelo que, nos parece viável uma interpretação jurídica conforme ao direito europeu, segundo a qual no âmbito da dispensa de retenção, estarão incluídos os OIc·s não residentes e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado.

iV.12. Ora, no caso em apreço, conforme informado, o reclamante é não residente fiscal e não dispõe 1de estabelecimento estável em Portugal, pelo que, não se encontra enquadrado no n.º 1 do art.º 22.º do EBF.

V.13. Cumpre, ainda, referir que, por não se verificarem, in casu, os pressupostos do n.º 1 do artigo 43.0 da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatório.

  1. A 5 de Junho de 2024, o Requerente apresentou o pedido arbitral.

IV.2.2 Factos não provados

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

IV.2.3 Fundamentação da fixação da matéria de facto

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

IV.3 – MATÉRIA DE DIREITO

Com o presente processo cabe aferir a conformidade da retenção na fonte em IRC de 15% sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s estabelecidos num país da União Europeua (in casu, a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal, com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE que garante a liberdade de circulação de capitais.

IV.3.1. Da Liberdade de Circulação de Capitais

  1. Para o efeito, cumpre referir que o Requerente, na qualidade de OIC não residente, em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos, os quais foram sujeitos a tributação por retenção na fonte à taxa liberatória de 15% prevista no artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC e do artigo 10.º do ADT Portugal-USA;
  2. Ora, a liberdade de circulação de capitais é arvorada pelo artigo 63.º do TFUE como uma liberdade fundamental do mercado interno, dotada de relevância constitucional no âmbito do Direito da União Europeia, que impõe a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-membros;
  3. Enquanto liberdade fundamental, a liberdade de circulação de capitais goza da primazia normativa sobre o direito interno, cabendo aos poderes públicos legislativos e administrativos a tomada das medidas internas de transposição, execução e aplicação, consoante os casos, do direito primário e secundário relevante, de forma a assegurar a efectividade da livre circulação de capitais;
  4. Conforme tem sido entendido pelos Tribunais arbitrais constituídos no CAAD -  (Cfr. entre outros, Processo 215/2021, de 16.12.2021, Processo 368/2022, de 28.04.2022, Processo 661/2022, de 14.04.2023), por exemplo, no Processo n.º 528/2019-T, de 27.12.2019:

“36. Existem pelo menos quatro aspetos fundamentais de regime jurídico que se revestem de grande relevância hermenêutica e metódica, e que por esse motivo devem ser salientados. O primeiro diz respeito à aplicabilidade direta do artigo 63.º TFUE e da inerente proibição de restrições injustificadas da liberdade de circulação de capitais. O segundo refere-se ao facto de as liberdades fundamentais do mercado interno terem como principais destinatários os Estados Membros, que devem abster-se de adotar medidas legislativas, administrativas e jurisdicionais de restrição das mesmas. O terceiro aspeto prende-se com a relação de complementaridade – e por vezes de sobreposição – que a liberdade de circulação de capitais estabelece com as liberdades de circulação de mercadorias e de pessoas, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços. Um quarto ponto tem que ver com o reforço progressivo da importância da liberdade de circulação de capitais no mercado interno, especialmente a partir da criação da União Económica e Monetária (UEM). Um dos principais objetivos da UEM consiste, precisamente, em facilitar a livre transferência de capital entre os Estados-Membros no quadro do mercado interno e das relações económicas e financeiras com Estados terceiros. A criação de um mercado interno supõe, por definição, a gradual e efetiva abolição dos diferentes mercados nacionais, em favor de um único mercado interno, de forma a potenciar o crescimento económico à escala europeia através da mais fácil disponibilização de capital.

Âmbito normativo e tributação

37. O âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais do artigo 63.º do TFUE abrange vários domínios (v.g. movimento físico da moeda; investimento em propriedade imobiliária e títulos de crédito), sendo um deles, justamente, o do tratamento fiscal dos movimentos de capitais, que cai sob alçada da respetiva aplicabilidade direta. Embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados-Membros, a mesma deve ser exercida no respeito do direito da União Europeia, sem de qualquer discriminação em razão da nacionalidade ou da residência.

 

  1. Assim, resultando dos autos que o Requerente coloca em causa o direito à liberdade de circulação de capitais, no âmbito da distribuição de dividendos devidamente identificada, verifica-se que, a situação é de facto subsumível no âmbito daquele direito e liberdade.

IV.3.2. Da Comparabilidade

 

  1. Conforme resulta dos casos Focus Bank, ACT GLO, Denkavit, Amurta, Truck Center, Aberdeen Property, Comissão v. Países Baixos, Comissão v. Portugal, Santander Asset Management e Sofina SA, o TJUE tem entendido que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes – v.g. imputando aos investidores residentes um crédito de imposto e sujeitando as entidades não residentes a retenção de imposto sem imputação, retendo imposto sobre dividendos pagos a não residentes e não retendo no caso de dividendos pagos a residentes, configura, em princípio, uma violação da liberdade de circulação de capitais e nalguns casos também da liberdade de estabelecimento, pondo em causa o funcionamento do mercado interno.
  2. No caso dos autos está provado que, em 2020 e 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, que foram sujeitos a uma taxa efectiva de IRC de 15%;
  3. Resulta da legislação fiscal portuguesa, em especial do artigo 22.º, n.º 1, 3 e 10 do EBF que os dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC´S não residentes em Portugal não são sujeitos nem a retenção na fonte nem a tributação, em sede de IRC.
  4. Deste modo, à luz da jurisprudência europeia (por exemplo caso C-493/09, Comissão v. Portugal, 06.10.2011), não pode deixar de se entender que esta diferença de tratamento entre OIC´S residentes e não residentes tem por efeito dissuadir os OIC´S não residentes de investir em sociedades portuguesas.
  5. Nem vale o argumento da AT de que o crédito de imposto do Requerente possa ser transferido para os investidores proporcionalmente aos rendimentos distribuídos ou imputados anualmente, cumprindo assim um dos objectivos do regime de transparência fiscal que é o de assegurar a neutralidade na tributação dos rendimentos dos investimentos realizados diretamente pelos investidores ou por intermédio desse tipo de instrumentos financeiros, conquanto:
  6.  Está esclarecido pelo TJUE que quando um Estado-Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório ou não da referida regulamentação – Cfr. Casos C-338/11 a C-347/11, Santander Asset Management SGIIC SA, 10.05.2012
  7. Mais se tem entendido que a comparabilidade das situações – entre OIC´S Residentes e Não residentes relativamente a uma retenção na fonte de 25% sobre dividendos distribuídos a não residentes, reduzida a 15% por uma CDT, há-de ter em conta o exercício fiscal de distribuição dos dividendos para comparar a carga fiscal que incide sobre esses dividendos e a que incide sobre os dividendos distribuídos a uma sociedade residente – Cfr. Caso C-575/17, Sofina, Rebelco e Sidro, 22.11.2018;
  8.  À luz da jurisprudência europeia e nacional, a situação do Requerente e de um fundo de investimento com sede em Portugal é comparável, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objecto de uma dupla tributação económica ou de uma tributação em cadeia (v., neste sentido, acórdãos de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 62; Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, já referido, n.° 113; de 20 de outubro de 2011, Comissão/Alemanha, C-284/09, Colet., p. I-9879, n.° 56; e Santander Asset Management SGIIC;
  9. Mais se tem entendido, contrariamente ao defendido pela AT, que para efeitos de comparabilidade, não é relevante a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respectivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos respectivos investidores, já que do ponto de vista do Estado Membro os fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos estão sujeitos à respectiva tributação (Vide Acórdão do STA, n.º 7/2024, de 26.02.2024).
  10. Assim, não obstante o interesse que a tributação incidente sobre os investidores e não sobre os OIC´s possa ter, para efeitos de garantia da liberdade de circulação de capitais, em especial, para determinar se existe ou não discriminação em função da residência, a comparação tem de ser estabelecida entre OIC´S e não entre investidores individuais.
  11.  Decorre da Lei comunitária que as liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento requerem a igualdade de tratamento fiscal dos dividendos pagos a residentes e não residentes pelo Estado-Membro anfitrião, no caso de ambos estarem sujeitos a tributação de dividendos, como sucede no caso em análise.
  12. No caso de fundos de investimento residentes nos EUA (Alemanha?), de acordo com a CDT, o imposto retido na fonte, com carácter definitivo pode ser à taxa de 15%.
  13. O Requerente pode ter investidores estrangeiros, incluindo portugueses, e os fundos fiscalmente residentes em Portugal podem ter investidores estrangeiros, pelo que, o que deve relevar é o impacto directo que as normas tributárias têm na actividade dos fundos e não o efeito indirecto na situação fiscal dos investidores individualmente considerados.
  14.  Acresce que, o Requerente é o Fundo e não os investidores, sendo certo que a própria base legal portuguesa em análise (artigo 22.º do EBF) não estabelece nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC — residentes ou não residentes — e a situação fiscal dos seus detentores de participações.
  15. Esclareceu-se no Acórdão do TJUE, de 17 de Fevereiro de 2022, o seguinte:

53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a suamatéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54 Além disso, como salientou a advogada-geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C-252/14, EU:C:2016:402).

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas.”

  1. É, portanto, comparável a situação do Requerente, enquanto OIC não residente, com a situação dos fundos residentes, em Portugal, sendo a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório ou não da referida regulamentação.

IV.3.3. Da Discriminação Proibida

  1. Concluindo-se pela comparabilidade da situação do Requerente e de um OIC residente em Portugal importa agora saber se a discriminação efectuada pela Lei portuguesa pode ser justificada, à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, nomeadamente por se tratar de uma medida indispensável para impedir infracções às leis e regulamentos nacionais, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras
  2. Ora, o artigo 65.º alínea a) do TFUE prevê a possibilidade de os Estados-Membros aplicarem disposições pertinentes de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência ou ao lugar onde o capital é investido.
  3. No entanto, essa previsão deve ser atenuada pelo requisito do artigo 65.º, n.º 3, do mesmo Tratado, segundo o qual qualquer excepção não pode constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida pelo artigo 63.º do TFUE.
  4. Ora, é o Estado português que, no exercício da sua jurisdição fiscal, opta deliberadamente por diferenciar entre fundos residentes e fundos não residentes, isentando os primeiros da retenção de imposto sobre a distribuição de dividendos e sujeitando à mesma os segundos, colocando-os numa situação comparável, e em seguida tratando-os de forma diferente.
  5. Essa diferenciação não é justificável à luz da prevenção da evasão fiscal, não é necessária, podendo ser conferido o mesmo tratamento aos residentes e não residentes, sendo certo que existem alternativas de tributação menos restritivas potencialmente aplicáveis.
  6. Acresce que,  a garantia da coerência do sistema fiscal português também não pode ser invocada para justificar a diferenciação de regime da retenção, na medida em que a jurisprudência do TJUE exige uma ligação directa entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem através de uma imposição específica, situação que não se verifica necessariamente através da eventual sujeição dos OIC’s às taxas de tributação autónoma de IRC e da Verba 29 da Tabela Geral do Imposto Selo, sendo este um tributo de natureza e lógica patrimonial.
  7. Neste caso, está-se perante uma discriminação arbitrária, pois não se vislumbra qualquer fundamento para a fazer, sendo certo que é a AT que defende que um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um Fundo de Investimento constituído ao abrigo das normas de outro Estado, não estão em situações comparáveis para efeitos de averiguar se existe um tratamento discriminatório em termos fiscais e uma clara restrição à liberdade de circulação de capitais;
  8. Sucede que, actuando o Requerente segundo a legislação nacional, encontra-se, quanto à sua actividade geradora de tributação em IRC, em situação idêntica à das sociedades constituídas segundo o direito nacional.

 

  1. Como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 08.02.2017, proferido no processo n.º 0678/16, “para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral” se “aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação”.

 

  1. Não alega nem demonstra a AT no acto que fundamenta os actos de liquidação impugnados, isto é, a Decisão sobre a Reclamação Graciosa (RG) apresentada, que a não aplicação do regime do artigo 22.º do RGT se deve ao facto de ser possível ao Requerente neutralizar o efeito através da CDT entre Portugal e a Alemanha.

 

 

  1. Na verdade, a Decisão de indeferimento impugnada fundamenta a improcedência da RG na não aplicação do artigo 22.º, n.º 1 do EBF ao  Requerente, por falta de comparabilidade da situação do Requerente e de um residente em Portugal;

 

 

  1. De harmonia com o exposto, considera-se inadmissível a discriminação efectuada pela Lei portuguesa entre OIC´S residentes e não residentes, com base no artigo 22.º, n.º 1, do EBF na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia.

 

  1. Assim, tem de se concluir que os actos tributários sub judice enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

  1. Nestes termos, conforme resulta de tudo o exposto, verifica-se a desconformidade da aplicação da norma constante do artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC – da qual resultou uma retenção na fonte em IRC de 25% – sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal ao Requerente (OIC estabelecido na Alemanha), com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE que garante a liberdade de circulação de capitais.

 

  1. Os deveres resultantes do primado do direito da União Europeia vinculam todas as entidades públicas, incluindo toda a administração pública e os tribunais nacionais

 

  1. Porque, na sua actuação, a AT aplicou as normas jurídicas nacionais em vigor, a despeito de as mesmas violarem o direito da União Europeia tal como vem sendo interpretado pelo TJUE, sendo a primazia do direito da União Europeia relativamente ao direito nacional uma primazia de aplicação e não uma primazia de validade, cabe ao presente Tribunal arbitral desaplicar o direito nacional contrário ao direito da União Europeia, declarando a respectiva ilegalidade

 

  1. Julga-se, assim, procedente a pretensão do Requerente estando a AT obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio.

 

V – JUROS INDEMNIZATÓRIOS

  1. Nos termos do disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
  2. O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
  3. Este entendimento decorre do princípio da tutela jurisdicional efectiva e da correspondente ampliação dos poderes conformadores da jurisdição administrativa e tributária.
  4. Por isso, o Requerente tem o direito de ser reembolsado do imposto pago e juros indemnizatórios por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
  5. Tendo sido apresentada reclamação graciosa dos actos sub judice em 20.06.2022 e tendo em conta que a data do indeferimento expresso da reclamação graciosa ocorreu em 01.03.2024, será de aplicar a v.g. o decidido no acórdão do STA, P. 011/19.2BELRS, de 29-11-2023, cujo sumário refere o seguinte:

I - Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T., sendo que o indeferimento tácito de reclamação graciosa deduzida opera ao fim de quatro meses, prazo esse que é contínuo e se deve contar nos termos do artº.279, do C. Civil (cfr.artº.57, nºs.1 e 3, da L.G.T.; artºs.20, nº.1, e 106, do C.P.P.T.)..

II – In casu, tendo a reclamação graciosa dado entrada nos serviços da autoridade reclamada no dia 07.05.2015, nos termos da doutrina emanada daquele aresto do Pleno, temos que o indeferimento silente dessa pretensão se formou em 08.09.2015 (CC, art. 279.º., als. b) e c), ex vi LGT, art. 57.º, n.ºs 1 e 3).

III - Tal indeferimento silente, portanto, é anterior ao indeferimento expresso da pretensão de devolução à Reclamante das quantias pagas, acrescidas dos juros indemnizatórios devidos, o qual ocorreu por decisão proferida em 26.09.2018.

IV – Assim, relevando esse “indeferimento presumido” como termo inicial (dies a quo) da obrigação de contagem de juros indemnizatórios, quando ligada à existência do procedimento de reclamação graciosa, o dia a considerar para tal efeito é, precisamente, 08.09.2015, e não já o dia em que foi proferido o despacho de indeferimento, ou seja, 26.09.2018, como se julgou na sentença recorrida”.

 

  1. Pelo que porque do pedido de anulação dos actos de retenção na fonte foi apresentado em 20.06.2022 são devidos ao Requerente juros indemnizatórios desde 21.10.2022.

VI – DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

1) Anular os actos tributários de retenção na fonte, por violação da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE;

2) Condenar a Requerida à restituição da quantia de €111.397,86 relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos entre 2020 e 2021, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do Código do IRC e 22.º do EBF;

3)  Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios contados desde 21.10.2022, nos termos do artigo 43.º n.º 1 da LGT e artigo 61.º, n.º 5 do CPPT.

VII – VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €111.397,86, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

VIII – CUSTAS

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de €3.060,00, a cargo da Requerida, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

Lisboa, 13 de Novembro de 2024

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Falcão

(Presidente)

 

Magda Feliciano

(Árbitra Adjunta e Relatora)

 

 

Augusto Vieira

(Árbitro Adjunto)

 

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990)