Decisão Arbitral
I - RELATÓRIO
I.1. Em 7 de Março de 2014, M…, contribuinte n.º…, residente na Rua …n.º … (de ora em diante a “Requerente”), requereu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a constituição de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, alínea c), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”).
I.2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e, em 11 de Março de 2014, foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”).
I.3. Nos termos dos artigos 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do presente tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação no prazo legalmente previsto. Em 28 de Abril de 2014 foram as partes notificadas dessa decisão, não tendo manifestado vontade de a recusar.
I.4. O Tribunal ficou, assim, constituído em 14 de Maio de 2014, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, que se encontra junta aos autos.
I.5. No dia 3 de Julho de 2014, decorreu na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, a primeira reunião do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada acta da mesma, que se encontra junta aos autos.
I.6. Nessa reunião o Tribunal deferiu a junção aos autos dos documentos mencionados no artigo 80.º do pedido de pronúncia arbitral, que a Requerente havia protestado juntar. A Requerente comunicou também prescindir da apresentação de alegações escritas. No mesmo sentido já se havia pronunciado a Requerida, através de requerimento escrito. O Tribunal fixou o prazo para a prolacção da decisão final até 30 de Setembro de 2014, que seria posteriormente prorrogado, ao abrigo do disposto no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT.
I.7. A Requerente peticiona:
a) A declaração da ilegalidade e respectiva anulação, com todas as consequências legais, nomeadamente a restituição do montante de imposto pago indevidamente, das liquidações de Imposto do Selo n.º 2013…, no valor de € 799,30, n.º 2013…, no valor de € 799,30, n.º 2013…, no valor de € 660,10, n.º 2013…, no valor de € 660,10, n.º 2013…, no valor de € 660,10, n.º 2013…, no valor de € 660,10, n.º 2013…, no valor de € 660,10, n.º 2013…, no valor de € 660,10, n.º 2013…, no valor de € 799,30, n.º 2013…, no valor de € 799,30, n.º 2013…, no valor de € 660,10, n.º 2013…, no valor de € 660,10, n.º 2013…, no valor de € 660,10, n.º 2013…, no valor de € 660,10, n.º 2013…, no valor de € 660,10, n.º 2013…, no valor de € 660,10, todas datadas de 14 de Julho de 2013, perfazendo um valor global de € 11.484,52, efectuadas ao abrigo do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).
b) A condenação da Requerida AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 61.º do CPPT, calculados desde a data do pagamento até ao reembolso do montante indevidamente pago.
I.8. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
I.8.1. A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial da União das Freguesias de …, concelho do Porto, sob o artigo …, em regime de propriedade total, também designada vertical.
I.8.2. O referido prédio é constituído por 5 pisos, a que correspondem 17 partes susceptíveis de utilização independente, destinadas a habitação e comércio.
I.8.3. A AT sujeitou o prédio ao imposto do selo previsto na verba 28.1 da TGIS, com base no valor patrimonial tributário (VPT) global de todas as divisões destinadas a habitação, as quais ascendem, no conjunto, a € 1.111.848,00.
I.8.4. Tal entendimento é manifestamente ilegal e inconstitucional, por violação dos princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade, consignados nos artigos 262.º, n.º 2, 13.º e 104.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.
I.8.5. A sujeição a imposto do selo nos termos da verba 28.1 da TGIS é determinada pela conjugação de dois factos: a afectação, exclusivamente, habitacional do prédio e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000,00.
I.8.6. Ora, uma vez que estamos perante um prédio composto por várias divisões com utilização independente, a sujeição a imposto do selo tem de ser determinada não pelo VPT da totalidade do prédio, mas sim pelo VPT atribuído a cada uma dessas divisões.
I.9. Na sua Resposta a AT, invocou, em síntese, o seguinte:
I.9.1. A situação do prédio da Requerente subsume-se, linearmente, o que quer dizer, literalmente, na previsão da verba 28.1. da TGIS.
I.9.2. A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente, não sendo estas, pois, juridicamente distintas, susceptíveis de equiparação a frações autónomas em regime de propriedade horizontal.
I.9.3. Não vinga, assim, a pretensão de aplicação ao caso sub judice, por analogia, do regime da propriedade horizontal, considerando-se que cada uma das frações susceptíveis de utilização independente constitua um prédio.
I.9.4. O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta a aplicação da verba 28.1. da TGIS ao imóvel como um todo.
I.9.5. O facto determinante da aplicação dessa verba da TGIS é o valor patrimonial total do prédio e não, separadamente, o de cada uma das suas parcelas.
I.9.6. O facto tributário do imposto do selo da verba 28.1., ao consistir na propriedade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00, implica que o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto aí previsto seja o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente.
I.9.7. Tal interpretação da referida norma de incidência do imposto do selo extrai-se da conjugação com o artigo 1.º do CIMI, segundo a qual o IMI incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos, e, também com o disposto nos artigos 2.º, 4.º e 6.º do referido Código.
I.9.8. Outra interpretação violaria a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, previsto no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
II. SANEAMENTO
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.
III. MATÉRIA DE FACTO
III.1. Factos provados
III.1.1. A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial da União das Freguesias …, concelho do Porto, sob o artigo …, em regime de propriedade total, também designada vertical.
III.1.2. A Requerente foi notificada das liquidações de imposto do selo (prestação única), datadas de 14 de Julho de 2013, infra descritas, correspondentes às divisões independentes que integram o prédio urbano sito na União de Freguesias de …, com o artigo matricial …, a saber:
1) N.º 2013…, no valor de € 799,30, correspondente à divisão independente, identificada sob U-…, com o VPT de € 79.930,00;
2) N.º 2013…, no valor de € 799,30, correspondente à divisão independente, identificada sob U-…, com o VPT de € 79.930,00;
3) N.º 2013…, no valor de € 660,10, correspondente à divisão independente, identificada sob U-…, com o VPT de € 66.010,00;
4) N.º 2013…, no valor de € 660,10, correspondente à divisão independente, identificada sob U-…, com o VPT de € 66.010,00;
5) N.º 2013…, no valor de € 660,10, correspondente à divisão independente, identificada sob U-…, com o VPT de € 66.010,00;
6) N.º 2013…, no valor de € 660,10, correspondente à divisão independente, identificada sob U-…, com o VPT de € 66.010,00;
7) N.º 2013…, no valor de € 660,10, correspondente à divisão independente, identificada sob U-…, com o VPT de € 66.010,00;
8) N.º 2013…, no valor de € 660,10, correspondente à divisão independente, identificada sob U-…, com o VPT de € 66.010,00;
9) N.º 2013…, no valor de € 799,30, correspondente à divisão independente, identificada sob U-…, com o VPT de € 79.930,00;
10) N.º 2013…, no valor de € 799,30, correspondente à divisão independente, identificada sob U-…, com o VPT de € 79.930,00;
11) N.º 2013…, no valor de € 660,10, correspondente à divisão independente, identificada sob U-…, com o VPT de € 66.010,00;
12) N.º 2013…, no valor de € 660,10, correspondente à divisão independente, identificada sob U-…, com o VPT de € 66.010,00;
13) N.º 2013…, no valor de € 660,10, correspondente à divisão independente, identificada sob U-…, com o VPT de € 66.010,00;
14) N.º 2013…, no valor de € 660,10, correspondente à divisão independente, identificada sob U-…, com o VPT de € 66.010,00;
15) N.º 2013…, no valor de € 660,10, correspondente à divisão independente, identificada sob U-…, com o VPT de € 66.010,00;
16) N.º 2013…, no valor de € 660,10, correspondente à divisão independente, identificada sob U-…, com o VPT de € 66.010,00.
III.1.3. A Requerente apresentou reclamações graciosas individuais requerendo a anulação das liquidações, as quais, através de análise e decisão conjunta, foram indeferidas.
III.1.4. No âmbito dos processos executivos n.ºs …2013…, …2013…, …2013…, …2013…, …2013…, …2013…, …2013…, …2013…, …2013…, …2013…; …2013…, …2013…, …2013…, …2013…, …2013… e …2013…, a Requerente foi notificada de cobrança coerciva das notas de liquidação supra referidas, no montante global de € 11.484,52;
III.1.5. O prédio em causa nos autos encontra-se descrito na matriz como propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, composto por 5 pavimentos e logradouro, destinado a comércio e habitação, e 17 divisões com utilização independente, cujo VPT total ascende a € 1.343.570,00.
III.1.6. O prédio, apesar de constituído por vários andares e divisões com utilização independente, não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal.
III.1.7. O VPT de cada divisão independente foi determinado separadamente nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do CIMI.
III.1.8. O VPT atribuído a cada divisão e a sua afectação são os seguintes:
Divisão VTP Afetação
285 CV
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213.730,00
|
Estacionamento coberto e fechado
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295 RD
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79.930,00
|
Habitação
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295 RE
|
79.930,00
|
Habitação
|
2951 D
|
66.010,00
|
Habitação
|
2951 E
|
66.010,00
|
Habitação
|
2952 D
|
66.010,00
|
Habitação
|
2952 E
|
66.010,00
|
Habitação
|
2953 D
|
79.930,00
|
Habitação
|
2953 E
|
66.010,00
|
Habitação
|
319 DR
|
79.930,00
|
Habitação
|
319 RE
|
79.930,00
|
Habitação
|
3191 D
|
66.010,00
|
Habitação
|
3191 E
|
66.010,00
|
Habitação
|
3192 D
|
66.010,00
|
Habitação
|
3192 E
|
66.010,00
|
Habitação
|
3193 D
|
66.010,00
|
Habitação
|
3193 E
|
66.010,00
|
Habitação
|
III.2. Motivação da matéria de facto considerada provada
Os factos dados como provados resultam de matéria não contestada e demonstrada pelos documentos juntos aos autos, bem como dos elementos do processo administrativo junto pela Requerida.
III.3. Factos alegados não provados e sua motivação
Não se considera provado o pagamento do imposto liquidado nas liquidações objecto de impugnação. Com efeito, a Requerente alega no artigo 80.º do seu pedido de pronúncia arbitral que realizou tal pagamento, “conforme documento que se protesta juntar”. Tais documentos foram juntos aquando da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foram notificados à AT. Todavia, analisados os mesmos, não é possível concluir que provam os pagamentos em questão, pois as referências do multibanco deles constantes não coincidem com as que constam das notas de liquidação de cobrança coerciva (Docs. 19 a 34).
IV. MATÉRIA DE DIREITO
IV.1. A questão objecto dos presentes autos resume-se a saber se, nos prédios em propriedade total, também dita propriedade vertical, para efeitos do imposto do selo previsto na verba 28.1. da TGIS, o valor patrimonial tributário a que se deve atender é o de cada uma das divisões independentes ou o do respectivo somatório.
IV.2. Trata-se de matéria que tem sido objecto de abundante e constante jurisprudência arbitral no âmbito do CAAD, estabelecida no sentido de que, nas referidas circunstâncias, é ilegal a consideração agregada dos valores patrimoniais tributários das divisões independentes para efeito da sujeição do imóvel a imposto do selo nos termos da verba 28.1. da TGIS. Neste sentido, vejam-se, entre outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 50/2013 – T, 132/2013 – T, 181/2013 – T, 183/2013 – T, 185/2013 – T, 248/2013 – T, 88/2014 – T e 177/2014 – T.
IV.3. E não se vislumbram quaisquer motivos para não seguir tal jurisprudência. Bem pelo contrário, cremos que a mesma é inteiramente correcta.
IV.4. Desde logo, tal entendimento é o que se impõe por razões de coerência e unidade do sistema jurídico.
IV.5. Com efeito, considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respetivo IMI liquidado individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência da verba 28.1. da TGIS tem de ser o mesmo.
IV.6. Aliás, como bem anota a Requerente, a AT ao retirar do total do valor patrimonial tributário do prédio as divisões que não se destinam à habitação, incorre em contradição com a sua própria tese, pois acaba por admitir que o prédio é tributado não como um todo, mas por partes.
IV.7. Além disso, as razões de política económica e social que determinaram, em 2010, a criação da verba 28.1. são claramente contraditórias com o entendimento que a AT propugna, como a Requerente bem demonstra nos artigos 41.º a 50.º do seu pedido de pronúncia, concorrendo assim igualmente para concluir que o mesmo não tem suporte legal.
IV.8. Entendendo-se que os actos impugnados estão feridos de ilegalidade, fica prejudicado o conhecimento da violação de princípios e normas constitucionais, também alegada pela Requerente.
IV.9. Como referimos acima, considera-se que a Requerente não logrou fazer prova de que já procedeu ao pagamento do imposto liquidado nas liquidações impugnadas, pelo que se entende não haver lugar à condenação a juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.
V. DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa exposto, decide-se:
a) Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade das liquidações impugnadas, por violação de lei em virtude de erro sobre os pressupostos de direito, as quais são assim anuladas;
b) Absolver a Requerida do pagamento de juros indemnizatórios por não ter ficado provado que já teve lugar o pagamento do imposto liquidado através das liquidações impugnadas.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 11.484,52, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. Taxa de arbitragem
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de Março de 2015
O Árbitro,
Luís Máximo dos Santos
A redacção da presente Decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.