Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 427/2024-T
Data da decisão: 2024-11-19  IRC  
Valor do pedido: € 28.500,00
Tema: IRC – Organismos de Investimento Coletivo Não Residentes – Retenção na Fonte – Violação do Direito da União Europeia –.
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SUMÁRIO:

 

O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra, Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído a 11.06.2024, decide o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
  1. A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português ..., com sede em ..., ... Frankfurt am Main, Alemanha (“o Requerente”), veio, em 25.03.2024, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”), com vista (1) à declaração de ilegalidade e anulação dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2020, bem como da decisão expressa de indeferimento da reclamação graciosa n.º ... 2022..., que teve como objeto os ditos atos, e (2) à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
  2. O Requerente juntou 5 (cinco) documentos.
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite a 27.03.2024 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
  4. O Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a ora signatária como árbitra do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do cargo no prazo aplicável.
  5. A 20.05.2024 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
  6. Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído a 11.06.2024.
  7. Por despacho proferido pelo Tribunal Arbitral a 11.06.2024 foi a Requerida notificada para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo (“PA”) e, querendo, requerer a produção de prova adicional. 
  8. No dia 02.09.2024, a Requerida apresentou a sua resposta – na qual se defendeu por impugnação –, e juntou aos autos o PA.
  9. Em 03.09.2024, o Tribunal Arbitral proferiu despacho, no qual: (i) dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT; (ii) notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, no prazo simultâneo de 15 (quinze) dias; (iii) notificou o Requerente para, em idêntico prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente e à junção aos autos do respetivo comprovativo e; (iv) indicou o prazo para proferir a decisão final arbitral.
  10. Em 25.09.2024, o Requerente apresentou alegações finais escritas, tendo, em 26.09.2024, junto o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.  
  11. A Requerida não apresentou alegações finais escritas.

I.1. ARGUMENTOS DAS PARTES

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de retenção na fonte de IRC aqui em crise, invoca o Requerente, de entre o mais, o seguinte:
  1.  Em primeiro lugar e com enorme relevância para a discussão da questão material ora controvertida, importa referir que em sede de outro processo arbitral que correu termos junto deste centro de arbitragem (processo n.º 93/2019-T), foi decidido o reenvio de questões prejudiciais para análise do TJUE, em tudo idênticas às que se colocam nos presentes autos, tendo o processo corrido termos junto do TJUE sob o n.º C-545/19;
  2. De forma perentória e inequívoca, o TJUE declarou que: “O artigo 63.º TFUE (relativo à circulação de capitais) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força do qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”;
  3. Significa isto que o regime previsto nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4, todos do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25% (enquanto se prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes) não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais, tal como resulta expresso e inequívoco da decisão do TJUE;
  4. E, nessa medida, deve o regime que resulta daqueles normativos ser afastado, por força do princípio do primado, consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP sendo, assim, forçoso concluir que não podem manter-se os atos tributários de retenção na fonte ora sindicados, porque manifestamente ilegais;
  5. Neste sentido vinham os tribunais arbitrais emitindo pronúncia de forma uniforme, designadamente, nos processos n.ºs 528/2019-T, 548/2019-T, 11/2020-T, 68/2020, 926/2019-T, 922/2019-T, 31/2021-T. O mesmo entendimento tem sido seguido pelos tribunais arbitrais em todos os processos que se encontravam suspensos a aguardar o veredito do TJUE no processo acima identificado e cuja suspensão foi, entretanto, levantada;
  6. Não obstante o referido, e para efeitos de aferir se uma legislação como a que está em causa constitui uma restrição à liberdade de circulação de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE, urge responder às seguintes três perguntas: (i) A legislação interna prevê uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes? (ii) Essa diferença de tratamento é suscetível de estar abrangida pelo artigo 63.º do TFUE? (iii) A diferença de tratamento que resulta da legislação interna é suscetível de dissuadir as entidades residentes noutro EM de realizarem investimentos naquele outro EM – Portugal?; 
  7. Resulta inquestionável que da matéria de facto provada e do acima exposto existe uma diferença de tratamento conferida pela legislação fiscal portuguesa, entre os OIC residentes e os OIC não residentes, na tributação de dividendos de fonte portuguesa. Esta diferença de tratamento consubstancia-se no diferente tratamento fiscal que é conferido aos rendimentos obtidos em Portugal por OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa – que estão isentos de imposto – e aos rendimentos obtidos em Portugal por OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa – que estão sujeitos a retenção na fonte liberatória de IRC a uma taxa de 25%;
  8. Um tratamento desfavorável por um EM dos dividendos pagos a entidades não residentes face ao tratamento favorável reservado aos dividendos pagos às entidades aí residentes é inequivocamente suscetível de dissuadir as entidades não residentes de realizarem investimentos nesse EM e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º do TFUE;
  9. Acresce que para aferir de uma desconformidade entre o artigo 22.º do EBF e as normas de Direito da UE, não releva a possibilidade de recuperação do imposto por parte dos investidores, até porque a norma legislativa em análise é de aplicação imediata e independente face à posição ou estatuto fiscal de tais investidores;
  10. A discriminação existe, no caso concreto, apenas na esfera jurídica do Requerente, uma vez que este está sujeito a retenção na fonte, ao passo que os OIC residentes em Portugal não estão sujeitos a tal. A análise feita acerca do modo como os proveitos gerados pelo OIC são distribuídos aos seus investidores é irrelevante, dado que no presente caso tratamos apenas de retenção na fonte aplicada a dividendos distribuídos ao próprio OIC pelas entidades nas quais este participa (e nunca de proveitos distribuídos aos investidores);
  11. Por outro lado, cumpre clarificar, em linha com o que vem sendo professado pelo TJUE, que a partir do momento em que um EM estende a sua soberania tributária a contribuintes não residentes, sujeitando, de modo unilateral ou por via convencional, a imposto sobre o rendimento, não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente a dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos contribuintes não residentes é comparável à situação dos contribuintes residentes;
  12. Embora residentes e não residentes não estejam sempre numa situação comparável, são colocados nessa posição a partir do momento em que um EM opte por exercer o seu poder de tributação sobre ambos;
  13. Para efeitos da análise da comparabilidade da tributação sobre o rendimento, é irrelevante a especulação abstrata sobre a eventual incidência de outros impostos, taxas ou tributos incidentes sobre os investimentos efetuados pelos OIC. Com efeito, a comparabilidade é aferida apenas tendo em consideração a extensão ou não da soberania tributária de um Estado aos contribuintes residentes num outro Estado;
  14. Por fim, “[a] necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal”, que é em tudo idêntico ao caso dos presentes autos arbitrais (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 81).
  15. Face ao exposto, tendo o regime interno que impõe a aplicação de retenção na fonte a dividendos distribuídos a um OIC não residente – como o Requerente – (enquanto se prevê que os dividendos distribuídos a OIC residentes estão isentos dessa retenção) sido expressamente e sem reservas julgado incompatível com o Direito da UE, impõe-se a anulação dos atos de retenção na fonte sindicados, por força do princípio do primado consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, com todas as consequências legais, designadamente a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT.
  1. Por sua vez, a AT contra-argumenta com base nos seguintes fundamentos:
  1. A AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia aplicar de forma direta e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão;
  2.   O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis;
  3. Assim, não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF – esteja em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE;
  4. Por conseguinte, a retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos à Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação, devendo ser mantida na ordem jurídica;
  5. Acrescente-se que, admitindo-se a comparabilidade das situações dos OIC residentes e não residentes, entende-se, porém, seguindo a doutrina expendida no Acórdão proferido no proc. 1435/12 STA de 9.07.2014, que o tratamento diferenciado entre residentes e não residentes não constitui em si mesmo qualquer discriminação proibida pelo n.º 1 do artigo 63.º do TFUE;
  6.  Na verdade, seguindo-se o entendimento expresso no Acórdão do STA, proc. 19/10.3BELRS, de 07-05, “Para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, a recorrida teria que demonstrar que suportara uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou. Neste sentido, vide o Acórdão Gerritse, de 12 de junho de 2003, (Processo C-234/01). É de sublinhar que estando perante matéria de direito, como entendido pela sentença proferida pelo Tribunal a quo, cabia à impugnante ter demonstrado a existência dos factos constitutivos dos direitos, prova a fazer por quem os invoca, tal como o que se encontra firmado no ordenamento fiscal português, no art.º 74.º da LGT e 342.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável às relações jurídico-tributárias. Não o tendo feiro, não é possível invocar de modo assertivo o carater discriminatório da norma em discussão.”;
  7. No caso sub judice, em face da matéria de facto e dos documentos juntos aos autos entende-se que a Requerente não fez prova da discriminação proibida;
  8. Assim sendo, considerando-se que, à luz do disposto no artigo 348.º do Código Civil, segundo o qual àquele que invocar direito estrangeiro compete fazer prova da sua existência e conteúdo, a Requerente não fez prova da discriminação proibida, pelo que só se pode defender a improcedência do pedido, por falta de prova da impossibilidade de neutralização da discriminação contestada.
  9. Por todo o exposto, devem ser mantidas as retenções na fonte ora impugnadas, devendo-se concluir pela improcedência do PPA.  
  1. SANEAMENTO
  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
  2. As partes gozam de personalidade, capacidade judiciária, legitimidade processual e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  3. Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se. O processo não enferma de nulidades. Inexiste, deste modo, quaisquer obstáculos à apreciação do mérito da causa.

III. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

  1. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
  1. O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente, um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual não societária.
  2. O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscal, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país (Cfr. Documento n.º 1 junto ao PPA).
  3. No ano de 2020, o Requerente era detentor de participações sociais na seguinte sociedade residente em Portugal: “B... S.A” (Cfr. Documentos n.º s 2 e 3 juntos ao PPA).
  4. No referido ano, o Requerente, na qualidade de acionista desta sociedade residente em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da Fonte de obtenção dos mesmos (Cfr. Documentos n.º s 2 e 3 juntos ao PPA).
  5. Os dividendos recebidos no decorrer do ano de 2020, foram sujeitos por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no n.º 4, do artigo 87.º, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”).
  6. No ano em causa – 2020 –, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, no montante abaixo discriminado:

Ano da Retenção

Valor Bruto do Dividendo

Data de Pagamento

Taxa de Retenção na Fonte

Guia de pagamento

Valor da retenção (€)

2020

114 000,00

14.05.2020

25%

...

28 500,00

TOTAL

28 500,00

 

(Cfr. Documentos n.º s 2 e 3 juntos ao PPA).

  1. No dia 17.06.2022, o Requerente apresentou reclamação graciosa (autuada com o n.º ...2022...), para apreciação da legalidade dos ditos atos de retenção na fonte de IRC, relativos ao ano de 2020, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da União Europeia, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal (Cfr. Documento n.º 4 junto ao PPA).
  2. Em 28.12.2023, foi o Requerente notificado da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa, fundada no entendimento de que “(...) não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável” (Cfr. § 18 do Documento n.º 5 junto ao PPA).
  3. O Requerente apresentou o PPA que deu origem ao presente processo arbitral, em 25.03.2024 (Cfr. Sistema informático do CAAD).

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

  1. Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

  1. Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante “CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
  2. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
  3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1.  O Tribunal arbitral considera provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados e dados como assentes, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

  1. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

  1. O tema decidendum no presente processo arbitral prende-se, pois, em determinar se a legislação portuguesa (na redação em vigor à data dos factos tributários), ao excluir de tributação os dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal a um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), que se constitua e opere de acordo com a legislação nacional e, por isso, residente em território nacional, mas sujeitando a retenção na fonte (em sede de IRC), os dividendos distribuídos por essa mesma sociedade a um OIC que não tenha sido constituído nem opere de acordo com a legislação nacional, e por isso não residentes em Portugal, configura uma violação à livre circulação de capitais, consagrada pelo artigo 63.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).

Vejamos,

  1. Em Portugal, e à data dos factos tributários aqui em crise, os OIC eram regulados pelo Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo (“RJOIC”), aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro[1] – que transpôs parcialmente para a ordem jurídica a Diretiva n.º 2011/61/UE, do Parlamento e do Conselho de 8 de junho de 2011 e a Diretiva n.º 2013/14/UE, tendo em 01.07.2015 entrado em vigor o novo regime de tributação dos OIC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro –.  
  2. De acordo com o artigo 22.º, n.º s 1 e 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), na redação em vigor à data dos factos, “(...) os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (...)” são tributados em IRC, correspondendo o lucro tributável ao “(...) resultado líquido do exercício apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis (...)”.
  3. Dispõe o n.º 3, do aludido preceito normativo que “para efeitos do lucro tributável não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime claramente mais favorável (..)” (negrito e sublinhado nosso).
  4. Resulta da leitura do citado artigo – 22.º, do EBF –, que o regime aí previsto –, designadamente, a exclusão de tributação dos rendimentos previstos no n.º 3 (rendimentos de capitais, rendimentos prediais e mais-valias), só é aplicável quando auferidos por fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
  5. Volvendo ao caso dos autos, o Requerente é constituído ao abrigo da lei alemã e não da lei nacional e, por isso, o artigo 22.º, do EBF, afasta a aplicação daquele regime ao Sujeito Passivo.
  6. E, é, exatamente, quanto a esta questão que se insurge o Requerente, porquanto, defende, em síntese, que do regime que se prevê no artigo 22.º, do EBF, resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes em relação aos residentes, que é incompatível com o artigo 63.º, do TFUE, que estipula o seguinte:

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

  1. Todavia, o artigo 65.º, do TFUE limita a aplicação deste princípio, estatuindo o seguinte:

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

  1.  Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
  2. Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.º s 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.         

  1. Ora, a questão da compatibilidade (ou não) do regime estabelecido no artigo 22.º, do EBF, com o Direito da União Europeia, nomeadamente, o artigo 63.º, do TFUE, não é nova, tendo sido apreciada no Acórdão do TJUE de 17.03.2022, proferido no processo n.º C-545/19 (AllianzGL-Fonds AEVN), o qual versou sobre uma situação factual idêntica à dos presentes autos, suscitada pelo Tribunal Arbitral (processo n.º 93/2019-T), no mesmo enquadramento legislativo, em que se concluiu que:

O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

  1. Para além de que o TJUE refuta especificadamente as objeções do Governo Português, as quais coincidem, no essencial, com os fundamentos invocados pela AT na sua resposta. Veja-se, a título de exemplo:

37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado-Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável aos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º s 44, 45 e jurisprudência referida).

(...)

49 Resulta da jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita a imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha-se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C-575/17, EU:C:2018:943, n.º 47 e jurisprudência referida).

(...)

52 (...), a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C-342/10, EU:C:2012:688, n.º 44 e jurisprudência referida).  

53 (...), importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

(...)

55 (...), mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

(...)

65 (...), a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha-se à das sociedades residentes.

(...)

67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram-se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 56 e jurisprudência referida).

(...)

71(...), há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

(...)

74 (...), há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

(...)

78 (...), há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C-338/11 a C-347/11, EU:C:2012:286, n.º 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C-375/12, EU:C:2014:138, n.º 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o beneficio fiscal em causa e a compensação desse beneficio por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C-342/10, EU:C:2012:688, n.º 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plano f British Columbia, C-641/17, EU:C:2019:960, n.º 87).

79 (...), no presente processo, (...), a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C338/11 a C-347/11, EU:C:2012:286, n.º 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C-190/12, EU:C:2014:249, n.º 93).   

81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

(...)

  1. Dito isto, conforme tem sido pacificamente entendido e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º, do TFUE, a jurisprudência do TJUE tem caráter vinculativo para os Tribunais Nacionais, quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia[2].
  2. A supremacia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4, do artigo 8.º, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), em que se prevê que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanada das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
  3. Note-se, ainda, que o Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência sobre esta matéria em obediência ao decidido pelo TJUE (Acórdão de 28.09.2023, processo n.º 093/19).
  4. Face a todo o exposto, considera-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º, do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário constituídas segundo a legislação nacional, excluindo os(as) constituídos(as) segundo legislações de outros Estados-Membros e Países Terceiros.
  5. Desta feita, conclui-se que os atos de retenção na fonte aqui sindicados enfermam de vício de violação de lei, devendo os mesmos ser anulados.

***

  1. Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões submetidas à apreciação deste Tribunal, ao abrigo da proibição da prática de atos no processo inúteis e desnecessários, prevista no artigo 130.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

IV.1 DO DIREITO AO REEMBOLSO DO IMPOSTO PAGO E A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

  1. Peticiona, ainda, o Requerente que lhe seja reconhecido o direito ao reembolso do imposto indevidamente pago e a juros indemnizatórios.
  2. Determina a alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º, do RJAT, que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários”, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” (Cfr. n.º 5, do artigo 24.º, do RJAT).
  3. De igual modo, o n.º 1, do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (“LGT”), aplicável ao processo arbitral tributário, por força do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
  4. O restabelecimento da situação que existiria se os atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral não enfermassem de ilegalidade, obriga, por um lado, à restituição do imposto pago indevidamente pelo Requerente, no valor total de €28.500,00 (vinte e oito mil e quinhentos euros), e, por outro lado, ao pagamento de juros indemnizatórios.
  5. O TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do Direito da União tem como consequência não só o direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo Acórdão de 18.04.2013, processo n.º C-565/11, em que se refere:

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.º s 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jullich e o., C-113/10 e C-234/10, n.º 65).

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdão, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jullich e o., n.º 66).

23 A este respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v. neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).” 

  1. O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, cujo n.º 1 estabelece que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
  2. Conforme refere a Decisão Arbitral n.º 737/2024-T, de 03.10.2024: “(...) não sendo os erros que afetam as retenções na fonte imputáveis ao Requerente, eles são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira. O facto de se tratar de atos de retenção na fonte, não praticados diretamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não afasta essa imputabilidade, pois, a ilegalidade da retenção na fonte, quando não é baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim aos “serviços”, devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Tributária na liquidação e cobrança do imposto.
  3. Face ao exposto, deverá proceder o pedido do Requerente, i.e., ser-lhe reconhecido o direito a juros indemnizatórios e condenar a AT ao reembolso do imposto indevidamente pago, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, da LGT e artigo 61.º, do CPPT.

V. DECISÃO

 Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

  1. Declarar ilegal e anular os atos tributários de retenção na fonte de IRC aqui impugnados, relativos ao ano de 2020, suportados na Guia de pagamento n.º..., no valor de €28.500,00 (vinte e oito mil e quinhentos euros); 
  2. Declarar ilegal e anular a decisão expressa de indeferimento da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2022...;
  3. Condenar a AT a reembolsar aos Requerentes o montante de €28.500,00 (vinte e oito mil e quinhentos euros) e ao pagamento de juros indemnizatórios sobre esse valor, contados desde 18.10.2022 (dia seguinte à presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa) até à data do processamento do reembolso (nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT). 

VI. VALOR DA CAUSA

Fixa-se ao processo o valor de €28.500,00 (vinte e oito mil e quinhentos euros), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VII. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.]

 

Lisboa, 19 de novembro de 2024

A Árbitra,

 

Susana Mercês de Carvalho



[1] A qual foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 27/2023 de 28 de Abril – “Regime da Gestão de Ativos” –.

[2] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25.10.2000, processo n.º 25128; de 07.11.2001, processo n.º 26432; de 07.11.2001, processo n.º 26404.