Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 340/2024-T
Data da decisão: 2024-11-19  IMT  
Valor do pedido: € 164.451,78
Tema: IMT – Aplicação da lei no tempo – Artigo 5.º, n.º 2, alínea e) do Código do IMT.
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SUMÁRIO:

I — Na determinação do valor da causa atende-se exclusivamente à realidade processual existente quando a ação é proposta sendo irrelevantes posteriores modificações dos elementos da instância (artigo 299.º do CPC).

II - Sendo o IMT um imposto de obrigação única, a lei nova aplica-se aos factos futuros irremediavelmente, sendo que a proibição da retroatividade apenas implica o respeito pelos factos tributários passados, pois nesses casos a obrigação tributária nasceu e está concluída.

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Jorge Bacelar Gouveia e Cristina Aragão Seia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

 

A..., S.A. com o número de identificação fiscal  ... e com sede na Avenida ..., n.º ..., ..., ... ...‐... Algés, (doravante designada de “Requerente”), veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos n.os 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 de março, requerer  CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL para se pronunciar sobre a ilegalidade dos atos tributários de liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) n.ºs..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., no montante global de € 164.451,78, juntos em anexo para todos os efeitos legais como Documentos 1 a 8.

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 13 de março de 2024.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 6 de maio de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O TAC encontra-se, desde 24 de maio de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 26 de junho de 2024.

Por despacho de 29 de julho o TAC proferiu a seguinte decisão:

“1. Notifique-se a Requerente para exercer, no prazo de 10 dias, o direito de resposta quanto à matéria da exceção invocada pela Requerida, bem como quanto à questão do valor.

2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.

3. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

4. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até à data limite da prolação da decisão final.

5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

A Requerente pronunciou-se sobre a matéria de exceção e sobre o valor da causa.

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1. Nos presentes autos aduzidos com vista à Pronúncia Arbitral, vem a ora Requerente suscitar a pronúncia sobre a legalidade dos atos tributários de liquidação de IMT supra identificados, emitidos no decorrer do mês de dezembro de 2023, no montante global de imposto de € 164.451,78, em virtude de estas padecerem de erro nos seus pressupostos de facto e de direito que ferem de ilegalidade tais atos tributários.
  2. Na sequência da emissão dos atos tributários de liquidação de IMT sub judice, embora não pudesse concordar com os mesmos, a Requerente procedeu atempadamente ao pagamento integral dos correspondentes valores de prestação tributária (conforme demonstrado pelos comprovativos de pagamento juntos em anexo como Documento 9).
  3. A Requerente é uma sociedade que tem por objeto social o arrendamento, trespasse, venda, revenda e permuta de bens imóveis e outras atividades relacionadas com a prática de atos de consultoria de propriedade imobiliária.
  4. A Requerente detinha a totalidade das unidades de participação no B...– Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado (doravante abreviadamente designado de “Fundo B...”).
  5. O Fundo B... foi objeto de um procedimento de liquidação a 18 de dezembro de 2023 sendo, à data desta liquidação, detentor do património predial melhor detalhado na seguinte Tabela 1:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Os referidos bens imóveis tinham sido adquiridos pelo Fundo B... através de escritura pública de compra e venda datada de 31 de dezembro de 2009, junta em anexo como Documento 11.
  2. Ora, no contexto da liquidação do Fundo B..., a Requerente adquiriu, em 18 de dezembro de 2023, este conjunto de bens imóveis por via da adjudicação como reembolso em espécie das unidades de participação em virtude da liquidação em apreço, adjudicação titulada pela escritura de dissolução e liquidação do Fundo B... junta como Documento 12.
  3. Relativamente à operação de aquisição acima mencionada, a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) emitiu as liquidações de IMT (cf. Documentos 1 a 8), conforme melhor detalhado na Tabela 2 infra:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. A título de nota adicional, refira‐se que, relativamente aos imóveis sitos na União das Freguesias de ... (... e...) e na União das Freguesias de ... e ... identificados nas Tabelas 1 e 2 acima, a Requerente submeteu, antes da celebração da escritura pública de dissolução e liquidação (e respetiva operação de adjudicação / aquisição dos imóveis na sua esfera), e ao abrigo do disposto no artigo 30.º do Código do IMT, as Modelos 1 de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) com vista a despoletar um procedimento de avaliação dos valores patrimoniais tributários (“VPT”) destes bens imóveis em específico, com fundamento de os mesmos serem excessivos (comprovativos de submissão juntos em anexo como Documento 13).
  2. Posteriormente, a Requerente foi notificada pelo Serviço de Finanças de ... do resultado da avaliação dos VPTs dos imóveis sitos na União das Freguesias de ... (... e...), conforme notificações de avaliação de 17 de janeiro de 2024 juntas em anexo à presente petição como Documento 14, cujos resultados (redução dos VPTs) estão melhor detalhados na Tabela 3 infra:

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. No que respeita ao prédio urbano com o artigo matricial ... também sito na União das
  2. Freguesias de ... (... e...), foi a requerente notificada, no passado dia 6 de fevereiro de 2024, do resultado da avaliação (aumento do VPT), conforme notificação de avaliação junta enquanto Documento 15, cujo resultado está melhor detalhado na tabela infra:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. De referir que, até à presente data, a Requerente (i) não tem conhecimento de notificações das avaliações dos VPTs com referência aos demais 2 prédios urbanos objeto do procedimento de VPT excessivo acima mencionado, (ii) nem conhecimento de concretização dos reembolsos de IMT resultantes da redução substancial da matéria coletável para efeitos deste imposto relativamente aos imóveis já objeto das avaliações mencionadas.
  2. Volvendo à temática em análise, conforme melhor se descreverá seguidamente, poder‐se‐á concluir que os atos tributários de liquidação de IMT em crise padecem de manifesto erro nos seus pressupostos de facto e de direito.
  3. Pelo que, não podendo a Requerente concordar com os referidos atos tributários de liquidação de IMT, vem a mesma apresentar o presente pedido, requerendo a sua anulação total e correspondente reembolso do imposto em causa, no valor total de € 164.451,78, acrescido de juros indemnizatórios.
  4. O n.º 1 do artigo 1.º do Código do IMT estabelece que este imposto “incide sobre as transmissões previstas nos artigos seguintes, qualquer que seja o título por que se operem”.
  5. No que concerne à definição da sua incidência objetiva e territorial, o IMT “incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional”, conforme previsto no artigo 2.º do Código deste imposto.
  6. Não obstante a regra geral de incidência do IMT referida supra, o legislador tributário tem, sucessivamente, alargado a incidência deste imposto a outras realidades fácticas, i.e este compêndio tributário “continua a ficcionar, na sua incidência objetiva, como transmissão a título oneroso, do direito de propriedade, determinadas operações que, direta ou indiretamente, evidenciam um efeito económico equivalente à transmissão jurídica dos bens”.
  7. De facto, o Código equipara determinadas realidades a transmissões onerosas de imóveis para efeitos de IMT, sujeitando‐as a este imposto.
  8. Em concreto, na redação atualmente vigente da alínea f) do n.º 5 do artigo 2.º do Código do IMT, conferida com a entrada em vigor da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho, haverá incidência deste imposto na “(…) adjudicação de bens imóveis aos participantes como reembolso em espécie de unidades de participação decorrente do resgate das unidades de participação, da liquidação e da redução de capital de fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular” (realces nossos).
  9. Deste modo, e no que à operação in casu diz respeito, uma vez que o Fundo B... é um fundo imobiliário fechado de subscrição particular, a adjudicação dos seus bens imóveis à A... (participante deste Fundo), enquanto reembolso em espécie das unidades de participação, seria uma operação sujeita a IMT numa leitura literal da norma de incidência objetiva consagrada na alínea f) do n.º 5 do artigo 2.º do Código deste imposto.
  10. Não obstante, entende a Requerente que a operação em concreto de adjudicação dos bens imóveis em resultado da liquidação do Fundo B... não deveria sequer ser subsumível às normas de incidência objetiva do IMT e, consequentemente, não deveria ter sido sujeita a este imposto, atendendo aos princípios constitucionalmente previstos da segurança jurídica e de proteção da confiança legítima.
  11. Os imóveis agora adjudicados à Requerente foram originalmente adquiridos pelo Fundo B... através da escritura pública de compra e venda celebrada em 31 de dezembro de 2009.
  12. Sucede que à data da aquisição dos imóveis pelo Fundo B... o Código do IMT ainda não previa a sujeição a este imposto na adjudicação de bens imóveis aos participantes como reembolso em espécie de unidades de participação decorrente da liquidação de fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular.
  13. Com efeito, a incidência objetiva de IMT nestas operações de adjudicação só passou a estar prevista no Código deste imposto através da entrada em vigor da Lei n.º 66‐B/2012, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para o ano 2013), que introduziu a norma de incidência objetiva que determina a sujeição a IMT da “adjudicação de bens imóveis como reembolso em espécie de unidades de participação decorrente da liquidação de fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular”, conforme redação conferida à alínea e) do n.º 5.º do artigo 2.º desse Código.
  14. Quer isto dizer que no momento da aquisição dos imóveis pelo Fundo B... não havia qualquer expectativa de que, no momento da adjudicação de bens imóveis aos seus participantes, como reembolso em espécie de unidades de participação, houvesse lugar à incidência de IMT na esfera dos participantes.
  15. Deste modo, entende a Requerente que, ao abrigo dos princípios constitucionais da segurança jurídica e de proteção da confiança legítima, a operação de adjudicação dos bens imóveis para a sua esfera, em resultado da liquidação do Fundo B..., não deveria ter‐se subsumido às normas de incidência objetiva de IMT.

 

II.2.     Posição da Requerida

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

 

Questão prévia – Valor do processo

  1. A Requerente pretende obter a anulação do valor correspondente à totalidade dos atos tributários de liquidação de IMT, que aqui impugna, ou seja, o montante total de € 164 451,78, apresentando esse mesmo valor como o da utilidade económica do presente pedido arbitral.
  2. Contudo, em resultado de um pedido de avaliação nos termos do art.º 30.º do CIMT, a liquidação ... (€102.393,36) já foi reformada e neste momento apresenta um valor de €21.466,25. A diferença (€80.927,11) já foi reembolsada, conforme o mapa constante do ponto 37.º desta informação.
  3. Consequentemente, e em conformidade com os referidos normativos legais, o valor a atribuir ao presente pedido, terá que corresponder, unicamente, ao valor do imposto que lhe foi liquidado e não anulado/reembolsado, porquanto será essa a utilidade económica imediata do pedido.
  4. Ou seja, o valor atribuído ao presente pedido não se mostra em conformidade com o que prescrevem as normas dos artigos 97.º A e 108.º ambos do CPPT,
  5. Devendo assim o valor atribuído ao presente pedido deve ser alterado, passando a constar como valor da causa o montante de €83.524,67, e não de €164.524,67, como foi indicado pela Requerente.

 

Por exceção

  1. Por força do disposto no artigo 12.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro, as referências à DGCI e à DGAIEC no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, consideram-se feitas à Autoridade tributária e Aduaneira (AT).
  2. Resulta assim das normas indicadas, que a competência dos Tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange os atos referidos no artigo 2.º do RJAT que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade tributária e Aduaneira.
  3. In casu, estamos perante a impugnação de uma liquidação de IMT emitida, com base na transmissão de um imóvel localizado na freguesia do ... ( ...), concelho do Funchal.
  4. Importa agora saber a que entidade a quem está cometida a administração do Imposto em causa.
  5. A Região Autónoma da Madeira dispõe de poder tributário próprio (cf. Artigo 277.º, n.º 1, al. i) da CRP e artigo 107.º do Estatuto Político-Administrativo da Região autónoma da Madeira).
  6. O IMT, cuja legalidade aqui se discute, na medida em que foi cobrado e gerado no território da Região Autónoma da Madeira, constitui receita da Região. (cf. artigo 108.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira).
  7. A Região Autónoma da Madeira tem capacidade para ser sujeito ativo dos impostos nela cobrados, quer de âmbito regional quer de âmbito nacional e essa capacidade compreende, entre outros, o poder de o Governo Regional criar os serviços fiscais competentes para o lançamento, liquidação e cobrança dos impostos de que é sujeito ativo (cf. Artigo 140º-1, alínea a) do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e artigo 61º-1, alínea a), e n.º 2, alínea a) da lei das Finanças das regiões Autónomas).
  8. Neste sentido, a AT-RAM tem por missão assegurar e administrar, entre outros, os impostos sobre o património, nomeadamente a liquidação e a cobrança dos impostos que constituem receita da Região Autónoma da Madeira, incumbindo-lhe em especial e relativamente às receitas fiscais próprias da Região Autónoma da Madeira assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o património. (cf. Artigo 2.º, n.º 1 e artigo 3.º, n.º 3, alínea a), ambos do Decreto Regulamentar Regional n.º 14/2015/M, de 19 de agosto).
  9. Face ao exposto, a entidade a quem é cometida a administração do imposto (IMT), cuja legalidade se discute, é a AT – RAM.
  10. A AT – RAM não está enunciada na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, entre os serviços vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
  11. Acresce que o Governo Regional da Madeira não se confunde com o Governo da República, e apenas este emitiu a referida portaria de vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a qual não vincula, nem poderia vincular, a AT – RAM.
  12. No caso concreto, uma vez que a administração do imposto em causa é cometida, não à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), mas sim à AT – RAM, estamos perante uma pretensão que está fora das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, donde o Tribunal Arbitral não tem competência material para conhecer do presente pedido de pronúncia arbitral.

           

Por impugnação

  1. A Requerente é uma sociedade que tem por objeto social o arrendamento, trespasse, venda, revenda e permuta de bens imóveis e outras atividades relacionadas com a prática de atos de consultoria de propriedade imobiliária.
  2. A Requerente detinha a totalidade das unidades de participação no Fundo B... .
  3. Em 18 de dezembro de 2023 foi operada a dissolução e liquidação do B... Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, conforme escritura pública de dissolução, liquidação, junta à p.i., como Doc. 12.
  4. Estamos perante um fundo de investimento fechado de subscrição particular. No contexto da referida operação de dissolução e liquidação e partilha do Fundo, os ativos por si detidos foram transmitidos para a referida titular das unidades de participação do Fundo.
  5. Concretamente, em resultado da dita operação, a Requerente passou a deter o direito de propriedade sobre os prédios, melhor identificados no ponto 1.º da presente informação, por via da adjudicação como reembolso em espécie das unidades de participação em virtude da liquidação em apreço.
  6. Antes da celebração da escritura pública de dissolução e liquidação, ao abrigo do artigo 19.º do CIMT, a Requerente apresentou as seguintes declarações Modelo 1, com os registos n.ºs 2023..., de 07-12-2023, 2023/..., de 12-12-2023, 2023/..., de 12-12-2023, 2023/..., de 07-12-2023, 2023/..., de 11-12-2023, 2023/..., de 12-12-2023, 2023/..., de 12-12-2023, 2023/..., de 12-12-2023, solicitando a respetiva liquidação do imposto.
  7. Na sequência, foram emitidas as liquidações de IMT n.ºs ... (€ 102.393,36), ... (€11.284,20), ... (€ 583,05), ... (€ 1.862,47), ... (€ 7.410,00), ... (€12.450,00), ... (€ 747,50) e ... (€ 27.721,20), ora em crise, no montante total de € 164.451,78, que a Requerente pagou integralmente.
  8. Entretanto, em resultado do pedido de avaliação nos termos do art.º 30.º do CIMT, e nos seus exatos termos, a liquidação ... (€102.393,36) já foi reformada e neste momento apresenta um valor de €21.466,25. A diferença (€80.927,11) já foi reembolsada.
  9. Contudo, a Requerente não concordando com as liquidações de IMT em causa, apresentou o presente pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral em 11-03-2024.
  10. Que quanto à operação in casu diz respeito, uma vez que o Fundo B... é um fundo imobiliário fechado de subscrição particular, face à redação atualmente vigente da alínea e) do n.º 5 do artigo 2.º do Código do IMT, conferida com a entrada em vigor da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho, a adjudicação dos seus bens imóveis à A... (participante deste Fundo), enquanto reembolso em espécie das unidades de participação, seria uma operação sujeita a IMT.
  11. Não obstante, entende a Requerente que a operação em concreto de adjudicação dos bens imóveis em resultado da liquidação do Fundo B... não deveria sequer ser subsumível às normas de incidência objetiva do IMT e, consequentemente, não deveria ter sido sujeita a este imposto, atendendo aos princípios constitucionalmente previstos da segurança jurídica e de proteção da confiança legítima.
  12. Os imóveis agora adjudicados à Requerente foram originalmente adquiridos pelo Fundo B...  através da escritura pública de compra e venda celebrada em 31 de dezembro de 2009.
  13. Sucede que à data da aquisição dos imóveis pelo Fundo B..., o Código do IMT ainda não previa a sujeição a este imposto na adjudicação de bens imóveis aos participantes como reembolso em espécie de unidades de participação decorrente da liquidação de fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular.
  14. Com efeito, a incidência objetiva de IMT nestas operações de adjudicação só passou a estar prevista no Código deste imposto através da entrada em vigor da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para o ano 2013), que introduziu a norma de incidência objetiva que determina a sujeição a IMT da “adjudicação de bens imóveis como reembolso em espécie de unidades de participação decorrente da liquidação de fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular”, conforme redação conferida à alínea e) do n.º 5.º do artigo 2.º desse Código.
  15. Alega a Requerente que no momento da aquisição dos imóveis pelo Fundo B... não havia qualquer expectativa de que, no momento da adjudicação de bens imóveis aos seus participantes, como reembolso em espécie de unidades de participação, houvesse lugar à incidência de IMT na esfera dos participantes.
  16. Donde, ao abrigo dos princípios constitucionais da segurança jurídica e de proteção da confiança legítima, a operação de adjudicação dos bens imóveis para a sua esfera, em resultado da liquidação do Fundo B..., não deveria ter- se subsumido às normas de incidência objetiva de IMT.
  17. Com a entrada em vigor da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (Lei de Orçamento de Estado para 2013), o legislador introduziu diversas alterações no sentido de consagrar a sujeição a IMT da liquidação, fusão e cisão de FII fechados de subscrição particular.
  18. Com efeito, a al. e) do n.º 5 do art.º 2.º do CIMT passou a PREVER a sujeição a IMT da adjudicação de bens imóveis como reembolso de unidades de participação, em resultado da liquidação de um FII fechado de subscrição particular, passando a sua redação, com a Lei de Orçamento de Estado para 2013, a ser a seguinte:

“Art.º 2.º

(…)

5 – Em virtude do disposto no n.º 1, são também sujeitas ao IMT, designadamente: (…) e) As entradas dos sócios com bens imóveis para a realização do capital das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial ou das sociedades civis a que tenha sido legalmente reconhecida personalidade jurídica e, bem assim, a adjudicação dos bens imóveis aos sócios na liquidação dessas sociedades e a adjudicação de bens imóveis como reembolso em espécie de unidades de participação decorrente da liquidação de fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular”.

  1. Com efeito, esta nova redação da alínea e) do n.º 5 do artigo 2.º do Código do IMT é aplicável a partir de 01-01-2013, data da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2013 (Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro). Deste modo, a nova redação da alínea e), passou a prever expressamente a sujeição de IMT da “adjudicação de bens imóveis como reembolso em espécie de unidades de participação decorrente da liquidação de fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular”.
  2. Com a referida alteração, o alcance da citada norma deixou de ser apenas a adjudicação dos bens imóveis aos sócios na liquidação das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial ou das sociedades civis a que tenha sido legalmente reconhecida personalidade jurídica, passando também a abranger a adjudicação de bens imóveis como reembolso em espécie de unidades de participação decorrente da liquidação de fundos de investimento imobiliário fechados.
  3. Regista-se assim um efetivo alargamento na base de incidência de IMT, querido pelo legislador, com o intuito de reforçar a equidade fiscal e promover a igualdade de tratamento.
  4. Assim sendo, a adjudicação de bens imóveis como reembolso de unidades de participação, em resultado da liquidação de um FII fechado de subscrição particular, está prevista na norma de sujeição objetiva do CIMT, constante da alínea e) do n.º 5 do artigo 2.º do mesmo código, na redação dada pela Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2013 (Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro).
  5. Não existindo norma que estabeleça qualquer exceção quanto à sua produção de efeitos, a norma será obrigatoriamente aplicável aos factos tributários que ocorram após a respetiva entrada em vigor (cf. art.º 12º do Código Civil), ou seja, a partir de 01-01-2013.
  6. Ora, atendendo ao n.º 1 do art.º 5.º do CIMT, que estipula como princípio geral que a incidência de IMT se regula pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária,
  7. E, considerando que o facto tributário em análise (procedimento de dissolução e liquidação do Fundo B... e adjudicação dos imóveis aos sócios) ocorreu em 18-12-2023, ou seja, depois da entrada em vigor da nova redação da alínea e) do nº5 do art.º 2º do CIMT (01-01-2013), tal operação encontra-se sujeita a IMT.
  8. Donde, os atos de liquidação impugnados decorrem imperativamente da lei, pelo que foi praticado no estrito cumprimento da mesma, tal como é o dever da administração fiscal. Em cumprimento do princípio da legalidade (art.º 103º da CRP e art.º 8º da LGT) interpretado na sua dimensão da proeminência da lei, na medida em que o ato praticado pela AT não contraria a lei.
  9. Do mesmo modo, não se vislumbra na interpretação efetuada pela AT qualquer violação dos princípios, da confiança e segurança jurídicas, invocados pela Requerente.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, sendo que a competência material será apreciada na parte seguinte.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

 

  1. Fundamentação

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1.  A Requerente é uma sociedade que tem por objeto social o arrendamento, trespasse, venda, revenda e permuta de bens imóveis e outras atividades relacionadas com a prática de atos de consultoria de propriedade imobiliária.
  2. A Requerente detinha a totalidade das unidades de participação no Fundo B... .
  3. Em 18 de dezembro de 2023 foi operada a dissolução e liquidação do B... Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, conforme escritura pública de dissolução, liquidação, junta à p.i., como Doc. 12.
  4. Estamos perante um fundo de investimento fechado de subscrição particular. No contexto da referida operação de dissolução e liquidação e partilha do Fundo, os ativos por si detidos foram transmitidos para a referida titular das unidades de participação do Fundo.
  5. Concretamente, em resultado da dita operação, a Requerente passou a deter o direito de propriedade sobre os prédios, melhor identificados no ponto 1.º da presente informação, por via da adjudicação como reembolso em espécie das unidades de participação em virtude da liquidação em apreço.
  6. Antes da celebração da escritura pública de dissolução e liquidação, ao abrigo do artigo 19.º do CIMT, a Requerente apresentou as seguintes declarações Modelo 1, com os registos n.ºs 2023/..., de 07-12-2023, 2023/..., de 12-12-2023, 2023/..., de 12-12-2023, 2023/..., de 07-12-2023, 2023/..., de 11-12-2023, 2023/..., de 12-12-2023, 2023/..., de 12-12-2023, 2023/..., de 12-12-2023, solicitando a respetiva liquidação do imposto.
  7. Na sequência, foram emitidas as liquidações de IMT n.ºs ... (€ 102.393,36),  ...(€11.284,20), ... (€ 583,05), ... (€ 1.862,47), ... (€ 7.410,00), ... (€12.450,00), ... (€ 747,50) e ... (€ 27.721,20), ora em crise, no montante total de € 164.451,78, que a Requerente pagou integralmente.
  8. Entretanto, em resultado do pedido de avaliação nos termos do art.º 30.º do CIMT, e nos seus exatos termos, a liquidação ... (€102.393,36) já foi reformada e neste momento apresenta um valor de €21.466,25. A diferença (€80.927,11) já foi reembolsada.
  9. Contudo, a Requerente não concordando com as liquidações de IMT em causa, apresentou o presente pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral em 11-03-2024.

 

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais, bem como nos documentos juntos aos autos, quer pela Requerente (com o pedido), quer pela Requerida (no processo administrativo) e em factos não questionados pelas partes.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo autor, nos termos do n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, de acordo com o n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV.2.    Matéria de Direito

 

Quanto à exceção de incompetência

            A questão suscitada pela Requerida, na sua Resposta, não é nova, tendo sido já objeto de análise pela doutrina e jurisprudência. A tal respeito, defende a doutrina que: «…os impostos cobrados na Região Autónoma da Madeira estão fora do âmbito material da arbitragem porquanto a Portaria de Vinculação impõe como limite os impostos geridos pela Autoridade Tributária e Aduaneira. (…) A Região Autónoma da Madeira não tem consagradas num único diploma as suas medidas de adaptação do sistema fiscal nacional, sendo esta adaptação concretizada através de vários diplomas avulsos. Em boa verdade, no tocante à Madeira foi levado a cabo um processo de regionalização da administração fiscal através do DL n.º 18/2005, de 18/1, e dos Decretos Regulamentares Regionais n.ºs 1/A/2001/M, de 13/3, 29-A/2005/M, de 31/8, 5/2007/M, de 23/7, 27/2008/M, de 3/7, 8/2011/M, de 14/11, 4/2012/M, de 9/4, e 2/2013/M, de 1/2. Assim, tendo em consideração que o art. 1.º do DL n.º 18/2005, de 18/1, consagra a transferência para a Região Autónoma da Madeira das atribuições e competências fiscais que no âmbito da Direção de Finanças da Região Autónoma da Madeira e de todos os serviços dela dependentes vinham sendo exercidas no território da Região pelo Governo da República, os impostos cobrados na Região Autónoma da Madeira estão fora do âmbito material da arbitragem porquanto a Portaria de Vinculação impõe como limite os impostos geridos pela Autoridade Tributária e Aduaneira».

Nesta linha doutrinal também já se pronunciou a jurisprudência, utilizando nos seus alicerces argumentativos os seguintes:

i) A Direção-Regional dos Assuntos Fiscais não se encontra explicitamente elencada na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ou implicitamente, porquanto a Região Autónoma não se confunde com outra realidade jurídica, o Estado e

ii) A lista de serviços vinculados à jurisdição do CAAD na portaria de vinculação tem natureza taxativa e, consequentemente, desta não consta a DRAF.

 

Em sentido oposto já se pronunciou igualmente a jurisprudência arbitral no âmbito dos processos 260/2013-T, de 6/05/2014 e 90/2014-T, de 26/09/2014 na primeira decisão arbitral concluiu-se deste modo:

i) A competência dos tribunais arbitrais tributários exige, em primeira linha, que o tribunal aprecie a legalidade do ato, cfr. art. 2.º do RJAT e art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março;

ii) Dever-se-á apurar se a AT enquanto, sucessora das entidades descritas no art. 1.º da Portaria, tem interesse em contradizer a pretensão do Requerente do pedido de pronúncia arbitral e se o caso julgado que se forme a final tem efeito útil e

iii) O art. 1.º do Decreto-Lei n.º 18/2005, de 18 de Janeiro apenas comporta a transferência para a Região Autónoma da Madeira das atribuições e competências fiscais próprias da Direção de Finanças da Região Autónoma da Madeira e de todos os serviços dela dependentes e, assim, excluem-se as competências exercidas por delegação ou por qualquer outra forma de representação de outros órgãos. No mesmo sentido adita a jurisprudência: «…resulta do itinerário legislativo acima exposto que a AT nunca deixou de “assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM”, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM, incluindo ao abrigo do Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013, em vigor à data das liquidações sub judice, pelo que a Requerida dispunha dos necessários poderes para a prática das liquidações em causa, podendo ainda considerar-se que, inequivocamente, o imposto estava sujeito à sua administração».

Deste modo, impõe-se questionar, desde logo, se este tribunal tem competência para apreciar a liquidação em crise.

Para dirimir tal questão é necessário mobilizar o enquadramento normativo pertinente, isto é, o RJAT e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março que estabeleceu os termos da vinculação da Administração Tributária à jurisdição do CAAD. Mais concretamente o artigo 2.º, n. 1 do RJAT dispõe que: «A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;»

Contudo, a vinculação à jurisdição dos tribunais constituídos junto do CAAD engloba como dispõe o art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março: «os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública: a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC)». Sucede que, por intermédio do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, tais serviços foram fundidos na Administração Tributária e Aduaneira (AT). Mais, acrescenta o artigo 2.º, n.º 1 da supra mencionada Portaria: «Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida (nosso sublinhado) referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro…».

A Lei Orgânica da Direcção-Regional dos Assuntos Fiscais (Decreto-Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, de 1 de Fevereiro de 2013), no art. 2.º , n.º 3 determina que: «Incumbe em especial à DRAF e relativamente às receitas fiscais próprias: a) Assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas da Região ou de pessoas colectivas de direito público».

Contudo o art. 12.º, n.º 1 do mesmo diploma dispõe que: «Até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das atribuições e competências previstas no artigo 2.º do presente diploma, a AT, através dos seus departamentos e serviços, continuará a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM».

Ora, no caso concreto, existem vários normativos que demonstram que a administração do IMT é da responsabilidade da AT. Com efeito, no art. 21.º, n.º 1 do CIMT dispõe: “O IMT é liquidado pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base na declaração do sujeito passivo ou oficiosamente, considerando-se, para todos os efeitos legais, o ato tributário praticado no serviço de finanças competente.”

Ademais, e conforme dito pela Requerente na resposta à exceção, a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas (“IMT”) n.º ..., objeto dos presentes autos, foi emitida pelo Serviço de Finanças de Oeiras ‐ ..., o que demonstra igualmente que a administração do imposto em causa encontra-se cometida à AT, o que é bastante para concluir pela competência material deste tribunal para apreciar os vícios imputados pelo Requerente à liquidação controvertida.

Crê-se ainda que tal sentido interpretativo sai reforçado quando se constata o cuidado do legislador regional no citado art. 12.º, n.º 1 do Decreto-Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, de 1 de Fevereiro de 2013 quando afirma que a AT continuará a realizar os procedimentos em matéria administrativa, até que a DRAF tenha todos os meios necessários ao exercício da totalidade das atribuições e competências previstas no art. 2.º do mesmo diploma e no qual constam a «liquidação e cobrança dos impostos…sobre o património…».

Consequentemente, o processo não enferma de nulidades e, como tal, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

Quanto ao valor da causa e inutilidade superveniente parcial da lide

Conforme resulta do art. 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável ex vi do art. 29.º do RJAT, o valor atendível, para efeitos de custas, será “[q]uando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende.” Por outro lado, nada se prescrevendo nas leis processuais tributárias quanto ao momento que releva para a fixação do valor da causa, há que convocar para esse efeito a aplicação do disposto no art. 299.º, n.º 1, do CPC, preceito segundo o qual “[n]a determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta.” Desta regra processual excetuam-se apenas aqueles casos, que não relevam para a presente arbitragem, em que haja lugar a reconvenção ou intervenção principal (n.º 1, in fine) ou os processos de liquidação e outros em que só na sequência da própria propositura da ação se possa apurar a utilidade económica do pedido (n.º 3).

Ora aquando da propositura da presente arbitragem (13-03-2024) o requerente apresentou-se a peticionar a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) n.ºs..., ..., ..., ..., ...,  ..., ... e..., no montante global de € 164.451,78.

Mais: do petitório formulado no pedido de pronúncia arbitral resulta bem clara a dedução de uma pretensão de anulação integral — e não meramente parcial — deste ato tributário.

O facto de, posteriormente, em resultado do pedido de avaliação nos termos do art.º 30.º do CIMT, e nos seus exatos termos, a liquidação ... (€102.393,36) já foi reformada e neste momento apresenta um valor de €21.466,25. A diferença (€80.927,11) já foi reembolsada, é despiciendo no que diz respeito à determinação do valor da ação já que, como resulta claramente do cit. artigo 299.º, n.º 1, do CPC, a realidade processual a que se deve atender na operação de fixação do valor da ação é aquela existente à data da propositura da causa, sendo para esse efeito irrelevantes quaisquer supervenientes vicissitudes que venham modificar os elementos da instância, salvo naturalmente aquelas expressamente excecionadas no próprio artigo 299.º do CPC.

Assim, à data da sua propositura, a presente arbitragem foi configurada como uma disputa em torno da pretensão de declaração de ilegalidade e invalidação integral de um ato tributário de que resultava a liquidação de imposto pelo montante de € 164.451,78. É este, pois, o valor que se deve fixar para a presente causa. Improcedem deste modo as pretensões deduzidas por ambas as partes quanto à fixação do valor da causa.

Sem prejuízo, este Tribunal Arbitral entende verificar-se a inutilidade superveniente parcial da lide no que diz respeito ao pedido de anulação do acto tributário e consequente reembolso da diferença €80.927,11, o que implica, quanto a esta parte, a extinção da correspondente instância nos termos do disposto no artigo 277º, alínea e) do CPC (aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

            Quanto ao Thema Decidendum

A questão consubstancia-se num problema de aplicação da lei no tempo.

Na verdade, os imóveis agora adjudicados à Requerente foram originalmente adquiridos pelo Fundo B... através da escritura pública de compra e venda celebrada em 31 de dezembro de 2009.

Sucede que à data da aquisição dos imóveis pelo Fundo B..., o Código do IMT ainda não previa a sujeição a este imposto na adjudicação de bens imóveis aos participantes como reembolso em espécie de unidades de participação decorrente da liquidação de fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular.

Com efeito, a incidência objetiva de IMT nestas operações de adjudicação só passou a estar prevista no Código deste imposto através da entrada em vigor da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para o ano 2013), que introduziu a norma de incidência objetiva que determina a sujeição a IMT da “adjudicação de bens imóveis como reembolso em espécie de unidades de participação decorrente da liquidação de fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular”, conforme redação conferida à alínea e) do n.º 5.º do artigo 2.º desse Código.

Alega, assim, a Requerente que no momento da aquisição dos imóveis pelo Fundo B... não havia qualquer expectativa de que, no momento da adjudicação de bens imóveis aos seus participantes, como reembolso em espécie de unidades de participação, houvesse lugar à incidência de IMT na esfera dos participantes.

Este facto tributário ocorreu no dia 18 de dezembro de 2023, data em que foi operada a dissolução e liquidação do B... Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, conforme escritura pública de dissolução, liquidação, junta à p.i., como Doc. 12.

Ora, a obrigação tributária de IMT, tratando-se de um imposto de obrigação única, nos termos do art.º 5.º, nº 2 do respetivo código, constitui-se no momento em que ocorre a transmissão. Como, aliás, acontece com a generalidade dos impostos e restantes tributos.

Se a obrigação tributária se constitui na data do facto tributário, é evidente que todos os aspetos que determinam o quantum da obrigação hão de ser aqueles que resultarem da lei em vigor nessa mesma data. Portanto não há dúvida de que, ao constituir-se a obrigação tributária em 18 de dezembro de 2023, ser-lhe-ia aplicável a redação em vigor da alínea e) do n.º 5.º do artigo 2.º desse Código do IMT, que determina a sujeição a IMT da “adjudicação de bens imóveis como reembolso em espécie de unidades de participação decorrente da liquidação de fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular”.

A questão que agora se discute é a da aplicabilidade da exclusão de tributação antes da entrada em vigor da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para o ano 2013), que introduziu a norma de incidência objetiva que determina a sujeição a IMT da “adjudicação de bens imóveis como reembolso em espécie de unidades de participação decorrente da liquidação de fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular”, conforme redação conferida à alínea e) do n.º 5.º do artigo 2.º desse Código, à liquidação que ocorreu no dia 18 de dezembro de 2023, data em que foi operada a dissolução e liquidação do B... Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado.

Olhando ao disposto no art.º 5.º nº 2 do CIMT, nos termos do qual a obrigação tributária se constitui no momento em que ocorre a transmissão, pareceria isento de dúvida que haveria IMT uma vez que não há exclusão tributária, pois o momento determinante da aplicação da norma seria o momento da constituição da obrigação.

E não apenas esta conclusão resultaria do artº 5.º CIMT, mas até de uma consideração de ordem geral, ou melhor de um princípio geral do direito das obrigações, que é o de que, salvo situações especialmente previstas, as obrigações constituem-se de acordo com as normas em vigor no momento da constituição.

Ademais, o CIMT contém uma norma geral muito clara relativa a aplicação no tempo das normas que fixam as taxas do imposto e a determinação do valor tributável. Referimo-nos ao art.º 18.º, n.º 1, segundo o qual “O imposto será liquidado pelas taxas em vigor ao tempo da ocorrência do facto tributário.”

Cremos que esta é a interpretação mais correta, uma vez que estamos perante um imposto de obrigação única. Ora, sendo o IMT um imposto de obrigação única, a lei nova aplica-se aos factos futuros irremediavelmente, sendo que a proibição da retroatividade apenas implica o respeito pelos factos tributários passados, pois nesses casos a obrigação tributária nasceu e está concluída.

Consideramos assim que o pedido formulado pela Requerente, e não objeto de correção a posteriori dado pela Requerida, improcede.

 

 

  1. DECISÃO

Em face de tudo o exposto, decide este Tribunal Arbitral Coletivo:

  1. Declarar inutilidade parcial superveniente da lide, no que diz respeito ao pedido de anulação do ato tributário correspondente ao valor já reembolsado da diferença € 86.273,36;
  2. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao valor de € 78.851,31, com as legais consequências;
  3. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

 

  1. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 164.451,78, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

  1. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 3.672,00, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de novembro de 2024

 

Os Árbitros,

 

 

Guilherme W. d’Oliveira Martins
(Árbitro Presidente)

 

 

Jorge Bacelar Gouveia

(Árbitro Adjunto)

 

 

Cristina Aragão Seia
(Árbitro Adjunto)

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.